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Processo n.º 594/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade apontadas no seu requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objecto do recurso, assim argumentou a reclamante:
(...)
Compulsada a Douta Decisão Sumária n.º 497/11, de que ora se reclama, verifica-se que, a páginas 11, parte final, e 12 da Decisão, são elencados os três pilares sobre que assentaram os fundamentos do indeferimento do recurso de constitucionalidade, a saber;
Em primeiro lugar, é mencionado que “tendo sido interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 2011, que decidiu não admitir a revista excepcional por não estarem preenchidos os requisitos ínsitos na alínea b) do n.º 1 do artigo 721º-A do C.P.C, apenas poderia ter como objecto as normas aí aplicadas como ratio decidendi e não outras, designadamente aquelas que foram aplicadas pelas instâncias”
Acrescentando que “por esse motivo a pretensão da recorrente em discutir “fundamentação vertida no acórdão da Relação de Lisboa” não tem aqui cabimento, uma vez que a decisão impugnada quedou-se, in casu, pela aplicação do artigo 721º-A n.º 1 alínea b) do C. P. C.”
Ora, no caso concreto estamos perante uma situação em que o Recurso de Revista Excepcional foi erguido, pelo actual sistema jurídico, como sendo um recurso de natureza excepcional e que visa acautelar interesses específicos, na sequência de reforma introduzida no processo civil, tendo por objectivo a limitação da prodigalidade de recursos, junto do Supremo Tribunal de Justiça, através do designado sistema da dupla conforme.
É exigido, então, ao recorrente que para lhe ser admissível um recurso de revista excepcional, preencha em concreto os requisitos que se consagram no Código de Processo Civil, nomeadamente, de o recurso se situar no âmbito daquilo que são interesses que, grosso modo, podem ser descritos como sendo para além dos do recorrente,
Ou seja, é exigido ao recorrente que a par do seu interesse individual, a matéria decidendi possa ter relevância para além da sua própria esfera jurídica e com isso puder ele próprio activamente contribuir para a melhoria de todo o sistema, beneficiando ele próprio com essa melhoria que ajude a introduzir no sistema jurídico, através do seu recurso, em concreto.
Ora, salvo o devido respeito a Decisão Sumária erra, na justa medida em que não tem em consideração que o tema decidendi que foi invocado em sede de recurso para o Tribunal Constitucional apenas pode ser fundamentado com a enumeração de actos em concreto que hajam sido desvalorizados pelo Supremo Tribunal de Justiça, em autos que correram termos noutras instâncias.
Ou seja, não se pretende com o recurso de revista excepcional, do art. 721º-A do C.P.C., questionar em concreto e perante este Tribunal Constitucional matérias que hajam sido apreciadas no Tribunal da Relação,
Contudo, dada a natureza excepcional do recurso de revista excepcional, que exige um crivo prévio de admissão, torna-se evidente que o recorrente deve ir buscar a fundamentação para aquilo que é a justificação de recurso ao art. 721º-A do C.PC. de revista excepcional, e, por tanto de ir para além de si, tem que ir buscar como se disse a fundamentação à tramitação de anteriores decisões, em outras instâncias, neste processo.
No caso concreto, e em sede de revista excepcional são enumeradas de forma clara e expressa matérias que, comprovadamente, estão para além da sua esfera individual, por que elas tal como foram devidamente apresentadas, em sede de Tribunal da Relação aquando da alegações e agora em sede de revista excepcional, foram, expressamente, indicadas como sendo de matéria Constitucional.
Em resumo, em relação a este primeiro ponto e fundamento, a ratio decidendi que foi solicitada ao Supremo Tribunal de Justiça e que consideramos que mal foi decidida, e com isso acrescentou-se mais um facto àquilo que é o torpedear da constitucionalidade ou da salvaguarda dos direitos constitucionalmente consagrados, é a circunstância de que os direitos em concreto que fundamentam que, para além da recorrente individual, estão em causa direitos, também, de uma comunidade subsumíveis aos interesses de carácter geral, como estabelece o art. 721º-A do C.P.C., é que nada mais simples ou importante do que referir que os factos que demonstram o extravasar da esfera individual serem eles próprios de natureza constitucional, e quais são esses factos?
Não é o reconhecimento da sua situação como doente crónica, mas é o reconhecimento de que o que está em causa nestes autos, para além da decisão individual, é dos efeitos práticos dos diversos graus de jurisdição passarem sobre aquilo que é o reconhecimento e a prova feita em concreto de um estatuto merecedor de tutela e que consiste no de doente crónico, e esse facto não ter qualquer tipo de relevância, tendo em conta tudo aquilo quanto está consagrado em sede de legislação ordinária e sobretudo em matéria constitucional.
Portanto, com relação a esta matéria e ao primeiro ponto que determina o naufragar da pretensão da recorrente, e que salvo o devido respeito, se requer seja remetida à conferência é ter em consideração que a ratio decidendi imposta ou determinada pela recorrente é à luz dos critérios especiais e específicos que impõe o mecanismos de admissão prévia deste recurso, e isso só pode ser justificadamente fundamentado se forem carreados para o requerimento de interposição de recurso revista excepcional factos que possam ser enumerados ou elencáveis em outras instâncias e outras decisões e que justificam uma lógica entre aquilo que se pode designar a causa de pedir da revista excepcional.
Em segundo lugar, é indicado também pela Decisão Sumária que, a decisão do STJ de não admissão de revista excepcional não tem qualquer conteúdo normativo que possa ser sindicável pelo Tribunal Constitucional.
Ora salvo o devido respeito, dos três fundamentos que justificaram a decisão sumária de que ora se reclama, este é aquele que estamos mais frontalmente em desacordo, isto por que, não entendemos ter sido o objectivo da reforma introduzida com o conceito de dupla conforme a imposição de qualquer limitação de recurso das decisões do STJ para o Tribunal Constitucional, isto em primeiro lugar.
Em segundo, entendemos que muito pelo contrário, aquilo que é a essência da função do Tribunal Constitucional, à luz do seu estatuto e da sua função, no amplo sistema jurídico português, é precisamente apreciar matérias desenquadradas de um conteúdo substantivo em particular e aprecia-las sim, à luz, tão só, de um quadro normativo de relevância constitucional.
Ora, salvo o devido respeito, também não entendemos que seja possível considerar-se que a decisão por parte do STJ, de considerar relevantes ou não relevantes os interesses em concreto invocados, em sede recurso de revista excepcional, e portanto a apresentação de um recurso e a enumeração dos factos que se considera serem relevantes para além do caso concreto do recorrente, terem também relevância social, como dizemos, entendemos que não está limitado o recurso e a sindicância pelo Tribunal Constitucional do conteúdo e alcance de qualquer decisão do STJ que determine não ter relevância, nos termos em que é imposto para efeitos de revista excepcional,
Aliás, seria um contra-senso consagrar-se um mecanismo excepcional de recurso, em sede de STJ, ao qual não pudessem ser colocadas questões de natureza ou índole constitucional,
Desde logo, até porque isso seria uma contradição em termos, porque se os principais fundamentos abrangentes e para além do caso individual serão sempre eles próprios de natureza constitucional ou poderão ser de natureza constitucional, como o caso em concreto, que é os efeitos do reconhecimento de um estatuto a um determinado sujeito judiciário, como seja nos autos em concreto, a necessidade de apreciação do estatuto de doente crónico, à luz de um processo em que ela se despede invocando justa causa e as decisões judiciais transactas não se pronunciam sobre essa matéria.
Ou seja, estamos frontalmente em desacordo que esteja coarctada a possibilidade ao Tribunal Constitucional de sindicar decisões do STJ que versem sobre matérias que ainda para mais são elas próprias de carácter genérico para a sociedade no seu todo.
Aliás, dir-se-ia mesmo que com relação àquilo que é a vocação específica dos dois Tribunais em confronto STJ e Tribunal Constitucional compete a este último, mais por natureza de função, o enquadramento daquilo que são questões relevantes para a sociedade no seu todo tendo por escopo o cumprimento daquilo que são os seus princípios basilares do Estado de Direito Democrático Português e que constam da Constituição da República Portuguesa,
O que significa que, o juízo de revista excepcional que o STJ faz pode e deve conter obrigatoriamente aquilo que é a enumeração de factos que podem ter, também, suporte constitucional e obrigatoriamente, também, que se considere que o recorrente em sede de processo cível, quando é confrontado com o limite de cognição por parte dos Tribunais Superiores em função daquilo que é limitação dos recursos ordinários, já em sede de recurso de revista excepcional é exigido ao particular que ele use o seu pleito para implementar matérias que possam ser relevantes para a comunidade em geral e provando a relevância para a comunidade em geral, beneficia ele desse acto.
Salvo o devido respeito, o que sucede é que não acreditamos que haja uma proibição, muito pelo contrário, por parte do Tribunal Constitucional em precisamente sindicar estas matérias porque os termos como é introduzida a reforma impõe que de facto a última rácio do sistema jurídico-constitucional português, compete ao Tribunal Constitucional e essa é última rácio daquilo que se considera serem interesses relevantes dos cidadão, em sede de pleitos que conduzam, e que impõe a sua admissão até à última instancia, em sede de STJ.
Dito por outras palavras estamos em querer que o conteúdo normativo da decisão do STJ, em sede de revista excepcional, quando o que está em causa são interesses de natureza difusa ou carácter geral, podem não ter dignidade constitucional, mas quando têm, tal como foi expressamente invocado, compete ao Tribunal Constitucional sindicar a adequação com que essas decisões foram proferidas.
Portanto considerando-se que o ponto primeiro que implicou o naufrágio do recurso para este Tribunal Constitucional se acha cumprido, na medida em que foram invocados expressamente factos para enquadramento de um mecanismo excepcional de recurso, e o suporte desses enquadramentos é de natureza constitucional, com base naquilo que são factos que previamente tinha invocado, já em sede de alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, torna-se evidente com relação a este segundo aspecto que também compete ao Tribunal Constitucional sindicar em que medida é que o STJ devia ou não devia ter ido mais longe na apreciação da revista excepcional, na justa medida em que a fundamentação é imperativos de natureza constitucional, aplicadas ao caso em concreto.
Quanto ao terceiro fundamento, que determinou a Decisão Sumária em apreço, e quanto à necessidade expressa e prévia de indicação de violações de normativos de natureza constitucional, impõe-se determinar que foram assacados em dois momentos, e neste caso em sede de revista excepcional, também, aquilo que são violações de imperativos constitucionais,
A saber, em primeiro lugar em sede de recurso para o Tribunal da Relação foram invocadas garantias legais da recorrente para o caso concreto ao que aquele Tribunal não atendeu,
Para efeitos de impugnação expressa, em sede de revista excepcional, perante o STJ, foi a própria recorrente que citou o Acórdão do Tribunal Constitucional que invoca que se dispensa a invocabilidade prévia ou provável de violação de preceitos constitucionais quando de todo, no decurso do processo essas matérias, são inesperadamente colocadas,
Ora, foi a recorrente que em sede de recursos para o STJ e em sede de crivo prévio para admissão de revista excepcional enumerou que a questão constitucionalidade da decisão da Relação, nos termos concretos em que foi posta, eram de todo inesperados, e também impunha então esse era o fundamento base naquilo que eram os interesses relevantes de carácter geral que levavam a que a recorrente avançasse com a revista excepcional,
Ou seja, foi expressamente invocado, perante o STJ, que o juízo de inconstitucionalidade a interpretação da Relação apenas se colocou aquando da sua decisão final proferida por Acórdão.
Por outro lado, acrescendo a este facto a decisão do STJ, igualmente, não atendeu a que fundamentação, para além da recorrente, fosse de matriz constitucional, e com isso assaca aquilo que é uma violação distinta do normativo ao comando constitucional, porquanto
A matéria que foi invocada, para efeitos de recursos para o Tribunal Constitucional consiste naquilo que é invocação de impossibilidade de acesso a decisão final que tenha em consideração determinado facto, dado como provado, e que é imperativo constitucional ser respeitado, como seja o direito à saúde e o direito consagrado em legislação ordinária à protecção de doentes crónicos.
Este facto significa, portanto, que foi expressa e devidamente invocado pela recorrente, previamente à interposição do recurso para o Tribunal Constitucional a violação de preceitos constitucionais e fê-lo no recurso de revista excepcional, perante o STJ, invocando que a Relação de Lisboa haveria cometido uma violação do normativo constitucional.
Sucede porém é que, para além deste facto, o STJ, ele próprio, em sede de enquadramento de revista excepcional, não tende ao direito fundamental consagrado à recorrente, de protecção na saúde e isto faz com que, igualmente, se aplique a esta decisão do STJ e ao seu recurso para o Tribunal Constitucional precisamente o mesmo acórdão que se citou aquando da interposição de recurso de revista excepcional para o STJ,
Ou seja, não podia, nem devia, a recorrente antever ou considera como provável que quando invoca o incumprimento de normativos constitucionais por parte do Tribunal da Relação e que só os detecta em função do Acórdão proferido, e portanto essa matéria implicar expressamente a necessidade de avaliação da constitucionalidade de tal decisão perante o STJ, também, no caso concreto e no recurso para o Constitucional não pode, nem podia nunca a recorrente antever a impossibilidade de apreciação do recurso em sede de revista excepcional, quando invocou expressamente que a decisão da Relação não respeitou um direito constitucionalmente consagrado e que foi dado como provado.
Por sua vez, o STJ considera que essa matéria de protecção na doença, consagrada constitucionalmente, não é um motivo que extravase a recorrente e que não é um motivo socialmente relevante,
Ora, salvo modesto entendimento por opinião contrária, não se pode concordar que a decisão do STJ, em si mesma, ante aquilo que é precisamente a rácio decidendi, seja uma decisão correcta do ponto do vista do cumprimento dos comandos normativos, porque a recorrente frisou e fez questão de frisar que não é só a relevância para além dela que está em causa, mas de os Tribunais e instâncias anteriores não se terem pronunciado sobre um imperativo legal que, também, é constitucional, como estranho é que o STJ considere que esta invocação de interesse para além da recorrente, seja ele próprio matéria que não relevância, quando desde logo a própria recorrente a qualifica como um imperativo constitucional.
Resumindo, está perfeitamente demonstrado, ter a recorrente cumprido perante o STJ o onús de alegação concreta do que pretendia ver apreciado, de não se resumir à apreciação do caso concreto, mas dada a natureza do recurso não podia, nunca, deixar de fundamentar a razão de ser do seu recurso naquilo que foram os Doutos arestos proferidos a montante deste recurso que formulou.
Mais enunciou que, esta matéria, não atendida pela Relação, e que justificava como complemento precisamente serem de relevância para além da recorrente, ser de natureza constitucional,
Por outro lado, foi demonstrado que a recorrente quando formula o recurso para o Tribunal Constitucional, da decisão do STJ de recusa da revista excepcional, fá-lo em função daquilo que é o conteúdo sindicável pelo Tribunal Constitucional, de ter enumerado como beneficiando de protecção constitucional a fundamentação que apresentou, para a admissão da revista excepcional, e o STJ ao não se ter pronunciado sobre isso, e ao invés dessa matéria dizer que não está em causa nenhum facto para além do caso concreto, e isto quando foi expressamente invocado que o que está em causa é uma violação de normas, com comando constitucional.
Questão constitucional que foi devidamente suscitada pela recorrente, no seu recurso de constitucionalidade, relativamente à decisão recorrida, do STJ.
Finalmente, foram expressa e a cada momento invocadas as normas que a decisão não acatou do posto de vista constitucional.
Assim, a presente reclamação resume-se em saber se é possível o entendimento do STJ, perante o recurso em concreto que lhe foi apresentado de que a violação do estatuto de doente crónico de um trabalhador, com base no qual se despede, se é ou não, no âmbito do processo laboral, com as etapas que se dão por transcritas, se a invocação desse facto preenche os requisitos da admissibilidade da revista excepcional, desde logo, por expressamente, estar em causa comandos constitucionais que por si só assumem relevância adquirida ou por inerência de admissibilidade do STJ.
Está pois em causa saber se o art. 712º A do CP.C. na forma como resultou da redacção da reforma do processo civil é ou não é um instrumento onde, também, deve ser avaliado o conceito de interesse geral difuso como sendo, também, de natureza constitucional e nesses termos deve o presente recurso para o Tribunal Constitucional ser aceite e ser determinado que o entendimento formulado pela STJ de não admissão do recurso de revista excepcional viola os comandos constitucionalmente consagrados e destinados à protecção da saúde, por exemplo, na justa medida em que, tendo sido expressamente invocados em sede de recurso de interposição, dessa revista excepcional de normas constitucionais, só a flagrante inadequação dos interesses em concreto invocados a uma protecção por comando constitucional é que pode ditar, no caso concreto de protecção de interesses difusos ou para além do recorrente individual, o indeferimento dessa revista excepcional.
Deve o Tribunal Constitucional considerar que tendo sido consagrado este mecanismo de recurso excepcional, como sendo ou tornando-se necessário aquilo que é indagar, dentro do espírito do sistema, uma prévia concertação de matérias ou até uma relevância para além do caso concreto, sendo a essência do recurso ou sendo apresentado no recurso fundamentação de natureza constitucional deve considerar-se que está preenchido o requisito que consiste a ratio decidendi de admissão do recurso de revista excepcional, porque nenhum comando de carácter geral existe ou mais superior existe que não sejam os preceitos de natureza constitucional.
Nestes termos, deve a decisão do Supremo Tribunal de Justiça ser revogada, porquanto em si mesma viola o direito do acesso ao Direito, por parte dos cidadãos e, em concreto, viola o direito de os cidadãos terem o normal acesso a uma decisão final que ainda para mais decorre de comando constitucional.
Deve, pois, ser entendido que a decisão do STJ não é última rácio naquilo que é a decisão do impacto na comunidade, quando esta versa sobre matérias que têm background constitucional, e além disso se o fizer, em si mesma, autonomiza-se outra violação da magna carta constitucional portuguesa e que consiste na impossibilidade de direitos de natureza constitucionais, não só da recorrente, mas da comunidade em geral, poderem não estar a ser entendidos.
Assim sendo, o recurso deve prosseguir para apreciar a questão sub iudice, declarando-se a inconstitucionalidade arguida.
(...)”.
3. A recorrida pugnou pelo indeferimento da reclamação.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“1. A., melhor identificada nos autos, interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 2011, que decidira não admitir a revista excepcional requerida pela recorrente por não estarem preenchidos os requisitos ínsitos na alínea b) do n.º 1 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil.
Do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, constam as seguintes indicações:
«…
A interposição do presente recurso prende-se com dois pontos distintos, um primeiro relativo à decisão de indeferimento em sede de despacho preliminar de admissão de recurso de revista, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), da qual se recorre; e um segundo relativo à fundamentação vertida no acórdão da Relação de Lisboa, as quais violam claramente Direitos da Recorrente, constitucionalmente protegidos.
A admissibilidade do presente recurso interpenetra-se com os seus fundamentos, encerrando em si mesmo, matéria de relevância de natureza constitucional, uma vez que da subsunção dos factos concretos aos normativos legais, de acordo com a interpretação efectuada, em sedes diferentes, pelos tribunais superiores, resulta uma violação de princípios constitucionais, interpretações que não eram, de todo, expectáveis antes da prolacção da decisão.
Neste sentido Como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 678/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “tem o Tribunal entendido que uma das situações em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo é precisamente a daqueles casos em que o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa, feita pela decisão recorrida, de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da prolação dessa decisão.” (sublinhado nosso)
Entendimento que, à luz do exposto supra e que adiante se demonstrará, legitima o presente recurso.
I – Da aplicação pelo douto Supremo Tribunal de Justiça do art. 721.º-A do C.P.C.
Vem o Supremo Tribunal de Justiça indeferir a admissão do recurso excepcional de revista interposto pela recorrente, porquanto e segundo considerou “neste recurso apenas estão em causa interesses individuais das partes e nada mais, pois a problemática da doença crónica invocada pela recorrente não tem alcance para além do interesse meramente pessoal de quem a invoca.”
Considerando, assim, não estarem preenchidos os requisitos ínsitos na alínea b) do n.º 1 do art. 721º-A do C.P.C., entendimento que não se pode aceitar, uma vez que os interesses em causa, nestes autos, extravasam o simples interesse particular e individual.
Senão veja-se,
Do acórdão do Tribunal da Relação que confirmou integralmente a sentença de 1.ª instância, foi interposto recurso de revista excepcional, perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto na alínea b) do art. 721.º-A C.P.C.
De facto, ao contrário do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, o caso em apreço prende-se com interesses de particular relevância social, na medida em que o objecto da questão mais do que licitude ou ilicitude de um despedimento, se prende com a existência de uma doença crónica que foi desconsiderada pela entidade patronal da recorrente e que, lesando os seus direitos, colocou em crise a relação laboral entre ambas.
Conforme expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça, a revista excepcional “(...) não visa, em primeira linha, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos das partes, mas antes interesses de particular relevância social.”
O conceito de “Interesses de particular relevância social”, é um conceito indeterminado introduzido pela Reforma dos Recursos em Processo Civil, operada em 2007, o qual carece de ser concretizado pelas jurisprudência e doutrina posteriores.
Conforme, refere António Geraldes, “Interesses de particular relevância social podem estar presentes em acções cujo objecto respeite, designadamente, aos direitos dos consumidores, ao ambiente, ecologia, qualidade de vida, saúde ou património cultural, ou quando se discutem interesses importantes da comunidade.” in “Recursos em Processo Civil - Novo Regime”, 3.ª Ed., 2010, pp. 410.- o sublinhado pertence-nos.
Assim, o interesse deve ser aferido de acordo com o objecto do processo, isto é, da susceptibilidade dos direitos em conflito afectarem direitos e interesses, entendidos no seio da comunidade como princípios basilares do Estado de Direito Social.
Refere aquele Autor como exemplos: a qualidade de vida e saúde, sendo inequívoco, à luz deste entendimento e dos princípios comunitários da nossa comunidade que, em sede laboral, o desrespeito pela entidade patronal de doença crónica diagnosticada a trabalhadora, obrigando-a a praticar actos que tendem a agravar essa doença, forçando assim a trabalhadora a despedir-se, é uma situação que, em abstracto, afecta não só as partes em presença, como a comunidade em geral.
O douto Supremo Tribunal de Justiça ao exigir que a relevância social do interesse concreto não tenha origem no foro individual da parte está-lhe a negar o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, direito constitucionalmente protegido (art. 20.º CRP), sendo o direito cuja tutela está a ser negada, o direito à protecção na doença (art. 59.º, n.º 1 al. c) CRP e art. 64.º CRP) e o estatuto que daí lhe advém.
O impacto social destes direitos e a sua renegação afecta um dos pilares sociais do Estado de direito democrático: a protecção dos mais fracos, dos trabalhadores.
E tanto o Tribunal de 1.ª instância como o Tribunal da Relação dão como provado o seu estatuto mais fraco, dão como provada a sua doença, dão como provada a desconsideração pela entidade patronal, dão como provado que foi esse o motivo invocado pela recorrente para o seu despedimento, mas nenhuma das instâncias tem em consideração e se detém vinculativamente sobre essa questão.
Há pelo douto Supremo Tribunal de justiça, uma negação de acesso ao direito e violação do art. 20.º da CRP na justa medida em que é recusado à parte o acesso à revista excepcional porque se interpreta o recurso de revista como sendo uma última parte de um processo que, tendo nascido com um determinado interesse em agir da recorrente, termina exigindo-se que a mesmo procure fundamentar o seu interesse em agir em factos que não têm nenhum suporte no seu caso concreto, mas sim na comunidade em geral.
Tal entendimento não só é inconstitucional de acordo com o princípio vertido no art. 20.º CRP, por negar-lhe individualmente a tutela do direito, como é inclusive ilegal porque pretende que tenha de fazer constar do processo, em recurso, quaisquer factos para além daqueles que, genuinamente, existam e se relacionem directamente com a parte, o que violaria todo o disposto em sede de recursos no Código de Processo Civil.
Na prática há uma deturpação da instância e obrigaria a parte a ter que carrear elementos ex novo até porventura de carácter probatório, de forma que o tribunal pudesse averiguar, nessa sede, da relevância social do interesse, o que não é o espírito da reforma introduzida.
Ora, a única relevância que pode haver é, na Constituição da República Portuguesa (CRP), o Título II – Direitos, Liberdades e Garantias, consagrar no capítulo III os Direitos, Liberdades e Garantias dos trabalhadores e, concretamente, o título III “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, conter no capítulo I os “direitos e deveres económicos” onde se enquadra o art. 59.º invocado em sede de recurso, e “direitos e deveres sociais”, no capítulo II, onde se enquadra o invocado art. 64.º, o que significa que, não podem haver dúvidas algumas, que os interesses aqui em causa, têm uma particular relevância social, porquanto, a não ser assim, não encontrariam protecção constitucional directa.
Dúvidas não haja que este recurso, em concreto, não pode nunca aludir aquilo que seja tutela de interesses difusos sem ter um nexo no caso concreto e, o douto Supremo Tribunal de Justiça, apenas por economia processual decisória é que pode interpretar que não se encontra justificada a relevância social quando se depara perante um recurso, em cujos autos se considera provado um estatuto que, constitucionalmente, carece de protecção especial – trabalhador com doença crónica – e o sentido decisório é de negar a existência de relevância social.
Este entendimento seria tão absurdo quanto considerar-se que em autos declarativos de indemnização por prática de um dano, em sede de recursos ordinários a causa de pedir e interesse em agir individual fossem o mote, e que em sede de revista excepcional seja exigido a apreciação dos factos a luz da integração dos danos numa perspectiva colectiva quando o processo ate aí, nunca pôde conter tais factos.
Por outra via, em concreto, a ser válida esta interpretação até se pode considerar que existe também uma dupla negação de acesso ao direito e à justiça porque não está só em causa a desconsideração de uma qualificação jurídica, da prova produzida e dada como assente, como sobretudo chegados a esta fase, ignora-se que o caso concreto é um exemplo claro e socialmente alarmante de como se pode exigir de um trabalhador um comportamento circunstanciado no tempo para motivar a sua actuação ele age em conformidade com circunstâncias concretas, actuais e perante os factos que a parte contrária lhe traz na sua relação obrigacional laboral e, impunemente, duas decisões judiciais toleram a possibilidade de que por factos supervenientes, novos, e que nunca foram colocados aquando da invocação da justa causa possam ser objecto de compreensão, acarretando com isso, o princípio mais básico do processo civil e que é o da estabilidade da instância.
Pelo exposto, a interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez da al. b) do n.º 1 do art. 721º do C.P.C., no caso em apreço e que determinou o indeferimento na admissão do recurso excepcional de revista viola o princípio constitucional de boa fé, na vertente da protecção da confiança legítima, inserto no princípio do Estado de Direito, violando a alínea c) n.º 1 art. 59.º CRP o dever do Estado de garantir o direito à saúde, vertido na alínea b) do n.º 2 e 1 do art. 64.º CRP,
Havendo clara violação do Princípio da Igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP.
Estando em causa a discussão da doença crónica da recorrente, na qualidade de trabalhadora, e seu reconhecimento por parte da entidade patronal, é socialmente determinante apurar os direitos e deveres dos trabalhadores e sua entidade patronal, já que tal situação pode envolver, como efeitos futuros, a desconsideração de tais trabalhadores, com capacidade diminuída, no mundo do trabalho.
Não estão em causa os meros interesses particulares, outrossim, interesses sociais relevantes que ultrapassam a discussão destes autos, e que se encontram constitucionalmente reconhecidos e protegidos, pelo que deve ser admitido o presente recurso.
Toda esta interpretação feita pelo STJ que, em si mesma e indirectamente, consiste na violação dos citados preceitos legais configura a Recorrente como trabalhadora e como cidadã, com direito a ser protegida na doença e ser-lhe lícito agir promovendo a sua saúde, o que constitui um si mesmo e directamente violação ao art. 20 º da CRP, porquanto nos termos do n.º 1 é lhe negado o acesso ao direito e à defesa dos seus interesses legalmente protegidos,
Em concreto o n.º 4 e 5 do art. 20º da CRP são esquecidos, na justa defesa em que a consagração da garantia pessoal em Lei de doença crónica não encontra nas instâncias de apreciação qualquer reflexo que consista na efectiva defesa do seu direito à saúde e à justiça.
Fazendo, assim, o STJ uma interpretação e apreciação inconstitucional do art. 721º-A do C.P.C., o que não permite o art. 204º da CRP.
Mais se diga que em sede de Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Art. 8
“Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes, contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela Lei.”
Tudo isto considerando-se que o preâmbulo do C.P.C. que restringiu o acesso ao STJ e a consagração da figura extraordinária de recurso agora recusada determina:
“Finalmente, ainda em matéria de recursos cíveis, são ampliados os casos em que é admissível o recurso extraordinário de revisão, de forma a permitir que a decisão interna transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte.”
A Decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação é pautada por um juízo, neste caso desvalioso, para o conteúdo efectivo de um Direito fundamental dos trabalhadores e para o dever fundamental das empresas, quer pela questão jurídica em si mesma, quer pela circunstância de permitir um efectiva diminuição das garantias dos trabalhadores e, no limite, o esvaziamento do preceituado no artigo 120º alínea c) do Código de Trabalho, bem como a negação do efectivo direito de invocação de justa causa para o despedimento por iniciativa do trabalhador nos termos do artigo 441º nº 1 e 2, concretamente alíneas b) e d) e mesmo que fosse o n2 3 aliena b) também do Código de Trabalho.
A Ré violou grosseira e reiteradamente deveres que lhe eram impostos e que afectam garantias legais e convencionais da trabalhadora, Autora, nomeadamente o seu direito “à prestação do trabalho em condições de (...) saúde;” - al. c) n.º 1 art. 59.º CRP
A trabalhadora provou em juízo: a sua doença crónica; o conhecimento da entidade patronal; a desconsideração da sua condição pela entidade patronal; a actuação da entidade patronal em função de outros valores e em claro agravamento da sua condição.
Provados estes factos, o Tribunal de 1ª Instância e o de Recurso, ao considerarem não haver fundamento para resolução do contrato de trabalho com justa causa, violaram o dever do Estado de garantir o direito à saúde, vertido na alínea b) do n.º 2 do art. 64.º CRP, na medida em que se lê:
“2 - o direito à protecção na saúde é realizado:
(...)
b) (...) pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho (...)“
E violaram o direito da trabalhadora à protecção da sua saúde, impedindo-a de a defender e promover. - n.º 1 do art. 64.º CRP.
Pelo que se expôs, desde logo é notória a violação dos direitos legalmente protegidos da trabalhadora, direitos esses que não só foram violados pelos tribunais de 1.ª e 2.ª instância, como também, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Mais se refira que, com a interpretação feita dos factos, por aqueles órgãos jurisdicionais, há ainda uma clara violação do Princípio da Igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, na vertente de ter sido tratada de forma igual, uma situação diferente.
“O âmbito de protecção do princípio da igualdade ínsito neste preceito abrange diferentes dimensões: a proibição do arbítrio, que torna inadmissível não só a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável apreciada esta de acordo com os critérios objectivos de relevo constitucional, mas também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; a proibição de discriminação que não permite quaisquer diferenciações entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas e, por último, a obrigação de diferenciação como forma de compensar a desigualdade de oportunidades que pressupõe a eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural” cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Anotada”, 1.º Vol., 2.ª Ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e ss in Ac. TC n.º 523/1995. - o negrito pertence-nos.
Sendo que, no Douto Acórdão da Relação lê-se:
“a mobilidade efectuada pela Recorrida “(...)se afigura perfeitamente normal e pedagogicamente adequada(...)”
Ora, ainda que pudesse considerar a mobilidade levada a cabo pela entidade patronal, como legal à luz dos preceitos do Código de Trabalho, sempre a mesma deveria ser considerada ilegal, atenta a condição médica da trabalhadora, o que não foi devidamente considerado.
A desconsideração valorativa das instâncias, bem como da entidade patronal da Requerente, traduziu-se em analisar a mobilidade funcional de uma trabalhadora saudável e cuja mobilidade não afecta a sua saúde (âmbito que nos interessa), de modo igual ao que analisaram e avaliaram a mobilidade da trabalhadora, aqui recorrente, que padece de uma doença crónica, medicamente comprovada, e cuja mobilidade funcional é susceptível de agravar a sua condição e, pasme-se para cuja mobilidade funcional a entidade patronal não encontra fundamento bastante.
Esta é pois uma questão essencial, de profunda relevância jurídica e social, tanto mais que é constitucionalmente imposto que todos os trabalhadores têm direito, sem distinção de qualquer espécie, à prestação de trabalho em condições de saúde, veja-se artigo 59º nº 1 alínea c) e artigo 64º nº 1 e 2 aliena b) da Constituição da República.
Ora a proibição de discriminação aí consagrada abrange precisamente trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, é isso que consta do seu nº 1.
Segundo, a Lei nº 32/2004, de 29/7 no seu artigo 32º nº 1 e 2., concretiza-se várias formas de discriminação e a alínea b) estabelece a designada discriminação indirecta, como sendo aquela que ocorre quando uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja susceptível de colocar pessoas que se incluam num dos factores característicos indicados no referido preceito numa posição de desvantagem comparativamente a outras, a não ser que essa disposição ou critério ou prática seja objectivamente justificada por algum fim legítimo e que os meios alcançados sejam adequados e necessários.
Não se verificando tais requisitos e não sendo devidamente valorada a situação da trabalhadora viu esta os seus direitos constitucionalmente protegidos violados, o que legitima o recurso ao presente pleito.
Nestes termos e por tudo quanto se expôs, deve o presente Recurso ser liminarmente admitido, sendo a Recorrente notificada, para em prazo, apresentar as suas alegações, seguindo-se os demais e ulteriores termos.
…».
2. O presente recurso de constitucionalidade, interposto nos termos supra referidos foi admitido pelo tribunal a quo.
Todavia, como essa decisão, em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional e porque o presente caso se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se nos termos e com os seguintes fundamentos.
3. O presente recurso vem interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3.1. Nos termos da referida alínea a), admite-se a interposição de recurso de constitucionalidade interposto de decisões dos tribunais que recusem a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Constata-se, porém, da análise ao Acórdão recorrido, que tal pressuposto não ocorre in casu, como se comprova pela consideração da fundamentação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, na qual se deixou consignado:
«…
2----
O DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, introduziu significativas alterações ao regime dos recursos em processo civil, nomeadamente na revista, por dois motivos:
Por um lado acabou-se com o agravo; por outro lado, consagrou-se a “dupla conforme”, regime que obsta à admissão da revista enquanto recurso normal, se o acórdão da Relação confirmar, sem voto de vencido, e ainda que com fundamento diverso, a decisão da 1ª instância, conforme resulta do artigo 721º nº 3 (do CPC se outra proveniência não for referida).
Visou o legislador, conforme se alcança do preâmbulo daquele diploma legal, combater a banalização no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de modo a alcançar-se um acesso mais racional e a criar condições para proporcionar àquele Tribunal um melhor exercício da sua função de orientação e uniformização da jurisprudência, contribuindo-se desta forma também para uma maior celeridade de decisão.
Por isso, o regime da “dupla conforme” veio impedir, em regra, o recurso de revista do acórdão da Relação, que confirme, sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância, conforme já se disse.
Este regime restritivo da revista normal pode contudo, ser contornado nos casos especiais em que se admite a revista excepcional, apesar da existência da “dupla conforme”.
Assim o artigo 721º-A, dispõe no seu número 1 que esta revista excepcional será admissível nos seguintes casos:
quando esteja em causa uma questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
quando estejam em causa interesses de particular relevância social;
e quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
Apesar destes requisitos específicos da admissibilidade da revista excepcional, sempre teremos de considerar que apenas se pode aceder a este recurso, quando se verificarem as condições gerais de admissão do recurso de revista, dependendo por isso, o acesso à revista excepcional da existência, no caso, dos demais pressupostos de admissão da revista “normal”, conforme exige o artigo 678º nº 1 do CPC, ou seja, valor da causa e valor de sucumbência.
No presente caso, embora não tenha sido proferido despacho a fixar o valor da causa, conforme exigia o artigo 315º nºs 1, 2 e 3 do CPC, temos de considerar sanada esta irregularidade por não ter sido arguida.
E assim sendo, atendendo a que a A deu à causa o valor de 48 484.85 euros; e considerando por outro lado que, estando em causa neste recurso a justa causa invocada pela A, o valor da sucumbência corresponde ao pedido da respectiva indemnização de antiguidade, que é do montante de 45 795.75 euros, consideramos que estão reunidos os requisitos gerais de admissão da revista.
Por isso, vejamos então se ocorre o fundamento específico da revista excepcional que vem invocado pela recorrente – questão de particular relevância social, conforme resulta da alínea b) do artigo 721º -A.
2.1---
Ora, o acórdão que se pretende impugnar confirmou integralmente e sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância.
E a questão versada consistia em saber se à A assistia justa causa para resolver o contrato de trabalho.
O Tribunal da Relação acabou por concluir que face à matéria de facto apurada, a A não tinha justa causa para resolver o contrato.
Pretende a recorrente que a questão, assim equacionada, se reveste de particular relevância social, por alegadamente estarem em causa direitos que assistem aos trabalhadores que, em virtude de doença, medicamente comprovada, vejam reduzida a sua capacidade funcional.
Por isso, e dado que a A padecia de doença crónica – fibromialgia – a mobilidade funcional a que a R procedeu, colocando-a a trabalhar na creche, quando antes exercera funções como educadora de infância, consubstancia urna situação a integrar na aludida alínea b) do artigo 721º-A, tanto mais que a recorrida não aceitou a qualificação médica constante de respectivo relatório médico entregue pela recorrente e que a mobilidade da funcionária se baseou exclusivamente em motivações funcionais da empresa recorrida.
Mas não tem razão a recorrente, pois não se prefigura uma situação a integrar na hipótese prevista na alínea b) do n.º1 do referido art. 721.º-A do C.P.C.
Na verdade, tal como este Supremo Tribunal vem reiteradamente afirmando, a simples natureza laboral das questões suscitadas não determina, sem mais, que se esteja perante interesses de particular relevância social, para os efeitos em causa.
Por outro lado, os fundamentos específicos da revista excepcional revelam que este meio de impugnação das decisões judiciais não visa, em primeira linha, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos das partes, mas antes interesses de particular relevância social.
Ora, a questão suscitada, no contexto e nos termos em que o foi, não extravasa os limites do caso individual, sendo, por isso insusceptível de revestir, mesmo em abstracto, e ao invés do pretendido pela recorrente, uma particular relevância social.
Efectivamente, “são interesses de particular relevância social os que, para além do prejuízo pessoal, assumem uma repercussão de largo espectro, não tanto nem imediatamente pelo seu concreto efeito económico, mas pelo reflexo nos direitos/valores atingidos, respeitantes a uma determinada comunidade”, que dizem respeito a “interesses difusos/imateriais, ligados ao ambiente e/ou à ecologia, à saúde, ao património histórico ou cultural ou, noutra vertente, integram acções em que se discutam cláusulas contratuais gerais, insolvências, expropriações e, mais especificamente, disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho negociais, que interessam a um universo significativo de destinatários”, conforme advoga Abrantes Geraldes, in ‘Recursos em Processo Civil, Novo Regime’, pg. 350,
Ora, neste recurso apenas estão em causa interesses individuais das partes e nada mais, pois a problemática da doença crónica invocada pela recorrente não tem qualquer alcance para além do interesse meramente pessoal de quem a invoca.
Assim sendo e não se tratando de interesses comunitários de grande relevo e largo alcance, na expressão de Miguel Ângelo O. Crespo, in ‘O recurso de revista no Contencioso Administrativo’, Almedina, 2007, não podemos considerar integrada a situação na previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 721º-A do CPC.
Concluímos assim que se não verificam os requisitos de admissão da revista excepcional, pelo que temos de a indeferir.
3----
Termos em que se acorda em não admitir a revista excepcional por não estarem preenchidos os requisitos ínsitos na alínea b) do nº 1 do artigo 721º-A do CPC.
…».
Daqui resulta, claramente, não existir qualquer recusa de aplicação do artigo 721.º-A, do Código de Processo Civil, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pois a norma foi efectivamente mobilizada como fundamento normativo do decidido, com base no qual se concluiu que a concreta situação de facto apreciada não era subsumível na hipótese da norma.
Ora, este juízo relativo à aplicação do direito – maxime, no que tange com a subsunção de determinados factos às previsões normativas –, não só não constitui recusa de aplicação normativa, nos termos pressupostos pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, como nem sequer pode assumir-se como objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
Não se verificam, pois, os requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da mencionada alínea.
3.2. Como se deixou referido, o presente recurso vem igualmente interposto ao abrigo da alínea b), do artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
3.2.1. Assim sendo, o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, aí previsto, há-de traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) previamente suscitada perante o Tribunal a quo e de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Explicitando o sentido de tais pressupostos, cumpre acentuar que, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo.
A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
Por outro lado, deve também referir-se que decorre dos referidos preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 352/94, 560/94 e 155/95, in Diário da República II Série, respectivamente, de 6 de Setembro de 1994, de 10 de Janeiro de 1995 e de 20 de Junho de 1995).
Finalmente, o recurso apenas pode ter por objecto questões de constitucionalidade relativas a normas que tenham sido efectivamente aplicadas como fundamento normativo do aí decidido, tendo esse recurso carácter instrumental.
Trata-se, neste caso, de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência decorre da natureza incidental do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000), não cabendo a este Tribunal conhecer de questões de validade normativo-constitucional que não possam repercutir-se na decisão, determinando a sua alteração em caso de procedência do recurso de constitucionalidade.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas se afigura possível quando a norma cuja inconstitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie esgote a ratio decidendi da decisão recorrida, sendo certo que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal Constitucional, enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar agir, como se fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e qualquer apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode deixar de produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito, o Tribunal Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou académicos» (cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia, inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na decisão recorrida.
3.2.2. Projectando estes criteria no caso decidendo – e começando pelo último aspecto referido –, importa explicitar que o presente recurso, tendo sido interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 2011, que decidiu não admitir a revista excepcional por não estarem preenchidos os requisitos ínsitos na alínea b) do n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC, apenas poderia ter como objecto as normas aí aplicadas como ratio decidendi e não outras, designadamente aquelas que foram aplicadas pelas instâncias.
Por esse motivo, a pretensão da recorrente em discutir a “fundamentação vertida no acórdão da Relação de Lisboa”, não tem aqui cabimento uma vez que a decisão impugnada quedou-se, in casu, pela aplicação do artigo 721.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC.
Em segundo lugar, verifica-se igualmente que a recorrente apenas controverte a concreta aplicação do direito realizada pelo Supremo, assacando o juízo de inconstitucionalidade à decisão na parte em que esta não deu por preenchidos os pressupostos da revista excepcional.
Como resulta do requerimento de interposição do recurso, a discordância da recorrente prende-se com a subsunção da concreta situação fáctica na hipótese da norma do artigo 721.º-A, do CPC, principaliter no que diz respeito à questão de saber se, in casu, perante a concreta situação subjectiva da recorrente, factualmente retratada nos autos, estão em causa “meros interesses particulares” ou “interesses sociais relevantes”.
Ora, esse juízo, relativo à qualificação jurídica dos factos resultantes dos autos – por mor do qual se entendeu que “estão em causa interesses individuais das partes e nada mais, pois a problemática da doença crónica invocada pela recorrente não tem qualquer alcance para além do interesse meramente pessoal de quem a invoca” –, não pode, por ausência de conteúdo normativo, ser sindicado sub species constitutionis.
Por fim, importa reter que a recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade de que o Supremo tivesse de conhecer, contrariamente ao exigido pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC, sendo que, apesar da recorrente ter invocado que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça fez uma “interpretação imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da prolação dessa decisão”, a verdade é que, perante o caso concreto, esse entendimento não procede.
Não se olvida que em casos excepcionais possa ser relevada a impossibilidade de prévia suscitação do problema de constitucionalidade, o que sucederá naqueles casos em que o tribunal recorrido aplica uma norma em termos absolutamente imprevisíveis ou insólitos e em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes proferida.
Porém, no caso sub judicio é bem patente que não nos encontramos perante uma daquelas situações excepcionais que permitem relevar a ausência de suscitação da questão de constitucionalidade, sendo exigível in casu que a recorrente houvesse suscitado a inconstitucionalidade do critério em causa perante a previsibilidade do tribunal o poder aplicar, até perante a improcedência do alegado quanto à admissibilidade do recurso interposto.
De facto, a própria recorrente, ao interpor o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, equacionou a aplicação da norma do artigo 721.º-A, do CPC, referindo expressamente que, no seu entendimento, “a questão sub judicio coloca em causa direitos e interesses de particular relevância social, o que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC, admite o presente recurso de revista excepcional”. Ao fazê-lo, e recaindo sobre as partes um dever de prudência técnica na antevisão do direito susceptível de ser aplicado, não estava a recorrente impossibilitada de entrar em linha de conta com o facto da sua posição poder ser refutada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nem de, em consequência, suscitar a questão de constitucionalidade.
4. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.»
5. Como resulta do texto da reclamação sub judicio, a reclamante controverte a decisão sumária em três aspectos essenciais. Em primeiro lugar, contesta o juízo formulado quanto à indicada impossibilidade de se apreciar no recurso de constitucionalidade, interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a fundamentação vertida no acórdão da Relação de Lisboa; impugna, de seguida, a consideração de que o juízo relativo à qualificação jurídica dos factos resultantes dos autos não pode ser sindicado sub species constitutionis por o mesmo não assumir, face aos poderes de controlo deste Tribunal, natureza normativa; e, por fim, controverte o julgamento segundo o qual se entendeu que o caso decidendo não consubstanciava uma situação anómala ou excepcional susceptível de poder considerar-se a recorrente desonerada do cumprimento do ónus de prévia suscitação da questão de constitucionalidade no âmbito de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
5.1. Começando por esta última questão, a recorrente invocou, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a jurisprudência constante do Acórdão n.º 678/99 para justificar a admissibilidade do recurso para este Tribunal sem que tivesse previamente suscitado ou controvertido qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Quanto a esse aspecto, a decisão reclamada considerou que no caso concreto não podiam ter-se por verificados os pressupostos que, em casos excepcionais, permitem a interposição do recurso de constitucionalidade ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, sem prévia suscitação do problema de constitucionalidade perante o tribunal a quo.
Tal decisão não merece censura.
Efectivamente, a recorrente teve oportunidade processual para controverter a constitucionalidade da norma do artigo 721.º-A, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), no momento em que pugnou, junto do tribunal recorrido, pela verificação in concreto dos requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, designadamente quando aí sustentou que “a questão sub judicio coloca em causa direitos e interesses de particular relevância social, o que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC, admite o presente recurso de revista excepcional”.
Nesse momento e tendo considerado, perante o caso concreto, o problema da aplicação da norma do artigo 721.º-A, n.º 1, do CPC, não estava a recorrente impossibilitada de entrar em linha de conta com o facto da sua posição poder ser refutada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nem de, em consequência, suscitar perante aquele tribunal as questões de constitucionalidade que tivesse por adequadas face ao entendimento da norma que pressupôs para fundar a admissibilidade do recurso, sendo extemporânea a sua suscitação pós-decisória no próprio requerimento de recurso para acesso à jurisdição constitucional.
Como se disse no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, «a exigência de um cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão», devendo aqui acentuar-se que, nos processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado – cf., entre muitos outros arestos, o Acórdão n.º 155/95 e o Acórdão n.º 192/2000, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, e José Manuel Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3ª edição, Coimbra, 2007, pp. 76 e ss.).
5.2. Em segundo lugar, a decisão reclamada reteve que o juízo relativo à qualificação jurídica dos factos resultantes dos autos não podia ser sindicado sub species constitutionis por o mesmo não assumir, face aos poderes de controlo deste Tribunal, natureza normativa.
Quanto a este ponto específico, a argumentação da recorrente estriba-se num duplo equívoco, seja, em primeiro lugar, quanto ao juízo de que reclamou, seja, depois, quanto à natureza e ao objecto do recurso de constitucionalidade.
Como é consabido, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo, havendo que distinguir, para efeitos de definição do objecto do recurso de constitucionalidade, as situações em que se controverte a concreta decisão, considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais – a isso se reconduzindo as situações em que “embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida - o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio (…); [designadamente] a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e fixação da matéria de facto provada na sentença (...) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […];” (cf. CARLOS LOPES DO REGO, «O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) –, daquelas em que está essencialmente em causa o momento normativo da concreta realização do direito, traçado pela determinação do critério jurídico à luz do qual deve ser valorado o problema, escapando ao controlo do Tribunal a qualificação e a valoração da matéria de facto que com aquele momento converge no juízo decisório.
Nessa linha, não cabem na esfera de competência deste Tribunal os problemas que digam respeito à “subsunção dos factos concretos aos normativos legais”, nem à qualificação jurídica dos factos, como sucede in casu, no que respeita à questão de saber se, em concreto, a factualidade em causa se subsume à noção de “meros interesses particulares” ou de “interesses sociais relevantes”.
Ora, considerar se está em causa a constitucionalidade de um critério normativo ou a correcção do juízo decisório na qualificação fáctico-jurídica que o possibilitou não será, de certo, um problema que se resolva pela estrita consideração da semântica que o enuncia, mas, principaliter, pelo tipo de controlo que o Tribunal Constitucional é chamado a realizar, conhecendo das questões que contendam, num plano intensivo-vertical, com a validade do critério normativo aplicado, e, por falta de legitimidade, não tomando conhecimento das que se refiram, num plano extensivo-horizontal, à correcção do juízo aplicativo na recondução de uma questão de facto à norma tida por aplicável em face da determinada relevância jurídica do caso.
No presente caso, a pretensão da recorrente reconduz-se precisamente a este segundo tipo de situações em que na verdade não se controverte a norma aplicada – que subordina a admissibilidade da revista excepcional à presença de “interesses sociais relevantes” –, mas a subsunção dos factos concretos na respectiva hipótese normativa, e, sendo esse o leitmotiv do presente recurso, é manifesto que o mesmo não tem o explicitado carácter normativo que é pressuposto pelo recurso de constitucionalidade.
5.3. Finalmente, quanto à apreciação dos fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação, a recorrente, ainda que tenha distinguido as questões no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, considera na reclamação que aqueles fundamentos acabam por estar pressupostos pela aplicação do artigo 721.º-A, do CPC, efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça,.
Ora, não se encontrando interposto recurso do aresto do Tribunal da Relação é manifesto que a fundamentação aduzida por aquela instância não podia considerar-se imediata e autonomamente abrangida pelo recurso de constitucionalidade que fora interposto da decisão do Supremo, não podendo qua tale integrar o objecto do recurso como um aliud relativamente à decisão recorrida.
Não é outro o sentido que decorre da decisão reclamada, sendo que daí não decorre que a decisão recorrida seja considerada de forma estanque e marginal face ao processado anteriormente, outrossim que a fundamentação das decisões que antecederam o juízo recorrido não podia ser analisada autonomamente nesta sede.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.