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Proc. nº 675/92
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A. recorreu, para o Tribunal de Relação de Évora, da sentença do Tribunal Judicial de Ponte de Sor que, em 7 de Janeiro de 1991, o havia condenado em 15.000$00 de multa e lhe aplicara a medida de 15 dias de inibição da faculdade de conduzir, pela prática da contravenção prevista no artigo 7º, nº 8, do Código da Estrada. Por acórdão de 22 de Setembro de 1992, aquele recurso foi julgado improcedente.
Recorreu, então, para o Tribunal Constitucional. Distribuídos os autos, o relator proferiu despacho convidando-o a dar inteiro cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (actual redacção). Na sequência desse despacho, o recorrente apresentou então a peça de fls. 56. Mas, face ao teor desta, o relator proferiu parecer no sentido de que não podia conhecer-se do recurso, por não ter sido aplicada pela decisão recorrida a norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada pelo recorrente - o nº 3 do artigo 7º do Código da Estrada, na redacção do artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 28/85.
Notificado para se pronunciar, o recorrente veio dizer que por lapso de escrita escreveu nº 3 quando queria dizer nº 8, pelo que tal lapso devia considerar-se rectificado, prosseguindo o recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
2. Segundo o requerimento apresentado depois do despacho de aperfeiçoamento do relator, o recurso é interposto com fundamento no disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas b) e i) [mais à frente, escreve b) e f)], da Lei nº 28/82; as normas aplicadas consideradas inconstitucionais são as do «parágrafo único do art. 1º do D.L. 39672», de 20 de Maio de 1954 (por lapso, escreveu 39762) e a do «art. 61 nº 4 do C.E.» (Código da Estrada); as normas constitucionais infringidas seriam as dos artigos 20º,
32º, 205º, nº 2, e 207º da Constituição; e pede-se, finalmente, que o Tribunal declare inconstitucionais o artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 28/85 de 9 de Maio, «e sua aplicação ao caso sub judice», o artigo 1º do Decreto-Lei nº
39672, a 1ª parte da Portaria nº 332/76, de 3 de Junho, e o artigo 61º, nº 4, do Código da Estrada.
Vejamos se cabe recurso com fundamento em qualquer dessas alíneas b), f) e i) do artigo 70º, nº 1, da Lei nº 28/82.
3. Em processo de fiscalização concreta fundamentado no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, o Tribunal Constitucional só pode apreciar normas que tenham sido aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O recorrente não suscitou, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade do artigo 61º, nº 4, do Código da Estrada. Apenas o fez depois da interposição do recurso, no requerimento que apresentou no Tribunal Constitucional, a convite do relator. Assim, manifestamente, não cabe recurso quanto a esta norma.
Por outro lado, o tribunal recorrido não aplicou a primeira parte da Portaria nº 332/76, que fixava velocidades máximas fora das localidades. Tal norma, para além de inaplicável ao caso dos autos, não
é citada na decisão em causa, sendo certo que, à data da infracção, antes vigorava a este respeito o artigo 7º, nº 3, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto Regulamentar nº 28/85. Portanto, como esta Portaria não foi aplicada, relativamente a ela também não cabe recurso.
Quanto ao artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 28/85, uma vez que esta norma altera várias disposições do Código da Estrada, a sua constitucionalidade só foi questionada na medida em que tenha procedido à alteração de norma daquele código também questionada pelo recorrente.
O mesmo acontece relativamente ao artigo
1º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 39672, uma vez que esta é apenas uma norma que autorizava o Governo a alterar o Código da Estrada por decreto simples (no domínio da Constituição de 1933): só cabe apreciar a sua constitucionalidade na medida em que foi aplicada no caso concreto, ou seja, enquanto conjugada com uma norma do Código da Estrada que, alterada no uso dessa autorização, tenha sido efectivamente aplicada nos autos.
E o recorrente suscitou efectivamente no processo a questão da inconstitucionalidade de uma norma do Código da Estrada: essa norma é a do artigo 7º, nº 3, deste diploma, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º daquele Decreto Regulamentar nº 28/85. É essa a norma que refere nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação (fls. 17), e é para ela que remete no requerimento apresentado no Tribunal Constitucional.
Só que a decisão recorrida não aplicou o nº 3, mas sim o nº 8 daquele artigo.
O recorrente vem agora dizer que houve erro de escrita, mas que se assim não se entender, deve considerar-se ter havido erro na vontade declarada: queria escrever nº 8, mas escreveu nº 3.
Mas, se erro tivesse havido nas alegações para a Relação, era perante ela que deveria ter sido invocado. Tanto mais que no Tribunal Constitucional o recorrente remeteu expressamente para essas alegações sem qualquer rectificação, sendo certo que o Ministério Público, nas contra-alegações apresentadas na primeira instância, já havia apontado o facto de ter sido aplicado o nº 8 e não o nº 3 daquele artigo.
Por outro lado, não pode ter-se como rectificação de qualquer erro o exame que no acórdão da Relação se possa fazer das questões de constitucionalidade. É que uma coisa é a apreciação feita pelo tribunal, quiçá a título oficioso, outra coisa é a suscitação da questão pelo interessado.
Do contexto e das circunstâncias em que as alegações do recorrente foram produzidas, não pode considerar-se ter havido, aqui, erro de escrita, e muito menos será o caso de erro na declaração,
faltando manifestamente os pressupostos que a lei exige para tal. Não há, pois, lugar a qualquer rectificação, nem o Tribunal da Relação considerou rectificado qualquer erro, ao contrário do que sugere o recorrente.
Daí resulta que nenhuma das normas indicadas pelo recorrente foi aplicada na decisão recorrida. Por isso não cabe recurso, com fundamento no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, para apreciar a inconstitucionalidade na norma do artigo 7º, nº 3, do Código da Estrada, como igualmente não há recurso quanto ao artigo 1º, parágrafo único do Decreto-Lei nº 39672, nem quanto ao artigo 1º do Decreto Regulmentar nº 28/85.
4. Restam os fundamentos das alíneas f) e i) do artigo 70º, nº 2.
Ora, quanto à alínea i), não estando aqui manifestamente em causa qualquer convenção internacional, é a mesma obviamente inaplicável.
Por seu turno, a alínea f) pressupõe que tenha havido aplicação de uma norma cuja ilegalidade houvesse sido suscitada no processo, com qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas c), d) e e), o que também não é o caso. De todo o modo, como se viu, o tribunal recorrido não aplicou qualquer das normas questionadas, pelo que a alínea f) nunca poderia servir de fundamento ao recurso.
III - DECISÃO
5. Assim, pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso, por falta de fundamento legal, e condenar o recorrente nas respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça em cinco U.C.'s.
Lisboa, 29 de Junho de 1993
Luís Nunes de Almeida Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa