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Proc. nº 476/91
1ª Secção Rel. Cons.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - Em acção especial de remição de colonia, sendo requerente A. e requerido B., a primeira na qualidade de proprietária das benfeitorias existentes no terreno de propriedade do segundo, foi fixada por decisão arbitral a indemnização de 92.612$29, correspondente a 125$00 por metro quadrado.
O requerido interpôs recurso desta decisão e porque falecera, entretanto, a requerente A., a instância foi suspensa para habilitação das herdeiras B., C., D., E. e F..
Em sequência da avaliação do terreno, determinada nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código das Expropriações, o sr. juiz do Tribunal da Comarca do Funchal, em sentença de 23-09-90, julgou procedente o recurso e alterou para
755.820$00 o valor da indemnização.
As requerentes interpuseram recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa que, em acórdão de 2 de Julho de 1991, decidiu anular as peritagens efectuadas e os actos subsequentes, incluindo aquela sentença, e determinou uma nova avaliação, assente em critérios que se não confinassem apenas ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas. Na fundamentação afirmou-se, essencialmente: 'As peritagens efectuadas (...) foram orientadas apenas (...) pelo critério proposto pelo art. 7º, nº 2, do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro (...). Efectivamente aí se fez corresponder o valor da indemnização unicamente ao valor actual do solo
'considerado para fins agrícolas e por desbravar'. Temos considerado porém, aquele preceito como inconstitucional, por brigar com a al. q) do nº 1 do art.
167º da Constituição (vers. originária) como decidiu o Acórdão nº 197/89 do Tribunal Constitucional, fundado em razões que perfilhamos e que não interessa, por inútil, reproduzir aqui. Isto significa, conforme tem sido assinalado em diversos arestos desta Relação (...) que também consideraram inconstitucional o preceito em referência, que as peritagens realizadas neste processo, adoptando o critério apontado por aquela mesma disposição, e a sentença que sufragou o laudo maioritário, não poderão subsistir, por não terem tomado em consideração, como deviam, na determinação do valor actual do solo por desbravar, a sua eventual capacidade para outras finalidades'.
As requerentes interpuseram recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Delimitaram-no na norma do artigo 7º, nº2, do Decreto Regional nº
13/77/M, de 18 de Outubro, e, em alegações, afirmaram que essa norma se inclui, agora, na Lei nº 62/91, de 13 Agosto, daí derivando a inexistência de qualquer justificação para a inconstitucionalidade do 'critério de indemnização originariamente definido' naquele Decreto Regional.
II - A fundamentação
1 - O recurso de constitucionalidade tem por objecto a norma do artigo 7º, nº2, do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, sobre remição de colonia, e determinando que 'o valor da indemnização [a pagar ao senhorio], caso não se verifique acordo entre as partes, corresponde ao valor actual do solo para fins agrícolas e por desbravar'.
Esta norma, cuja aplicação foi recusada pela Relação de Lisboa, acha-se hoje substituída pela norma [de idêntico teor] do artigo 1º, nº 2 da Lei nº 62/91, de 13 de Agosto. Daí não deriva, porém, a perda do interesse processual no conhecimento do presente recurso: o acórdão recorrido foi, com efeito, proferido no domínio de vigência da primeira norma, e transitaria em julgado, sem que a Relação o pudesse revogar [visto que se esgotou o seu poder jurisdicional] se o Tribunal Constitucional não conhecesse deste mesmo recurso.
2 - A questão de constitucionalidade da norma do artigo 7º, nº 2,
do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, que estabelece o critério de determinação do valor da indemnização a pagar aos senhorios, nos casos de remição de colonia, foi já tratada em vários acórdãos do Tribunal Constitucional
[cf. os Acórdãos nºs. 194/89 e 195/89 in D.R., II Série, de 16-5-1989; 273/92 in D.R. II Série, de 23-11-1992; 274/92, 306/92, 307/92, inéditos; 327/92 in D.R., II Série, de 1-3-1993; 148/93, 281/93, inéditos]. Confrontando a mesma norma com a redacção originária da Constituição, este Tribunal concluiu no sentido da sua inconstitucionalidade orgânica porquanto, no ano de 1977 em que foi emitida, só a Assembleia da República detinha competência para legislar sobre a matéria nela regulada.
Reitera-se, aqui, essa mesma conclusão. No quadro de competências da redacção originária da Constituição de 1976, o conteúdo material da norma em apreço, analisado na perspectiva do artigo 62º, nº 2, sobre o direito a uma justa indemnização em caso de expropriação, ou antes, na do artigo 82º, sobre as formas de intervenção nos meios de produção, reconduz-se sempre à reserva de competência legislativa do Parlamento. No primeiro caso, em razão da analogia do direito de propriedade com os direitos, liberdades e garantias (C.R.P., artigo
17º), analogia que neste momento essencial da expropriação se estende ao regime de competência orgânica de regulação daqueles direitos (C.R.P., artigo 167º, alínea c); no segundo caso, pela inclusão clara do programa do artigo 82º
(segundo o qual 'a lei determinará (...) os critérios de fixação de indemnizações') no sentido e na letra do artigo 167º, alínea q), da Constituição da República.
Desenvolvendo esta argumentação, o Tribunal Constitucional afirmou, desde logo, nos Acórdãos nºs. 194/89 e 195/89 (cits.):
'A entender-se que a questão deve ser resolvida em sede de direito de propriedade - e, portanto, de acordo com o preceituado no artigo
62º, nº 2, quanto ao 'pagamento de justa indemnização', uma vez que tal critério
é obrigatoriamente aplicável nos casos de expropriação por utilidade pública, então também o teria de ser nos casos constitucionalmente admissíveis de expropriação por utilidade particular, como na hipótese vertente -, a conclusão
óbvia é a de que a matéria a que se reporta a norma em apreço cairia dentro da previsão da alínea c) do artigo 167º da lei fundamental, na versão originária, que reservava ao Parlamento a competência para legislar sobre direitos, liberdades e garantias'.
É que, como se salientou no (...) Acórdão nº 404/87, se o direito
à propriedade privada não é elencado pela Constituição Portuguesa entre os chamados 'direitos, liberdades e garantias', no entanto deve entender-se que é um direito fundamental a estes análogo e sujeito, por consequência, e por força do artigo 17º da Constituição, ao respectivo regime jurídico (incluindo aí a reserva parlamentar), se não porventura em todos os aspectos do seu estatuto e regulamentação, ao menos naqueles - como seria indiscutivelmente o caso - 'que são verdadeiramente significativos e determinantes da sua caracterização como garantia constitucional'.
Se, pelo contrário, se entender que, por estarmos perante um caso de privação de propriedade de meios de produção expressamente prevista em sede de constituição económica, no artigo 101º, a questão deve ser resolvida, de um ponto de vista material, à luz do preceituado no artigo 82º da Constituição, onde se remete para a lei a determinação dos critérios de fixação de indemnizações, quando se verifique a nacionalização, a socialização ou outras formas de intervenção em meios de produção, então terá de se concluir que a norma em apreço se integra, de forma indiscutível, no âmbito de previsão da alínea q) do artigo 167º da lei fundamental, na sua primitiva redacção, que cobria inteiramente o conteúdo do referido artigo 82º, incluindo a parte referente aos critérios de fixação de indemnizações.
E nem se diga, em contrário, que, no caso vertente, se deveria considerar a matéria em causa abrangida pela primitiva alínea r) do referido artigo 167º, atinente às bases da reforma agrária. É que, ainda assim, no que respeita aos referidos critérios de fixação de indemnizações, teria de se considerar aplicável a alínea q) do mesmo artigo (versão originária), que se apresentava como norma especial em relação à da mencionada alínea r): isto é, embora à Assembleia da República só se encontre constitucionalmente reservada a definição das bases da reforma agrária, já lhe cabe regular integralmente a matéria respeitante à determinação dos critérios de fixação das indemnizações decorrentes das nacionalizações ou expropriações efectuadas no âmbito dessa mesma reforma agrária. Neste sentido apontam, aliás, não apenas o teor do primitivo nº 2 do artigo 82º da Constituição - onde, a propósito das indemnizações se referiam os grandes latifundiários - mas também os artigos 61º e 75º, nº 2, alínea e) da Lei nº 77/77'.
A norma do artigo 7º, nº 2, do Decreto Regional nº 13/77/M, de
18 de Outubro, está, assim, a regular matéria que, no quadro de competências estabelecido pela redacção originária da Constituição da República, não pode ser objecto de diploma regional, e é, por isso, organicamente inconstitucional.
Alcançada esta conclusão, torna-se inútil analisar a questão de eventual inconstitucionalidade material da mesma norma.
III - A decisão:
Nestes termos, decide-se:
a) Julgar organicamente inconstitucional a norma do artigo 7º, nº
2, do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, por violação do artigo
167º, alínea q), da Constituição da República (redacção originária).
b) Em consequência, negar provimento ao recurso.
Lisboa, 28 de Outubro de 1993
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa