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Processo nº 859/93
2ª/Plenário Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
1. O Partido Socialista, 'partido concorrente à eleição dos órgãos das Autarquias Locais na área do Município da Lourinhã', veio
'interpor recurso contencioso eleitoral da decisão da Assembleia de Apuramento Geral deste Município nos termos do artº 103º e seguintes do DL 701-B/76, de 29 de Setembro', invocando na petição o que a seguir se transcreve integralmente:
'1.Após a realização das eleições para os Órgãos das Autarquias Locais em 12 de Dezembro, reuniu no 4º dia seguinte e em conformidade com o disposto na Lei Eleitoral, a A.A.G. do Município da Lourinhã.
2. Esteve a A.A.G. reunida desde esse data até ao passado dia 20, como se pode comprovar mediante a acta elaborada e que se junta.
3. Após deliberação da A.A.G. quanto ao critério a utilizar para determinação dos votos válidos e nulos, o Mandatário do PSD apresentou protesto contra a decisão de considerar nulos boletins de voto onde existiam dúvidas quanto ao sentido do voto, nomeadamente para a sua convalidação e que iriam favorecer o PSD.
4. Contra tal acto veio o Mandatário do PS protestar e solicitar que, se de facto se viesse a alterar a decisão tomada, o critério deveria ser uniforme e colocar em igualdade de circunstâncias o PS, uma vez que existem boletins de voto que, na sequência da alteração, reverteriam a favor do PS.
5. Tendo a A.A.G. considerado nulos 5 boletins de voto para a Câmara Municipal cujo sentido de voto foi claramente feito para o PS,
6. Não se conformando o PS com tal decisão vem agora, na sequência do protesto apresentado, interpor o presente recurso a fim de que a legalidade seja reposta e a igualdade de tratamento aplicada.
Nestes termos e nos do artº 105º do DL701-B/76, invocando o douto suprimento devem ser considerados válidos os boletins de voto que se juntam em anexo e igualmente determinado que a Assembleia de Apuramento Geral proceda à correcção dos resultados apurados e afixados em edital no dia 23 de Dezembro pelas 17 horas' (deve querer dizer-se 21 de Dezembro e não 23 de Dezembro, como se diz, por lapso).
Foi junto com a petição: 'Cópia autenticada da acta da A.A.G. , cópia autenticada do Edital, do protesto apresentado pelo Mandatário do PS, certidões de 5 boletins de voto e 2 procurações'.
2. Inexistindo obstáculos processuais a que se conheça do mérito do recurso, pois o Partido recorrente é parte legítima, o prazo mostra-se respeitado (a afixação do edital relativo aos resultados da assembleia de apuramento geral data de 21 de Dezembro, pelas 17 horas, e a petição deu entrada neste Tribunal Constitucional no dia 23 do mesmo mês, pelas
15h45m), e a decisão em causa foi precedida formalmente de protesto, cumpre agora decidir.
Da acta da reunião da assembleia de apuramento geral a que se reporta o Partido recorrente consta o seguinte, com interesse para a decisão:
(...)
'A Assembleia verificou que não havia quaisquer reclamações das actas das assembleias de apuramento parcial (mesas de voto), pelo que se passou de imediato à análise dos votos declarados nulos.
Para esta análise foi definido o seguinte critério: 'são tidos como válidos os votos em que o ponto de intercepção das duas linhas da cruz, que assinala a opção do eleitor, se situe dentro do quadrado respectivo'.
Este critério foi aceite por unanimidade e não foi objecto de qualquer protesto.
Definido o critério, passou-se à análise dos boletins de voto declarados nulos pelas assembleias de apuramento parcial. Dessa análise resultou terem sido, por unanimidade, considerados válidos os seguintes boletins: - na Secção de voto C da Freguesia da Lourinhã, dois boletins para a Câmara Municipal a favor do PS; - na Secção de voto B da Freguesia de Marteleira, um boletim para a Câmara Municipal a favor da CDU.
Da deliberação da Assembleia que declarou válidos os dois boletins de voto a favor do PS foi apresentado protesto por escrito pelo referido mandatário do PSD, protesto que foi indeferido por unanimidade'.
(...)
Pelo mandatário do PSD foram ainda apresentadas as seguintes reclamações pela não validação de votos a favor do PSD declarados nulos pelas assembleias de apuramento parcial: - na Secção de voto número um da Freguesia de Atalaia: um boletim para a Câmara Municipal, um boletim para a Assembleia Municipal e um boletim para a Assembleia de Freguesia; - na secção de voto B--1 da Freguesia de Lourinha (Seixal): um boletim para a Câmara Municipal; - na Secção de voto número dois da Freguesia de Lourinhã: um boletim para a Câmara Municipal e dois boletins para a Assembleia Municipal; - na Secção de voto D da Freguesia de Lourinhã (Matas): dois boletins para a Câmara Municipal e um boletim para a Assembleia Municipal; - na Secção de voto G da Freguesia de Lourinhã (Sobral): um boletim para a Câmara Municipal e um boletim para a Assembleia Municipal;- na Secção de voto F da Freguesia de Lourinhã (Toxofal): um boletim para a Câmara Municipal; - na Secção de voto 1 da Freguesia do Vimeiro: um boletim para a Câmara Municipal; - na Secção de voto 1-A da Freguesia de Vimeiro (Toledo): um boletim para a Câmara Municipal, um boletim para a Assembleia Municipal e um boletim para a Assembleia de Freguesia; - na Secção de voto A da Freguesia de Santa Bárbara (Marquiteira): um boletim para a Assembleia Municipal e um boletim para a Assembleia de Freguesia; - na Secção de voto C da Freguesia de Santa Bárbara (Pregança): um boletim para a Câmara Municipal; - na Secção de voto 1-A da Freguesia de São Bartolomeu (Paço): um boletim para a Câmara Municipal e um boletim para a Assembleia de Freguesia; - na Secção de voto B da Freguesia de Miragaia (Ribeira de Palheiros): um boletim para a Câmara Municipal e dois boletins para a Assembleia de Freguesia; - na Secção de voto A da Freguesia de Marteleira (Marteleira): dois boletins para a Câmara Municipal e dois boletins para a Assembleia Municipal.
A Assembleia indeferiu todas estas reclamações, mantendo a nulidade dos referidos boletins. A deliberação de indeferimento foi tomada por unanimidade.
Pelo mandatário do Partido Socialista, foi apresentado um requerimento manifestando a sua concordância com o funcionamento desta Assembleia de Apuramento Geral, mas reclamando sobre a presença do referido mandatário do PSD e sobre o modo como interveio durante os trabalhos. No mesmo requerimento pretende-se que no caso dos protestos do PSD virem a ter provimento, sejam tomados em atenção os boletins de voto que, em circunstâncias iguais, favorecem o PS.
Sobre este requerimento do mandatário do PS, a Assembleia tomou, por unanimidade, a seguinte deliberação:
'A Assembleia entende que o referido mandatário do PSD tem legitimidade, face à procuração apresentada no início dos trabalhos, pelo que indefere a pretensão do PS. Quanto às intervenções, reclamações e protestos apresentados no decurso da Assembleia pelo mencionado mandatário a Assembleia entende que foram feitos no
âmbito e de acordo com as respectivas atribuições. Finalmente, quanto consideração de igualdade de tratamento dos boletins favoráveis ao PS no caso de provimento das reclamações pela instância de recurso, a Assembleia declara que não é matéria que lhe cumpra apreciar, mas, eventualmente, à instância de recurso'.
(...)
Importa ainda registar que no dito requerimento, dirigido ao Presidente da Assembleia de Apuramento Geral, em que 'Fernando Jorge de Sousa Gonçalves, mandatário do Partido Socialista, ao abrigo das disposições aplicáveis da lei eleitoral, apresenta protesto pela forma de actuação dum representante do Partido Social Democrata na assembleia de apuramento geral' consta o seguinte, no que aqui pode interessar:
(...)
'O signatário, Mandatário do Partido Socialista, apela, a V. Exª. para que no caso dos protestos do P.S.D. venham a ser verificados superiormente, sejam tomados em atenção os votos que nas mesmas circunstâncias favoreceriam as candidaturas do PS e sobre os quais não reclamamos, pois respeitamos a idoneidade da Assembleia de Apuramento Geral e as suas deliberações.
Apelo portanto a V. Exª para uma igualdade de critérios e para que a justiça prevaleça'.
3. Vê-se do relato feito que a decisão recorrida recaiu sobre aquele protesto do Partido recorrente, utilizando a fórmula de que 'a Assembleia declara que isso não é matéria que lhe cumpra apreciar'. Por consequência, e de um ponto de vista meramente formal, é um protesto. Mas, sê-lo-á, nos termos em que se fala em protesto no artigo 103º, nº 1, do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro?
O Partido recorrente invocou nesse protesto que o
'critério a utilizar para determinação dos votos válidos e nulos, (...) deveria ser uniforme e colocar em igualdade de circunstâncias o PS', a fim de que 'a legalidade seja reposta e a igualdade de tratamento aplicada', relativamente ao outro partido concorrente, o PSD, que havia também apresentado 'protesto contra a decisão de considerar nulos boletins de voto, onde existiam dúvidas quanto ao sentido do voto nomeadamente para a sua convalidação e que iriam favorecer o PSD'.
Porém, não se faz no protesto nenhuma identificação da assembleia ou assembleias de apuramento parcial a que diriam respeito os boletins de voto com votos nulos, nomeadamente os cinco boletins de voto em causa agora juntos com a petição, nem se faz no mesmo protesto nenhuma indicação do número de boletins de voto com votos nulos, que, no entender do Partido recorrente, deveriam ser convalidados.
Donde, tem que concluir-se que o protesto do Partido recorrente não preenche a exigência de protesto conforme ela é feita no nº 1 do citado artigo 103º, não passando de um protesto genérico, com o objectivo de alcançar uma tal eventual 'igualdade de tratamento'.
Se isto é assim, não se pode considerar que tenha ocorrido o protesto a que se refere o mencionado preceito legal. Ora, como vem afirmando este Tribunal, em jurisprudência constante e uniforme, as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento parcial e geral só podem ser apreciadas em recurso contencioso, 'desde que haja sido objecto de reclamação ou protesto apresentados no acto em que se verificaram' (nº 1 do artigo 103º).
4. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso.
Lisboa, 29 de Dezembro de 1993
Guilherme da Fonseca Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Maria da Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida Messias Bento Antero Alves Monteiro Dinis António Vitorino Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa