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Processo nº 489/92
1ª Secção Relator: Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A. foi autuado em 10 de Agosto de 1989 por, no seu prédio rústico denominado -------------, sito na freguesia e concelho de
---------------, ter procedido, sem autorização, ao corte de 514 sobreiros de grande porte, que não se encontravam secos, doentes, decrépitos ou dominados, o que constitui a contra-ordenação prevista no artigo 1º, nº 1, e punida pelo artigo 9º, nº 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei nº 172/88, de 16 de Maio, com coima de 3.000$00 a 3.000.000$00.
Por despacho do Subdirector-Geral das Florestas, de
5 de Dezembro de 1991, foi-lhe aplicada a coima de 1.850.000$00.
O arguido impugnou judicialmente a decisão, ao abrigo do disposto nos artigos 59º e seguintes do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, pelo que os autos foram remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca de
---------------.
Iniciado o julgamento, a 23 de Abril de 1992, a Senhora Juíza ditou despacho para a acta determinando o arquivamento dos autos por extinção do procedimento contra-ordenacional face à amnistia decretada pela Lei nº 23/91, de 4 de Julho [alínea dd) do artigo 1º].
2.- Dessa decisão recorreu oportunamente o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Admitido o recurso, só alegou o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal em termos assim condensados nas respectivas conclusões:
'1º - O Governo, sem autorização da Assembleia da República, só tem competência para fixar os montantes mínimos e máximos das coimas aplicáveis se respeitar os limites estabelecidos no regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, constante do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro;
2º - Envolve violação do regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social a fixação pelo Governo de limite máximo da coima de montante superior ao constante do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, como acontece com a norma desaplicada na decisão recorrida;
3º - Termos em que se deve julgar inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, a norma constante do artigo 9º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 172/88, de 16 de Maio, na parte em fixa em valor superior ao do regime geral o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular consistente no corte de sobreiros, em criação ou adultos, que não se encontrem secos, doentes, decrépitos ou dominados, prevista no nº 1 do artigo 1º conjugado com o corpo do nº 1 do artigo 9º, ambos do mesmo diploma, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.'
3.- Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1.- Constitui objecto do presente recurso a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 9º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº
172/88, de 16 de Maio - note-se que na parte final da decisão recorrida se cita a alínea d), por manifesto lapso de escrita - na parte em que estabelece a quantia de 3.000.000$00 como limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação consistente no corte ou arranque de sobreiros, em criação ou adultos, que não se encontrem secos, doentes, decrépitos ou dominados, prevista no nº 1 do artigo
1º, em conjugação com o corpo do nº 1 do artigo 9º, ambos do mesmo diploma.
2.- O artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição
(versão de 1982, que é a que vigorava quando foi editado o diploma que contém as normas aqui em causa) dispunha como segue:
' 1 - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
[...] d) Regime geral de punição [...] dos actos ilícitos de mera ordenação social
[...].'
Significa isto que o Governo só pode editar normas que façam parte do regime geral das contra-ordenações, munido de autorização legislativa. Mas pode legislar sem necessidade de autorização da Assembleia da República fora desse regime geral - isto é, sobre tudo o que não seja a definição da natureza do ilícito, dos tipos de sanções aplicáveis e dos limites destas.
No Acórdão nº 56/84 deste Tribunal resumiram-se assim as 'ideias conclusivas essenciais no que toca ao exercício do poder legislativo pela Assembleia da República e pelo Governo em matéria de direito sancionatório público', no domínio da versão da Constituição resultante da primeira revisão constitucional (e que ainda hoje mantém plenamente a sua validade, por não ter havido aí qualquer alteração na segunda revisão constitucional):
'É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (e admitindo hipoteticamente a subsistência constitucional da figura da contravenção):
a) Definir crimes e penas em sentido estrito, o que comporta o poder de variar os elementos constitutivos do facto típico, de extinguir modelos de crime, de desqualificá-los em contravenções e contra-ordenações e de alterar as penas previstas para os crimes no direito positivo;
b) Legislar sobre o regime geral de punição das contra-ordenações e contravenções e dos respectivos processos;
c) Definir contravenções puníveis com pena de prisão e modificar o quantum desta.
É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo (e na mesma linha de hipotética sobrevivência constitucional do tipo contravencional):
a) Definir, dentro dos limites do regime geral, contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade e contra-ordenações, alterar e eliminar umas e outras e modificar a sua punição;
b) Desgraduar contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade em contra-ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo Decreto-Lei nº 433/82. [In Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., 1984, p. 174 (sublinhados acrescentados)].'
Este Tribunal vem considerando integrar-se na competência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo a criação ex novo de contra-ordenações ou a conversão em contra-ordenações de anteriores contravenções puníveis com pena não restritiva de liberdade e, bem assim, a fixação da respectiva punição.
Quanto a este último ponto, porém, tem-se entendido que, sob pena de inconstitucionalidade, o Governo não pode ultrapassar o regime geral de punição fixado no Decreto-Lei nº 433/82, o que significa que não pode fixar à coima um limite mínimo inferior nem um limite máximo superior aos fixados no artigo 17º daquela lei-quadro. Pode, no entanto, fixar às coimas limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos fixados pelo mencionado artigo 17º (cf., neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal nºs.
305/89, 428/89, 324/90, 435/91, 447/91 e 314/92 - publicados no Diário da República, 2ª série, de 12 de Junho e 15 de Setembro de 1989, 19 de Março de
1991, 24 de Abril de 1992, 1ª série de 11 de Janeiro de 1992 e 2ª série de 1 de Março de 1993, respectivamente - e o Acórdão nº 355/92, ainda inédito, que apreciou norma constante do diploma aqui em causa).
Daqui resulta que serão inconstitucionais as normas que estabelecem para pessoas singulares, arguidas de contra-ordenações dolosas, coimas de montante superior a 200.000$00 (hoje, por via do Decreto-lei nº
356/89, 500.000$00), como acontece com a norma em causa neste recurso, que foi emitida pelo Governo desprovido de credencial parlamentar.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) julgar inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição da República - versão da 1ª Revisão Constitucional - a norma constante do artigo 9º, nº 1 alínea a), do Decreto-Lei nº 172/88, de 16 de Maio, na parte em que fixa o limite máximo da coima aplicável a pessoas singulares em montante superior ao do regime geral estabelecido no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro;
b) consequentemente, confirma-se a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, 30 de Junho de 1993
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa