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Proc. nº 400/92
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I- RELATÓRIO
1 - A. intentou, no Tribunal Judicial da ----------, acção de investigação de paternidade contra B. e marido C., e D. e mulher E., pedindo, com fundamento em filiação biológica, posse de estado e escrito do progenitor, que fosse reconhecida como filha do falecido pai e sogro destes, F., com todos os direitos daí decorrentes, devendo designadamente os réus abrir mão da herança do falecido, para efeito de partilha com a autora.
Por sentença de 3 de Julho de 1990, o pedido foi julgado improcedente, porquanto, face à prova produzida, o tribunal entendeu que, não havendo elementos para se presumir a paternidade invocada, a acção não havia sido intentada tempestivamente.
2 - A autora recorreu para a Relação de Coimbra que confirmou a decisão; e depois para o Supremo Tribunal de Justiça, também sem êxito. Recorre agora para o Tribunal Constitucional, onde apresentou alegações no sentido de que o prazo estabelecido pelo artigo 1817º, nº 4, do Código Civil viola o direito à identidade pessoal estabelecido pelos artigos 26º, nº 1, e 18º, n.os 2 e 3, da Constituição, questão que suscitou no recurso interposto no Tribunal de Relação de Coimbra.
Os recorridos contra-alegaram por excepção, dizendo não caber recurso para o Tribunal Constitucional quanto à questão invocada, já que a norma do artigo 1817º, nº 4, do Código Civil não foi aplicada pelo tribunal a quo; quanto à questão de fundo, entendem não se verificar a pretendida inconstitucionalidade, louvando-se na doutrina do Acórdão nº 99/88, do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, II série, de 22 de Agosto de
1988). A recorrente não se pronunciou sobre a questão prévia.
Corridos os vistos, cumpre decidir tal questão.
II - FUNDAMENTOS
3 - Segundo os recorridos, nem as instâncias, nem o S.T.J., aplicaram, para fundamentar a decisão, o nº 4 do citado artigo 1817º do Código Civil, cuja inconstitucionalidade é aqui invocada. Assim, não cabe recurso para o Tribunal Constitucional relativamente a esta questão de inconstitucionalidade.
A recorrente, notificada para se pronunciar sobre a matéria, nada disse.
4 - A acção de investigação de paternidade a que se refere o presente recurso foi intentada com fundamento em paternidade biológica, pretendendo a Autora beneficiar das presunções decorrentes dos artigos 1871º, nº
1, alíneas a) e b), do Código Civil (posse do estado de filha, e escrito do pretenso pai reconhecendo a paternidade).
A norma cuja inconstitucionalidade se invoca, o artigo 1817º, nº
4, do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 1873º, estabelece um prazo de caducidade específico para intentar a acção com base na primeira daquelas presunções: quem invoca ter sido tratado como filho, só pode propor a acção dentro do prazo de um ano a contar da data em que cessar aquele tratamento pelo pretenso pai.
Ora, este fundamento foi considerado improcedente pelo tribunal de 1ª instância: aí se escreveu não haver «elementos para se presumir a paternidade da A., quer com fundamento na alínea a), quer na alínea b) do artigo
1871º, nº 1, do Código Civil»; e que «inverificadas as presunções das als. a) e b) do art. 1871 C. Civil, precludida fica a questão dos prazos para a proposição da acção, com fundamento nas citadas excepções dos n.ºs 3 e 4 do art. 1817 C. Civil» (fls 108 vº).
O acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, confirmando a decisão de primeira instância em relação à matéria de facto, considerou também que «face aos termos em que a questão está posta, supra, ficará, é claro, prejudicado este tema». É certo que em seguida o abordou (fls. 143vº, cf. fls.
138), considerando não haver aí qualquer inconstitucionalidade; mas esta conclusão não serviu de fundamento à decisão, pois nesta conclui-se expressamente que, «quer se considere haver caducidade ou não, relativamente à posse de estado e à existência de 'escrito', (...) a acção havia fatalmente de improceder, face à falta de prova de reputação e tratamento como filha por parte do investigado, e de reputação (relevante) por parte do público, como faltou a prova de escrito de conteúdo inequívoco.» (fls 145).
E o Supremo Tribunal de Justiça considerou não caber nas suas atribuições apreciar a matéria de facto fixada pelas instâncias, sendo improcedente quanto a isto o recurso. É certo que, em seguida, entrou também na apreciação da questão de inconstitucionalidade do prazo de caducidade já referido (fls. 173vº), concluindo não ser inconstitucional; mas, não havendo as instâncias aplicado a norma que estabelece tal prazo, estas considerações também em nada afectaram a decisão do Supremo Tribunal.
5 - Ou seja: nem as instâncias, nem o S.T.J. aplicaram a questionada norma do artigo 1817º, nº 4 do Código Civil.
E só esta é objecto do presente recurso, não cabendo ao Tribunal averiguar se teria sido aplicada ou não a norma do nº 1 do mesmo artigo, que fixa um prazo de caducidade diverso daquele, sendo certo que as considerações feitas nos acórdãos da Relação e do Supremo relativamente aos prazos de caducidade fixados nos nºs 3 e 4 do referido artigo 1817º se aplicariam por inteiro, na lógica daqueles arestos, ao prazo estabelecido no nº 1.
Mas, não tendo a norma de caducidade do nº 4 sido aplicada, nem tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade de paralela norma do nº
1 nas alegações de recurso para este Tribunal, não poderão ser elas aqui apreciadas.
De facto, o recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70º, nº
1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Ora, por um lado, para haver lugar a recurso ao abrigo desta disposição é preciso desde logo que a norma impugnada tenha sido aplicada pelo tribunal a quo, sendo pacífica a jurisprudência do Tribunal Constitucional a este respeito; e, por outro lado, o tribunal não pode conhecer ultra petitum.
III - DECISÃO
6 - Pelo exposto, julga-se procedente a referida questão prévia, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena-se a recorrente nas respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça em duas U.C.'s.
Lisboa, 29 de Junho de 1993
Luís Nunes de Almeida Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa