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Procº nº 274/93
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., com os sinais dos autos, veio apresentar reclamação, nos termos do nº 4 do art. 76º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho da Senhora Juíza do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul que não admitiu recurso de constitucionalidade por si interposto de decisão do mesmo Magistrado.
O reclamante começou por invocar que lhe havia sido indeferido um pedido de apoio judiciário por ele formulado, contrariamente ao que deveria resultar, em sua opinião, dos elementos constantes dos autos, e de forma oposta à assumida no parecer do representante do Ministério Público. Reagira então, pedindo a nulidade do respectivo despacho judicial, para tal invocando que a decisão estaria em contradição com os respectivos fundamentos. Como esse requerimento fora subscrito por um solicitador, a Senhora Juíza abstivera-se de conhecer do requerido, entendendo que a questão suscitada era uma questão de direito e, como tal, não poderia ser a mesma levantada pelo solicitador que subscrevera o requerimento. Face a este despacho, o ora reclamante viera requerer a respectiva nulidade, suportando-se no facto de a causa não admitir recurso, por estar o seu valor contido dentro de alçada do tribunal de comarca, não sendo obrigatória a constituição de advogado, antes se considerando ser admissível a um solicitador versar todas as questões de facto e de direito. Por razões de cautela, terminara este requerimento solicitando, na hipótese de vir a ser indeferido o pedido de nulidade, que fosse admitido recurso para o Tribunal Constitucional, por inconstitucionalidade do disposto no art. 34º do Código de Processo Civil. Mas relativamente ao novo requerimento, abstivera-se de novo a Senhora Juíza de dele conhecer, louvando-se na circunstância de estar subscrito por solicitador, invocando o art. 32º do Código de Processo Civil. Face ao silêncio do despacho sobre o recurso de constitucionalidade, considerara indeferida a interposição deste mesmo recurso, pelo que reagia através da reclamação. Terminou o reclamante esta peça pedindo que fosse revogado o despacho reclamado e admitido o recurso de constitucionalidade.
A reclamação acha-se subscrita por solicitador e por advogado, com poderes substabelecidos com reserva pelo mesmo solicitador a favor de quem o ora reclamante passara procuração.
A fls. 5 acha-se um despacho da Senhora Juíza de São Pedro do Sul a 'admitir' a reclamação, indicando que não fora aceite o recurso de constitucionalidade oportunamente interposto pelo solicitador com procuração nos autos principais, dado o disposto no nº 1 do art. 83º da Lei do Tribunal Constitucional. Nesse despacho, é ordenada a passagem de certidão das peças processuais, nos termos requeridos na reclamação.
2. Os autos de reclamação subiram ao Tribunal Constitucional, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto tido vista dos mesmos. Elaborou parecer no qual sustenta que a reclamação não merece deferimento (a fls. 17 a 21).
3. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. Da certidão junta aos autos resulta que B. propôs acção declarativa comum na forma sumária contra a companhia de seguros C., no Tribunal Judicial da comarca de São Pedro do Sul. Citada a ré, veio esta chamar
à autoria o ora reclamante e D..
O ora reclamante pediu o benefício de apoio judiciário, tendo o agente do Ministério Público promovido que tal benefício lhe fosse concedido.
Por despacho proferido a fls. 80 dos autos principais, foi indeferido o pedido de apoio judiciário, por ter sido considerado que a alegação feita pelo ora reclamante de que, além de trabalhar na agricultura, se deslocava periodicamente a Itália para trabalhar alguns dias, indiciava a existência de rendimentos que permitiriam suportar as despesas da acção.
Contra este despacho reagiu o requerente, ora reclamante, através de um pedido de nulidade do mesmo, ao abrigo do art. 668º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, invocando que daí não constavam os fundamentos de facto e de direito que justificavam a denegação, 'já que dos autos nada se pode concluir que seja o requerente quem paga as deslocações a Itália'. Tal requerimento acha-se subscrito por um Senhor Solicitador.
Sobre este requerimento, recaiu o seguinte despacho:
'Folhas 84 e 85 dos autos: a questão levantada pelo requerimento em análise é uma questão de direito, e como tal não pode ser suscitada pelo solicitador que subscreve o requerimento.
Pelo exposto, não conheço do requerimento junto a fls. 84 e 85.
Custas do incidente a cargo do requerente.
Notifique-se' (certidão a fls 10 dos presentes autos).
O ora reclamante veio, em requerimento subscrito pelo mesmo Senhor Solicitador, arguir a nulidade do transcrito despacho, alegando que, nas causas em que a lei não admite recurso, os solicitadores podem representar as respectivas partes, nos termos do art. 34º do Código de Processo Civil, podendo versar todas as questões, quer de facto, quer de direito e praticar todos os demais actos, incluindo a apresentação de alegações orais em audiência. Afirmou que o despacho impugnado violava 'os direitos dos solicitadores, impedindo-os de exercer a sua profissão em todo o âmbito', sendo o mesmo inconstitucional, por contrariar o disposto no art. 34º do Código de Processo Civil e o Estatuto dos Solicitadores. Este requerimento termina com a formulação de um pedido principal ('a nulidade do despacho em causa, com as consequências do nº 2 do art. 201º do Código Proc. Civil') e de um pedido subsidiário ('Pela jurisprudência das cautelas, se tal despacho não for anulado, desde já se interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, por inconstitucionalidade do art. 34º do Código de Processo Civil, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82').
Sobre este requerimento, foi proferido o despacho reclamado, com o seguinte teor:
'Já deixámos claro que perfilhamos a opinião que defende que para discutir questões de direito é sempre obrigatória a intervenção de advogado qualquer que seja o valor da causa ou a espécie de processo. E a nosso ver não pode ser outra a conclusão a extrair do teor do art. 32º do C. Proc. Civil.
Assim, e porque o requerimento de folhas 90 e 91 dos autos está subscrito por solicitador e suscita questões de direito dele não tomo conhecimento.
Custas do incidente a cargo de requerente.
Notifique.' (a fls 92 dos autos principais, reproduzido a fls 14 dos presentes autos).
5. Como bem nota o Exmo Procurador-Geral Adjunto, a presente reclamação dirige-se contra o despacho que acaba de reproduzir-se, por nele ter o reclamante visto certamente 'uma implícita rejeição do recurso subsidiariamente interposto para o Tribunal Constitucional.' (a fls. 19). E o mesmo Magistrado nota que o despacho de fls 5 - através do qual a Senhora Juíza de São Pedro do Sul veio 'admitir' a reclamação - vale 'como manutenção do despacho reclamado e como assunção de que neste se havia rejeitado o recurso interposto para o Tribunal Constitucional' (ibidem).
Embora não seja curial aplicar no processo civil ou no processo constitucional a doutrina dos actos tácitos de indeferimento, elaborada pelos cultores do direito administrativo e aceite pela legislação e jurisprudência deste ramo de direito, não parece censurável considerar que houve uma verdadeira rejeição do recurso de constitucionalidade, constante do despacho de fls. 5, havendo, por isso, de aproveitar-se a reclamação antecipadamente deduzida pelo ora reclamante, como é preconizado no parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto.
6. Antes de tudo, importa notar que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não se acha subscrito por advogado, nem obedece ao formalismo previsto nos nºs 1 e 2 do art. 75º - A da Lei do Tribunal Constitucional (artigo aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
Como refere a Senhora Juíza a quo, o art. 83º, da Lei do Tribunal Constitucional estatui que, nos recursos para este órgão jurisdicional, 'é obrigatória a constituição de advogado, sem prejuízo do disposto no nº 3' ( a excepção prevista neste último número rege apenas para os recursos interpostos em processos pendentes nos tribunais administrativos e fiscais, pelo que não tem qualquer relevância na presente reclamação). Ora, para indicar os elementos constantes dos nºs 1 e 2 do artº 75º - A da Lei do Tribunal Constitucional, é manifesto que importa formular juízos de natureza jurídica
(cfr. nº 2 do art. 32º do Código de Processo Civil).
Assim, atendendo ao disposto nos arts. 75º -A, nºs 1 e 2, e 83º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, deveria o tribunal recorrido ter convidado, desde logo, o ora reclamante a indicar os elementos em falta, no prazo de 5 dias ( art. 75º -A, nº 5, daquela Lei), e a constituir advogado para sanar a situação de falta do mandato então detectada (arts. 32º, nº 2, e 33º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional).
Tal não sucedeu, tendo a Senhora Juíza optado por rejeitar o recurso (através do despacho de fls. 5, posterior a esta reclamação).
Tal atitude poderá, então, justificar o deferimento da presente reclamação, por se considerar que o ora reclamante não pode ser prejudicado pela abstenção do tribunal a quo de convite àquele para suprir tais faltas ou irregularidades?
Entende-se que seria apressado responder afirmativamente a esta pergunta.
Os sucessivos requerimentos apresentados pelo ora reclamante tiveram provavelmente origem na convicção do seu mandatário forense de que o despacho de indeferimento do pedido de apoio judiciário era irrecorrível, atendendo ao valor do processo em que fora formulado. Mas tal convicção não era fundada.
Na verdade, o art. 39º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de
29 de Dezembro, estabelece que das decisões proferidas sobre apoio judiciário
'cabe sempre agravo, independentemente do valor, com efeito suspensivo, quando o recurso for interposto pelo requerente, e com efeito meramente devolutivo nos demais casos'.
Atendendo a que o despacho de indeferimento do pedido de apoio judiciário era susceptível de recurso para um Tribunal da Relação, a nulidade arguida através do requerimento de fls. 84 e 85 dos autos principais foi feita através de tramitação ilegal, atento o disposto no nº 3, 1ª parte, do art. 668º do Código de Processo Civil ('As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; [...]').
Ora, sendo o recurso de constitucionalidade um recurso de natureza instrumental, é manifesto que seria inútil mandar admitir o recurso de constitucionalidade no caso sub judice, pois que, a ser procedente no futuro tal recurso e a concluir-se pela não inconstitucionalidade da interpretação do art. 34º do Código de Processo Civil sustentada pelo reclamante, nunca o tribunal a quo poderia deferir a arguição da nulidade, atento o disposto na 1ª parte do nº 3 do art. 668º do Código de Processo Civil.
7. Considera-se, por último, que à solução de indeferimento da reclamação se pode também chegar pela via perfilhada pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto quando - face ao caso sub judice e tendo em conta o disposto no art. 39º do Decreto-Lei nº 387-B/87 - sustenta que não se mostravam, no processo sub judicio, esgotados os recursos ordinários, quanto à decisão objecto do recurso de constitucionalidade não admitido, visto a regra geral de recorribilidade daquele art. 39º valer 'também, naturalmente, para as decisões que indefiram arguições de nulidade de decisões denegatórias de apoio judiciário, como era aquela de que se pretendeu interpor recurso para o Tribunal Constitucional' (a fls 21). É que, na verdade, o Decreto-Lei nº 387-B/87 estabelece uma regra geral de recorribilidade quanto a todas as decisões proferidas sobre apoio judiciário, de tal forma que sempre poderá dizer-se que não estavam, no caso sub judicio, esgotados os recursos ordinários. E, nesse caso, não importaria 'apurar se concorrem, no caso, os outros requisitos específicos desta espécie de recurso, nomeadamente a suscitação «durante o processo» da inconstitucionalidade de normas e a aplicação, na decisão recorrida, dessas mesmas normas' (a fls 21 dos autos).
8. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em três(3) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Outubro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa