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Procº nº 649/93 Plenário Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1 - Em 19 de Outubro de 1993, o Mmº Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Celorico da Beira mandou proceder à afixação das listas candidatas à eleição dos órgãos autárquicos sediados no mesmo município, marcando o sorteio para o dia 23.
No dia imediato (20 de Outubro), antes de qualquer decisão do juiz sobre as candidaturas apresentadas, o mandatário do CDS-PP veio «apresentar reclamação» pela inclusão noutras listas de vários candidatos, entre os quais A. e B., candidatos na lista do PPD/PSD à Assembleia de Freguesia de Minhocal, C., candidato na lista do PS à Assembleia de Freguesia de Fornotelheiro, e D., candidato na lista do PPD/PSD à Câmara Municipal. Segundo o mandatário do CDS-PP, o A. e o C. seriam funcionários municipais com funções de chefia, o B. seria chefe de secção na Direcção de Finanças da Guarda e o D. incorreria em «possível falta de entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 3º da Lei nº 4/83, de
2/4/83»; relativamente a todos, requeria que se procedesse «às necessárias diligências para apuramento da verdade ou não dos factos indicados».
Em 22 de Outubro, o Mmº Juiz lavrou despacho em que se pronunciou sobre pedidos de desistência entretanto formulados e mandou suprir diversas irregularidades detectadas nas listas. Nesse despacho, nada se disse sobre qualquer admissão ou rejeição de candidaturas, nem o Mmº Juiz se debruçou sobre o requerimento do mandatário do CDS-PP. No mesmo dia, foi junto aos autos um requerimento do mandatário do PPD/PSD, chamando a atenção para a situação irregular do já referido candidato do PS, C..
Em 25 de Outubro, E. - invocando a qualidade de Presidente da Junta de Freguesia de Vila Boa do Mondego, e a quem, segundo o próprio, fora prometida, bem como a toda a lista por ele elaborada, a candidatura pelo PPD/PSD - impugnou a lista deste partido à assembleia da mesma freguesia, por tal lista ser constituída por candidatos que haviam solicitado certidões de inscrição no recenseamento eleitoral para formarem uma lista de independentes.
No dia seguinte, o mandatário do PS veio
«impugnar» a candidatura do cidadão F. à Assembleia de Freguesia de Ratoeira, por ser proprietário de firma que tomara obras de empreitada à autarquia. E, no mesmo dia, o mandatário do PPD/PSD veio indicar a existência de outras
«irregularidades» em listas adversárias.
No dia 28 de Outubro, o Mmº Juiz proferiu despacho em que, sumariamente: toma decisão sobre desistências; pede informações à Câmara Municipal, relativamente aos candidatos C. e F.; aceita a lista da CDU, por não existirem dúvidas quanto à sua regularidade; e, finalmente, manda desentranhar dos autos o requerimento de E., quer por o mesmo não ter legitimidade para intervir no processo eleitoral, quer por as questões por ele suscitadas não configurarem qualquer irregularidade prevista na lei eleitoral. Certamente por lapso, o Mmº Juiz nada disse relativamente aos candidatos impugnados pelo CDS-PP, pelo que só no dia seguinte solicitou informações sobre as respectivas situações.
Ainda em 28 de Outubro, foi recebida resposta da Câmara Municipal, dando conta que o C. era capataz, ali exercendo funções de chefia, e que não existia qualquer contrato de empreitada em curso com F. - ocorrera um contrato, com obra já concluída, com G., e encontra-se pendente um outro com H.. E, na mesma data, o E. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do despacho desse dia, a ele respeitante, recurso que seria secundado por outro do mandatário do PS, com o mesmo objecto - o de a lista do PPD/PSD para Vila Boa do Mondego estar instruída com certidões de eleitor emitidas para uma lista de independentes.
No dia 29 de Outubro, o Mmº Juiz, para além do referido pedido de informações respeitante aos candidatos impugnados pelo CDS-PP, despachou a julgar elegível o F. e a rejeitar a candidatura do C.. Este despacho foi notificado aos mandatários em 2 de Novembro, data em que foi recebido um ofício dando conta que o B. pertence ao quadro de pessoal da Direcção Distrital de Finanças da Guarda e «exerce as funções de chefia do serviço interno da apoio técnico e administrativo à acção fiscalizadora».
Em 3 de Novembro, o mandatário do PS recorreu para o Tribunal Constitucional do despacho que admitira a candidatura de F. e rejeitara a de C..
Nesse mesmo dia, deu entrada um ofício, informando da situação profissional, na Câmara Municipal, de vários candidatos impugnados pelo CDS-PP. Então, logo o Mmº Juiz lavrou despacho em que julgou elegíveis o cidadão B. e os cidadãos apontados como funcionários municipais
(entre os quais o A.) que concorriam às assembleias de freguesia (com excepção do C.); nesse mesmo despacho, aceitou as candidaturas do PPD/PSD, do CDS-PP e do PS (a lista independente dos Amigos do Vale de Azares só seria, por lapso, admitida num aditamento ao despacho, no dia imediato) e mandou proceder à afixação prevista no artigo 21º, nº 4, do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro.
No dia 4 de Novembro, o PS reclamou da exclusão nas listas do candidato C., requerendo que o mesmo passasse a ocupar o quarto lugar da respectiva lista, lugar para que já não seria inelegível.
Em 5 de Novembro, o CDS-PP recorreu para o Tribunal Constitucional das decisões de admissão das candidaturas dos cidadãos A. e B.. E, na mesma ocasião requereu informação sobre qual a decisão tomada quanto à candidatura do D..
Ainda nesse dia, o Mmº Juiz indeferiu a reclamação do PS, por extemporânea, uma vez que aquele já havia recorrido anteriormente com o mesmo objecto, «sendo certo que quando da interposição de tal recurso estava, ainda, em tempo de de [dela] reclamar, e não ao invés, como pretende, recorrer primeiro e reclamar depois». Simultaneamente, considerou que a questão relativa à apresentação da declaração de rendimentos do candidato D. extravasava do âmbito do processo de apresentação de candidaturas e mandou dar cumprimento ao disposto no artigo 22º, nº 5, da lei eleitoral autárquica, ou seja, afixar a relação das listas admitidas.
A afixação das listas ocorreu «por volta das 10 horas» do dia 8 de Novembro. Em 10 de Novembro, «da parte da manhã, não se sabendo ao certo a que horas», deu entrada um recurso do CDS-PP para este Tribunal, respeitante à admissão da candidatura do D..
Cumpre, agora, decidir.
2 - Narrados que foram os factos com interesse para a decisão dos recursos interpostos, o que implicou a eliminação da referência a múltiplos episódios constantes dos autos, mas ora irrelevantes, há que averiguar, em primeiro lugar, se é possível tomar conhecimento dos recursos.
Recordando, tais recursos são os seguintes:
a) Recurso interposto por E., em 28 de Outubro, contra a a admissão da lista do PSD concorrente à eleição da Assembleia de Freguesia de Vila Boa do Mondego;
b) Recurso interposto, na mesma data e com o mesmo objecto, pelo mandatário do PS;
c) Recurso interposto em 3 de Novembro, também pelo mandatário do PS, contra a admissão da candidatura de F. na lista do PPD/PSD concorrente à eleição da Assembleia de Freguesia de Ratoeira;
d) Recurso interposto na mesma data, igualmente pelo mandatário do PS, contra a não admissão da candidatura de C. à eleição da Assembleia de Freguesia de Fornotelheiro;
e) Recurso interposto em 5 de Novembro, pelo mandatário do CDS-PP, contra a admissão das candidaturas de A. e de B. na lista do PPD/PSD concorrente à eleição da Assembleia da Freguesia de Minhocal;
f) Recurso interposto em 10 de Novembro, pelo mesmo mandatário, contra a admissão da candidatura do D. na lista do PPD/PSD concorrente à eleição da Câmara Municipal de Celorico da Beira;
Ora, tendo em conta a situação descrita e os requisitos legalmente exigidos, pode, desde já, afirmar-se que não é possível tomar conhecimento de qualquer dos recursos.
Vejamos porquê.
3 - Vem este Tribunal afirmando, em jurisprudência uniforme e constantemente reiterada, pelo menos desde o Acórdão nº 240/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º volume, pág. 285 e segs.), que «o contencioso da apresentação de candidaturas, tendo por destinatário o Tribunal Constitucional, passa pela obrigatoriedade de reclamar no tribunal da comarca», de tal sorte que «onde não haja reclamação, não há recurso para o Tribunal Constitucional».
Tal reclamação - esclareça-se - há-de ser uma reclamação contra a primeira decisão do juiz quanto à admissão ou não admissão de uma candidatura, como claramente resulta do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 701-B/76, e não uma reclamação contra a mera apresentação dessa candidatura, antes de qualquer decisão do juiz (aquilo que normalmente se designa por impugnação).
Ora, resulta claramente dos autos que em todas as hipóteses vertentes se omitiu o indispensável requisito da prévia reclamação.
Com efeito, a primeira decisão do juiz sobre admissão de candidaturas consta do seu despacho de 28 de Outubro. E se em
29 de Outubro julgou da elegibilidade dos candidatos C. e F., só em 3 de Novembro se pronunciou, efectivamente, sobre a admissão das restantes candidaturas impugnadas.
Assim:
a) O recurso de E. foi imediatamente interposto do despacho de 28 de Outubro, dele não tendo havido reclamação, sendo certo que a impugnação anterior não só precedeu a primeira decisão do juiz, como nunca foi tratada ou processada como reclamação;
b) O mesmo, obviamente, acontece relativamente ao recurso do PS, interposto no mesmo dia e com idêntico objecto;
c) Também se passa a mesma situação com o recurso interposto pelo PS, relativamente à admissão da candidatura de F., uma vez que ao despacho de 29 de Outubro se seguiu imediato recurso em 3 de Novembro, não podendo ser considerada como reclamação a impugnação efectuada em
26 de Outubro;
d) Igualmente interposto em 3 de Novembro, sem prévia reclamação, foi o recurso do PS, referente à não admissão da candidatura de C., decidida por despacho de 29 de Outubro, depois de meras impugnações do CDS-PP, em 20 de Outubro, e do PPD/PSD, no dia seguinte;
e) Do mesmo modo, também os recursos do CDS-PP, interpostos em 5 de Novembro, não ocorreram após reclamação, já que se seguiram à primeira decisão do juiz, em 3 de Novembro, admitindo as candidaturas de A. e de B., as quais haviam sido impugnadas logo em 20 de Outubro;
f) Finalmente, o mesmo acontece relativamente ao recurso do mesmo partido, interposto em 10 de Novembro, contra a admissão da candidatura do D., já que, ainda que fosse possível contestar essa candidatura com o fundamento invocado, a verdade é que ela deve ser considerada admitida em 3 de Novembro, quando o juiz admitiu as candidaturas do CDS-PP, e o requerimento de 5 de Novembro, sobre a matéria, se não configura como uma reclamação, mas antes como um pedido de aclaração (apesar de essa figura não dever ser admitida no processo de apresentação de candidaturas).
4 - Nestes termos, não se toma conhecimento dos recursos interpostos.
Lisboa, 18 de Novembro de 1993
Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia António Vitorino Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca Bravo Serra Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Antero Alves Monteiro Dinis José Manuel Cardoso da Costa