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Procº nº 860/93. Plenário. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. A., que se intitulou candidato à Assembleia Municipal de Almada integrado nas listas do Partido Socialista, veio, por intermédio de requerimento entrado neste Tribunal pelas 16 horas do dia 23 do corrente mês de Dezembro, interpôr recurso da decisão da assembleia de apuramento geral das eleições para os órgãos das autarquias locais do município de Almada, decisão essa que 'lhe indeferiu a reclamação apresentada e constante da acta' daquela assembleia, solicitando, a final, a 'anulação das eleições por ilegalidade'.
2. Dos documentos que juntou ao petitório de recurso
(fotocópia da acta de apuramento geral e da reclamação que perante ela o recorrente formulou), extrai-se que:
- na secção de voto nº 10 da assembleia de voto da freguesia da Cova da Piedade, a acta que acompanhava as operações de apuramento parcial realizada naquela secção não se encontrava totalmente preenchida, pois que, de entre o mais, não continha os resultados eleitorais decorrentes da votação aí realizada;
- a assembleia de apuramento geral, que decorreu nos dias 16, 17, 20 e
22 de Dezembro, decidiu, quanto a este ponto, tomar em conta, para o apuramento dos resultados da eleição feita na secção de voto em causa, os números constantes do edital do apuramento provisório aí elaborado;
- em face disso, o ora recorrente apresentou, junto da assembleia de apuramento geral, reclamação na qual pedia que fossem 'recontados todos os votos existentes no tribunal por forma a apurar a constatação das divergências existentes entre os diferentes Órgãos Autárquicos', solicitando, ainda, que lhe fosse fornecida fotocópia da acta relativa à secção de voto nº 10 da assembleia de voto da freguesia da Cova da Piedade, bem como 'fotocópia das actas nas quais se verificava divergência de votação para os diferentes Órgãos Autárquicos';
- estribou aquela reclamação ponderando que a acta respeitante à mencionada secção de voto nº 10 não continha qualquer 'indicação da votação nas diferentes forças políticas', que o edital não era 'um elemento fidedigno', contendo 'divergências de votação para os diferentes Órgãos Autárquicos' indiciadora de que teria havido '21 cidadãos eleitores que votaram para um dos Órgãos e se abstiveram para outros', sem que daquela acta se fizesse menção de que declararam ao presidente da mesa a sua vontade em se abster, entregando-lhe os boletins de voto e, por fim, que uma tal divergência existia
'noutras mesas, embora em muito menor proporção, sem que das actas' constasse 'o que aconteceu aos respectivos votos';
- a assembleia de apuramento geral decidiu indeferir a reclamação apresentada, ponderando que, estando a acta em causa assinada, apenas por esquecimento nela não foram escritos os resultados da eleição feita na citada secção de voto nº 10, os quais, porém, constam do edital atrás mencionado, assinalando ainda que não competia àquela assembleia efectuar a recontagem dos votos entrados nas urnas e, no tocante ao pedido de fotocópia, igualmente o indeferiu argumentando que a mesma poderia ser obtida junto da entidade à ordem de quem ficou confiada.
3. O ora recorrente, na petição, reafirmou a argumentação carreada à reclamação apresentada perante a assembleia de apuramento geral, acrescentando, no que ora releva, que:-
- o edital não é dotado de fidedignidade, já que se não encontra assinado por todos os membros da mesa, não podendo dele colherem-se os elementos relativos à abstenção;
- em consequência da não menção dos votos obtidos pelas forças concorrentes relativamente aos diversos órgãos autárquicos e da não menção das abstenções, é a acta referente à operações de apuramento parcial
'nula';
- entende ele, recorrente, 'de acordo com os elementos constantes da assembleia de apuramento geral', que a divergência assinalada no edital respeitante ao apuramento parcial da aludida secção de voto nº 10 'é susceptível de influir no resultado geral da eleição para Câmara e Assembleia Municipal já que só os votos expressos (520) poderiam permitir ao Partido Socialista eleger mais um vereador, já que a diferença, para a eleição do 11º mandato é inferior a 64 votos, segundo crê', existindo para a Assembleia Municipal 'uma diferença de cerca de duas centenas de votos para a eleição do ultimo mandato';
- tocantemente às secções de voto números 8, 16, 23 e 25 da assembleia de voto da freguesia do Laranjeiro, 7 da assembleia de voto da freguesia do Feijó, 3, 4, 5 e 10 da assembleia de voto da freguesia da Cova da Piedade, 8 e 24 da assembleia de voto da freguesia de Almada, 10 e 13 da assembleia de voto da freguesia da Caparica, 3 e 5 da assembleia de voto da freguesia da Trafaria, 3 e 4 da assembleia de voto da freguesia da Costa, 2 e 11 da assembleia de voto da freguesia da Charneca e 4, 5, 7 e 10 da assembleia de voto da freguesia da Sobreda, as respectivas actas, não obstante haver
'divergências entre os votos expressos para os diferentes orgãos autárquicos', não mencionam 'quaisquer elementos relativos aos eleitores que quiseram abster-se', não indicando, por outro lado, o número de votos inutilizados;
- em face da recusa da fotocópia das actas das operações de apuramento parcial, não é, ao agora impugnante, possível 'conferir o número de cidadãos que votaram'.
4. Foi solicitada oficiosamente pelo Tribunal cópia da acta das operações de votação e apuramento relativas à secção nº 10 da assembleia de voto da freguesia da Cova da Piedade, vindo a ser satisfeito o pedido por intermédio de envio de telecópia de tal acta.
Da mesma extrai-se, por um lado, que foram descarregados
520 eleitores para a eleição da Assembleia de Freguesia da Cova da Piedade
(correspondendo-lhes 509 boletins de voto tidos por validamente expressos e 11 boletins de voto tidos por nulos e brancos), 517 para a eleição da Assembleia Municipal (correspondendo-lhes 505 boletins de voto tidos por válidos e 12 boletins de voto tidos por nulos e brancos) e 499 para a eleição da câmara municipal (correspondendo-lhes 488 boletins de voto entendidos por válidos e 11 boletins de voto que foram considerados nulos ou brancos).
Da mesma acta ainda se extrai que, quer no decurso da votação, quer no decurso das operações de apuramento, não foi apresentado qualquer reclamação ou protesto.
Sendo indubitável a tempestividade do recurso e não se questionando a legitimidade do recorrente, cumpre decidir.
II
1. Resulta do acima exposto que, essencialmente, são dois os blocos de questões suscitadas pelo recorrente no tocante à impugnação pelo mesmo efectuada, a saber:
- um, ligado à circunstância de nas actas das operações de votação e apuramento respeitantes a diversas secções de voto (aqui se incluindo a acta da secção de voto nº 10 da assembleia eleitoral da freguesia da Cova da Piedade), não se fazer menção do nome dos eleitores que, votando embora para a eleição num ou nuns órgãos autárquicos, se abstiveram na eleição de outro ou outros órgãos;
- outro, conexionado com o facto de na acta daquela secção nº 10 se não ter mencionado o número de votos obtidos por cada lista concorrente, tendo-se a assembleia de apuramento geral servido, para o apuramento da votação ocorrida nessa secção, do edital por ela publicado referente ao número de votos recebidos por cada uma daquelas listas.
2. No que tange ao primeiro bloco, torna-se desde logo evidente a sem razão do recorrente.
Na verdade, de harmonia com o disposto na alínea f) do nº 2 do artº 92º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, da acta das operações de votação e apuramento constarão '[o]s nomes dos eleitores que solicitem seja mencionada na acta a sua abstenção em relação a algum dos órgãos, devendo também ser mencionado o órgão em que se abstiveram de votar'.
Da literalidade daquele preceito resulta, desde logo, que, somente se isso fôr solicitado pelo cidadão eleitor que, pretendendo exercer o seu direito de voto em relação a um ou mais órgãos, mas não querendo exercer esse direito tocantemente a outro ou outros órgãos, é que tal facto deverá ficar consignado na acta, sendo que, então, do mesmo passo, deverá nessa acta mencionar-se qual o órgão ou órgãos a respeito dos quais o eleitor desejou abster-se.
Sendo isto assim, ainda que se infira, pela diferenciação de votos expressos entre os vários órgãos submetidos a sufrágio, que houve eleitores que exerceram o seu direito de voto em relação a uns, não o tendo feito relativamente a outros, então haverá de concluir-se que, se as actas das diversas assembleias de voto nada mencionaram a esse respeito, foi porque nenhum eleitor solicitou que a sua abstenção (parcial) ficasse consignada na acta.
Daí que, neste particular, se não lobrigue qualquer irregularidade das actas, devendo-se sublinhar que, de todo o modo, o recorrente nem sequer invocou que, nas secções de voto a que aludiu, houve eleitores que, querendo abster-se na votação quanto a algum ou alguns órgãos, requereram à mesa que isso ficasse a constar da acta.
2.1. A isto há que aditar que, mesmo que porventura se perfilhasse a perspectiva segundo a qual a invocação efectuada pelo impugnante quanto a este ponto visava também vincar que a divergência por ele mencionada teria, ou poderia ter, origem numa outra qualquer irregularidade que não somente aquela a que fez referência na reclamação apresentada na assembleia de apuramento geral e no petitório de recurso, o que é certo é que, então, situando-nos, como nos situamos, perante operações ainda inseridas no âmbito, ou da votação, ou do apuramento parcial, incumbir-lhe-ia apresentar reclamação ou protesto perante a assembleia de voto (ou servir-se de reclamação ou protesto apresentados por outrem) o que, como se viu, não sucedeu.
Só assim, e na hipótese ora formulada, seria cumprido o
ónus pressupositor do recurso reportado no nº 1 do artº 103º do D.L. nº
701-B/76.
3. Volvamos agora a atenção quanto ao segundo bloco de questões.
Ex vi do nº 1 do artº 96º do citado D.L. nº 701-B/76,
'[o] apuramento geral será realizado com base nas actas das operações das assembleias de voto, nos cadernos eleitorais e demais documentos que os acompanharem' (sublinhado nosso).
Por outro lado, nenhuma disposição ínsita naquele diploma impõe que a assembleia de apuramento geral, quanto à verificação do número total de votos obtidos por cada lista, unicamente se sirva dos números que constem das actas das operações das assembleias de voto, proibindo-lhe, em consequência, que, para esse fim, se possa servir dos demais elementos documentais que essas actas acompanharam.
E foi isso, afinal, o que, in casu, fez a assembleia de apuramento geral dos resultados eleitorais para os órgãos autárquicos do município de Almada, ao que se adita que o recorrente não invocou o que quer que fosse que puzesse em causa o que do edital constava tocantemente ao número de votos que cada lista recebeu na secção de voto nº 10 da assembleia de voto da freguesia da Cova da Piedade (o impugnante, na verdade, somente fez ressaltar que do edital extraía-se uma divergência na votação para os diferentes órgãos autárquicos).
Assinale-se, ainda, que das actas relativas às operações de votação e apuramento não tem de constar o número de boletins não utilizados ou inutilizados pelos eleitores, os quais têm o destino a que se reporta o artº
87º do D.L. nº 701-B/76.
Perante estas considerações, torna-se claro não poder o presente recurso ter provimento, pelo que se nega este.
Lisboa, 4 de Janeiro de 1994.
Bravo Serra Antero Alves Monteiro Dinis Fernando Alves Correia António Vitorino Maria da Assunção Esteves Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida Messias Bento José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida