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Proc. nº 168/92
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A FAZENDA NACIONAL instaurou no Tribunal Tributário de 1ª Instância em Dezembro de 1988 execução fiscal contra A., com sede na Rua ----------------, nº ------, em -------------, pretendendo cobrar coercivamente a quantia de 1.373.082$00, proveniente de imposto sobre o valor acrescentado em dívida ao Estado.
A executada foi citada e vieram a ser-lhe penhorados bens. Foi marcado dia para venda do direito ao trespasse e arrendamento do seu estabelecimento comercial, mas não foram apresentadas quaisquer propostas em carta fechada (fls. 24). Foi então encarregada da venda por negociação particular desse direito uma sociedade identificada nos autos, sendo prorrogados os prazos para tal venda. Entretanto veio a apurar-se que o direito penhorado fora já vendido anteriormente noutra execução (a fls. 37).
Dada a inexistência de outros bens penhoráveis, foi promovido pela Fazenda Nacional que a execução revertesse contra três administradores da sociedade, B., C. e D. (a fls. 50).
Por despacho de fls. 52 a 68 v.º, o Senhor Juiz do 5º Juízo daquele Tribunal veio a considerar-se incompetente em razão da matéria, desaplicando por inconstitucionalidade o disposto no art. 9º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, e ordenando que a tramitação dos presentes autos passasse a correr na Repartição de Finanças do domicílio dos devedores.
2. Deste despacho foram interpostos dois recursos: o primeiro pela Fazenda Nacional para a 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo e o segundo pelo Agente do Ministério Público para o Tribunal Constitucional (a fls.
70 e segs. e 93, respectivamente).
Por despacho de fls. 95, foi admitido o recurso para o Tribunal Constitucional, ficando sustados os termos quanto ao outro recurso interposto para o S.T.A.
3. Subiram ou autos ao Tribunal Constitucional, apenas tendo apresentado alegações o Ministério Público.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto formulou as seguintes conclusões nessa peça processual:
'1º - A norma do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, enquanto, por si só ou em conjugação com o n.º 2, estabeleceu que as competências atribuídas pelo Código de Processo Tributário ao chefe de repartição de finanças ou outras autoridades fiscais serão exercidas pelo Juiz da execução, nas execuções fiscais pendentes à data da entrada em vigor daquele Código, nos tribunais tributários de 1ª instância de Lisboa e Porto, não veio alterar ou atribuir uma nova competência processual àqueles tribunais, não sendo, portanto, organicamente inconstitucional, pois não viola o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição.
2º Tal norma também não é materialmente inconstitucional, pois a atribuição de funções materialmente administrativas, aliás a título transitório, aos tribunais
é feita com integral respeito pela independência destes'. (a fls. 280)
4. Atendendo a que as questões de constitucionalidade suscitadas no despacho recorrido já foram apreciadas pelo plenário do Tribunal Constitucional, podendo por isso considerarem-se simples, visto que sobre elas recaiu o Acórdão nº 331/92, tirado por unanimidade
(publicado no Diário da República, II Série, nº 264, de 14 de Novembro de 1992), entendeu-se dever ser dispensado o visto, nos termos do art. 707º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional.
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. De harmonia com a doutrina do citado acórdão que integralmente se aceita, devem merecer provimento os referidos recursos, por não se considerar inconstitucional a norma constante do nº 1 do art. 9º do Decreto-Lei nº 154/91, ou a norma resultante daquele número com o nº 2 do mesmo artigo.
Na verdade, não procede, antes de mais, a tese de que o nº 1 do art. 9º do citado Decreto-Lei nº 154/91, por si ou conjugado com o nº 2 do mesmo artigo, sofre de inconstitucionalidade orgânica por violação da alínea q) do nº 1 do art. 168º da Constituição, porque tal norma não retirou nem aditou qualquer competência material aos tribunais tributários de 1ª instância de Lisboa e Porto, revestindo-se de natureza transitória, na medida em que visa prorrogar até 31 de Dezembro de 1993 um determinado regime de competência fixado anteriormente (pelo Código de Processo das Contribuições e Impostos de 1963 e pelo Decreto-Lei nº 45.006, de 27 de Abril de 1963, diploma este que reorganizou os serviços de Justiça Fiscal). Tal manutenção da competência anterior, a título transitório, 'não implica alteração, redução ou modificação da competência dos tribunais. E, assim sendo, não se pode falar em que a norma do nº 1 do art. 9º do D. L. nº 154/91 (ou esta norma conjugadamente com a do nº 2) veio a atribuir uma competência processual (com reflexo na material) nova ou diferente aos Tribunais Tributários de 1ª instância de Lisboa e Porto e referentemente àquela de que eles já anteriormente desfrutavam' (citado Acórdão nº 331/92, Ponto
4.4.).
Daí que se conclua que, para a edição da questionada norma, não carecia o Governo de autorização parlamentar.
6. No que toca aos invocados vícios de inconstitucionalidade material, tão-pouco se poderá acolher a posição constante do despacho recorrido.
Por um lado, não é possível considerar que o exercício de certas funções administrativas pelos juízes conexas com a tramitação de processos de execução fiscal nos Tribunais Tributários de Lisboa e Porto se revista de carácter constitucionalmente censurável. É que tal opção não esvazia de modo algum o 'núcleo essencial' dos limites de competências atribuídas pela Constituição aos tribunais, como se demonstra insofismavelmente no referido Acórdão nº 331/92, ao analisar-se aí detalhadamente o modo como a lei processual tributária actual e a precedente disciplinam as execuções fiscais e a natureza invocadamente administrativa das mesmas, sendo certo que fica reservada, em todo o país, aos tribunais tributários a decisão das 'questões de julgamento nitidamente jurisdicionais' que se suscitam nestas execuções.
Por outro lado, importa acentuar que a atribuição de funções de natureza administrativa aos juízes tributários no âmbito das execuções fiscais 'deixa intocável a independência dos juízes daqueles tribunais (nessa prática, na verdade, eles não estão sujeitos a ordens ou instruções de quem quer que seja, salvo, como é evidente, o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso judicial pelos tribunais hierarquicamente superiores), que continuam unicamente sujeitos à lei, bem como, claramente, deixa intocada a sua inamovibilidade' (Acórdão nº 331/92, Ponto
5.3.3.).
Por último, impõe-se reconhecer que a competência transitoriamente mantida aos tribunais tributários de Lisboa e Porto não representa, na totalidade das funções cometidas a estes tribunais quando confrontada com as atribuídas desde já aos restantes tribunais tributários de primeira instância, 'algo que conduza a que estas últimas, ao serem desempenhadas por aqueles dois tribunais, constituam apenas um «minus» desprezável e irrelevante', de tal modo que se pudesse concluir que o exercício de funções jurisdicionais seria, em Lisboa e Porto, uma ínfima parte do exercício das funções dos respectivos tribunais tributários.
Daí que deva entender-se que não se mostram violados pela norma questionada os arts. 113º, nº 2, 114º, nº 1, 205º, nºs 1 e
2, 206º, 214º, nº 3, 217º, nº 1 e 218º, nº 2, da Constituição.
III
8. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional conceder provimento ao recurso interposto, revogando, em consequência, o despacho recorrido, o qual deverá ser reformulado, de harmonia com o julgamento em matéria de constitucionalidade.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Maria da Assunção Esteves
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
António Vitorino
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa