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Processo n.º 913/11
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi aquele, por acórdão da 1ª Vara Criminal de Lisboa, condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, a uma pena de cinco anos de prisão. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 23 de novembro de 2011, confirmou a decisão, negando provimento ao recurso.
2. Desta decisão, interpôs o arguido recurso para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, dizendo, nomeadamente, o seguinte:
“[...] O recorrente arguiu a inconstitucionalidade da interpretação que então foi dada às normas constantes dos artigos 187.º, 188.º, 189.º e 269.º do CPP. Assim nas conclusões n.º 1 e 2 do seu recurso alegou que:
1. “Uma interpretação do artigo 187.°, n.°1 do CPP em que o despacho de autorização da escuta telefónica se baste com a fundamentação segundo a qual, “De acordo com os elementos recolhidos pela PSP os suspeitos B. e D. estarão a utilizar os números de telemóvel infra indicados “, e ainda que, “É imprescindível à investigação em curso a intercepção de chamadas telefónicas feitas de e para os telemóveis e a subsequente gravação” atenta contra o estatuído nos artigos 18.°, 32.° e 34.º da CRP.
2. Do mesmo modo os despachos de autorização de escutas telefónicas constantes de folhas 833, com o teor, “defiro ao doutamente promovido” e o outro, de folhas 987, com o teor, “Por ser indispensável para a investigação e nos termos dos artigos 187.°, 188.°, 189.° e 269.º, n.°1 do CPP “, atentam contra os princípios que presidem à autorização de escutas telefónicas.
3. Uma interpretação do artigo 187°, n.°1 do CPP em que o despacho de autorização da escuta telefónica se baste com a fundamentação segundo a qual, “Defiro ao doutamente promovido” ou ainda “Por ser indispensável para a investigação e nos termos dos art.°s. 187.°, 188.°, 189.° e 269.° n°1 e) CPP, autorizo.” é inconstitucional por violar o estatuído nos artigos 18.°, 32.° e 34.° da CRP.”
Sobre estas invocadas inconstitucionalidades, a douta decisão de que agora se recorre decidiu conforme argumentação expendida a folhas 79 [...].
O recorrente suscitou ainda uma outra inconstitucionalidade como decorre das seguintes conclusões do seu recurso: [...]
7. A interpretação da norma constante do n.º 1, do artigo 187.° do CPP em que num processo onde se investiga o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artigo 21.° do DL 15/93, se autorizam intercepções a vários postos telefónicos — alguns indivíduos escutados não vieram sequer a ser constituídos como arguidos — sendo certo que durante o período de 7 meses tem como principal instrumento probatório este meio de obtenção de prova, e ainda que durante este período não se procedeu à constituição de arguidos, a apreensões, designadamente de produtos estupefacientes ou à realização de buscas, inquina de inconstitucionalidade material esta norma por violar os artigos 18.°, 32.° e 34.° da CRP bem como os princípios da necessidade e da proporcionalidade constitucionalmente previstos.”
A douta decisão pronunciou-se sobre esta questão a folhas 80 [...].
Nestes termos e demais de direito deverão as normas supra citadas serem declaradas inconstitucionais com todas as consequências legais. [...]”
3. Na sequência, foi proferida pelo relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, decisão sumária de não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o respetivo teor:
“[…]. Cumpre, antes de mais, decidir se se pode conhecer do objeto do recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cf. art. 76º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional – LTC).
Nos termos do artigo 72º, nº 2, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º dessa Lei – o interposto pelo ora recorrente - respeita à constitucionalidade de normas aplicadas na decisão recorrida e só pode ser interposto “pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade […] de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida […]”. Quer isto dizer, em síntese, que a admissibilidade do recurso ali previsto depende de se tratar de uma questão de constitucionalidade normativa respeitante a uma norma aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida e de o recorrente ter confrontado o tribunal a quo, antes de ter sido proferida essa decisão, com a questão da inconstitucionalidade da norma – ou, se for o caso, da interpretação normativa – que, nos termos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade pretende ver apreciada. Ora, nos presentes autos, é manifesto que tal se não verifica, como sumariamente se demonstrará já de seguida.
3.1. Com efeito, basta ler o requerimento de interposição do recurso supra transcrito, para verificar que nenhuma questão de constitucionalidade normativa é colocada pelo recorrente ao Tribunal Constitucional. Na verdade, o que claramente ressalta desse requerimento é que o recorrente considera inconstitucionais os vários despachos proferidos nos autos relativamente à autorização da realização de escutas telefónicas – que considera eivados de “falta de fundamentação” (vício cujo conhecimento está vedado a este Tribunal) - e, assim, a própria decisão recorrida que os acolheu, como se de um recurso de amparo se tratasse. Aliás, as inúmeras referências às especificidades do caso concreto são disso reveladoras. Ora, é jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões.
3.2. Mas, ainda que assim não fosse, o facto é que este Tribunal nunca poderia conhecer do recurso. Na verdade, o recorrente não colocou, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade normativa. A este propósito recorde-se apenas que, como o Tribunal tem reiteradamente afirmado, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Nesses casos, contudo, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. […] Ora, aquilo que o recorrente enuncia como objeto do recurso é absolutamente imprestável para tal fim, já que o recorrente se limita a transcrever e a remeter para o conteúdo de despachos vários, daí não resultando, de resto, qualquer particular interpretação normativa. [...]”
4. Inconformado, o recorrente reclama para a Conferência, afirmando, após reproduzir os excertos supra transcritos, das suas alegações para o Tribunal da Relação, o seguinte:
“[...] Uma vez que o acórdão recorrido ponderou e decidiu a questão da inconstitucionalidade como melhor entendeu. E ainda que não tenha aplicado a norma de forma expressa, fá-lo de forma implícita como bem resulta do texto do acórdão da Relação.
Mas a decisão sumária agora censurada ataca primeiro o recurso do apelante de suscitar a inconstitucionalidade de despachos judiciais e não de uma norma ou da sua interpretação.
O recorrente, perante a dificuldade do caso concreto, e de forma a melhor habilitar, primeiro o Tribunal da Relação e, depois, o Tribunal Constitucional, não pode deixar de aludir ao caso concreto e ao conteúdo de várias decisões judiciais.
Acontece, que o recorrente não quis suscitar a questão de constitucionalidade dos despachos judiciais, mas sim das normas que ali foram aplicadas. Isto é, para o recorrente, este não imputou qualquer inconstitucionalidade à decisão judicial, mas às normas ai aplicadas e à sua interpretação - sentido.
E pensa o recorrente que cumpriu este requisito, como acima se indicou, que não poderia deixar de fazer acompanhando de perto o caso concreto.
Nestes termos e nos demais de direito, deve em conferencia, esta reclamação ser julgada procedente.”
5. Notificado, o Ministério Público sustentou a improcedência da reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
6. A decisão reclamada sustentou a impossibilidade de conhecimento do recurso por o recorrente não ter colocado ao Tribunal qualquer questão de constitucionalidade normativa de que este possa conhecer, nem ter suscitado, perante o tribunal a quo, qualquer questão desse tipo. Ora, o reclamante não aduz, na reclamação ora apresentada, qualquer argumento que permita abalar os fundamentos da decisão sumária de que reclama, tanto mais que os excertos que invoca para fundar a sua alegada suscitação adequada de questões de constitucionalidade normativa são, precisamente, aqueles que foram analisados na decisão sumária e que demonstram o caráter não normativo das questões colocadas. Tanto basta para que a reclamação improceda. Agora apenas se acrescentará que o facto de o tribunal recorrido conhecer de uma questão de constitucionalidade não lhe abre, necessariamente, via de recurso para este Tribunal. Por um lado, porque o tribunal a quo, confrontado com uma questão de constitucionalidade da decisão judicial, não pode deixar de se pronunciar, sem que tal permita recurso para o Tribunal Constitucional; por outro, porque, no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal como se encontra constitucional e legalmente desenhado, não é admissível substituir o ónus de suscitação atempada de uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão por uma qualquer pronúncia deste. Ora, ao transcrever concretos despachos judiciais, arvorando-os em “norma”, o recorrente torna evidente a conclusão de que nenhuma questão de constitucionalidade normativa colocou.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 14 de fevereiro de 2012.- Gil Galvão – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.