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Proc. Nº 365/93 Sec. 1ª Rel. Cons.Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. - A. foi autuado no dia 31 de Maio de 1985, por não ter apresentado tempestivamente a declaração Modelo 1 a que se refere o artigo
11º do Código do Imposto Complementar, relativa aos rendimentos auferidos no ano de 1983, o que constitui transgressão punível pelo artigo.
No Tribunal Tributário de 1ª instância de Leiria, por sentença proferida em 29 de Abril de 1992, o procedimento criminal foi julgado extinto por prescrição nos termos dos artigos 126º, nº 1, do Código Penal e
115º, alínea b) do Código de Processo das Contribuições e Impostos, bem como foi ordenado o arquivamento dos autos. Para tanto, entendeu-se, com efeito, que, desde a prática da infracção até à entrada em vigor do Código de Processo Tributário, tinha decorrido mais de uma ano e que, assim sendo, haveria lugar à aplicação do artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, ex vi artigo
4º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras. Aquele artigo 27º veio estatuir que o procedimento por contra-ordenações se extingue passado que seja um ano sobre a prática da infracção quando se trate, conforme ocorria no caso, de contra-ordenação punível com coima não superior a 100 000$00. Desta forma não se deu aplicação ao artigo 35º do novo Código de Processo Tributário aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, que determina que o procedimento por contra-ordenações fiscais prescreve no prazo de cinco anos a contar da prática da infracção.
2. - Desta decisão interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) o representante da Fazenda Nacional.
No STA foi a questão resolvida através de acórdão de 28 de Abril de 1993 que negou provimento ao recurso por entender que são materialmente inconstitucionais as normas dos artigos 2º e 5º nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprova o novo Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras interpretadas no sentido de impedir a aplicação desse novo regime às infracções praticadas antes da sua entrada em vigor, embora ele seja mais favorável ao arguido.
Desta decisão interpôs o representante do Ministério Público junto do STA recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC - Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
Neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto concluiu as suas alegações da forma que passa a transcrever-se:
'1º - São materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição, as normas constantes dos artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº
20-A/90, de 15 de Janeiro, enquanto obstam à aplicação retroactiva de lei sancionatória mais favorável;
2º - Termos em que deve ser confirmada a decisão recorrida, na parte impugnada.'
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS
3. - A questão que vem posta ao Tribunal é a de saber se os artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-lei nº 20-A/90 de 15 de Janeiro, na interpretação atrás mencionada, são inconstitucionais por violarem o nº 4 do artigo 29º da CRP.
As normas em apreço têm o seguinte teor:
Artigo 2º
Início da eficácia temporal
As normas, ainda que de natureza processual, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras só se aplicam a factos praticados posteriormente à entrada em vigor de presente diploma.
Artigo 5º
Âmbito da revogação
......................................................
2 - Mantêm-se em vigor as normas de direito contravencional anterior até que haja decisão, com trânsito em julgado, sobre as transgressões praticadas até à data da entrada em vigor do presente diploma.
A norma considerada violada - nº 4 do artigo 29º da CRP
- tem o seguinte teor:
'Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.'
A matéria a que se reporta o presente processo foi já objecto de apreciação neste Tribunal, o qual, pelo Acórdão nº 227/92, in D.R.,II série, de 12 de Setembro de 1992, julgou inconstitucionais as normas dos artigos
2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição da República. E pode dizer-se desde já que não foram trazidos aos autos novos argumentos susceptíveis de levar a uma modificação do sentido daquela decisão.
4. - Com efeito, retomando a fundamentação do Acórdão nº
227/92, o princípio da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável apenas se encontra formulado para o domínio penal. No entanto, há-de valer também no domínio do ilícito de mera ordenação social, pelo menos quanto a elementos tão caracterizadores do direito sancionatório como são os que dizem respeito à prescrição e consequente extinção do procedimento judicial, isto tendo em atenção a razão de ser daquele princípio.
No caso dos autos discute-se a questão da aplicabilidade do novo Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, a factos praticados antes da sua entrada em vigor.
Aquele novo regime jurídico passou, por um lado, a criminalizar certas condutas lesivas dos interesses da Fazenda Nacional - os crimes fiscais dos artigos 23º a 27º - e, por outro lado, desgraduou em contra-ordenações as restantes transgressões fiscais, quer através da tipificação das respectivas condutas (caso dos artigos 28º a 40º), quer pela equiparação das restantes a contra-ordenações, ao prescrever a sua submissão ao regime destas (cfr. artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 20-A/90).
Estabeleceu, porém, a aplicação das suas normas apenas aos factos criminais ou contra-ordenacionais praticados após a sua entrada em vigor. Consequentemente, os factos anteriormente ocorridos deveriam continuar a ser apreciados e julgados de acordo com as normas em vigor na data da respectiva prática, independentemente de o regime nelas contido ser menos favorável do que aquele que se instituia para o futuro.
As normas desaplicadas no acórdão recorrido com fundamento na respectiva inconstitucionalidade são precisamente aquelas que impediam a aplicação retroactiva do novo Regime na parte mais favorável ao infractor. Ora, sendo assim, não se justifica que a decisão sobre a questão de constitucionalidade incorra em qualquer juízo de censura.
III - DECISÃO
Nos termos que ficam expostos, o Tribunal decide julgar inconstitucionais, por violação do nº 4, do artigo 29º da Constituição, dos artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, enquanto interpretados no sentido de impedir a aplicação da nova lei, ainda que mais favorável, às infracções que o Regime Jurídico, aprovado por aquele diploma, desgraduou em contra-ordenações e, em consequência, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Lisboa,1993.11.03
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Maria da Assunção Esteves
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa