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Proc. Nº 320/93 Sec. 1ª Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. - A., B. e C. foram autuados pela Repartição de Finanças do Concelho de Alcobaça por não haveram liquidado nos prazos legais a taxa devida ao Fundo de Socorro Social, respeitantes aos meses de Julho a Dezembro de 1979, Janeiro a Dezembro de 1980 e Janeiro a Julho de 1981, infringindo assim o disposto no artigo 5º, § 1º, com referência ao artigo 2º, nº
3, do Decreto-Lei nº 47500, de 18 de Janeiro de 1947, e artigo 1º da Lei nº
19/77, de 5 de Março, e incorrendo consequentemente na sanção prevista no artigo
21º daquele diploma e no artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 667/76, de 5 de Agosto.
Por despacho do Juiz do Tribunal Tributário de 1ª instância de Leiria, o procedimento criminal foi julgado extinto por prescrição e, nessa parte, foi determinado o arquivamento dos autos, 'considerando a data da prática das infracções, o tempo já decorrido e tendo em atenção o preceituado no artigo 120º, nº 3, do Código Penal, conjugado com o artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi artigo 4º, nº 2, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras.
2. - Desta decisão interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) o representante da Fazenda Nacional.
No STA foi a questão resolvida por acórdão de 10 de Fevereiro de 1993 que negou provimento ao recurso por entender que são materialmente inconstitucionais as normas dos artigos 2º e 5º nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprova o novo Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras interpretadas no sentido de impedir a aplicação desse novo regime às infracções praticadas antes da sua entrada em vigor, embora ele seja mais favorável ao arguido.
Desta decisão interpôs o representante do Ministério Público junto do STA recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC - Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
Neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto concluiu as suas alegações da forma que passa a transcrever-se:
'1º - São materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição, as normas constantes dos artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº
20-A/90, de 15 de Janeiro, enquanto obstam à aplicação retroactiva de lei sancionatória mais favorável;
2º - Termos em que deve ser confirmada a decisão recorrida, na parte impugnada.'
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS
3. - A questão que vem posta ao Tribunal é a de saber se os artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-lei nº 20-A/90 de 15 de Janeiro, na interpretação atrás mencionada, são inconstitucionais por violarem o nº 4 do artigo 29º da CRP.
As normas em apreço têm o seguinte teor:
Artigo 2º
Início da eficácia temporal
As normas, ainda que de natureza processual, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras só se aplicam a factos praticados posteriormente à entrada em vigor de presente diploma.
Artigo 5º
Âmbito da revogação
....................................................
2 - Mantêm-se em vigor as normas de direito contravencional anterior até que haja decisão, com trânsito em julgado, sobre as transgressões praticadas até à data da entrada em vigor do presente diploma.
A norma considerada violada - nº 4 do artigo 29º da CRP
- tem o seguinte teor:
'Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.'
A matéria a que se reporta o presente processo foi já objecto de apreciação neste Tribunal, o qual, pelo Acórdão nº 227/92, in D.R.,II série, de 12 de Setembro de 1992, julgou inconstitucionais as normas dos artigos
2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro por violação do artigo 29º, nº 4, da Constituição da República. E pode dizer-se desde já que não foram trazidos aos autos novos argumentos susceptíveis de levar a uma modificação do sentido daquela decisão.
4. - Com efeito, retomando a fundamentação do Acórdão nº
227/92, o princípio da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável apenas se encontra formulado para o domínio penal. No entanto, há-de valer também no domínio do ilícito de mera ordenação social, pelo menos quanto a elementos tão caracterizadores do direito sancionatório como são os que dizem respeito à prescrição e consequente extinção do procedimento judicial, isto tendo em atenção a razão de ser daquele princípio.
No caso dos autos discute-se a questão da aplicabilidade do novo Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, a factos praticados antes da sua entrada em vigor.
Aquele novo regime jurídico passou, por um lado, a criminalizar certas condutas lesivas dos interesses da Fazenda Nacional - os crimes fiscais dos artigos 23º a 27º - e, por outro lado, desgraduou em contra-ordenações as restantes transgressões fiscais, quer através da tipificação das respectivas condutas (caso dos artigos 28º a 40º), quer pela equiparação das restantes a contra-ordenações, ao prescrever a sua submissão ao regime destas (cfr. artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 20-A/90).
Estabeleceu, porém, a aplicação das suas normas apenas aos factos criminais ou contra-ordenacionais praticados após a sua entrada em vigor. Consequentemente, os factos anteriormente ocorridos deveriam continuar a ser apreciados e julgados de acordo com as normas em vigor na data da respectiva prática, independentemente de o regime nelas contido ser menos favorável do que aquele que se instituía para o futuro.
As normas desaplicadas no acórdão recorrido com fundamento na respectiva inconstitucionalidade são precisamente aquelas que impediam a aplicação retroactiva do novo Regime na parte mais favorável ao infractor. Ora, sendo assim, não se justifica que a decisão sobre a questão de constitucionalidade incorra em qualquer juízo de censura.
III - DECISÃO
Nos termos que ficam expostos, o Tribunal decide julgar inconstitucionais, por violação do nº 4, do artigo 29º da Constituição, dos artigos 2º e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, enquanto interpretados no sentido de impedir a aplicação da nova lei, ainda que mais favorável, às infracções que o Regime Jurídico, aprovado por aquele diploma, desgraduou em contra-ordenações e, em consequência, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Lisboa,1993.11.03
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Maria da Assunção Esteves
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa