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Processo n.º 624/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 581/2011:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos Ministério Público e B., S.A., o primeiro vem interpor recurso, em 06 de Junho de 2011 (fls. 14625 a 14627), ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 12 de Maio de 2011 (fls. 14606 a 14615), que negou provimento a reclamação deduzida relativamente a decisão sumária proferida, pelo Relator junto daquele Tribunal, em 10 de Março de 2011 (fls. 14576 a 14582), que, por sua vez rejeitou recurso de revista por aquele interposto.
O recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade de interpretação normativa extraída do “artº 400/1 al. f) do CPP no sentido de que somente é recorrível para o STJ o acórdão da relação que confirme decisão de 1ª instância, quando condene em pena por crime parcelar que seja superior a 8 anos, e não quando a pena concretamente aplicada seja, em concurso, superior a 8 anos, sendo as penas parcelares inferiores” (fls. 14626), por violação do direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Conforme, aliás, referenciado pela decisão recorrida (cfr. fls. 14614 e 14615), o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar, sem quaisquer oscilações de jurisprudência, que o direito fundamental ao recurso processo penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP) não inclui na sua esfera de protecção normativa um direito a um duplo grau de recurso (ver, a mero título de exemplo, os Acórdãos n.º 263/09, n.º 551/09, n.º 645/09, n.º 125/10, n.º 174/10, n.º 276/10, n.º 277/10, n.º 308/10, n.º 314/10, n.º 359/10 n.º 471/10, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Para sintetizar este entendimento, veja-se o Acórdão n.º 551/09:
«7. O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas também que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (Cfr., entre muitos, a propósito da anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na peculiar interpretação acima referida do que era a pena aplicável, acórdão n.º 64/2006 (Plenário), publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006). Essa limitação do recurso apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação” (citado Acórdão n.º 451/03).»
Ora, independentemente da correcção e justeza da interpretação normativa extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP – que não cabe a este Tribunal sindicar, na medida em que a lei apenas o encarrega de sindicar da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, tal como aplicadas pelos tribunais recorridos (artigo 79º-C da LTC) –, certo é que aquela interpretação normativa não atenta contra a Lei Fundamental, na medida em que foi garantido um grau de recurso penal.
Assim sendo, de um ponto de vista da estrita constitucionalidade normativa, a mesma não atenta contra a esfera de protecção do artigo 32º, n.º 1, da CRP, pelo que, ao abrigo do artigo 78º-A da LTC, fica a Relatora autorizada a proferir a presente decisão sumária de não provimento, por remissão para a fundamentação mais extensa que consta da jurisprudência supra citada.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, e pelos fundamentos expostos, decide-se não julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída do “artº 400/1 al. f) do CPP no sentido de que somente é recorrível para o STJ o acórdão da relação que confirme decisão de 1ª instância, quando condene em pena por crime parcelar que seja superior a 8 anos, e não quando a pena concretamente aplicada seja, em concurso, superior a 8 anos, sendo as penas parcelares inferiores”.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
2. Inconformado com a decisão, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
“(…)
2-O recorrente insurgiu-se com a interpretação dada pelo STJ à al. f) do nº 1 do artº 400º do CPP nos termos invocados no seu articulado de recurso para esse TC, para onde se remete por economia, em duas vertentes, que assinalou:
1-Entendeu inconstitucional a interpretação feita do artº 400/1 al. f) do CPP no sentido de que somente é recorrível para o STJ o acórdão da relação que confirme decisão de 1ª instância, quando condene em pena por crime parcelar que seja superior a 8 anos, e não quando a pena concretamente aplicada seja, em concurso, superior a 8 anos, sendo as penas parcelares inferiores.
2-E ainda inconstitucional a interpretação daquele normativo, dada na decisão ora em crise, que entende não ser admissível recurso de pena concretamente aplicada superior a 8 anos, pela relação que confirme decisão de 1ª instância, quando o recurso seja limitado nos termos do disposto no art° 403 do CPP.
Acresce que.
3-Para além de ter questionado aquela interpretação dada pelo STJ em termos de violar direitos dos arguidos previstos no artº 32 da CRP — princípio da plenitude do direito de defesa e de recurso para o STJ — in casu, também questionou a violação da lei na acepção do referido artº 71º/1 da já referida Lei do TC, porquanto referiu o arguido expressamente,
Na decisão recorrida foi violado o princípio constitucional da legalidade, com violação expressa do disposto no artº 32º da Constituição da República Portuguesa, com referência ao direito de plenitude da defesa do arguido.
Disse ainda o arguido que.
É raciocínio violador das normas (ínsitas nos artºs 400º/l al. f), artº 403º/1/2 al. c), e) f) e nº 3, violador do princípio da plenitude de defesa e direito ao recurso constantes dos artºs 32º da CRP’, designadamente quando no caso presente foi retirado ao arguido/recorrente um grau de direito a recurso.
Contudo, e sempre com o incomensurável respeito pela douta sapiência ínsita na decisão sob “protesto”.
4-Entende o arguido/recorrente, e daí esta reclamação, que é decisão redutora, e que não se pronunciou com a plenitude almejada, nomeadamente quanto à questão da violação de Lei.
Assim.
5-Mantendo o seu raciocínio quanto à inconstitucionalidade da interpretação dada pelo STJ às normas referidas no articulado de recurso interposto para esse Tribunal, para onde se ousa remeter, dando aqui como reproduzida essa peça,
6-Suscita ainda da Conferência a censura da legalidade da mesma interpretação dada pelo STJ às normas em análise.
O que requer, sempre com a certeza de que V. Exªs. terão presente que a justeza e correcção da interpretação das normas, parafraseando a Ilustríssima Conselheira Relatora, tem uma componente verdadeiramente constitucional, desde logo pela obrigatoriedade da sua ligação ao ideal de Justiça na sua componente mais sagrada, a do DIREITO NATURAL.” (fls. 14664 a 14666)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos.
“1º
O recorrente, com o recurso para o Tribunal Constitucional, pretendia ver apreciada a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação normativa extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que, com clareza, identifica.
2º
Como sobre a constitucionalidade da interpretação normativa em causa, o Tribunal já se tinha pronunciado numerosas vezes, sempre proferindo juízos de não inconstitucionalidade, a questão foi considerada simples e, remetendo-se para essa jurisprudência que cita e em parte se transcreve, foi proferida a douta Decisão Sumária n.º 581/2011, que negou provimento ao recurso.
3.º
O recorrente nunca adiantou, nem agora na reclamação, qualquer novo argumento para sustentar a inconstitucionalidade.
.
4.º
Aliás, referindo-se na reclamação o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, foi essencialmente essa a norma constitucional tida como parâmetro para aferir da constitucionalidade, concluindo-se pela sua não violação.
5.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada limitou-se a remeter para jurisprudência consolidada deste Tribunal a propósito da questão de inconstitucionalidade normativa suscitada nos presentes autos, a qual incide sobre o âmbito do direito fundamental ao recurso em processo penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP). Não aduzindo o reclamante qualquer fundamento adicional susceptível de alterar aquela jurisprudência, mais não resta do que confirmar a decisão ora reclamada.
Quanto à questão da ilegalidade, deve, em primeiro lugar, salientar-se que o reclamante nunca fixou como objecto do presente recurso a fiscalização da ilegalidade, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, tendo o recurso sido exclusivamente interposto ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito legal, conforme resulta do requerimento de interposição (fls. 14625), pelo que a questão de ilegalidade nunca poderia ser conhecida. Além disso, o reclamante nem sequer demonstra qualquer contradição entre uma norma constante de acto legislativo ordinário e uma outra norma constante de lei de valor reforçado (artigo 112º, n.º 3, da CRP), como se imporia, caso, insista-se, tivesse invocado esta questão no requerimento de interposição de recurso. Quando se reporta a “ilegalidade”, o reclamante parece pretender dizer que a decisão recorrida não teria aplicado a lei vigente, de modo correcto. Sucede que o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes de revisão ordinária, não lhe cabendo sindicar a justeza do juízo recorrido.
Mantém, portanto, a decisão reclamada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.