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Proc. nº 509/91
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I
1. - Em 17 de Abril de 1989, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal um processo especial de remição de colonia remetido pela Secretaria de Agricultura e Pescas do Governo Regional da Madeira em que figuravam como requerentes A. e marido, e como requeridos o B. e a C., referente a quatro porções de benfeitorias em prédios sitos no
--------------------, com a designação de 'D.', na freguesia e concelho de
--------.
Na fase administrativa, os árbitros atribuíram o valor de 520.000$00 à indemnização a pagar aos senhorios remidos pelo casal remidor, em arbitragem realizada em 3 de Julho de 1988 (tal valor correspondia à fixação do valor de 400$00 por metro quadrado do terreno). Por sentença de fls.
28, foi adjudicada a propriedade do solo aos referidos A. e marido, E..
Os senhorios remidos interpuseram recurso da arbitragem, por não se conformarem com o valor da indemnização atribuída, preconizando a sua substituição pelo valor de 1.820.000$00.
Realizou-se peritagem, tendo os peritos confirmado o valor de indemnização fixado pela arbitragem. Votou vencido o perito designado pelos senhorios requeridos, o qual propôs a fixação da indemnização em
650.000$00 (500$00 por metro quadrado).
O recurso foi julgado improcedente por decisão do Sr. Juiz do Tribunal de Comarca do Funchal, proferida em 11 de Dezembro de 1989 (a fls. 49 a 50 vº).
Desta decisão foi interposto recurso pelos senhorios para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Nas alegações dos recorrentes foi suscitada a questão da inconstitucionalidade orgânica e material da norma do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, a qual estabelece que o 'valor da indemnização, caso não se verifique acordo entre as partes, corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar'.
Por acórdão de fls. 71 a 76 vº, proferido em 12 de Novembro de 1991, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, não obstante ter considerado que a norma do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M estava afectada de inconstitucionalidade orgânica. Parece ter sido decisiva para o Tribunal a circunstância de considerar que essa norma não era materialmente inconstitucional e que o critério legal era justo.
Pode ler-se nesse aresto:
'Esta norma [a do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M] está ferida de inconstitucionalidade orgânica, por violação da alínea q) do art. 167º Const.
(versão originária, correspondente à alínea l) do nº 1 do art. 168º Const., nas Revisões de 1982 e de 1989) - Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 194 e 195/89, ambos de 9-II-989, in 'D.R', II S, de 16-V [...].
Quanto à arguida inconstitucionalidade material, a solução já é diferente.
Efectivamente, não há qualquer analogia entre as expropriações em geral e a remição da colonia, em relação aos critérios de determinação do valor dos terrenos expropriados, nos termos do art. 30º nºs 1 e
2 C. Exp. e o critério de determinação do valor dos terrenos objecto da colonia a remir, nos termos do cit. art. 7º nº 2 do Dec. Reg. 13/77/M, de 18-X [...].
Assim, o art. 7º, nº 2, do cit. D. Regl. 13/77/M, ao mandar atender ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar, não está a ofender qualquer princípio de igualdade ou da proporcionalidade.
É preciso atender a que o senhorio apenas entregou ao colono (já lá vão uns séculos!) terreno bravio e de mato, que este, através das gerações, foi desbravando, arroteando e tornando em terreno arável e produtivo
[...].
14. - É certo que, ao aplicar sem mais, o disposto no art. 7º, nº 2, do Dec. Regl. 13/77/M, de 18-X, a sentença recorrida não observou o disposto nos arts.
207º e 167º al. q) (esta correspondente à alínea l, do actual art. 168º) da Constituição.
Porém, ao decidir segundo o critério do valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar, a sentença não ofendeu qualquer preceito da Lei Constitucional ou ordinária.
15. - Nestes termos, negam provimento ao recurso e confirmam a sentença recorrida.' (a fls. 74 a 76 vº)
2. - Deste acórdão interpuseram os senhorios recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 79.
3. - Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Recorrentes e Recorridos apresentaram alegações.
Os primeiros formularam nessa peça processual as seguintes conclusões:
'a) O nº 2 do art. 1º da Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, reproduziu o nº 2 do art. 7º do Dec. Regional nº 13-M/77;
b) A remição da propriedade do solo configura uma expropriação por utilidade privada ou particular;
c) Como tal está sujeita ao princípio constitucional do pagamento da justa indemnização, vazado no nº 2 do art. 62º da Constituição da República Portuguesa;
d) A consagração deste princípio não é mais do que a entronização de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, nessa medida, sujeito apenas às restrições previstas na Constituição - cf. art. 17º da Lei Fundamental;
e) O princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos postula que os expropriados-senhorios sejam reconstituídos em termos de valor à posição que detinham antes da ablação:
f) A justa indemnização mede-se pelo valor real e corrente do bem remido;
g) A limitação imposta no nº 2 do art. 1º da Lei nº 62/91 - idêntica à do nº 2 do art. 7º do Dec. Regional nº 13-M/77 qual seja, a consideração necessária em todos os casos dos 'fins agrícolas', não permite alcançar aquele desiderato da justa indemnização;
h) O 'jus aedificandi' deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, dada a efectiva potencialidade edificativa do terreno remido;
i) A disciplina do nº 2 do art. 1º da Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, equivalente à do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13-M/77, colide com o princípio cunhado no art. 62º, nº 2 da Constituição;
j) De acordo com as alíneas anteriores, deve ser considerado materialmente inconstitucional o referido nº 2 do art. 1º da Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, que substituiu idêntica norma do Decreto Regional nº 13-M/77, de 18 de Outubro
(a do nº 2 do art. 7º) e cuja inconstitucionalidade material também deve ser declarada;
l) Como é a própria Constituição a outorgar ao expropriado o direito a uma indemnização justa (art. 62º, nº 2), qualquer lei que permita expropriações - ou actos análogos - sem uma indemnização justa está ferida de inconstitucionalidade material.
m) Decidindo de forma diversa, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, os arts. 207º, 62º, nº 2 e 13º, todos da Constituição da República Portuguesa.'
(fls. 88-89 dos autos).
Os recorridos, por seu turno, pediram a manutenção da decisão impugnada, concluindo a sua peça de alegações do seguinte modo:
'1 - Não existe inconstitucionalidade material da Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, como não a havia no artº 7-2 do Decreto Regional nº 13-M/77, de 18.10.
2 - O conceito de justa indemnização na expropriação por utilidade publica é específico dessa expropriação, não se aplicando à remição do solo pelo colono madeirense.
3 - Não há que invocar o art. 62-2 da Constituição, sendo que os próprios acórdãos do Tribunal Constitucional tal o afastam, inscrevendo a eventual forma dos critérios de fixação de indemnização no artº 82 (ora 83) da Constituição.
4 - Qualquer que seja o critério da avaliação do valor do solo, esta é sempre, apenas, do solo que ao senhorio pertence, abatidos portanto, os valores do desbravamento (ou arroteamento) e das benfeitorias, umas e outras introduzidas pelo colono.
5 - Segundo o artigo 1º da Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, o valor da indemnização, não havendo acordo, corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar.
6. - O princípio da justa indemnização é privativo das expropriações por utilidade publica, sendo específico o critério de determinação no processo de remição de terra pelo colono.
7 - A lei nº 62/91 (como o Decreto Regional) é dominada pela consideração eminente social de permitir a aquisição da propriedade da terra por aquele que a trabalha, não sendo o do preço do mercado'. (91 vº - 92 dos autos)
Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. - Cemeçar-se-á por pôr em destaque que, à data em que foi proferido o acórdão recorrido (12 de Novembro de 1991), já havia sido revogada a norma do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, mostrando-se substituída pelo art. 1º, nº 2, da Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, como, aliás, notam os recorrentes e os recorridos nas presentes alegações. Verifica-se, assim, que o tribunal da Relação não levou em conta a nova norma legal, aplicando a norma revogada, apesar de a considerar organicamente inconstitucional.
6. - Conforme resulta dos autos, os ora recorrentes requereram em 16 de Dezembro de 1986 ao então Secretário Regional da Economia da Madeira a remição do terreno onde se encontram implantadas as benfeitorias identificadas no requerimento, ao abrigo dos arts. 3º do Decreto Regional nº
13/77/M, de 18 de Outubro, 9º do Decreto Regional nº 16/79/M, de 14 de Setembro, com a redacção introduzida pelo Decreto Regional nº 7/80/M, de 20 de Agosto, invocando expressamente a falta de acordo com os senhorios (fls. 5 e vº dos autos).
A Constituição de 1976, na sua versão originária, dispunha que seriam 'extintos os regimes de aforamento e colonia e criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição do regime de parceria agrícola' (art. 101º, nº 2).
Ao abrigo desta imposição, veio a Lei de Bases da Reforma Agrária (Lei nº 77/77, de 29 de Setembro) proceder à extinção jurídica da colonia, através do seu art. 55º:
'1. - São extintos os contratos de colonia existentes na região autónoma da Madeira, passando as situações daí decorrentes a reger-se pelas disposições da lei do arrendamento rural e por legislação estabelecida por decreto da Assembleia Regional.
2. O Governo apoiará as iniciativas dos órgãos de governo da região da Madeira, integrados nos princípios norteadores da reforma agrária para a resolução das situações decorrentes da extinção da colonia'.
Em 18 de Outubro de 1977, foi publicado na I Série do Diário da República o Decreto Regional nº 13/77/M sobre a extinção do regime da colonia, no qual se dispõe, no seu art. 1º, que são 'extintos os contratos de colonia que subsistem na Região Autónoma da Madeira, os quais passam a reger-se pelas disposições respeitantes ao arrendamento rural e pelas normas do presente diploma'.
Este diploma regional veio a ser publicado no Diário da República depois da publicação da Lei de Bases da Reforma Agrária, muito embora tivesse sido discutido e aprovado antes desta última (a aprovação data de 29 de Julho de 1977). No seu art. 3º estabelece-se o princípio de que o colono-rendeiro 'tem o direito de remir a propriedade do solo onde possua benfeitorias' (nº 1), prevendo-se igualmente que o colono-rendeiro seja preterido no direito de remição 'por pessoa que há mais tempo do que ele venha explorando directamente a terra, por si ou através do seu agregado familiar' (nº
2).
Sendo exercido o direito de remição pelo colono-rendeiro, surge um direito a indemnização na esfera do senhorio. Tal matéria é regulada pelo art. 7º deste mesmo Decreto Regional:
'1. - Nos termos do artigo 3º do presente diploma, o senhorio tem direito à indemnização.
2. - O valor da indemnização, caso não se verifique acordo entre as partes, corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar.
3. - O valor dos ónus ou encargos que incidam sobre a terra remida, quando constituídos, será deduzido ao montante da indemnização a pagar pelo remitente'.
7. - As questões de constitucionalidade que constituem objecto do presente recurso referem-se ao nº 2 do art. 7º do Decreto Regional referido.
De facto, os recorrentes sustentaram no recurso de apelação que essa norma sofre do vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação da alínea q) do art. 167º da versão originária da Constituição de
1976, bem como do vício de inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 13º e 62º, nº 2, da Constituição.
8. - Como se viu, na pendência do recurso de apelação - já depois de apresentadas as alegações pelos recorrentes e recorridos mas antes de proferido o acórdão ora sob recurso - veio a ser publicada a Lei nº 62/91, de
13 de Agosto, que versa sobre a 'definição dos critérios de fixação da indemnização a atribuir aos senhorios pela remição da propriedade de terra pelos colonos'. Trata-se de uma lei da Assembleia da República, elaborada 'nos termos dos artigos 164º, alínea d), e 168º, nº 1, alínea l), da Constituição, sobre proposta da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira'.
Dispõe o art. 1º desta Lei nº 62/91, sob a epígrafe
'indemnização por remição do solo':
'1. - A efectivação da remição do direito à propriedade do solo pelo colono, prevista no artigo 3º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, confere ao senhorio direito a indemnização.
2. - O valor da indemnização a que se refere o número anterior, caso não se verifique acordo entre as partes, corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar.
3. - O valor dos ónus ou encargos que incidam sobre a terra remida, quando constituídos, é deduzido ao montante de indemnização a pagar pelo remitente'.
Verifica-se, assim, que os nºs 2 e 3 deste art. 1º da Lei nº 62/91 reproduzem, com despiciendas modificações, os nºs. 2 e 3 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M.
Esta lei entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação (art. 6º). Sobre a sua aplicação temporal, rege o art. 5º, sob a epígrafe 'processos pendentes':
'A presente lei é aplicável aos processos de remição de colonia que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor'.
Trata-se de uma lei de aplicação imediata a situações passadas, desde que estejam pendentes os processos judiciais a elas respeitantes.
Ora, a verdade é que a norma impugnada no presente recurso foi revogada pelo art. 1º da Lei nº 62/91, passando as indemnizações devidas pelas remições de colonia litigiosas, ainda não fixadas por decisão transitada em julgado, a reger-se por esta última norma constante de lei emanada da Assembleia da República.
9. - Face à revogação da norma aplicada pela decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade foi sustentada pela recorrente, pode perguntar-se se existirá ainda interesse processual no conhecimento do objecto deste recurso.
Afigura-se que se mantém este interesse processual. Só assim não seria, se o Tribunal da Relação pudesse revogar a decisão recorrida, na pendência do recurso de constitucionalidade e o viesse a fazer. Tal não sucede, porém, visto estar esgotado o poder juridicional da mesma Relação.
Dentro deste entendimento das coisas, passa a conhecer-se do objecto do recurso, não se determinando a remessa, a título devolutivo, ao tribunal a quo dos presentes autos.
10. - Começar-se-á pela questão de inconstitucionalidade orgânica que alegadamente afecta a norma aplicada na decisão recorrida, o nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, como, aliás, foi aceite pelo acórdão recorrido, embora sem que desse juízo se extraíssem quaisquer consequências.
Relativamente a esta matéria, os Acórdãos nºs 194/89 e 195/89 deste Tribunal concluiram no sentido de que aquela norma era organicamente inconstitucional, ainda quando não se perfilhasse a orientação que o Tribunal Constitucional firmara, maioritariamente, como sua jurisprudência, 'que a alínea c) do nº 1 do artigo 201º da Constituição reservava ao Governo, através de decretos-leis, o desenvolvimento das leis de bases da Assembleia da República, negando, assim, tal faculdade às assembleias regionais, mesmo em matérias de interesse específico das regiões, ainda quando tal incumbência fosse deferida à legislação regional pelo próprio Parlamento
(cf. Acórdãos nºs 326/86 e 190/87, publicados no Diário da República, 1ª Série, de 18 de Dezembro de 1986 e de 2 de Julho de 1987, respectivamente)'
(acrescente-se que a 2ª revisão constitucional conferiu nova redacção à alínea c) do nº 1 do art. 229º da Constituição, passando a admitir-se que as regiões autónomas tenham o poder de, de harmonia com o definido nos respectivos estatutos, 'desenvolver, em função do interesse específico das regiões, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da Republica, bem como as previstas nas alíneas f), g), n), v) e x) do nº 1 do artigo 168º' - cfr. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, policop., Lisboa, 1990, págs. 336-338; J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra,
1991, págs 901-902).
Tem-se por exacta a posição expressa nestes dois acórdãos, seguindo-se, por isso, aqui a respectiva fundamentação.
11. - Ao estabelecer a regulamentação da indemnização a pagar pelos colonos-rendeiros aos respectivos senhorios, em caso de remição da propriedade do solo, a legislação atinente há-de mover-se, 'de um ponto de vista material, no âmbito do artigo 62º, nº 2, ou no âmbito do artigo 82º [da Constituição]'. Se a competência para a elaboração da respectiva legislação coubesse à Assembleia da República, os correspondentes preceitos não podiam ser emitidos em 1977 pela Assembleia Regional da Madeira.
Se se sustentar que a questão deve ser resolvida no
âmbito do direito de propriedade, isto é, de harmonia com o disposto no art.
62º, nº 2, da Constituição, há-de ter-se por inevitável que a matéria em apreciação cairá 'dentro da previsão da alínea c) do artigo 167º da lei fundamental, na sua versão originária, que reserva ao Parlamento a competência para legislação sobre «direitos, liberdades e garantias», uma vez que o critério da 'justa indemnização, a que alude o art. 62º, nº 2, da Constituição, constitui um critério geral aplicável não só às expropriações por utilidade pública, como
às expropriações por utilidade particular' (sobre a expropriação por utilidade particular, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol II,
2ª ed. revista e actualizada, com a colaboração do Henrique Mesquita, Coimbra,
1984, pág. 106; Oliveira Ascensão, Direito Civil-Reais, 4ª ed., Coimbra, 1983, págs. 287 e segs.). A matéria da expropriação é um dos aspectos 'verdadeiramente significativos e determinantes da sua caracterização [do direito de propriedade] como garantia institucional '(formulação do Acórdão nº 404/87, publicado no Diário da República, II Série, nº 292, de 21 de Dezembro de 1997). Ora, tais aspectos hão-de cair na competência reservada relativa da Assembleia da República, visto o direito de propriedade privada ser um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (art. 17º da Constituição), partilhando com estes últimos, no seu núcleo essencial, o regime de competência orgânica do Parlamento na matéria (alínea c) do art. 167º da versão original da Constituição).
Se, em alternativa, for sustentado que a remição da colonia se deve qualificar como um caso de privação da propriedade dos meios de produção expressamente previsto em sede de constituição económica, no artigo
101º da versão primitiva da Constituição, a inconstitucionalidade orgânica impõe-se também. De facto, pode ler-se nos acórdãos que vimos referindo:
'[entendendo-se que] a questão deve ser resolvida, de um ponto de vista material, à luz do preceituado no artigo 82º da Constituição, onde se remete para a lei a determinação dos critérios de fixação de indemnizações, quando se verifique a nacionalização, a socialização ou outras formas de intervenção em meios de produção, então terá de se concluir que a norma em apreço se integra, de forma indiscutível, no âmbito de previsão da alínea q) do artigo 167º da lei fundamental, na sua primitiva redacção, que cobria inteiramente o conteúdo do referido artigo 82º, incluindo a parte referente aos critérios de fixação de indemnizações.
E nem se diga, em contrário, que, no caso vertente, se deveria considerar a matéria abrangida pela primitiva alínea r) do referido artigo 167º, atinente às bases da reforma agrária. É que, ainda assim, no que respeita aos referidos critérios da fixação de indemnizações, teria de se considerar aplicável a alínea q) do mesmo artigo (versão originária) que se apresentava como norma especial em relação à da mencionada alínea r): (...)'.
E nestes acórdãos punha-se em destaque que, ainda que o Tribunal viesse a alterar a referida jurisprudência sobre a reserva de competência a favor do Governo da República quanto ao desenvolvimento das leis de bases da Assembleia da República, através de decretos-leis, sempre se teria de concluir pela inconstitucionalidade orgânica do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, 'uma vez que a Assembleia da República não se podia limitar, em tal matéria, a aprovar uma base [no caso, o art. 55º, nº 1, da Lei nº 77/77] e a deferir o seu desenvolvimento para outro órgão legislativo.'
(veja-se também, sobre este ponto, o Acórdão nº 14/84 deste Tribunal, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2º vol., págs 352 e segs).
12. - Quer os recorrentes, quer a decisão recorrida aceitam a tese da inconstitucionalidade orgânica da norma aplicada naquela (o nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M). Os recorridos não partilham desse entendimento, mas não fundamentam o seu juízo sobre a legitimidade constitucional dessa norma, limitando-se a afirmar, nas suas alegações na apelação, que ainda que se verificasse tal inconstitucionalidade orgânica, não seria a mesma de ordem substancial, 'tendo a Assembleia Regional competência para aprovar proposta de lei à Assembleia da República para definição dos critérios de indemnização a atribuir aos colonos pela remição da terra, com o mesmo conteúdo desse mesmo artigo' (a fls. 65 dos autos)
Não estando em causa a aplicação pelo Tribunal da Relação de Lisboa do nº 2 do art. 1º da nova Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, há-de concluir-se que o acórdão em análise aplicou norma já revogada e afectada de inconstitucionalidade orgânica, não obstante o disposto nos arts. 207º e
277º, nº 1, da Constituição.
Impõe-se, por isso, julgar parcialmente procedente o recurso de constitucionalidade, por não poder subsistir a decisão da segunda instância que aplicou norma jurídica afectada de inconstitucionalidade orgânica.
Torna-se, por isso, inútil abordar agora a questão da eventual inconstitucionalidade material do preceito em causa, atendendo a que a mesma se acha já revogada e substituída por norma que é aplicável aos casos pendentes, em que não haja, portanto, decisão final transitada em julgado.
III
13. - Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional:
a) Julgar inconstitucional a norma constante do nº 2 do art. 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, por violação do disposto na alínea q) do art. 167º da versão originária da Constituição;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o ora decidido sobre a questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 28 de Janeiro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
António Vitorino
Maria da Assunção Esteves
José Manuel Cardoso da Costa