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Processo n.º 385/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. foi condenado por sentença proferida em 20 de maio de 2009 no Tribunal Judicial de Abrantes pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º n.º 1 do Código Penal, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de €3,50, no montante global de €157,50 correspondente a uma pena de prisão subsidiária pelo período de 30 dias, e a pagar, com juros de mora, à demandante B. a quantia de €150,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Inconformado, recorreu para a Relação de Évora a pedir a absolvição. Na motivação que apresentou invocou o seguinte:
[...] 40.ª O Tribunal a quo na interpretação normativa levada a cabo dos artigos 124º, 146.º e 340.º do CPP – “no entendimento segundo a qual, havendo contradição direta entre depoimento das várias testemunhas presentes em julgamentos é possível considerar provados os factos que integrem o ilícito criminal e condenar o arguido sem necessidade de produzir previamente prova por acareação dos depoimentos em contradição” – aplicou norma inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios constitucionais da culpa e da presunção de inocência do arguido e dos princípios do contraditório e in dubio pro reo consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º e 32.º, n.ºs 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
41.ª É materialmente inconstitucional a norma aplicada pelo Tribunal a quo contida nos artigos 6 artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal – que tipifica como crime a injúria – por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas consagrados nos arts. 1., 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29 e 30.º da Constituição da Republica Portuguesa.
42.ª O tribunal ad quem deve desaplicar as normas identificadas nas duas conclusões anteriores em sede de fiscalização concreta nos termos do art. 204.º da Constituição e 70.º n.º 1 al. b) da Lei do Tribunal Constitucional.
Por acórdão de 28 de setembro de 2010, a Relação de Évora negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida. Para esse efeito e na parte agora relevante, afirmou o aresto:
[...] 4- Inconstitucionalidades
Invoca finalmente o recorrente, no seu afã recursivo, duas pretensas inconstitucionalidades:
1 - O Tribunal a quo na interpretação normativa levada a cabo dos artigos 124.º, 146.º e 340.º do CPP – “no entendimento segundo a qual, havendo contradição direta entre depoimento das várias testemunhas presentes em julgamentos é possível considerar provados os factos que integrem o ilícito criminal e condenar o arguido sem necessidade de produzir previamente prova por acareação dos depoimentos em contradição” – aplicou norma inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios constitucionais da culpa e da presunção de inocência do arguido e dos princípios do contraditório e in dubio pro reo consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º e 32.º, n.ºs 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
2- De tipificação como crime de bagatelas como a injúria, prevista e punida pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, afronta ainda o princípio da necessidade das penas constitucionalmente consagrado. E materialmente inconstitucional a norma aplicada pelo Tribunal a quo contida no artigo 181 .º, n.º 1 do Código Penal – que tipifica como crime a injúria – por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas consagrados nos arts. 1. º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29 e 30.º da Constituição da Republica Portuguesa.
Quanto à primeira cumpre dizer, simplesmente, que não se deteta que o Tribunal a quo tenha efetuado qualquer interpretação tal qual a pretendida pelo recorrente relativa à matéria da acareação.
O que se verifica nos autos é que o arguido durante a audiência – certamente por que na altura entendeu desnecessária tal diligência – não requereu qualquer acareação, surgindo-nos agora a colocar pela primeira vez em sede de recurso uma questão que jamais suscitou perante o Tribunal a quo e estribado para mais em pretensa interpretação daquele Tribunal que não vislumbramos expressa em nenhum momento no processo.
Quanto à segunda, para além da invocação genérica, manifestamente conclusiva e não fundamentada da pretensa violação dos princípios da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas, limita-se o recorrente a afirmar que a tipificação do crime de injúria afronta o princípio da necessidade das penas, já que se tratará de bagatela penal.
Trata-se de matéria cuja ponderação compete ao legislador, podendo naturalmente o arguido suscitar a questão em sede própria aquando de uma das muitas revisões futuras da lei, não vislumbrando este Tribunal em que radica a pretensa afronta ao princípio da necessidade das penas; sendo certo, no entanto, que uma tal crítica (bagatela penal) teria seguramente outra força e credibilidade se proviesse da boca de uma vítima.
Improcede, por conseguinte, na totalidade o recurso interposto pelo arguido.
2. A. recorreu então para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[...] Recorrente nos autos supra identificados, notificado do acórdão de 28 de setembro de 2010, a fls..., que negou provimento ao recurso, com ele não se podendo conformar, vem, nos termos do artigo 280º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa e do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional), interpor recurso do citado acórdão para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O recurso para o Tribunal Constitucional é interposto com fundamento na inconstitucionalidade da norma contida:
a) nos artigos 124º, 146.º e 340.º do Código de Processo Penal (CPP) na interpretação normativa efetuada pelo Tribunal a quo — “no entendimento segundo a qual, havendo contradição direta entre depoimento das várias testemunhas presentes em julgamentos é possível considerar provados os factos que integrem o ilícito criminal e condenar o arguido sem necessidade de produzir previamente prova por acareação dos depoimentos em contradição” – por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios constitucionais da culpa e da presunção de inocência do arguido e dos princípios do contraditório e in dubio pro reo consagrados nos artigos 1º, 2º, 20.º e 32.º, n.ºs 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa;
b) no artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal – que tipifica como crime a injúria simples – por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas consagrados nos arts. 1º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29.º e 30.º da Constituição da Republica Portuguesa;
c) nos artigos 412º, n.º 3 e 428.º do CPP na interpretação normativa efetuada pelo Tribunal a quo – no entendimento segundo a qual, “a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra força probatória plena de certos meios de prova), quando não assentem na prova produzida ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum” – por violação da garantia de recurso e de duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
2. A Recorrente invocou a inconstitucionalidade das normas a que se alude nas als. a) e b) do número anterior de modo “funcionalmente adequado” perante o Tribunal a quo nas alegações do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa no Capitulo IV das alegações de recurso, intitulado “Da aplicação de normas inconstitucionais”, números 33 a 40, e na 40.ª, 41.ª e 42.ª conclusão do recurso jurisdicional a fls. ... nos autos.
3. A Recorrente não invocou antes a inconstitucionalidade da norma a que se alude na al. c) do número 1 do presente requerimento porque tal norma apenas pelo tribunal de recurso poderia, em abstrato ou em concreto, ser aplicada – trata-se da norma contida nos artigos 412º, n.º 3 e 428.º do CPP que regula o processo de recurso nas relações e os poderes de conhecimento do tribunal de recurso – e do acórdão recorrido não cabe recurso ordinário nos termos do artigo 400º, n.º 1, al. e) do CPP (cfr. acórdão recorrido a fls..., pp. 19 e 20).
4. O recurso sobe imediatamente nos próprios autos, devendo ao mesmo ser atribuído efeito suspensivo (cfr. arts. 406º, n.º 1, 407º, n.º 2, al. a) e 408º, n.º 1 al. a) do CPP e art. 78.º, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).
Após várias vicissitudes processuais, o recurso foi admitido por despacho proferido na Relação de Évora em 3 de maio de 2011; no Tribunal Constitucional, o seu objeto foi fixado pelo Acórdão n.º 453/11 (publicado no site do Tribunal), ficando reduzido à questão da inconstitucionalidade do artigo 181º n.º 1 do Código Penal, norma que tipifica como crime a injúria simples. O recorrente alegou e concluiu:
1.ª A injúria, a difamação e a calúnia devem restringir-se à criminalização de factos graves que realmente possam afetar socialmente a dignidade, a reputação e a honra e quando tal proteção seja indispensável para a ordenação da vida em sociedade.
2.ª O artigo 181º, n.º 1 do Código Penal determina que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias” independentemente da circunstância da ofensa ser praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação perante a sociedade.
3.ª Os princípios da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas excluem da respetiva criminalização as ofensas morais ocultas, tartamudeadas sem consequências palpáveis e sem a necessária publicidade perante um meio social envolvente.
4.ª A norma que se retira do artigo 181º, n.º 1 do Código Penal e que tipifica como crime a injúria uma infração desprovida de publicidade perante o meio social é, assim, materialmente inconstitucional por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas consagrados nos arts. 1., 2º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29 e 30.º da Constituição da Republica Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser considerado procedente, com as devidas consequências legais.
Contra-alegou unicamente o representante do Ministério Público neste Tribunal, concluindo:
1º – O legislador infraconstitucional goza de uma ampla margem de discricionariedade legislativa na formulação das opções consistentes em tipificar criminalmente determinados comportamentos.
2º – O recurso a meios penais para defesa do bem jurídico da honra e consideração, não traduz solução legislativa manifestamente arbitrária ou excessiva.
3º – Assim, a norma do nº 1 do artigo 181.º do Código Penal que estabelece que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas de sua honra ou consideração é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias”, não viola o princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional.
4º – Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.
O primitivo relator deixou entretanto de integrar o Tribunal e o processo foi redistribuído. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
3. Constitui objeto do recurso a questão da inconstitucionalidade da norma n.º 1 do artigo 181º do Código Penal 'que tipifica como crime a injúria simples', por violação dos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29.º e 30.º da Constituição.
Alega o recorrente que a norma impugnada prevê o tipo penal 'independentemente da circunstância da ofensa ser praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação perante a sociedade', mas que os princípios da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas proíbem a criminalização de 'ofensas morais ocultas, tartamudeadas sem consequências palpáveis e sem a necessária publicidade perante um meio social envolvente'. Por essa razão, a norma impugnada, que tipifica como crime 'uma infração desprovida de publicidade perante o meio social', seria materialmente inconstitucional por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas 'consagrados nos artigos 1º, 2º, 18º n.º 2, 27º, 29º e 30.º da Constituição'.
Compete, todavia, relembrar que a norma agora em análise no presente recurso é aquela que corresponde ao teor literal do preceito que consta no n.º 1 do artigo 181º do Código Penal, pois outra não foi enunciada pelo recorrente, no momento oportuno, como objeto do recurso. Similarmente, a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente na Relação de Évora também não incluiu as circunstâncias relativas a 'ofensas morais ocultas, tartamudeadas sem consequências palpáveis e sem a necessária publicidade perante um meio social envolvente', que o recorrente agora invoca, sem qualquer utilidade prática, na sua alegação.
A norma que constitui o objeto do recurso é, portanto, a que prevê que 'quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas de sua honra ou consideração é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias', e que é – alegadamente – inconstitucional por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas.
4. Ora, sobre o princípio da proporcionalidade no caso da necessidade de tutela penal, o Tribunal tem radicado a sua jurisprudência no reconhecimento de que ao legislador é conferida uma ampla liberdade na individualização dos bens jurídicos carecidos de tutela penal e na decisão de quais os comportamentos lesivos de direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais.
Diz-se, a tal respeito, no Acórdão nº 604/99:
“Como se observou noutro aresto já mencionado, o nº 1142/96, “se é sabido que o direito penal de um Estado de Direito visa a proteção de bens jurídicos essenciais ao viver comunitário, só estes assumindo dignidade penal, o certo é que a Constituição não contém qualquer proibição de criminalização, e, observados que sejam certos princípios, como sejam o princípio da justiça, o princípio da humanidade e o princípio da proporcionalidade [...] «o legislador goza de ampla liberdade na individualização dos bens jurídicos carecidos de tutela penal (e, assim, na decisão de quais os comportamentos lesivos de direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais)», (na linguagem do acórdão nº 83/95, publicado no Diário da República, II Série, nº 137, de 16 de junho de 1995, que seguiu na linha dos acórdãos nºs. 634/93 e 650/93, publicados no Diário da República, II Série, Suplemento, nº 76, de 31 de março de 1994).
«É evidente – lê-se no citado acórdão nº 634/83 – que o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva»”.
O Tribunal tem, com efeito, reconhecido que a Constituição acolhe, designadamente no seu artigo 18º n.º 2, os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de segurança; mas faz notar que não cabe ao Tribunal, salvo casos de manifesta desproporcionalidade, substituir-se ao legislador, invadindo o espaço que lhe é próprio na determinação das opções de política legislativa sobre a necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos.
Com efeito, o Tribunal tem reservado a sua intervenção, nesta área, aos casos em que o legislador ultrapassou o limite da sua liberdade ao editar normas criminalizadoras que se mostravam manifestamente excessivas e, portanto, violadoras do já referido princípio da proporcionalidade. Fê-lo, por exemplo, quando julgou inconstitucional a norma do artigo 132º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38.252 de 20 de novembro (Acórdão nº 527/95, in DR, Iª série-A de 10 de novembro de 1995). Fê-lo também quando, em diversas alturas, foi chamado a pronunciar-se sobre normas do anterior Código de Justiça Militar que fixavam penas para determinados crimes essencialmente militares (v.g., Acórdão n.º 392/99, in DR, II série, de 9 de novembro de 1999).
5. Acontece que, no caso em presença, não ocorre uma situação que, patente e seguramente, não careça de tutela penal, quer porque os interesses que a norma visa defender não reclamam defesa de um ponto de vista da consciência ético-social vigente, quer porque, a reclamarem tutela, ela seria facilmente obtida por recurso a sancionamento diverso do estabelecimento de sanções de natureza criminal ou por recurso a controlos por meios não penais.
Com efeito, o bem jurídico protegido no crime de injúria, qualquer que seja a modalidade da ação típica concretamente considerada, é a honra. Pode dizer-se que a honra deverá ser hoje entendida, enquanto objeto de tutela penal, como uma decorrência direta da dignidade da pessoa humana (artigo 1° da Constituição) e, nessa medida, como um conceito normativo cuja concretização não dispensa a convocação de uma dimensão fáctica ou existencial do homem enquanto ser social, enquanto pessoa empenhada na realização dos seus planos de vida e ideais de excelência, o que tem correspondência constitucional no n.º 1 do artigo 26º da Constituição. É este bem jurídico, necessariamente complexo – como o interesse da estima que cada um tem por si próprio, e simultaneamente, como valor de não desconsideração social –, que a norma protege através dos tipos legais das injurias e da difamação (Prof. Beleza dos Santos, 'Algumas considerações jurídicas sobre os crimes de difamação e de injuria', RLJ, ano 92, pg. 165 e ss., e Prof. Costa Andrade, 'Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal', Coimbra Ed., 1996, p. 86). Em sentido próximo, diz José de Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 601 e 602):
“§ 1 – O art. 180.º abre o Cap. VI (Dos crimes contra a honra), do Tít. I (Dos crimes contra as pessoas), do Liv. II do CP, mas todo aquele capítulo trata exaustivamente a problemática da defesa do bem jurídico da honra e consideração. Ao conceder toda uma específica área incriminadora à proteção do bem jurídico da honra bem andou o legislador, não só porque, dessa maneira, concede a proteção penal que a Lei Fundamental já indiciava (art. 26.º da CRP), como também, em perfeita e legítima autonomia de valoração e intencionalidade jurídico-penal, assume a importância da proteção penal daquele preciso bem jurídico. Desta sorte, independentemente de outras considerações, o legislador – no seguimento, aliás, de uma ininterrupta linha de valoração (CP de 1852 e suas sucessivas alterações; CP de 1982, revisão de 1995 e revisão de 1998) – quis, de jeito inequívoco e para que não restassem dúvidas, reafirmar a dignidade penal do valor da honra e da consideração pessoal.”
É certo que, conforme se pode ler no respetivo preâmbulo, o Código Penal se assume deliberadamente como ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado, optando conscientemente pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de vida que não apresentam suficiente potencialidade ofensiva para, perante o princípio da intervenção mínima, conduzirem a aplicação de penas.
Todavia, tendo em atenção a ampla liberdade de conformação de que goza o legislador ordinário na definição de crimes, parece evidente que ao editar aquela norma o legislador não ultrapassou os limites impostos pelo principio da proporcionalidade especialmente previsto no artigo 18º n.º 2 da Constituição, ou em qualquer outro.
Efetivamente, haverá que concluir que o recurso a meios penais para proteção de bens jurídicos com a dignidade da honra pessoal constitui uma tradição do nosso ordenamento jurídico-penal que, não se traduzindo numa solução legislativa manifestamente arbitrária ou excessiva, não ofende qualquer princípio constitucional.
Improcede, nestes termos, o recurso.
III. Decisão
6. Em consequência, o Tribunal decide julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida quanto à questão de inconstitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 7 de março de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.