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Processo nº 173/92. Plenário. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. O Procurador-Geral da República, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 e da alínea e) do nº 2 do artº 281º da Constituição, veio requerer a este Tribunal que o mesmo declarasse a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo
único do Decreto-Lei nº 27/91, de 11 de Janeiro, o que fez estribando-se nos seguintes fundamentos:-
- o quadro normativo pelo qual se rege o pessoal das universidades consta do artº 15º da Lei nº 108/88, de 24 de Setembro, dispondo-se nos números 3 e 4 deste diploma que, para além do pessoal referido no estatuto das carreiras docentes e de investigação e dos quadros anexos às leis orgânicas das universidades, elas podem «[c]ontratar, em termos a definir por lei e nos respectivos estatutos, individualidades nacionais e estrangeiras para o exercício de funções docentes ou de investigação, bem como outro pessoal para o desempenho de actividades necessárias ao seu funcionamento», sendo que essas contratações «não conferem, em caso algum, a qualidade de funcionário público ou de agente administrativo»;
- as disposições constantes dos aludidos números 3 e 4 do artº 15º foram regulamentadas pelo Decreto-Lei ora questionado, de cujas estatuições decorre o objectivo de submeter os contratos a que as primeiras se reportam ao regime-regra dos contratos de trabalho a termo certo, estes, por seu turno, regulados no entretanto publicado Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, o qual, de harmonia com o nº 3 do seu artº 14º, comanda que «[o] contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes» desse mesmo diploma;
- todavia, com a norma em apreço, introduz-se uma excepção ao regime ínsito no mencionado Decreto-Lei nº 427/89, qual seja a de não serem observados os condicionalismos estabelecidos no seu artº 21º, isto é, não se exigir o dever de comunicar ou obter anuência e autorização do Ministério das Finanças relativamente à celebração dos contratos, excepção essa que surge como corolário da autonomia universitária;
- a opção legislativa subjacente à norma 'sub specie' - determinação de sujeição da contratação prevista nos números 3 e 4 do artº 15º da Lei nº 108/88 ao regime-regra dos contratos de trabalho a termo certo, com a excepção assinalada - que, assim, não enveredou pela criação de um regime jurídico específico para tal contratação - não foi, porém, precedida da participação, no processo legislativo, das associações sindicais representativas do núcleo dos trabalhadores interessados, direito que é constitucionalmente assegurado pela alínea a) do nº 2 do artigo 56º da Lei Fundamental às associações sindicais;
- este direito cabe igualmente às associações sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública referentemente à elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da função pública;
- consequentemente, a norma em causa é formalmente inconstitucional.
2. Ouvido o Primeiro-Ministro, nos termos e para os efeitos do artigo 54º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, veio ele apresentar resposta através da qual defendeu não ser a norma em apreciação qualificável como legislação de trabalho, pelo que ficará privado de fundamento o pedido.
Para tanto, aduz, em síntese, os argumentos seguintes:-
- não parece ajustada a interpretação que o requerente faz no tocante a constituir escopo da norma em análise estabelecer um regime especial para o trabalho prestado às instituições universitárias;
- e isto, desde logo, pela razão segundo a qual, se assim fosse, um tal regime não poderia - ainda que por via remissiva - ser aprovado sem que o Governo estivesse dotado de autorização legislativa nesse sentido;
- como resulta da parte final do preâmbulo do D.L. nº
27/91, o que o Governo, através dele, pretendeu, foi definir o enquadramento legal, tendo em conta o ordenamento jurídico extraível da lei geral, da faculdade conferida às instituições universitárias de contratarem, nos termos da lei e dos respectivos estatutos, docentes, investigadores e outro pessoal, faculdade essa a que se reporta o nº 3 do artº 15º da Lei nº 108/88;
- este preceito não pode ter o alcance de tal faculdade abarcar a elaboração de um regime laboral especial, tendo em conta a concatenação com o regime de bases da relação de emprego público constante do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho - onde se prevêem as diversas modalidades da relação jurídico-laboral nos diversos serviços da Administração Pública - a que se deve fazer apelo;
- mesmo sem tal apelo, seria muito duvidoso que o exacto sentido do nº 3 do artº 15º da Lei nº 108/88 fosse o da permissão de estabelecimento de um regime laboral especial, dado que este, por natureza, não poderia ser objecto de previsão estatutária, visto que 'os estatutos das universidades apenas poderão estabelecer normas de organização interna (v.g. de distribuição de competências), conforme resulta do nº 2 do artigo 3º e do artigo
5º dessa Lei';
- acresce que, identicamente, não se pode interpretar aquele normativo como contendo o desiderato de proporcionar às universidades a contratação a termo, pois que, tendo elas a natureza de institutos públicos, uma tal faculdade resultava já da lei geral;
- assim, o que esse nº 3 do artº 15º visa contemplar é o estabelecimento de mecanismos que confiram maior liberdade às universidades no que respeita à contratação de pessoal docente, investigador e outro, confrontadamente com aqueles que, aplicáveis à generalidade dos serviços da Administração Pública, constrangem a respectiva margem de liberdade;
- de onde tal preceito não incidir sobre a contratação em si mesma mas, antes, sobre o procedimento administrativo que a precede;
- sendo esse, pois, o sentido a conferir ao nº 3 do artº
15º da Lei nº 108/88, o objectivo proposto por intermédio da norma sob censura não pode ser o de estabelecer, directamente ou por remissão, um regime laboral especial, mas sim o de definir os procedimentos a observar quando as instituições universitárias pretendam exercer a faculdade de, nos termos da lei e dos respectivos estatutos, contratarem docentes, investigadores e outro pessoal;
- sendo assim, a norma em causa não pode ser vista como o estabelecimento de regras relacionadas com o estatuto dos trabalhadores, pelo que não é ela enquadrável no conceito de legislação do trabalho.
II
1. De acordo com artº 3º, números 1 e 2, da Lei nº
108/88 - Lei da Autonomia das Universidades - estas «são pessoas colectivas de direito público que gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar» (gozo que é imposto constitucionalmente - artigo 76º, nº 2, do Diploma Fundamental), às quais «é reconhecido o direito de elaborar os seus estatutos», com observância do que se dispõe nessa mesma Lei e na demais legislação aplicável.
Por outro lado, também, por força do nº 6 do artº 3º, às unidades orgânicas das universidades é reconhecido o gozo de autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira, nos termos constantes dos estatutos da universidade em que se inserem, direito que, por seu turno, é extensível aos estabelecimentos de ensino superior universitário não integrados em universidades (nº 7 do artº 3º).
2. No artº 15º da Lei da Autonomia das Universidades efectua-se o elenco dos meios necessários ao exercício da autonomia, o que se faz nos seguintes termos:
'Artigo 15.º
Meios necessários ao exercício da autonomia
1 - Cada universidade deve dispor dos meios humanos e técnicos necessários ao exercício da autonomia.
2 - Cabe às universidades o recrutamento e promoção dos seus docentes e investigadores, bem como do restante pessoal, nos termos da lei.
3 - Para além do pessoal referido no estatuto das carreiras docente universitária e de investigação e nos quadros anexos às respectivas leis orgânicas, as universidades podem contratar, em termos a definir por lei e nos respectivos estatutos, individualidades nacionais e estrangeiras para o exercício de funções docentes ou de investigação, bem como outro pessoal para o desempenho de actividades necessárias ao seu funcionamento.
4 - As contratações a que se refere o número anterior não conferem, em caso algum, a qualidade de funcionário público ou de agente administrativo.
5 - As universidades e as unidades orgânicas dotadas de autonomia podem alterar os respectivos quadros de pessoal, desde que tal alteração não se traduza em aumento dos valores globais.
6 - Os quadros de pessoal são periodicamente revistos e carecem de aprovação governamental, desde que impliquem aumento dos quantitativos globais.»
3. Dos dispositivos vindos de citar extrai-se que as universidades e respectivas unidades orgânicas que gozem de autonomia, e as instituições de ensino superior universitário, por um lado, detêm o pessoal que consta dos quadros anexos às respectivas leis orgânicas (que inclui docentes, investigadores e outro pessoal) e, bem assim, o pessoal previsto nos estatutos das carreiras docentes e de investigação que pode exercer funções ligadas à docência e investigação e que se não integre naqueles quadros, assistindo-lhes o direito de os recrutarem e promoverem nos termos da lei e, por outro, podem contratar, também nos termos a definir na lei e com a previsão constante dos respectivos estatutos, individualidades nacionais ou estrangeiras que, sendo necessárias à prossecução da actividade desenvolvida por aqueles centros de criação, transmissão e difusão da cultura, ciência e tecnologia, vão desempenhar funções numa daquelas formas de suporte das missões a prosseguir por tais centros (docência, investigação e outras), não podendo a contratação inserir nos mencionados quadros as individualidades contratadas.
Poderá, igualmente, extrair-se que, de todo o modo, quer o recrutamento do pessoal dos quadros das universidades, unidades orgânicas e institutos de ensino superior universitário, e dos docentes e investigadores não incluídos nesses quadros mas cujos estatutos lhes permitam o exercício de docência e investigação, quer a contratação de individualidades e outro pessoal, hão-de ambos obedecer aos termos da lei (acrescendo, na contratação, a obediência aos «respectivos estatutos»).
4. Em 2 de Junho de 1989 veio a lume, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, o Decreto-Lei nº 184/89, diploma que, de entre o mais, se propôs estabelecer os princípios gerais em matéria de emprego público, cujo âmbito institucional e pessoal abarca, além de outros, os «serviços e organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos» (nº 1 do seu artº 2º) e «o pessoal que, exercendo funções nos serviços e organismos do Estado, sob a direcção dos respectivos órgãos, se encontre sujeito ao regime de direito público», excluindo-se os juízes e os magistrados do Ministério Público e incluindo-se as forças armadas e de segurança, conquanto tendo em conta as adaptações decorrentes dos seus específicos estatutos (artº 3º).
De acordo com os artigos 5º e 7º, nº 2, deste Decreto-Lei, «[a] relação jurídica de emprego na Administração constitui-se com base em nomeação ou em contrato», unicamente este último podendo assumir as formas de contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo.
5. O desenvolvimento das regras de definição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública veio a ter lugar por intermédio do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, encontrando-se as situações para as quais foi gizada a forma de relação jurídica de 'emprego público' denominada contrato de trabalho a termo certo, e bem assim os princípios e condições a que hão-de obedecer, estabelecidas no artigo 9º do D.L. nº 184/89, as quais, por seu turno, sofreram a cabida regulamentação específica nos artigos 14º, nº 3, e 18º a 21º do citado D.L. nº 427/89, consagrando-se naqueles primeiros artigo e número, que essa relação não confere ao contratado a qualidade de agente administrativo.
O referido nº 1 do artº 18º define o contrato de trabalho a termo certo como 'o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas nos termos do artigo 15º' (que cura da definição e das condições de admissibilidade do contrato de provimento administrativo), admitindo-se ainda, no seu nº 2, a celebração desse tipo de contratos em casos de '[s]ubstituição temporária de um funcionário ou agente', de '[a]ctividades sazonais', de
'[d]esenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços', e de '[a]umento excepcional e temporário' dessas actividades.
Em princípio, a celebração dos contratos de trabalho a termo certo, como forma de estabelecimento de relação jurídica de emprego na Administração Pública, depende da anuência ou autorização do Ministério das Finanças, excepção feita aos casos em que a contratação se destine a prover à substituição temporária de funcionário ou agente ou ao desempenho de actividades sazonais, casos esses para os quais, mesmo assim, ainda se exige a comunicação
àquele Ministério (cfr. artº 21º).
Isto posto, passemos a analisar a norma sindicada.
6. O diploma em que ela se insere contém o seguinte preâmbulo:
'A Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro (Lei de Autonomia das Universidades), prevê, no n.º 3 do seu artigo 15.º, a possibilidade de as instituições universitárias poderem contratar, em termos a definir por lei, individualidades, nacionais ou estrangeiras, para o exercício de funções docentes ou de investigação, bem como outro pessoal que se mostre necessário para o regular funcionamento da instituição.
Tal disposição permite uma maior flexibilidade na gestão do pessoal e habilita as universidades a responder, de forma célere, a necessidades ou solicitações de carácter pontual.
O presente diploma procede ao enquadramento legal da faculdade conferida às universidades no preceito atrás referido, tendo em conta o ordenamento jurídico decorrente da lei geral.'
Por outro lado, nesse mesmo diploma veio a estatuir-se um artigo único do seguinte teor:-
'As instituições universitárias podem, por conta das suas receitas próprias, celebrar contratos de trabalho a termo certo, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, sem observância dos condicionalismos estabelecidos no artigo 21.º do mesmo diploma'.
7. Se bem se interpreta o raciocínio do requerente, a regulamentação da faculdade de contratação conferida às universidades haveria de implicar, dados os termos amplos e abertos usados no nº 3 do artº 15º da Lei nº 108/88, o estabelecimento de um regime jurídico específico, atenta até a circunstância de no nº 3 do artº 44º do D.L. nº 427/89 se salvaguardar a aplicação dos regimes constantes das disposições estatutárias no que se refere ao pessoal docente e de investigação.
Ora, continua tal raciocínio, se o legislador governamental optou por aplicar à contratação facultada às universidades, não um regime específico, mas antes o regime-regra aplicável aos contratos de trabalho a termo certo, então impor-se-ia, antes da opção tomada, a audição das associações sindicais representativas do núcleo dos trabalhadores interessados.
7.1. É evidente, ainda nesta lógica, que a necessidade de audição prévia das associações sindicais sublinhada no pedido, e caso tivesse sido intuito da norma questionada, como nesse pedido foi entendido, o de estabelecer um regime regulador da contratação de pessoal das universidades, consequentemente, então, sendo ela perspectivável como constituindo «legislação de trabalho», tanto se imporia na hipótese de a esse regime se aplicarem as regras gerais pelas quais se comanda o contrato de trabalho a termo certo e que a Administração Pública em geral tem de respeitar (e independentemente de uma dessas regras ser afastada, como seria o caso de se dispensar a autorização ou anuência prévias ou a comunicação ao Ministério das Finanças), como na hipótese de o Governo optar pela consagração de um regime específico.
8. Questão é a de saber se, verdadeiramente, a norma aprecianda visou definir o regime a que deveria obedecer a contratação cuja faculdade se encontra prevista no nº 3 do artº 15º da Lei nº 108/88.
Neste particular, o Primeiro-Ministro contradita o pedido com base em duas ordens de considerações: a primeira é a de que o nº 3 do artº 15º da Lei nº 108/88 não pode ser interpretado como consagrando a possibilidade de elaboração de um regime laboral especial relativo à faculdade de contratação aí prevista, antes sendo seu objectivo permitir a adopção de mecanismos que tenham em conta a liberdade de decisão das universidades, desligando-as das peias que pesam sobre a Administração em geral; a segunda reside em, sendo esta a interpretação a conferir àquele preceito constante da Lei da Autonomia das Universidades, não visar a norma em apreço estabelecer qualquer regime para a contratação de pessoal docente, de investigação ou outro, quer adoptando um regime que assumisse uma forma específica, quer adoptando um regime que acolhesse o que já constava da lei geral.
9. Crê-se, porém, que para a dilucidação da presente questão não é necessário entrar em linha de conta com a interpretação da norma
ínsita no nº 3 do artº 15º da Lei nº 108/ /88.
Na verdade, como se disse, o que releva é saber se é intenção do artigo único da D.L. nº 27/91 o estabelecimento de um regime jurídico pelo qual se regularão as relações jurídico-laborais advindas da faculdade de contratação conferida pelo referido nº 3 do artº 15º.
Ora, neste ponto, entende-se que a resposta não deve ser afirmativa.
9.1. As universidades públicas devem ser incluídas, de entre as pessoas colectivas que integram a Administração, no conceito amplo de
«instituto público» [cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 1973, 175 e segs, maxime, 188 e nota (1); cfr., ainda, Freitas do Amaral, Direito Administrativo, I Vol, 324, que qualifica as universidades como
«estabelecimentos públicos»].
A ser assim, após a respectiva edição, as normas constantes do D.L. nº 427/89, e naquilo que respeita à regulamentação do contrato de trabalho a termo, que é o que agora interessa, seriam desde logo aplicáveis pelas universidades se estas desejassem celebrar contratos daquele tipo (cfr. o âmbito de aplicação institucional que se contém no seu artº 2º, nº1), e isto pela razão segundo a qual a lei, designadamente a Lei nº 108/88, não veda aos ditos centros de criação, transmissão e difusão da cultura, ciência e tecnologia tal celebração.
Contudo, o legislador não poderia ser indiferente à imposição, quer decorrente da Constituição, quer decorrente da lei ordinária, da autonomia que deve ser apanágio das universidades.
Não seria, neste contexto, compaginável com essa autonomia que, para os celebrandos contratos de trabalho a termo, as universidades tivessem de se submeter, quer à autorização e anuência prévias, quer à comunicação ao Ministério das Finanças.
Daí, na perspectiva deste Tribunal, a necessidade de edição de norma como aquela agora em apreciação.
Norma essa que, aliás, bem podia até constar do próprio articulado do D.L. nº 427/89.
10. Alcançada esta conclusão, resta apenas tratar de uma questão. Reside ela em saber se, sendo único escopo do artigo único do D.L. nº
27/91 a consagração de uma excepção relativamente à totalidade das regras do regime contido no D.L. nº 427/89, e sendo este regime, inquestionavelmente, de considerar como legislação de trabalho, teria aquela norma, igualmente, de se considerar legislação de trabalho, sequentemente, a dar-se resposta afirmativa, impondo-se, no processo legislativo que a ela conduziu, a audição das associações sindicais representativas dos trabalhadores interessados, e isto atendendo a que se não fala, no preâmbulo do diploma que a aprovou, em que tal audição teve lugar (cfr., sobre a presunção de não audição resultante da omissão de referência preambular nesse sentido, o Acórdão nº 15/88, no Diário da República, 1ª Série, de 3-FEV-88) e que não dispõe este Tribunal de dados de facto que conduzam a diferente conclusão.
10.1. É sabido que o direito, constitucionalmente consagrado, de participação das associações sindicais (e das comissões de trabalhadores) na elaboração da legislação do trabalho, configura indiscutivelmente um direito institucional e orgânico dessas associações e comissões, e não um direito individual ou subjectivo dos trabalhadores , visando assegurar, de modo garantístico, a representação de interesses destes na assunção de opções de «organização do poder político» (cfr., sobre o assunto, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,
1983, 91 e segs.), conquanto de forma não vinculante, o que, na ideia transmitida pelo Acórdão nº 262/90 deste Tribunal (no Diário da República, 1ª Série, de 20 de Dezembro de 1990), compagina o princípio representativo dos
órgãos de decisão política com a democracia participativa constante do artº 2º da Constituição e com o acautelamento dos direitos dos trabalhadores.
O Diploma Fundamental não contém uma definição do que seja «legislação laboral», razão pela qual esse conceito tem sido preenchido interpretativamente pela doutrina e jurisprudência.
É assim que Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, I, 300), propugnam por que nesse conceito se há-de abranger «toda e qualquer produção normativa
(sobretudo legislativa), incluindo a aprovação de convenções internacionais, que verse aspectos do estatuto jurídico dos trabalhadores e das relações de trabalho em geral, incluindo, naturalmente, as que tenham a ver com os direitos constitucionalmente reconhecidos aos trabalhadores, quer a título de 'direitos, liberdades e garantias' (...), quer a título de 'direitos económicos, sociais e culturais'...». Também a Comissão Constitucional e o Tribunal Constitucional, por variadas vezes, se debruçaram sobre o conceito em causa (cfr., entre outros, quanto à primeira, o Parecer nº 17/81, nos Pareceres..., Vol. 16, 14 e segs., e, quanto ao segundo, os Acórdãos números 31/84, 451/87, 15/88, este já citado,
107/88 e, mais recentemente, 93/92, publicados no Diário da República, 1ª Série,
de, respectivamente, 17-ABR-84, 14-DEZ-87, 3-FEV-88, 21-JUN-88 e 28-MAI-92).
Do que em tais arestos consta poder-se-á dizer que o conceito «legislação de trabalho» abarcará a normação que vise regular os direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações, direitos esses reconhecidos na Constituição e na lei; enfim, a normação regulamentadora das relações individuais e colectivas de trabalho.
Na lei ordinária (Lei nº 16/79, de 26 de Maio) é tentada uma definição do que seja legislação de trabalho, embora do seu texto (nº 1 do artº 2º daquele diploma) desde logo ressalte que o elenco referido é efectuado de forma exemplificativa, o que é demonstrado pelo emprego da expressão
«designadamente».
Seja como for, a definição exemplificativa contida na Lei nº 16/79 constitui, seguramente, um importante subsídio para o intérprete sobre aquilo que se deva entender como legislação do trabalho, mormente no que releva para a função pública, ainda que se perfilhe o entendimento de que a regulação constante de tal Lei não abrange os trabalhadores da Administração Pública e a legislação de trabalho que lhes é própria.
Quanto a esta classe de trabalhadores e respeitantemente aos direitos de participação (no que ora releva, tocantemente à elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da função pública) e de negociação colectiva, rege o Decreto-Lei nº 45-A/84, de 3 de Fevereiro, que apenas confere aqueles direitos às associações sindicais representativas dos interesses dos mencionados trabalhadores [cfr. artigos 2º e 9º, nº 1, alínea a); cfr., ainda, no tocante à questão de as comissões de trabalhadores porventura existentes na Administração Pública não deterem o direito de audição, o Acórdão deste Tribunal nº 22/86, na 2ª Série do Diário da República de 29-ABR-86].
10.2. Exposto este quadro, há agora que, decisivamente, saber se a excepção imposta pela norma em apreço pode ser incluída no conceito de legislação de trabalho.
Tal excepção, recorda-se, consiste em, nos contratos de trabalho a termo certo em que uma das partes contratantes seja uma instituição universitária, ser dispensada, de um lado, a anuência ou autorização prévia do Ministério das Finanças, caso se trate de contratos visando o desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais prosseguidas por essas instituições ou o aumento excepcional e temporário da actividade e, de outro, a comunicação a tal Ministério, nas hipóteses de os contratos serem realizados com o fim de assegurar a substituição temporária de funcionário ou agente das mesmas instituições ou o desenvolvimento de actividades sazonais.
A resposta à questão de que nos ocupamos não pode deixar de ser negativa.
Na realidade, as anuência e comunicação a que se reporta o artº 21º do D.L. nº 427/89 não têm qualquer relevância sobre o conteúdo da relação jurídica laboral que se estabelece por via da contratação a termo certo ou sobre o 'estatuto' jurídico dos contratados e respectivas regulações, sendo, por outro lado, nítido que igualmente nenhuma projecção existe relativamente ao que demais se deve entender como preenchendo o conceito de legislação de trabalho a que acima se fez referência.
Aquele artigo 21º trata, como é claro, tão somente do estabelecimento de uma regra procedimental dirigida aos serviços públicos, regra essa que, em relação às instituições universitárias, foi desejada afastar pela norma em crise.
Daí a conclusão de que essa norma, ao afastar o concreto procedimento que constava do D.L. nº 427/89 - e procedimento esse que não será de considerar como inserível na «legislação de trabalho» - também não poderá como tal ser considerada, consequentemente podendo ser editada sem prévia audição das associações sindicais representativas do núcleo dos trabalhadores interessados.
III
Perante o exposto, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade da norma constante do artigo único do Decreto-Lei nº 27/91, de 11 de Janeiro.
Lisboa, 22 de Junho de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida Messias Bento Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa