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Processo nº 2/89
1ª/Plenário Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1.- O Procurador-Geral da República, ao abrigo do disposto no artigo 281º, nº 1, alínea a), da Constituição da República (CR) -
versão de 1982 a que corresponde, hoje, a alínea e) do nº 2 do artigo 281º - requereu que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes:
- dos artigos 2º, nº 2, alínea c), 3º, 6º, nºs. 3 e
4, 14º, nºs. 1 e 2, 16º, 17º e 18º das 'Normas da Organização e Funcionamento das Comissões de Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas', aprovadas pelo despacho conjunto do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea, de 3 de Fevereiro de 1982, publicado no Diário da República, II Série, nº
45, de 24 seguinte (que designaremos Normas de 1982 ou Normas definitivas); e
- dos artigos 2º, nº 2, alínea c), 3º, 6º, nºs. 3 e
4, 14º, nºs. 1 e 2, 16º, 17º e 18º das 'Normas Provisórias da Organização e Funcionamento das Comissões de Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas', aprovadas por despacho conjunto dos mesmos Chefes de Estado-Maior, de 20 de Novembro de 1979, publicado no Diário da República, II Série, nº 274, de 27 desse mês, na redacção dada pelo despacho conjunto das mesmas entidades de 18 de Março de 1980, publicado na II Série do Jornal Oficial, nº 73, de 27 imediato (doravante designadas por Normas de 1979 ou Normas provisórias).
2.- Fundamenta o pedido nos termos seguintes:
a) A norma constante do artigo 3º das Normas de 1982, do seguinte teor:
No âmbito das forças armadas não são permitidas actividades sindicais concorrentes ou em substituição das actividades que são das atribuições das CTs, bem como as que possam prejudicar a eficiência da organização militar ou a preservação dos valores que a enformam',
é material e organicamente inconstitucional.
Na verdade, o artigo 57º da Constituição (versão originária) reconhecia aos trabalhadores a liberdade sindical como um dos seus direitos fundamentais, matéria que relevava, por isso, da reserva de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 167º, alínea c), da versão originária da Constituição, vigente ao tempo da aprovação das Normas).
Assim, os Chefes de Estado-Maior autores do despacho conjunto que aprovou a transcrita norma invadiram manifestamente uma área de reserva legislativa parlamentar que não podia ser objecto ex novo de regulamento e atingiram o princípio da liberdade sindical consagrado no referido artigo da Lei Fundamental.
b) A norma constante do artigo 2º, nº 2, alínea c), das Normas de 1982, do seguinte teor:
'A actuação destes órgãos é feita sempre:
....................................
c) Com exclusão de assuntos de natureza política ou que ponham em causa a hierarquia das forças armadas ou qualquer órgão se soberania.'
e as constantes do artigo 14º, nºs. 1 e 2, das mesmas Normas, do seguinte teor:
'1. As informações a divulgar pelas CTs só poderão abranger estritamente o seu âmbito.
Quando essas informações revestirem a forma gráfica, deverá uma cópia ser fornecida previamente à respectiva direcção, administração ou chefia.
2. É interdita, assim, a divulgação de documentos ou outro material de natureza política ou que possa afectar a disciplina e a coesão das forças armadas.',
são materialmente inconstitucionais, por ofenderem o disposto no artigo 37º da Constituição.
Neste preceito consagram-se as liberdades de expressão e informação, de que também beneficiam entes colectivos mesmo desprovidos de personalidade jurídica, como as Comissões de Trabalhadores.
As restrições dessas liberdades - que não podem ser cobertas pelo artigo 270º da Constituição, inaplicável à generalidade do pessoal civil das forças armadas, porque dirigido exclusivamente aos 'militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo' -, constantes das Normas em equação, ferem os princípios enunciados no nº 2 do artigo 18º da Lei Fundamental e sempre deveriam constar de lei.
c) Por último, ofendem o disposto no artigo 54º da Constituição as normas constantes dos artigos 6º, nºs. 3 e 4, 16º, 17º e 18º das Normas de 1982, do seguinte teor:
Artigo 6º
....................................
3. Cada CT só poderá exercer as suas funções após a publicação em ordem de serviço do respectivo resultado eleitoral.
4. Será também publicada em ordem de serviço toda e qualquer alteração à composição das CTs.
Artigo 16º
A organização das eleições compete às CTs. em exercício ou, na sua falta, às comissões ad hoc designadas pelo pessoal civil de cada estabelecimento, delegação, dependência ou sucursal e sancionadas pela respectiva direcção ou administração, devendo atender ao seguinte:
1) É elegível e eleitor todo o trabalhador pertencente ao pessoal civil que presta serviço no respectivo estabelecimento, desde que não esteja suspenso das suas funções; não é elegível o trabalhador que haja pertencido às duas
últimas CTs.;
2) O acto eleitoral, nos termos do artigo 6º, realizar-se-á durante o período de serviço, sendo a votação feita, de preferência, no local de trabalho;
3) O acto eleitoral será anunciado com a antecedência mínima de 10 dias, através de publicação em ordem de serviço, devendo ficar bem expressas a data, hora, local e objecto da eleição;
4) O exercício do direito de voto deverá ser registado em documento próprio, reconhecido e visado pela mesa que presidir à assembleia eleitoral;
5) Será lavrada acta, em livro próprio, das sessões das assembleias eleitorais, autenticada pelas assinaturas dos membros da mesa que a elas presidirem
6) O mecanismo eleitoral, que deverá estar perfeitamente definido nas normas internas das CTs., tem de garantir que as CTs. eleitas representam verdadeiramente os trabalhadores de cada estabelecimento, dependência, delegação ou sucursal;
7) Se houver irregularidades no acto eleitoral, poderá qualquer eleitor recorrer dos resultados da eleição para a direcção ou administração do estabelecimento, no prazo de 15 dias, após a publicação dos resultados em ordem de serviço.
Artigo 17º
As normas internas do funcionamento das CTs. só se consideram em vigor depois de publicadas em ordem de serviço no respectivo estabelecimento.
Artigo 18º
Quando, nos termos do nº 3 do artigo 1º, num estabelecimento fabril exista mais de uma CT, a direcção ou administração desse estabelecimento pode determinar ou autorizar, a título eventual, a constituição de uma comissão de representantes das CTs. (CRCT), indicando para cada caso a finalidade e a composição dessa comissão, bem como o período de funcionamento.
O citado artigo 54º da Constituição reconhece aos trabalhadores o direito de criação de comissões de trabalhadores (nº 1), atribuindo aos plenários de trabalhadores o poder de deliberarem a constituição, aprovarem os estatutos e elegerem os membros dessas comissões (nº 2). Consagra-se assim o princípio da auto-organização, pelo que será inconstitucional uma lei que, substituindo-se aos trabalhadores, pretende fixar uma disciplina obrigatória quanto à definição, âmbito e objectivos das comissões de trabalhadores, sua forma de constituição, organização e composição - salvo se essa intervenção do legislador visar exclusivamente a garantia da genuinidade e democraticidade do voto.
Assim, os nºs. 3 e 4 do artigo 6º das Normas de 1982, ao condicionarem o exercício de funções dos membros das comissões de trabalhadores a um acto da 'entidade patronal', violam manifestamente o princípio da auto-organização.
E, de igual modo, as normas constantes dos transcritos artigos 16º e 18º, enquanto impõem restrições e apresentam ingerências por parte da
'entidade patronal' neste domínio, sem justificação razoável, violam também o disposto no artigo 54º da Constituição.
d) Declarada, como se requer, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 2º, nº 2, alínea c), 3º,
6º, nºs. 3 e 4, 14º, nºs. 1 e 2, 16º, 17º e 18º das Normas de 1982, são repristinadas as normas constantes dos artigos 2º, nº 2, alínea c), 3º, 6º, nºs.
3 e 4, 14º, nºs. 1 e 2, 16º, 17º e 18º das Normas de 1979, que aquelas haviam revogado (nº 1 do artigo 282º da Constituição).
Porém, estas normas, sendo as dos artigos 3º, 6º e 16º na redacção que lhes foi dada pelo despacho conjunto de 18 de Março de 1980, são de teor idêntico às referenciadas nos precedentes nºs. 1 e 3, com excepção da 2ª parte do nº 6, das Normas de 1979, na redacção de 1980, que, tendo natureza transitória, não foi reproduzida no correspondente preceito das Normas de 1982.
Assim, tais normas padecem logicamente de similares vícios de inconstitucionalidade, cuja declaração, com força obrigatória geral, desde já se requer. Trata-se, assim, de um pedido 'dependente' do anterior, ou dele
'consequente', feito para a hipótese ou na perspectiva da procedência deste
último (sobre a admissibilidade deste tipo de pedido, cfr. o nº 38 do Acórdão nº
103/87 do Tribunal Constitucional, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 365, pág. 321).
A petição foi acompanhada por cópia do parecer nº
117/87, de 13 de Outubro de 1988, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
3.- Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 54º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Primeiro-Ministro limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
II
1.- A primeira questão a abordar respeita à sindicabilidade, em termos de adequação constitucional, dos despachos conjuntos que publicaram as controversas Normas.
Na verdade, em sede de controlo sucessivo de constitucionalidade, abstracto ou concreto, a fiscalização exercida pelo Tribunal Constitucional é extensiva a quaisquer normas, consoante o inciso acolhido pela Lei Fundamental [nº 1, alínea a), do artigo 281º] e, remissivamente, pela Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sem, no entanto, dispensar o intérprete de lhe determinar o sentido e o alcance exactos.
A elaboração doutrinal e da jurisprudência constitucional apontam para conceder à expressão em causa um largo âmbito de cobertura de actos normativos, 'independentemente da sua natureza, da sua forma, da sua fonte ou da sua hierarquia', nas palavras de Gomes Canotilho
(cfr. Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, 1991, pág. 1008), por conseguinte atribuindo-lhe um sentido não circunscrito à estatuição meramente formal, sem, no entanto, prescindir da exigência da sua génese no poder normativo do Estado, em acepção lata considerado.
Ou seja, como vem sendo acentuado desde a Comissão Constitucional, o que se visa com o sistema é o controlo dos actos emanados desse poder normativo, o que vale por dizer 'daqueles actos que contêm uma
'regra de conduta' ou um 'critério de decisão' para os particulares, para a Administração e para os tribunais' (cfr. a propósito, o Acórdão nº 168/88, publicado na I Série do Diário da República, de 11/10/88).
Excluídos ficam, por conseguinte - abstraindo, por desinteressarem in casu, as decisões judiciais, os actos políticos e actos do governo e a problemática envolvendo a caracterização das chamadas leis-medida - os actos da Administração sem carácter normativo, ou actos administrativos propriamente ditos.
Para os efeitos pretendidos basta-nos esta triagem sumária, tendo-se por certo que, a impor-se regra de conduta, a normatividade daí resultante é passível de fiscalização constitucional.
Neste sentido citem-se Gomes Canotilho, ob. cit., págs. 1075 e segs, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª ed., 2º vol., Coimbra, 1985, págs. 470 a 475, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 3ª ed., Coimbra, 1991, págs. 413 e segs., Luís Nunes de Almeida, 'A Justiça Constitucional no Quadro das Funções de Estado vista à luz das Espécies, Conteúdo e efeitos das Decisões sobre a Constitucionalidade das Normas Jurídicas' in - Revista do Ministério Público, nº 32 (Out.-Dez. 1987), págs. 14 e segs., Vitalino Canas,
'Os processos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade pelo Tribunal Constitucional', Coimbra, 1986, pág. 109 e 'Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional', Estudos de Direito Público, nº 2, 1984, págs. 60 e segs.
2.- Analisando os despachos conjuntos em referência, conclui-se possuirem, ambos, natureza regulamentar, como expressão do exercício da competência normativa da Administração (cfr., a propósito, o recente Acórdão nº 53/92, publicado no Diário da República, II Série, nº 96, de 24 de Abril de
1992).
2.1.- O despacho que aprovou e pôs em execução as chamadas Normas provisórias, datado de 1979, tem o seguinte teor:
'Considerando a necessidade de publicar normas de funcionamento das comissões de trabalhadores dos estabelecimentos fabris das forças armadas aprovam-se e põem-se em execução as normas provisórias da organização e funcionamento das comissões de trabalhadores dos estabelecimentos fabris das forças armadas'.
Destaque-se o artigo 21º das Normas:
'Estas normas entram imediatamente em vigor, a título provisório, e serão obrigatoriamente revistas decorrido um ano sobre a sua entrada em vigor, cabendo às comissões de trabalhadores recolher, por escrito, as sugestões dos respectivos representados, com vista àquela revisão'.
Por sua vez, o despacho que aprovou as denominadas Normas definitivas, datado de 1982 e, por conseguinte, posterior ao Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 33/80, de 13 de Março diz-nos:
'Nos termos do artigo 21º das Normas Provisórias da Organização e Funcionamento das Comissões de Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovadas pelo despacho conjunto de 20 de Novembro de 1979 publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 274, de 27 de Novembro de 1979, e do nº 1 do artigo 109º do Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 33/80, de 13 de Março, e depois de procedida à revisão das mencionadas normas provisórias, determina-se que as mesmas, com as alterações decorrentes dos despachos conjuntos de 18 de Março de 1980 e 21 de Abril de 1981, publicados no Diário da República, 2ª Série, nºs. 73, de 27 de Março de 1980, e 100, de 2 de Maio de
1981, sejam convertidas (em) definitivas, constituindo regulamentação do disposto no capítulo XI do também referido estatuto, para cujo efeito se publicam, seguidamente, no seu texto actualizado'.
De reter, ainda, que após a publicação do Decreto-Lei nº 33/80 e respectivos Estatutos, dois despachos conjuntos introduziram alterações pontuais de adaptação nas Normas provisórias.
O primeiro deles, datado de 18 de Março de 1980
(Diário da República, II Série, nº 73, de 27/3/80) não só altera, no seu nº 1, os artigos 3º e 6º das referidas Normas e elimina o nº 6 do artigo 16º, como dispôs, no seu nº 2:
'As referidas normas passam, ao abrigo do nº 1 do artigo 109º do Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, a constituir legislação complementar do capítulo XI do mesmo estatuto'.
O outro despacho conjunto, de 21 de Abril de 1981
(Diário da República , II Série, nº 100, de 2/5/81) prorroga o prazo previsto no referido artigo 21º.
Finalmente, registe-se que o Estatuto, que designaremos abreviadamente por EPCEF, no seu capítulo XI, epigrafado
'Modalidades e órgãos de participação', é constituído por três artigos, o 107º
- Princípios gerais -, o 108º - Órgãos e domínios de participação - e o 109º
- Normas de funcionamento.
No nº 1 do primeiro destes dispositivos preceitua-se que 'o pessoal civil participa na vida dos estabelecimentos fabris em que presta serviço por intermédio de órgãos colegiais', denominados
'comissões de trabalhadores' (CTs), de acordo com o nº 1 do artigo 108º, dispondo o nº 1 do mencionado artigo 109º:
'As CTs reger-se-ão por normas próprias, comuns aos três ramos das forças armadas, aprovadas por despacho conjunto dos CEMS'.
2.2.- No seu artigo único, o Decreto-Lei nº 33/80 aprovou, simultaneamente dois estatutos, que lhe estão anexos, o do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas (EPCSD) e o do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (EPCEF), só nos interessando este
último, estabelecendo um regime, como se reconheceu no preâmbulo daquele texto legal, revelando crescente tendência para se aproximar do fixado na legislação geral do trabalho.
O diploma de 1980 tem, no entanto, sofrido vicissitudes várias das quais recensearemos as que relevam para a inteligência do acórdão.
A Comissão Constitucional, no seu Parecer nº 17/81, de 8 de Junho (in - Pareceres da Comissão Constitucional, 16º vol., págs. 3 e segs.) entendeu, além do mais, não se dever declarar a inconstitucionalidade, orgânica, do Decreto-Lei nº 33/80, de 13 de Março, com os estatutos que aprovou e dele fazem parte integrante, mas declarar-se a inconstitucionalidade material, por violação do artigo 57º da CR, da norma contida na primeira parte do artigo 3º das Normas provisórias, o que o Conselho da Revolução, pela Resolução nº 211/81 (ob. cit., pág. 28) só parcialmente confirmou, uma vez que também quanto a esta norma se pronunciou pela não inconstitucionalidade.
Nomeadamente, declarou-se a não inconstitucionalidade formal do artigo 109º do Estatuto em causa.
O Decreto-Lei nº 381/82, de 15 de Setembro, revogou, no seu artigo 2º, o Decreto-Lei nº 33/80, 'no respeitante ao Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas', simultaneamente aprovando um novo Estatuto, no seu artigo 1º, no respectivo preâmbulo reafirmando-se a 'crescente tendência' de aproximação do regime ao da legislação geral do trabalho
Concomitantemente, o Decreto-Lei nº 380/82, procedera igualmente quanto ao estatuto do pessoal dos serviços departamentais e, pouco depois, o Decreto-Lei nº 434-A/82, de 29 de Outubro, aprovou, pelo seu artigo único, os Regulamentos Disciplinares dos dois Pessoais.
O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 31/84, de 27 de Março de 1984, publicado na I Série do Jornal Oficial, nº 91, de 17 de Abril seguinte, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constitutivas dos Decretos-Leis nºs. 381/82 e 434-A/82, este na parte aprobatória do Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (bem como do Decreto-Lei nº 393/82, de 20 de Setembro, decorrente do artigo 14º do Estatuto), por violação do disposto na alínea d) do artigo 56º e alínea a) do nº 2 do artigo 58º da CR, na sua versão originária.
Por efeito da declaração de inconstitucionalidade foram repristinadas, nos termos do artigo 282º, nº 1, da CR, as normas do EPCEF aprovado pelo Decreto-Lei nº 33/80.
A sua reposição em vigor provocou, no entanto, outra apreciação deste Tribunal em sede de fiscalização abstracta sucessiva: pelo Acórdão nº 15/88, de 14 de Janeiro, publicado no Diário da República, I Série, nº 28, de 3 de Fevereiro imediato, declarou-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas daquele estatuto, por violação do disposto nos artigos 56º, alínea d), e 58º, nº 2, alínea a), da CR, na versão originária.
Por razões de equidade e de segurança jurídica, e de harmonia com o nº 4 do artigo 282º da Lei Fundamental, minimizaram-se os efeitos da declaração ao ressalvarem-se os já produzidos até à data da publicação do aresto no Jornal Oficial.
2.3.- Coloca-se, assim, a questão de saber qual a sorte das chamadas Normas de 1982.
Observa, a este propósito, Jorge Miranda que, uma vez declarada a inconstitucionalidade de certa norma, fica, implícita se não explicitamente, declarado igual vício para a respectiva norma regulamentar, com os correspondentes efeitos (ob.cit., pág. 370, e, no mesmo sentido, Vitalino Canas, 'Os processos de fiscalização...', págs. 144-145)).
E, na verdade, entende-se que, em princípio, as vicissitudes do diploma habilitante projectam-se no texto regulamentar que o executa.
Assim o diz Marcello Caetano : a revogação da lei a que o regulamento sirva de complemento e se proponha a executar provoca a cessação deste último, a menos que, passando a haver lei nova, não a contrarie, e na medida dessa compatibilização (cfr. Manual de Direito Administrativo, 10º edição, tomo I, Coimbra, 1973, pág. 111), entendimento corroborado por Esteves de Oliveira (cfr. Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1980, pág. 149), nele se abonando este Tribunal no Acórdão nº 126/87, do Plenário, de 7 de Abril de
1987, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de Junho do mesmo ano.
Ao determinar a 'conversão definitiva' das Normas provisórias, de 1979 - com as alterações decorrentes dos despachos conjuntos de 18 de Março de 1980 e de 21 de Abril de 1981 - o despacho conjunto de 3 de Fevereiro de 1982 convocou expressamente o nº 1 do artigo 109º do EPCEF aprovado pelo Decreto-Lei nº 33/80, para que as ditas Normas constituíssem regulamentação do disposto no capítulo XI desse estatuto, onde se cuida das modalidades de participação do pessoal civil na vida dos respectivos estabelecimentos fabris e dos seus órgãos de representação.
As Normas definitivas reconhecem expressamente as comissões de trabalhadores como órgãos colegiais democraticamente representativos do pessoal desses estabelecimentos, através dos quais se lhe assegura não só a sua participação na vida destes como igualmente se trata da defesa dos respectivos órgãos socio-profissionais.
Desse modo, o despacho conjunto em referência projectou-se, desde logo, no plano organizatório, ao estabelecer as 'regras orgânico-processuais para aplicação ou actuação dos preceitos legais', na expressão de um autor (Jorge Manuel Coutinho de Abreu, no estudo 'Os regulamentos administrativos em Direito do Trabalho', in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, I, Coimbra, 1984, pág. 40).
Mas, sendo assim, o bloco regulamentar constituído pelas Normas de 1982 sofreu, consequencialmente, a mesma sorte das normas do EPCEF declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo acórdão nº 15/88, por violação dos artigos 56º, alínea d), e 58º, nº 2, alínea a), da CR
(versão originária).
2.4.- Para a entidade requerente a inconstitucionalidade das Normas de
1982 repristinou os preceitos correspondentes contidos nas de 1979, pelo que no
âmbito do pedido igualmente inclui a sua apreciação.
No entanto, o 'arrastamento' que a declaração de inconstitucionalidade contida no acórdão nº 15/88 provocou naquelas normas não coloca directamente o intérprete face ao bloco normativo de 1979, qua tale, mas sim perante o despacho conjunto de 18 de Março de 1980, que assumiu as Normas de
1979, as alterou pontualmente e mais determinou que, ao abrigo do artigo 109º, nº 1, do EPCEF, passassem 'a constituir legislação complementar do capítulo XI do mesmo estatuto'.
Ora, o exercício do poder regulamentar consubstanciado neste último despacho baseia-se no Decreto-Lei nº 33/80, diploma que, por sua vez, se fundamenta na competência legislativa do Conselho da Revolução que expressamente invoca [alínea a) do nº 1 do artigo 148º da CR].
Independentemente do entendimento perfilhado quanto ao âmbito da competência para legislar e regulamentar do Conselho da Revolução
(questão a não congregar consenso, entroncando já na Comissão Constitucional - pareceres nºs. 8/79 e 17/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, volºs.
7º, págs. 545 e segs., e 16º, págs. 3 e segs., respectivamente - com reflexo na área concreta em que nos movimentamos - caso dos acórdãos nºs. 31/84 e
75/85, o primeiro já citado, o segundo publicado no Diário da República, I Série, de 23 de Maio de 1985 - ainda recentemente retomada - cfr. Acórdão nº
344/92, publicado na II Série deste jornal oficial, de 16 de Março de 1993) o certo é que o bloco normativo em análise sofre, obviamente, o destino daquele que lhe sucedeu.
2.5.- Deparam-se-nos, assim, por último, as Normas de 1979, tal como originariamente editadas, por via do despacho conjunto de 20 de Novembro desse ano, fundamentado na necessidade de aprovar e pôr em execução normas de funcionamento das comissões de trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas.
Posterior à Lei nº 16/79, de 26 de Maio, diploma que criou o regime de participação das organizações de trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho, e, bem assim, à Lei nº 46/79, de 12 de Setembro, conhecida por Lei das Comissões dos Trabalhadores, o despacho conjunto em causa - emitido numa altura em que o texto constitucional ainda não impunha o dever de citar a lei habilitante em regulamento da sua natureza - teve por objectivo aprovar normas que, essencialmente, visassem afeiçoar a normação da lei geral sobre comissões de trabalhadores às especificidades dos estabelecimentos fabris em questão.
Duvida-se, no entanto, da conformidade do aludido despacho e correlativas 'Normas' aos parâmetros constitucionais, seja no plano orgânico, seja no material (e, inclusivamente, no formal).
É problemática que se tem, no entanto, por parcialmente prejudicada.
Com efeito, as referidas Normas, particularmente as constantes dos artigos cuja adequação à Lei Fundamental concretamente se pretende ver apreciada, contêm matérias que, por sua natureza, devem ser reservadas à Lei.
Ora, esta reserva de matérias para a lei significa logicamente, como nos diz Gomes Canotilho (Direito Constitucional, cit., págs.
798) 'que elas não devem ser reguladas por normas jurídicas provenientes de outras fontes diferentes da lei (exemplo: regulamentos)', acrescentando: 'Ainda por outras palavras: existe reserva de lei sempre que a constituição prescreve que o regime jurídico de determinada matéria seja regulado por lei e só por lei, com exclusão de outras fontes normativas'.
Como observa, por sua vez, Jorge Miranda, Funções,
Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pág. 270, a estrutura escalonada da ordem jurídica [...] e a consideração tanto de conceitos formais como de conceitos materiais da lei e dos diversos actos jurídico-públicos levam a Constituição (ou, por vezes, a lei, na base da Constituição) que reserve o tratamento de certas matérias ou de certos modos de tratamento das matérias a actos de certo tipo ou sob certa forma.
Não interessa determinar se, in casu, é exigível lei formal do Parlamento ou se, na ordenação de competências no âmbito dos arranjos organizatórios do poder político, 'basta' um decreto-lei, actuando credenciadamente ou no âmbito da sua própria competência legislativa. Interessa, sim, consignar que as matérias respeitantes às liberdades de expressão e informação, liberdade sindical, comissões de trabalhadores, integram reserva de acto legislativo (Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 800), à luz da própria versão originária da Constituição (cfr. artigos 37º, nº 1, 55º, nºs. 1 e 2, e 57º), gerando inconstitucionalidade o seu tratamento por mera via regulamentar (independentemente, assim, já o observamos, de se cuidar de saber se o Conselho da Revolução tinha competência para o efeito).
Atingido este desiderato, resta considerar que os demais preceitos de quaisquer dos citados blocos normativos, de matéria meramente instrumental ou organizatória, perdem autonomia, uma vez que deixa de fazer sentido a sua subsistência, atingidas que são pela inconstitucionalidade dos que encerram matéria de reserva de acto legislativo.
III
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional:
a) Declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade consequencial das 'Normas da Organização e Funcionamento das Comissões de Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas', aprovadas pelo despacho conjunto do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea, de 3 de Fevereiro de 1982, publicado no Diário da República, II Série, nº
45, de 24 de Fevereiro de 1982;
b) Declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade consequencial das 'Normas Provisórias da Organização e Funcionamento das Comissões de Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas', aprovadas por despacho conjunto do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea, de 20 de Novembro de 1979, publicado no Diário da República, II Série, nº 274, de 27 desses mês e ano, na redacção dada pelo despacho conjunto das mesmas entidades, de 18 de Março de 1980, publicado naquele jornal oficial, II Série, nº 73, de 27 desse mês;
c) Declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das 'Normas' referidas na alínea anterior, na sua redacção inicial, por violação do princípio da reserva do acto legislativo.
Lisboa, 7 de Julho de 1993
Alberto Tavares da Costa
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Luís Nunes de Almeida
Messias Bento
José Manuel Cardoso da Costa [Votei integralmente a decisão. Quanto às alíneas a) e b) sobra-me, no entanto, alguma dúvidas sobre se, em situações como aquelas a que as mesmas alíneas suspeitam, não haveria antes de concluir-se pelo não conhecimento do pedido, com fundamento
na 'revogação' ou 'caducidade' das normas questionadas: deixo o ponto a benefício de melhor estudo. Quanto à alínea c), devo acrescentar que a conclusão aí formada está justamente em consonância com a posição que exprimi na parte final da minha declaração de voto junta ao Parecer nº 17/81 da Comissão Constitucional]