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Procº nº 316/91. Reclamação para o Plenário. Relator: Consº BRAVO SERRA.
I
1. A A., reclamou para 'A CONFERÊNCIA DO PLENÁRIO'
(sic), solicitando que sobre o despacho do relator, proferido em 4 de Março de
1993 e de fls. 172 verso a 174, recaísse acórdão.
2. O despacho em causa - por intermédio do qual não foi admitido o recurso intentado interpor para o Plenário deste Tribunal ao abrigo do artº 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pela ora reclamante e referentemente ao Acórdão nº 603/92, lavrado de fls. 135 a 155 - tem o seguinte teor:
'De harmonia com o n.º 1 do artº. 79.º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o plenário do Tribunal Constitucional se este 'vier a julgar a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções'.
No presente caso o Tribunal, pela maioria dos juízes que compõem a sua 2.ª Secção, entendeu não se dever tomar conhecimento do recurso pois que, tendo ele sido interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da lei atrás mencionada e tendo o acórdão recorrido desaplicado a norma constante do n.º 3 do art.º 133.º do Código do Notariado devido à circunstância de ela estar em contraditoriedade com a alínea 3.ª do art.º 44.º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, o recurso a interpor daquele acórdão era, não o aludido na falada alínea a), mas sim o indicado na alínea i) dos mesmos número e artigo.
É óbvio que nos Acórdãos números 100/92, 321/92 e 323/92, a 1.ª Secção deste Tribunal entendeu ser de tomar conhecimento de recursos interpostos de decisões judiciais ao abrigo da referida alínea a), decisões essas nas quais foi recusada a aplicação da norma constante do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º
262/83, de 16 de Junho, visto que a mesma contraditava o n.º 2 do art.º 48.º e o n.º 2 do art.º 49.º da referida Lei Uniforme.
Desenha-se, assim, quanto à postura tomada naqueles Acórdãos lavrados na 1.ª Secção e aqueloutra tomada no Acórdão n.º 603/ /92, proferido nestes autos, uma divergência ou, se se quiser, um juízo decisório diverso, mas tão só no tocante à questão do conhecimento do recurso. E isso porque nos primeiros foi entendido que, face ao que se consagra na alínea i) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei nº 28//82, sempre estaria aberta a via de recurso para este Tribunal, nada obstando a que a impugnação interposta de harmonia com a alínea a) de tais número a artigo se 'convolasse' para a dita alínea i) (esta a posição que, no essencial, defendia o ora relator e que consta da sua declaração de voto aposta no mencionado Acórdão n.º 603/92).
Ora, foi esta 'convolação' (ou possibilidade de 'convolação') que não foi aceite no Acórdão proferido na 2.ª Secção.
A ser assim, torna-se claro que a divergência em causa não respeita a qualquer questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma, motivo pelo qual, no caso, não tem campo aplicativo o n.º 1 do referenciado art.º
79.º-D.
Termos em que se não admite o recurso intentado interpor para o plenário deste Tribunal.
Notifique.
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II
1. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de Março de 1991, depois de referir que a Constituição vigente sufragou a doutrina da recepção automática do direito internacional convencional na ordem jurídica nacional, 'condicionada apenas ao facto de a sua eficácia interna depender da publicação no Diário da República', veio sustentar que 'o Estado Português não pode alterar ou revogar 'ad libidum' as disposições da Lei Uniforme, nos termos em que normalmente o são as demais disposições de direito interno, isto é, por qualquer lei ou decreto lei que expressa ou tacitamente os altere ou revogue'.
A partir destas proposições, a Relação de Lisboa defendeu que 'um diploma emanado do Estado Português para vincular os seus súbditos alterando matéria cambiária seria um diploma inconstitucional, materialmente inconstitucional, pois seria ofensivo dos princípios consignados na Constituição', concluindo, neste particular, pela 'inconstitucionalidade material do...nº 3 do artigo 133º do Código do Notariado', pelo que tal norma seria 'inaplicável pelos tribunais'.
2. Do acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Lisboa recorreram para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e a ora reclamante, dizendo o primeiro que o fazia, de entre o mais, com base na alínea a) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, enquanto que a segunda referia, de entre outros normativos, a alínea b) do nº 1 do aludido artigo 280º e a alínea a) do nº 1 do, também aludido, artº 70º.
Uma vez admitidos, naquela Relação, os recursos interpostos, e produzidas, já neste Tribunal, as alegações, o mesmo, por maioria, lavrou o Acórdão nº 603/92, no qual se decidiu não tomar conhecimento do recurso.
Para tanto, e no que ora releva, discreteou-se do seguinte jeito:
'Não se indicou expressamente nesse acórdão o preceito ou princípio constitucional por ele violado, limitando-se o mesmo a citar, entre parêntesis, para além do artigo 207º. - que se limita a dizer, como se sabe, que 'nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados' -, o artigo 8º. da Constituição e o artigo 44º. da Lei Uniforme.
Esta referência permite, porém, concluir que o nº. 3 do artigo 133º. do Código do Notariado foi desaplicado por estar em contrariedade com a citada alínea do artigo 44º. da Lei Uniforme
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Ora, sendo assim, isto é, sendo a causa da recusa da aplicação do nº.
3 do artigo 133º. do Código do Notariado a sua contrariedade com a terceira alínea do artigo 44º. da Lei Uniforme, o recurso a interpor do acórdão da Relação era, não o previsto no artigo 70º., nº. 1, alínea a), da Lei nº. 28/82
(recurso das decisões dos tribunais 'que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade'), mas sim o previsto na alínea i) do mesmo preceito (recursos das decisões dos tribunais 'que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional).
Como é sabido, o aditamento desta alínea i) ao texto do artigo 70º. da Lei nº. 28/82 pela Lei nº. 85/89, de 7 de Setembro, visou justamente, ou visou também, pôr termo à divergência jurisprudencial entre as duas secções deste Tribunal quanto a saber se este órgão jurisdicional era ou não competente para conhecer dos recursos fundados em contrariedade de norma constante de acto legislativo com uma convenção internacional. A divergência surgiu a propósito da alteração pelo artigo 4º. do Decreto-Lei nº. 262/83, de 16 de Junho, da taxa de juros fixada para as letras de câmbio pelos nºs. 2ºs dos artigos 48º. e 49º. da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, tendo-se a 1ª Secção declarado competente para conhecer da questão (v.g., nos acórdãos nºs. 27/84, de 21 de Março, e 62/84, de 19 de Junho) e a 2ª Secção considerado incompetente para o mesmo efeito (v.g., nos Acórdãos nºs. 47/84, de 23 de Maio, e 107/84, de 14 de Novembro).
Qual a consequência de se ter interposto recurso no caso sub iudice ao abrigo da alínea a) do nº. 1 do artigo 70º. da Lei nº. 28/82, em vez de ao abrigo da alínea i) do mesmo preceito?
3. A 1ª Secção tem, em casos semelhantes, conhecido dos recursos: assim, nos Acórdãos nºs. 100/92, de 17 de Março (no Diário da República, II série, de 18 de Agosto) e 321/92 e 323/92, de 8 de Outubro (proferidos nos processos nºs. 98/91 e 307/90, respectivamente).
Tal orientação não é, porém, de seguir.
Entre as disposições aditadas pela Lei nº. 85/89 à Lei nº. 28/82 conta-se o artigo 75º.-A, que, depois de enunciar, nos nºs. 1 a 3, os elementos que deve conter o requerimento por meio do qual se interpõe o recurso para o Tribunal Constitucional e de acrescentar, no nº. 4, que o disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, ao recurso previsto na alínea i) do nº. 1 do artigo 70º., dispõe no nº. 5:
Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 5 dias.
E o artigo 76º. da mesma Lei nº. 28/82 refere, entre os casos de indeferimento do requerimento de interposição de recurso, o de ele não satisfazer os requisitos do artigo 75º.-A, 'mesmo após o suprimento previsto no seu nº. 5'.
Isto é:- se o requerimento de interposição do recurso não indicar, v.g., 'a alínea do nº. 1 do artigo 70º. ao abrigo da qual o recurso é interposto', deve o juiz convidar o requerente a suprir a falta; e, se o requerente a não suprir, o requerimento deve ser indeferido.
E, para dar satisfação ao comando legal, não pode o recorrente indicar uma qualquer alínea do nº. 1 desse artigo 70º.; deve indicar, sim, a alínea efectivamente aplicável.
É evidente, por outro lado, que, se o recorrente não indicar qualquer dos elementos exigidos pelo artigo 75º.-A, mesmo depois de convidado a suprir a falta, e, apesar disso, o recurso for admitido, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do seu objecto.
Sendo isto assim, forçoso será concluir que o Tribunal não pode convolar, v.g., para a alínea i) do nº. 1 do artigo 70º. o recurso interposto com fundamento na alínea a); o que o Tribunal deverá fazer é precisamente não conhecer do objecto do recurso.
A conclusão é ainda mais evidente quando, como no caso dos autos, o recurso com fundamento na alínea a) põe uma questão de inconstitucionalidade directa e o recurso baseado na alínea i) põe uma questão de inconstitucionalidade indirecta (contrariedade de norma de acto legislativo com uma convenção internacional) e, neste último caso, o recurso tem âmbito diferente, já que, nos termos do nº. 2 do artigo 71º. da Lei nº. 28/82, 'é restrito às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida'.
Em resumo:
Interposto recurso com fundamento na alínea a) do nº. 1 do artigo
70º. da citada Lei nº. 28/82, não pode o Tribunal conhecer do fundamento constante da alínea i).'
3. Notificada deste Acórdão, pretendeu a ora reclamante recorrer para o Plenário deste Tribunal, uma vez que, sobre a questão de saber se se pode tomar conhecimento de recursos interpostos com fundamento na alínea a) do 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, quando, adequadamente, o deveria ter sido com fundamento na alínea i), foi decidido 'diferentemente na 1ª Secção..., como se pode ver no Acórdão nº 60/92 [por manifesto lapso referiu este número, pois certamente quereria escrever 100/92] de 17/Março (in. DR. 2ª série de 18 de Agosto) e nº 321/92 e 323/92, de 8 de Outubro (tirados nos processos 98/91 e
307/90 respectivamente'.
4. Nos Acórdãos números 100/92, 321/92 e 323/92, citados no despacho reclamado, por seu turno, foi entendido, em sede de questão preliminar, que era cabido ao Tribunal Constitucional tomar conhecimento de recursos para ele interpostos ex vi da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, sem necessidade de se utilizar o aperfeiçoamento processual a que se reporta o artº 75º-A da mesma lei, e referentemente a decisões de outros tribunais nas quais foi recusada a aplicação de uma norma constante de um diploma legislativo emanado de um órgão de soberania (a norma do artº 4º do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, com a recepção do disposto no nº 1 da Portaria nº 339/87, de 24 de Abril), recusa essa justamente baseada na circunstância de tal norma ser violadora do nº 2 do artigo 8º da Constituição na medida em que fixou uma taxa de juro superior à prevista no artº 48º, segundo trecho, da já falada Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças.
Seguir-se-á daí que, não obstante a diferente postura, quanto à mencionada questão preliminar, tomada nos Acórdãos imediatamente acima referidos e no Acórdão nº 603/92, é este último passível, nos termos do artº
79º-D da Lei nº 28/82, de recurso para o Plenário?
5. O despacho agora em reclamação entendeu dever dar resposta negativa a tal questão, precisamente com base em que aqui não estava em causa uma divergência respeitante a qualquer problema de inconstituconalidade ou ilegalidade de uma norma.
Entende o Plenário que, por assim efectivamente ser, deverá manter-se o despacho reclamado.
6. Na verdade, o recurso previsto no artº 79º-D da Lei nº 28/82 (norma concretizadora da ínsita no nº 3 do artigo 226º da Lei Fundamental), como diz Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, 1992, 338),
'... não pode ter por objecto divergências jurisprudenciais sobre normas de processo constitucional'.
Ora, a divergência acima assinalada, na perspectiva do Tribunal, incide justamente sobre normas do processo constitucional ou, mais propriamente, sobre a interpretação das normas reguladoras e condicionadoras do recurso para o órgão a quem compete o concentrado controlo normativo - da constitucionalidade ou da legalidade - , não sendo, por isso, uma divergência no tocante à existência, ou não, de um vício gerador de inconstitucionalidade ou ilegalidade reportadamente às normas desaplicadas nas decisões dos tribunais geradoras dos recursos para o Tribunal Constitucional e que foram pretextados para a prolação dos arestos ditos em oposição.
III
Perante o exposto, decide-se, em Plenário, manter o despacho do relator exarado de fls. 172 verso a 174, condenando-se a A., nos autos processuais, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Lisboa, 29 de Março de 1993
Bravo Serra Maria da Assunção Esteves Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Antero Alves Monteiro Dinis António Vitorino António Vitorino Mário de Brito José Manuel Cardoso da Costa