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Processo nº 741/92
2ª secção Rel. Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. foi condenado pelas Secções Criminais do Tribunal da Relação de Lisboa, como autor do crime de corrupção passiva, previsto e punível pelo artigo 420º, nº 1, do Código Penal (em concurso aparente com um crime de prevaricação, previsto e punível pelo artigo 415º do mesmo Código), na pena de 2 anos e seis meses de prisão (de que lhe foi logo declarado perdoado 1 ano) e 60 dias de multa à razão de 500$00 por dia (ou, em alternativa, 40 dias de prisão) e, ainda, na pena de demissão, prevista no artigo 66º do mesmo Código, já que o arguido era delegado do Procurador da República, na situação de jubilado.
2. Do acórdão das Secções Criminais da Relação que assim o condenou, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a sua absolvição ou, no caso de ser mantida a condenação, que o fosse, em pena suspensa, pelo crime de prevaricação, que não pelo de corrupção passiva.
Para assim concluir, contestou o arguido as respostas que haviam sido dadas a determinados quesitos.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Novembro de 1991, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
O arguido requereu, então, a aclaração desse acórdão, mas o pedido foi indeferido pelo acórdão de 22 de Janeiro de 1992.
3. Notificado do acórdão que lhe indeferiu o pedido de aclaração, o arguido interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão de 27 de Novembro de 1991.
Disse que o fazia 'nos termos do artigo 280º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, e 70º, nº1, alínea a) da Lei
[nº 28/82, de 15 de Novembro], porquanto sendo o Direito Criminal verdadeiro Direito Constitucional aplicado, foi recusada a aplicação dos artigos 72º, 73º e
74º e 48º do Código Penal' e, consequentemente, 'violado o princípio da proporcionalidade e adequação das penas previsto no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa' - violação que, disse, fora por si
'suscitada no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, bem como no pedido de aclaração do respectivo acórdão'.
Esse recurso não foi, porém, admitido (cf. despacho do Conselheiro-Relator no Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 1992).
4. O arguido reclamou, então, para o Tribunal Constitucional desse despacho de inadmissão do recurso, mas o Supremo Tribunal de Justiça confirmou-o, por acórdão de 7 de Outubro de 1992.
5. Neste Tribunal, o Ministério Público conclui pelo indeferimento da reclamação.
6. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
7. O recurso - que o despacho reclamado não admitiu - fora interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, ou seja, com fundamento em que o acórdão recorrido (de 27 de Novembro de 1991) desaplicou, com base na sua inconstitucionalidade, as normas dos artigos 72º, 73º, 74º e 48º do Código Penal.
A reclamação só pode, então, ser deferida, se aquele acórdão, de que o ora reclamante quis recorrer, embora sem êxito, para este Tribunal, tiver, de facto, recusado aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, a todas ou a algumas das normas que se contêm naqueles indicados preceitos do Código Penal. Só nesse caso, com efeito, o recurso rejeitado deve ser admitido, que é o que o reclamante pretende vir a conseguir.
Pois bem: o artigo 72º do Código Penal respeita à
'determinação da medida da pena'; o artigo 73º, à 'atenuação especial da pena'; o artigo 74º, aos 'termos da atenuação especial'; e o artigo 48º, aos
'pressupostos e duração' da suspensão da execução da pena.
No acórdão recorrido, escreveu-se, a propósito da medida concreta da pena e da peticionada suspensão de execução da mesma, o seguinte:
V. A medida concreta da pena deve ser achada pelo recurso às circunstâncias enunciadas para o efeito no artigo 72º, com especial ênfase no dolo, ilicitude, necessidade de prevenção e condições pessoais do agente.
Ora, o dolo foi directo, a ilicitude em elevado grau e torna-se ocioso destacar a necessidade de prevenir o alastramento da corrupção, que está a atingir proporções inquietantes.
Como já foi destacado, o recorrente tinha o especial dever de não cometer crimes, cumprindo-lhe até a perseguição criminal em geral.
A sua situação económica, ainda que em aperto, não explica e muito menos justifica o seu comportamento.
É de realçar a confissão que fez dos factos e o relevo que a confissão ganhou na descoberta da verdade, como também o é o bom comportamento que sempre tem tido ao longo dos seus já 69 anos.
Neste enquadramento, bem se compreende a sanção decretada na Relação. VI. A grave violação dos deveres funcionais do arguido justificam plenamente a pena complementar de demissão que lhe foi imposta por aplicação do preceituado no artigo 66º. Com o seu crime tornou-se indigno das funções em que se encontrava investido e perdeu todo o crédito de honorabilidade que é de presumir num magistrado do Ministério Público. VII. [...] VIII. A peticionada suspensão da execução da pena não encontra acolhimento no disposto no artigo 48º. Nem as graves circunstâncias concretas do facto nem as necessidades de prevenção (geral) o consentem. Opõe-se-lhe, igualmente, a personalidade malsã que o arguido revelou através de todo o seu processo delitivo.
Fácil é, pois, de ver que o acórdão recorrido não recusou aplicação a nenhum daqueles mencionados preceitos do Código Penal, de forma expressa ou tão-só implícita, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Ora, não se verificando os pressupostos indicados na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, óbvio é que o recurso, que o ora reclamante quis fazer seguir para o Tribunal Constitucional, não podia ser admitido. E, em consequência, a presente reclamação, apresentada contra o despacho que o não admitiu, tem que ser indeferida.
8. Diga-se, a terminar, que a acusação, que o reclamante faz ao acórdão recorrido, de ter violado o princípio da proporcionalidade e da adequação das penas, é contraditória com o tipo de recurso que interpôs.
De facto - como põe em destaque o Procurador-Geral Adjunto -, um tal tipo de recurso [o da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional] pressupõe que a decisão recorrida recusou aplicação a determinada norma jurídica, justamente, por entender que essa recusa era necessária para respeitar a Constituição.
A imputação de violação da Constituição faria sentido, sim, se o recurso viesse interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do mesmo artigo 70º.
Simplesmente, durante o processo, nunca o reclamante suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica: não o fez nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça e, no pedido de aclaração do acórdão recorrido, apenas se interrogou sobre se a 'necessidade de prevenir o alastramento da corrupção se sobrepõe a tudo, inclusive, aos direitos fundamentais de qualquer cidadão constitucionalmente consagrados'.
Por isso, mesmo que o recurso tivesse sido interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, continuava ele a não poder ser admitido.
Impõe-se, pois, o indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, fixando-se em cinco unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Junho de 1993
Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa