Imprimir acórdão
Proc. nº 63/92
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em 11 de Novembro de 1986, um trabalhador da empresa de construção civil pertencente a A., designada como B., C., sofreu um acidente de trabalho, caindo de um andaime no exterior de uma chaminé da Central Termoeléctrica da D., sita em --------------, ------------, vindo a falecer em consequência do mesmo. Instaurado o processo de acidente de trabalho, veio a gorar-se a conciliação prévia. Os pais e herdeiros do trabalhador falecido E. e F., representados pelo Agente do Ministério Público, propuseram em 4 de Maio de
1988 acção especial emergente de acidente de trabalho no Tribunal Judicial da Comarca de ------------- contra a entidade patronal e a seguradora para a qual havia sido parcialmente transferida a responsabilidade daquela, companhia de seguros G., com sede em Lisboa.
Esta acção foi contestada apenas pela seguradora. Realizou-se depois uma tentativa de conciliação, vindo a ser celebrado um acordo transaccional entre autores e réus. De harmonia com tal acordo, a seguradora demandada comprometeu-se a pagar a cada um dos autores a pensão anual e vitalícia de 63.960$00, com início em 12 de Novembro de 1986, em duodécimos, e A., por seu turno, comprometeu-se igualmente a pagar a cada um dos autores o complemento da pensão da sua responsabilidade, no montante anual de 99.637$00 devido a cada um dos autores, a partir da mesma data e em fracções com a mesma periodicidade (a fls. 79 a 80 dos autos). Esta transacção veio a ser homologada por sentença proferida em 29 de Junho de 1988.
Remetida certidão da acta da diligência onde se alcançara o referido acordo ao Instituto de Seguros de Portugal, de harmonia com o disposto no art. 140º do Código de Processo de Trabalho, comunicou o mesmo Instituto ao tribunal da causa que o valor da caução a prestar pela entidade patronal, nos termos do art. 70º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto, referente às pensões devidas aos autores, pais do sinistrado, seria de
3.116.825$00. A esta caução, acresceria uma caução de 259.736$00, se o tribunal entendesse dever exigir à entidade patronal garantia do pagamento da prestação suplementar anual pagável em Dezembro, da harmonia com o disposto nos arts. 2º e
3º do Decreto-Lei nº 446/85, de 5 de Novembro (a fls. 88).
Por despacho proferido em 14 de Outubro de 1988, foi ordenado à entidade patronal que efectuasse 'o caucionamento de todas as quantias indicadas no ofício de fls. 88, no prazo de seis meses, em conformidade com o disposto no art. 70º do Decreto nº 360/71, de 21/8' (a fls. 89 vº).
Deste despacho interpôs recurso de agravo para a Relação de Évora o réu A., discordando da fixação da caução principal por, alegadamente, ter ocorrido um erro de cálculo na mesma. Sustentou ainda que não era legalmente imposta a caução da prestação suplementar de Dezembro, suscitando a questão da inconstitucionalidade das normas do art. 3º do Decreto-Lei nº
466/85, de 5 de Novembro, e da nova redacção do nº 2 do art. 65º do Decreto nº
360/71, de 21 de Agosto, por violação do art. 13º da Lei Fundamental (a fls. 100 a 103 dos autos).
Entretanto os autos transitaram para o Tribunal de Trabalho de Beja, por este ter passado a ser competente para a causa em razão de matéria, e o Instituto de Seguros de Portugal esclareceu o modo como havia sido feito o cálculo da caução principal (a fls. 111 a 120).
Admitido o agravo, subiu o processo ao Tribunal da Relação de Évora, tendo o representante do Ministério Publico proferido parecer em que preconizava que o agravo merecesse parcial provimento.
Por acórdão proferido em 12 de Julho de 1990, veio o recurso de agravo a ser julgado parcialmente procedente, decidindo-se que a entidade patronal não era obrigada a prestar caução quanto à prestação anual suplementar pagável em Dezembro e confirmando-se o valor fixado pelo despacho recorrido para a caução das pensões anuais (a fls. 140 a 145).
Notificado deste acórdão, dele veio interpor recurso de agravo em 2ª instância o recorrente A. (requerimento de fls. 148). Este recurso foi julgado deserto por despacho do relator de fls. 151 vº - 152, em virtude de não constar do requerimento de interposição do recurso a respectiva alegação, tal como era exigido pelo art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, no entendimento da doutrina e jurisprudência dominantes.
Inconformado com o despacho que julgou deserto o recurso, o recorrente reclamou para a conferência, sustentando que, nos recursos interpostos em processo laboral de decisões de 2ª instância, se devia aplicar subsidiariamente o regime do Código de Processo Civil, solução que implicaria que as alegações só devessem ser apresentadas no prazo legal contado da notificação do despacho de admissão do recurso. Nessa reclamação, o referido A. sustentou que a tese acolhida pelo Relator sobre a deserção do recurso se traduzia numa 'gravosa limitação do acesso ao direito garantido no art. 20º da Constituição Política ou, por outras palavras, a norma contida no art. 76º nº 1
[do Código de Processo do Trabalho] é inconstitucional na interpretação que lhe foi dada no referido despacho que assim o viola, o que para os devidos efeitos desde já se suscita' (a fls. 154).
Por acórdão de fls. 157 a 159, proferido em 26 de Fevereiro de 1991, a Relação de Évora manteve o despacho do Relator, considerando que a jurisprudência do Supremo que impunha a apresentação de alegações no agravo em 2ª instância, em processo laboral, juntamente com o requerimento de interposição do recurso e no prazo de interposição deste, era a que melhor correspondia ao sentido da norma legal, não sofrendo esta ou o despacho reclamado de qualquer inconstitucionalidade.
Deste acórdão, interpôs o reclamante novo recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, referindo que, por um lado, havia suscitado uma questão de inconstitucionalidade e que, por outro lado, os nºs 2 dos arts. 70º e 75º da Lei do Tribunal Constitucional estabeleciam o princípio de esgotamento dos recursos ordinários. Não apresentou alegações neste requerimento de interposição do recurso.
Este segundo agravo foi admitido por despacho de fls. 162.
Foram apresentadas, depois, alegações pelo recorrente e pelo casal recorrido. Nas alegações deste casal, subscritas pelo Exmo. Procurador da República, foi suscitada a questão prévia de não conhecimento do recurso, por deserção, em virtude de não terem sido atempadamente apresentadas as respectivas alegações.
Os autos subiram ao Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho do Relator, de fls. 179 e vº, proferido em 11 de Outubro de 1991, foi julgado deserto este recurso de agravo em 2ª instância. Aí se pode ler:
'Dispõe, contudo, o nº 1 do art. 76º do Cód. de Proc. do Trabalho que o requerimento de interposição do recurso deverá conter a alegação do recorrente.
Ora, tem sido jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, na vigência do Código de Processo do Trabalho de 1981, que o referido preceito legal se aplica tanto aos agravos interpostos na 1ª instância, como aos interpostos na 2ª instância, devendo o recorrente apresentar a sua alegação ou no próprio requerimento ou, o mais tardar, até ao termo do prazo da interposição do recurso, sob pena de deserção [...].
Foram, pois, as alegações do recorrente apresentadas tardiamente, o que equivale à sua falta.
E não se diga, como o faz o agravante a fls. 165, que o nº 1 do art. 76º está ferido de inconstitucionalidade por violar o art. 20º da nossa Lei Fundamental, porquanto a tramitação dos recursos e as razões de celeridade e economia processual que estão subjacentes ao regime consagrado no citado preceito nada têm a ver com o princípio constitucional do acesso ao direito, como é óbvio'.
Inconformado, o agravante reclamou de novo para a conferência, mas tal reclamação foi desatendida por acórdão proferido em 16 de Janeiro de 1992, o qual reafirmou a posição do Relator (a fls. 184-185).
Deste acórdão, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional o referido A., nos termos do art. 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 189.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional, aí tendo sido apresentadas alegações por recorrente e recorridos.
O recorrente pediu a revogação do acórdão recorrido, concluindo que o 'art. 76º, nº 1 do Código de Processo de Trabalho é inconstitucional, tal como foi interpretado na decisão recorrida, não podendo assim ser aplicado no agravo na 2ª instância, por violar o artigo 20º da Constituição Política da República Portuguesa' (a fls. 193 vº).
Os recorridos, em alegações subscritas pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional, concluiram do seguinte modo:
'1º A norma do nº 1 do artigo 76º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação que impõe que, no recurso de agravo interposto na 2ª instância, o requerimento de interposição do recurso deverá conter a alegação do recorrente, não viola o artigo 20º da Constituição.
2º Deve, assim, confirmar-se a decisão recorrida, na parte impugnada.' (a fls.
204-205).
3. Foram corridos os vistos legais.
Por não haver motivo que obste ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II
4. A questão de inconstitucionalidade que constitui objecto do presente recurso incide sobre a interpretação do art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho de 1981, perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido.
Tal art. 76º, nº 1, dispõe o seguinte:
'O requerimento de interposição de recurso deverá conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.'
A Relação de Évora e o Supremo Tribunal de Justiça, nas decisões proferidas nos autos e que confirmaram despachos dos relatores respectivos, interpretaram esta norma como sendo uma norma de âmbito geral, aplicável não só aos recursos interpostos de decisões proferidas por tribunais de primeira instância (apelação e agravo), como também aos recursos de agravo interpostos de decisões proferidas pelos tribunais de segunda instância. No caso sub judicio, estava em causa um recurso de agravo interposto do acórdão da Relação de Évora que confirmara o despacho do relator a julgar deserto um outro recurso de agravo interposto em segunda instância e em que as alegações não haviam sido apresentadas juntamente com o requerimento de interposição deste recurso ou, pelo menos, no prazo de apresentação deste último requerimento.
O ora recorrente sustentou, nas suas alegações, que os recursos interpostos de decisões proferidas pelos tribunais da Relação em processo laboral se deviam reger pelas normas do Código de Processo Civil e não pelas normas do Código de Processo de Trabalho pensadas para os recursos interpostos de decisões de primeira instância. Em sua opinião, a interpretação perfilhada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sob recurso violaria 'o supracitado princípio contido no art. 20º da CRP (acesso ao direito e aos Tribunais), pois que a interpretação feita do art. 76º nº 1 do C.P.T. torna mais curtos os prazos para alegações das partes nos agravos na 2ª instância em processo de trabalho e em tal medida traduz uma diminuição das garantias processuais e um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes, numa palavra, da acessibilidade aos tribunais que é o específico do acesso ao direito' (a fls. 191 vº dos autos).
Cumpre averiguar se terá razão o recorrente.
5. - Tem mais de um século, entre nós, a existência de uma jurisdição especializada de trabalho. De facto, uma lei de
1889 criou tribunais de árbitros-avindores, de composição paritária - por abrangerem em número igual elementos representativos dos patrões e dos trabalhadores - cuja competência abarcava 'em geral, todas as controvérsias sobre a execução de contratos ou convenções de serviço, em assuntos industriais ou comerciais entre patrões, de uma parte, e os seus operários ou empregados, da outra; ou entre operários ou empregados entre si quando trabalham para o mesmo patrão; e em especial os que disserem respeito a salários, preço e qualidade da mão de obra, horas de trabalho contratadas ou devidas, observância de estipulações especiais, imperfeição na mão de obra, compensações de salários por alteração na qualidade da matéria-prima fornecida ou por modificação nas indicações de trabalho; indemnização pelo abandono da fábrica, ou por licenciamento ou abandono antes de findo o trabalho ajustado e indemnização por não cumprimento do contrato de aprendizagem' (art. 2º da Lei de 14 de Agosto de
1889).
Tradicionalmente, a jurisdição especial de trabalho dispunha de uma lei de processo especial ou, pelo menos, de normas processuais específicas. Essa especialização da organização judiciária e do correspondente direito processual manteve-se durante a primeira República
(Decreto-Lei nº 5636, de 10 de Maio de 1919 e regulamento constante do Decreto nº 7400, de 17 de Março de 1921, referente aos tribunais arbitrais de previdência social) e durante o Estado Novo (Decreto-Lei nº 24.194, de 20 de Julho de 1934; Decretos-Leis nºs 30910 e 30911 ambos de 23 de Novembro de 1940; Lei nº 2091, de 9 de Abril de 1958; Decretos-Leis nºs 41.745, de 21 de Julho de
1958, e 45.497, de 30 de Dezembro de 1963):
No último período de vigência da Constituição Política de 1933, os tribunais de trabalho constituíam uma ordem jurisdicional autónoma, que tinha no seu topo o Supremo Tribunal Administrativo (Estatuto dos Tribunais de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 41.745 já citado; Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, aprovada pelo Decreto-Lei nº
40.768, de 8 de Setembro de 1956). Os processos que corriam nos tribunais desta ordem especial regiam-se também por uma lei especial, o Código de Processo de Trabalho de 1963, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45.497 acima referido. Os tribunais de trabalho integravam-se, de um ponto de vista administrativo, no então existente Ministério das Corporações e Previdência Social.
Na vigência do Código de Processo de Trabalho de
1963, das decisões dos tribunais de trabalho, de primeira instância, recorria-se para a 3ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social, através de recursos de apelação ou agravo (arts.
74º e 75º). Previa-se ainda um recurso para tribunal pleno, regulado na Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo. Este recurso para tribunal pleno cabia não apenas das decisões de recusa de aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade das mesmas ou em casos de conflito jurisprudencial, mas ainda quando a decisão fosse desfavorável ao recorrente acima de certo valor ou em certos casos de aplicação de penas disciplinares de especial gravidade (art.
25º, § 1º, nºs 2, 3 e 4).
Importa chamar a atenção para a circunstância de o Código de Processo de Trabalho de 1963 só ter regulado a tramitação dos recursos de apelação e de agravo interposto em 1ª instância (arts. 76º a 80º), sendo o recurso para tribunal pleno, qualificado como recurso ordinário, disciplinado pela legislação orgânica do Supremo Tribunal Administrativo. De
1963 a 1978, entendeu-se sempre de modo pacífico que a 3ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo funcionava como um tribunal de segunda instância, com plena jurisdição em matéria de facto e de direito.
No Código de Processo do Trabalho de 1963, diferentemente do que sucede com o Código de Processo Civil de 1961 ainda hoje vigente, estabeleciam-se prazos diversificados para a interposição dos recursos de apelação e de agravo, 15 dias para o primeiro e 8 dias para o segundo (art.
76º). Inspirado por uma ideia de celeridade do processo do trabalho, este mesmo diploma impunha que o requerimento de interposição de recurso deveria 'conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe'
(art. 77º, nº 1). Este preceito foi, assim, a fonte do art. 76º, nº 1, do actual Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro, não tendo chegado a vigorar um anterior Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 537/79, de 31 de Dezembro, diploma cuja vigência foi sucessivamente adiada, acabando por ser substituído por aquele código.
6. Com a entrada em vigor da Constituição de 1976, tornou-se necessário alterar o estatuto dos tribunais de trabalho. Na verdade, o art. 212º da versão originária da Constituição previu como ordens autónomas, diversas dos tribunais não judiciais, a dos tribunais militares e, facultativamente, as dos tribunais administrativos e fiscais, além da existência de um Tribunal de Contas. Os tribunais de trabalho só poderiam, por isso, subsistir como tribunais judiciais especializados para o julgamento das matérias laborais (cfr. art. 213º, nº 1, da Constituição). A Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1977 reclassificou os tribunais de trabalho como tribunais comuns, integrando-os na ordem dos tribunais judiciais (art. 85º da Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro). As características dos tribunais laborais como órgãos integrados numa ordem jurisdicional autónoma foram suprimidas em 1977: 'foram ligados ao Ministério da Justiça; os seus juízes e agentes do Ministério Público foram integrados no
«corpo único», a que, quanto aos juízes, faz referência o artigo 220º da Constituição[versão originária]; os seus tribunais de recurso são as Relações e o Supremo Tribunal de Justiça, em cujo âmbito se criaram, correspondentemente, secções de jurisdição social; a organização básica dos seus tribunais consta fundamentalmente da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro. E têm-me chegado sugestões para que o Código de Processo do Trabalho seja absorvido pelo de Processo Civil, importando-se para este último as inovações em que aquele foi pioneiro e unificando - até por comodidade e segurança dos profissionais do foro - os respectivos regimes' (João de Castro Mendes, Organização Judiciária do Trabalho e Direito Processual Laboral, in Direito do Trabalho, curso promovido pela Procuradoria-Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça, Suplemento, Lisboa, 1979, pág. 17).
Assim, nas Leis Orgânicas dos Tribunais Judiciais de 1977 e de 1987, os tribunais laborais são tribunais judiciais de natureza especializada. Das suas decisões, recorre-se para os tribunais da Relação e das decisões destes, proferidas em matéria laboral, recorre-se para a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.
Não obstante não disporem hoje de uma organização jurisdicional autónoma, os tribunais de trabalho aplicam legislação processual especial. Até 1981, aplicaram o Código de Processo de Trabalho de 1963; a partir desse ano, o Código de Processo de Trabalho de 1981.
7. A referência breve a esta evolução histórica permite enquadrar melhor a questão de inconstitucionalidade sub judicio.
Na verdade, importa reter este dado legislativo fundamental: existe um Código de Processo de Trabalho diverso do Código de Processo Civil, não tendo triunfado em 1981 a orientação de política legislativa que preconizava a integração da lei processual do trabalho na lei processual civil. Quer dizer, a integração dos tribunais de trabalho na ordem dos tribunais judiciais não foi acompanhada pela eliminação da autonomia do processo laboral e da sua lei reguladora. No preâmbulo do Decreto-Lei nº 272-A/81, que aprovou o Código de Processo de Trabalho vigente, afirmou-se ser desejável 'levar mais longe a simplificação do processo do trabalho, mas julgou-se ser inconveniente prosseguir antes de concluída a primeira fase da revisão do Código de Processo Civil'. Em matéria de recursos, confessou o legislador que a regulamentação destes foi feita de forma diferente da proposta no Código de Processo de Trabalho de 1979, isto enquanto se não procedia 'a um estudo sério neste capítulo e que também se encontra em curso no âmbito da já referida revisão do processo civil'.
Por outro lado, impõe-se realçar que a reforma de processo civil iniciada em 1981 e que se traduziu na publicação do Decreto-Lei nºs 224/82, de 8 de Junho, ratificado pela Lei nº 3/83, de 26 de Fevereiro, e do Decreto-Lei nº 128/83, de 12 de Março, acabou por se gorar, tendo estes diplomas sido suspensos sine die em 1983 (Decreto-Lei nº 356/83, de 2 de Setembro).
8. No actual Código de Processo de Trabalho mantém-se no essencial a regulamentação do diploma de 1963, em matéria de recursos. Apenas os arts. 83º e 84º reflectem a modificação substancial da organização judiciária laboral em 1978, decorrente da integração dos tribunais de trabalho na ordem dos tribunais judiciais. Assim, o primeiro daqueles artigos estatui que o regime de julgamento dos recursos 'é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil que regulamentam o julgamento do recurso de agravo, quer interposto na primeira, quer na segunda instância, conforme os casos'. O segundo dos mesmos artigos adapta ao processo laboral o sistema de poderes de cognição das Relações, tal como consta do Código de Processo Civil (arts. 712º e 715º, normas que surgem no
âmbito do recurso de apelação). O art. 74º, nº 3, enuncia como espécies de recursos ordinários 'a apelação, a revista, o agravo e o recurso para tribunal pleno', na linha do disposto no art. 676º, nº 2, do Código de Processo Civil, afastando-se da solução de unificação dos recursos avançada pelo Código de 1979.
No que toca ao prazo e modo de interposição dos recursos em processo laboral, os arts. 75º e 76º do Código de Processo do Trabalho não se referem especialmente ao recurso de revista e, relativamente ao recurso de agravo, não distinguem os recursos de agravo interpostos em primeira e em segunda instância.
A jurisprudência foi, assim, chamada a fixar a interpretação da nova regulamentação e a integrar eventuais lacunas, de harmonia com o disposto no art. 1º do Código de Processo de Trabalho, tendo em especial em conta o princípio estabelecido no nº 2 deste artigo (não aplicação das normas subsidiárias 'quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código').
No que toca apenas ao prazo e modo de interposição de recursos de natureza cível em processo laboral, a jurisprudência considerou que o disposto nos arts. 75º, nº 1, e 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho era aplicável quer ao agravo interposto em primeira instância, quer ao agravo interposto em 2ª instância, em virtude de este Código não distinguir entre os dois casos(veja-se a jurisprudência referida na decisão recorrida e a citada por Alberto Leite Ferreira na anotação ao art. 83º no seu Código de Processo de Trabalho Anotado, Coimbra, 1989, págs. 341 e segs., bem como por L.P. Moitinho de Almeida, Código de Processo de Trabalho Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1987, pág. 108).
Só quanto à revista e relativamente à lacuna de regulamentação quanto ao prazo e modo de interposição deste recurso, tem sido controvertido na jurisprudência saber se se aplica o regime do agravo previsto no Código de Processo de Trabalho ou o regime específico estabelecido no Código de Processo Civil, inclinando-se a jurisprudência maioritariamente neste último sentido (veja-se a discussão da questão em Alberto Leite Ferreira, ob. cit., págs. 342-344).
9. O acórdão recorrido acolheu a orientação jurisprudencial uniforme que considera que o art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho abrange não só o agravo interposto de decisões proferidas em 1ª instância, como o agravo interposto de decisões proferidas em segunda instância.
Como é evidente, é vedado a este Tribunal censurar a bondade da interpretação feita, salvo se a mesma se vier a mostrar contrária à Constituição.
Pretende o recorrente que tal interpretação, implicando a aplicação do regime do art. 76º, nº 1, também ao agravo interposto de decisões de segunda instância, contraria o art. 20º, nº 1, da Constituição.
Mas não tem razão.
A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável.
Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, não se vendo que o sistema constante do art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, na interpretação agora impugnada, seja em si mais gravoso do que o estabelecido no Código de Processo Civil, em que a alegação nos agravos tem de ser apresentada também no prazo de oito dias, embora este prazo se conte da notificação do despacho de admissão do recurso. Há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da apresentação de alegações (cfr. art. 77º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade do art. 76º, nº 1, do mesmo diploma.
Acrescente-se que, em processo penal, o regime de exigência de motivação dos recursos no requerimento da sua interposição (Código de Processo Penal, art. 411º) não foi até agora posto em causa, em termos de constitucionalidade, sendo indiscutível que, no processo penal, a Constituição impõe ao legislador ordinário que assegure todas as garantias de defesa ao arguido (art. 32º, nº 1). A concessão de um prazo de 10 dias em processo penal, por contraposição aos 8 dias concedidos em processo laboral, não introduz uma alteração qualitativa relevante em matéria de juízo de constitucionalidade.
Refira-se ainda que, como põe em evidência o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, desde 1982 tem sido proposto, em diferentes momentos de preparação de projectos de reforma do processo civil, que as alegações dos recursos sejam apresentadas no momento de interposição do recurso ou, pelo menos, sempre no tribunal a quo, de forma a garantir uma maior celeridade processual e uma maior seriedade do acto de interposição de recurso. E não se vê que tais propostas possam pôr em crise o acatamento do disposto no art. 20º, nº 1, da Constituição.
O recorrente critica a jurisprudência firmada sobre o art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, invocando que a exegese jurídica não deve ir no sentido da especiosidade, mas antes no sentido da clarificação e uniformização em ordem à defesa do direito fundamental de recurso. Tal crítica, porém, não tem a ver com a (in)constitucionalidade da solução de impor que o requerimento de interposição de recurso seja motivado, antes com uma invocada lacuna ou falta de clareza da letra da lei, situação que não se verifica seguramente, salvo quanto à regulamentação do recurso de revista. Mas este recurso não está aqui em causa.
Por último, e decisivamente, a concessão de um prazo de 8 dias para motivação do recurso de agravo interposto de decisão proferida em segunda instância não se revela passível de censura constitucional, pois tal prazo não pode considerar-se intoleravelmente exíguo, tanto mais que o objecto desta espécie de recurso tem a ver em regra com a impugnação de decisões respeitantes a matérias processuais, de menor complexidade, como decorre da conjugação dos arts. 721º, 722º e 754º, alínea b), do Código de Processo Civil. Não existe, assim, o risco denunciado pelo recorrente, nas suas alegações, de que possa chegar-se a 'uma justiça pronta mas materialmente injusta' (s fls. 193 dos autos).
Acrescente-se que a fixação de prazo para alegações em recursos oscila, no nosso direito e nos diferentes ramos, entre oito e vinte dias, fazendo apenas excepção o caso de reclamação prevista nos arts. 688º e 689º do Código de Processo Civil, em que a fundamentação tem de constar do requerimento de interposição, tendo este de ser apresentado no prazo de cinco dias a contar da notificação do despacho reclamado.
10. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de considerar que a interpretação do art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, de forma a abranger os agravos interpostos em 2ª instância, não padecia de inconstitucionalidade material.
Com efeito, no Acórdão nº 51/88 (publicado no Diário da República, II Série, nº 193, de 22 de Agosto de 1988 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 375, págs. 109 e segs.) este Tribunal considerou que essa interpretação não violava nem o princípio constitucional da igualdade, nem o direito de recurso aos tribunais. Escreveu-se aí:
'O T. Const. tem entendido em sucessivos acórdãos (cfr., por último, os Acs.
358/86, 359/86 e 31/87, publicados, respectivamente, no DR, 2ª, de 11-4-87 e
1-4-87) que tal garantia [a prevista hoje no art. 20º, nº 1, da Constituição] não abrange a obrigatoriedade da existência, para todas as decisões, de um duplo grau de jurisdição nem, muito menos, que esteja constitucionalmente garantido o triplo grau de jurisdição, isto é, o direito de recurso, em qualquer caso, ao S.T.J..
Não é, porém, nesta perspectiva que o recorrente invoca a violação do art. 20º, nº 2, da Constituição [hoje, a referência deve ter-se como feita para o nº 1 deste artigo]. Pretende ele que, com a mera interposição do recurso na 2ª instância, no prazo estabelecido, já havia cumprido o ónus legalmente necessário com vista a assegurar o acesso ao STJ para a legítima defesa dos seus interesses (...).
Mas não é assim.
Se é certo poder dizer-se que, não obstante a Constituição da República não adiantar expressamente nenhum princípio em matéria de recursos, tal matéria não é constitucionalmente neutra, nem significa que a lei possa discipliná-la de forma arbitrária (cfr. o Ac. 199/86, no DR, 2ª de 25-8-86), a verdade é que não se consegue descortinar, neste caso, qualquer violação do art.
20º, nº 2, da Constituição (...).
Mas é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral, face ao civil] não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o CPT reconhece, não violando o art. 20º, nº 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos'.
Não há, como se viu, quaisquer razões que militem no sentido do afastamento desta orientação.
III
11. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao presente recurso, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça.
Lisboa, 30 de Março de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
José Manuel Cardoso da Costa