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Procº nº 189/92.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. Os Sindicatos A. e B., C. e D., impugnaram perante a
1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 'o acto produzido pelo Governo e vertido na alínea c) do nº 1 do art. 4º, n. 4 do mesmo artigo e demais disposições conexas, todas do Decreto-lei 137/85, de 3 de Maio'.
O recurso foi, porém, rejeitado por acórdão proferido naquela 1ª Secção, baseando-se, para tanto, na circunstância de o acto questionado não ser susceptível de impugnação contenciosa, visto que, sendo ele consequência do acto de extinção da E. operada por aquele diploma - acto este determinante da caducidade dos contratos de trabalho e de que seria possível recorrer, mas que o não foi, tendo-se, por isso, firmado na ordem jurídica - não assumiu natureza inovatória, pois que o que dele ficou a constar proveio do aludido acto de extinção, aquele que, verdadeiramente, lesou os interesses dos recorrentes, ora reclamantes - e que, consequentemente, deveria ter sido o impugnado.
2. Não se conformando com um tal julgamento, interpuseram os reclamantes recurso para o Pleno do citado Supremo Tribunal, concluindo a alegação que então produziram invocando, de entre o mais:
(1)- que a 'determinação' constante 'da alínea c) do nº
1 do artº 4º' do D.L. nº 137/85 foi feita 'sem precedência de autorização legislativa', sendo que em tal matéria não podia o Governo, sem credencial parlamentar, emitir legislação;
(2)- da factualidade constante do D.L. nº 137/85 é de concluir que não ocorreu uma impossibilidade absoluta de manutenção dos contratos de trabalho, pois que a caducidade dos contratos de trabalho nunca esteve ligada à extinção jurídica da empresa, mas sim ao seu encerramento material, conforme defluía do ao tempo vigente Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho;
(3)- ao caso era aplicável, por interpretação extensiva, o nº 3 do artº 29º do D.L. nº 372-A/75;
(4)- decorrendo a caducidade dos contratos de trabalho do encerramento da E. e não da sua extinção jurídica, caberia à respectiva comissão liquidatária promover o despedimento colectivo;
(5)- assim sendo, não foi a extinção da E. que acarretou a caducidade dos contratos de trabalho, mas sim o acto consubstanciado na alínea c) do nº 1 e no nº 4 do artº 4º do D.L. nº 137/85, motivo pelo qual é este que deve ser considerado como lesivo dos interesses dos recorrentes;
(6)- decidindo da forma como o fez, o acórdão impugnado
'violou os arts. 168º, 1, b) 53º, 17º e 18º, 1, todos da C.R.P.; e fez errada interpretação dos arts. 29º, 3, e 8º, 1, b), ambos do Dec.Lei 327-A/75'.
Por acórdão lavrado em 7 de Novembro de 1991, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, estribando-se na seguinte fundamentação:
a) - em perfeita conformidade com o regime estatuído nos artigos 37º e seguintes do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, o Governo, no exercício dos seus direitos como criador e titular de uma empresa pública como a E., determinou a sua extinção, não tendo, com a edição do D.L. nº 138/85, violado a alínea b) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, por isso que não legislou sobre direitos, liberdades e garantias;
b) - a extinção da E. foi decidida, não para efeitos de reorganização, mas sim para pôr termo à sua actividade, entrando imediatamente em liquidação;
c) - o acto de extinção implicou a cessação de todas as actividades estatutárias da empresa e, logo, da prestação, pela E., de quaisquer serviços ou actividades;
d) - daí que esta cessação causasse a extinção, por caducidade, de todos os contratos de trabalho, conforme o comando ínsito na alínea b) do artº 4º (na redacção do Decreto-Lei nº 84/ /76, de 28 de Janeiro) e no nº 1 do artº 8º, um e outro do D.L. nº 372-A/75;
e) - no caso dos autos, os trabalhadores da E., dada a extinção desta empresa, que cessou a sua actividade a partir da data da prolação do acto extintivo, ficaram impossibilitados de exercer o trabalho objecto dos respectivos contratos de trabalho, ficando ela impossibilitada de o receber, excepção feita aos trabalhadores embarcados, atenta a sua específica tarefa, só terminada no porto nacional ou de destino;
f) - há, por isso, que concluir que a cessação dos contratos de trabalho que vinculavam os trabalhadores à E. foi uma consequência necessária da extinção dessa empresa pelo acto do Governo, que se fixou na ordem jurídica;
g) - não releva para essa conclusão a circunstância de a E. ter mantido a sua personalidade jurídica para efeitos de liquidação, necessitando, para isso, de pessoal ao seu serviço, já que essa actividade de liquidação, que cabe à comissão liquidatária, é estranha e inteiramente distinta daquela que era prosseguida anteriormente à extinção, sendo esta última a que estava incluída no âmbito dos contratos de trabalho antecedentemente realizados;
h) - implicando a cessação da actividade e a eliminação de todos os órgãos sociais da E. o seu encerramento definitivo, a partir do qual se irá operar a sua liquidação por intermédio de uma comissão liquidatária, que outros poderes não tem senão os proceder a essa liquidação, não poderia tal comissão promover o despedimento colectivo, e isso, por um lado, porque o despedimento colectivo pressupõe a subsistência de contratos de trabalho, o que, no caso, já não ocorria e, por outro, porque não se postava aqui uma hipótese de aplicação analógica do nº 3 do artº 29º do D.L. nº 372-A/75, visto que não existe identidade de situações entre a extinção em causa e a declaração judicial de falência ou insolvência da entidade patronal, além de que é pressuposto da aplicação deste preceito que o estabelecimento, não sendo encerrado, continue a desenvolver a sua actividade própria, o que justifica a subsistência dos contratos de trabalho, circunstância que não aconteceu com a E.;
i) - a alínea c) do nº 1 e o nº 4, ambos do artº 4º do D.L. nº 137/85, nada estatuíram 'de novo em matéria de cessação do contrato individual de trabalho, tendo-se limitado a fazer aplicação do respectivo regime legal em execução do acto integrado no art. 1º do mesmo diploma que, contendo já em si o conteúdo dos actos impugnados, foi o que efectivamente lesou os interesses dos recorrentes que, todavia, o não impugnaram'.
3. Deste acórdão pretenderam os ora reclamantes interpôr recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo que tal aresto 'violou os artºs
168 1. b), 53º, 17º e 18º da C.R.P.' e que eles 'mantêm o entendimento de que enferma de inconstitucionalidade quanto consta da alínea c) do nº 1 do artº 4º do dec. lei 137/85, de 3 de Maio, questão que suscitaram na petição de recurso e sempre mantiveram, designadamente nas suas alegações, produzidas perante o pleno de Secção'.
O Relator do Supremo Tribunal Administrativo, em 12 de Janeiro de 1992, proferiu despacho do seguinte teor:
'Pelo requerimento de fls. 184, o Sindicato A., e outros, interpõem recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão de fls. 175 e segs.
Convidado, nos termos dos nºs 1 e 5 do artº 75º-A da mesma Lei
(redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), a indicar a norma cuja inconstitucionalidade, suscitada no processo, se pretende ver apreciada por aquele Tribunal, os recorrentes apontaram como tal, no requerimento de fls. 169, a alínea c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-lei nº 137/85, de 3 de Maio.
Ora objecto do recurso contencioso foi precisamente, na expressão dos recorrentes, o 'acto produzido pelo Governo e vertido na al. c) do nº 1 do artº
4º' daquele diploma legal, desse recurso tendo conhecido o acórdão da Secção de fls. 114 e segs., que o rejeitou por aquele não ser acto susceptível de impugnação contenciosa, visto que, sendo consequência do acto de extinção da C T M, contido no artº 1º do mesmo diploma e determinante da caducidade dos contratos de trabalho - esse, sim, recorrível mas que não se impugnou e se firmou na ordem jurídica - não assumiu natureza inovatória, pois o que dele ficou a constar provinha precisamente desse acto de extinção da empresa, que foi o que verdadeiramente lesou os interesses dos recorrentes e que por eles devia ter sido impugnado.
Por um lado, aquele acórdão da Secção foi o objecto do de fls. 175 e segs, de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, no qual se confirmou o decidido quanto à irrecorribilidade do acto contenciosamente impugnado.
Nestas circunstâncias, é apodítico que a alínea c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-lei nº 137/85, consubstanciando um acto administrativo que no entendimento dos recorrentes é susceptível de recurso contencioso, não pode ser simultaneamente 'norma' arguida de inconstitucionalidade de que o acórdão recorrido tenha feito aplicação.
Não ocorreu, pois, o invocado fundamento do recurso para o Tribunal Constitucional especificado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e pelos recorrentes invocado.
Pelo exposto, não admito o recurso interposto pelo requerimento de fls. 184, conforme o preceituado no artº 76º, nºs 1 e 2, daquela Lei.
....................................'
4. Inconformados com o transcrito despacho, dele reclamaram os impugnantes para este Tribunal, tendo a conferência, no S.T.A., mantido o despacho reclamado, atentas as razões dele constantes.
5. Tendo tido vista dos autos, o Ex.mo Representante do Ministério Público opinou no sentido de ser deferida a presente reclamação.
II
1. Adiante-se, desde já, que se tem por correcto o posicionamento do Ex.mo Representante do Ministério Público consubstanciado no entendimento que deve o Tribunal deferir esta reclamação.
1.1. Na verdade, não se levantam dúvidas de maior em como os agora reclamantes, na alegação que formularam aquando do recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, questionaram a constitucionalidade - desde logo do ponto de vista orgânico - do que se contém na alínea c) do nº 1 do artº 4º do D.L. nº 137/85 [cfr. supra, I, 2, (1)].
Significativo, neste particular, é o passo da referida alegação e que se encontra acima sintetizado em 2 (1) e (5), conquanto se reconheça que, a final, naquela mesma alegação os então recorrentes assacaram ao aresto que pretenderam impugnar a violação de preceitos ínsitos na Constituição da República [cfr. o que antecedentemente é transcrito em 2 (6)].
Significa isto, em consequência, que foi pelos ora reclamantes questionada a constitucionalidade do que se encontra consignado na citada alínea c) do nº 1 do artº 4º do D.L. nº 137/ /85, e isso antes da prolação do Acórdão lavrado em 7 de Novembro de 1991.
1.2. A questão que se levanta reside, pois, em saber, atento o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, se se trata de norma, para efeitos de fiscalização de constitucionalidade, o que se contém na dita alínea.
É que, como deflui do relato já efectuado, foi pela circunstância de no Supremo Tribunal Administrativo se ter entendido que a
«determinação» constante naquela alínea não poder ser perspectivada como um acto normativo, mas sim como um mero acto administrativo consequência do 'acto integrado no art. 1º' do D.L. nº 137/85, que não foi admitido o recurso para este Tribunal.
2. Tem este órgão de administração de justiça constitucional, de há muito e, aliás, na sequência de postura já anteriormente assumida pela Comissão Constitucional, entendido que o conceito de norma, para efeitos de fiscalização de constitucionalidade, deve ser visto de um ponto de vista funcionalmente adequado a tal sistema de fiscalização tendo em conta o que se encontra, quanto a ele, instituído na Lei Básica, e não de uma óptica material que, apriorística e doutrinariamente, defina o que se deva entender por
«norma» (cfr. entre outros, os Pareceres da Comissão Constitucional números
3/78, 6/78 e 13/82, publicados nos Pareceres..., 4º e 19º volumes, respectivamente de pags. 221 a 271 e 303 a 319 e 149 a 179, e os Acórdãos deste Tribunal nº 26/85, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º Volume,
1985, pags. 7 a 70, 150/86, no Diário da República, 2ª Série, de 26-JUL-86,
157/88, no Diário da República, 1ª Série, de 29-JUL-88, e 63/91, no Diário da República, 2ª Série, de 3-JUL91).
2.1. Esse conceito funcional, como se refere nos mencionados pareceres e arestos, há-de abarcar os actos do poder normativo público, muito especialmente os decorrentes do poder legislativo, que contêm
«regras de conduta» ou critérios decisórios vinculantes dos particulares, da Administração e dos tribunais.
Daí que, ainda que tais actos possuam eficácia consuntiva, contenham estatuições individuais e concretas ou mais não representem do que uma mera repetição do que já se continha em anteriores regras legais aplicáveis e, por essa circunstância, se apresentem como desnecessários, não possam, face ao delineado conceito, escapar ao controlo de constitucionalidade (controlo esse que, perante o mesmo conceito, não se poderá aplicar a outros actos do poder público tais como os actos políticos sticto sensu e os actos da Administração sem carácter normativo - que, verdadeiramente, são actos aplicativos, de execução ou de utilização de normas pré-existentes, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais - e as decisões judiciais).
Disse-se no já referido Acórdão nº 26/85, a dado passo e justamente a propósito de preceitos legais de índole individual e concreta com eficácia normativa:
'...poderia ser-se tentado a objectar - ... - com a consideração de que, incorporando os preceitos legais com as características referidas (...) um acto administrativo em sentido material, podem eles ser contenciosa- mente impugnados perante o tribunal administrativo competente. Admitir também o controlo - ... - da sua constitucionalidade, representaria, pois, uma duplicação, e conduziria a um conflito positivo de competência (ou de jurisdição) entre o Tribunal Constitucional e os tribunais administrativos.
O argumento já foi considerado pela Comissão Constitucional, designadamente no citado parecer nº 13/82, e por ela rebatido. Mas o facto é que se põe hoje com maior acuidade, uma vez que, após a revisão constitucional de
1982, a garantia do recurso contencioso consignado no artigo 268º, nº 3, da Lei Fundamental passou a abranger, expressis verbis, 'quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, independentemente da sua forma': na verdade, o propósito do legislador da revisão, com esta explicitação, foi justamente o de inverter a orientação antes prevalecente na doutrina, e acolhida sem discrepância na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual escapavam ao controlo contencioso os actos administrativos sob a forma de lei.
Todavia, nem mesmo agora a objecção procede.
O facto é que, como a referida Comissão já salientara, o controlo da constitucionalidade e o controlo da legalidade (...) 'se situarão em planos distintos' e não têm por que excluir-se mutuamente.
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Mas ainda pondo em confronto, relativa- mente a preceitos legais incorporando um acto administrativo em sentido material, o alcance do controlo contencioso da legalidade e o controlo concreto da constitucionalidade, ainda então se verifica a assinalada diferença de planos, a impedir que se possa falar duma fiscalização 'duplicada' e se gere qualquer conflito positivo de competência. É que - e o ponto é decisivo - a fiscalização concreta da constitucionalidade opera em sobreposição ao exercício comum da actividade judicial: é um 'plus' que se enxerta nessa actividade, sejam quais forem os tribunais que a exerçam, visando reservar ao Tribunal Constitucional, em determinados termos e circunstâncias, a última palavra relativamente a outras decisões judiciais que se pronunciem sobre a conformidade ou desconformidade constitucional de normas jurídicas. De maneira que, onde se esteja perante um preceito legal do tipo acima referido, a decisão do tribunal administrativo competente que verse sobre a 'legalidade' (scil, sobre a constitucionalidade) do acto nele contido não é, ou pode não ser, a última decisão sobre a questão: porque ela contém simultânea e justamente um juízo sobre a 'constitucionalidade' da respectiva norma, da mesma caberá recurso para o Tribunal Constitucional, verificados que sejam os pressupostos processuais pertinentes enunciados no artigo 280º da Constituição e nos preceitos aplicáveis da Lei nº 28/82.
Não se invoque, pois, a garantia do artigo 268º, nº 3, da Constituição para excluir do específico sistema de fiscalização da constitucionalidade os preceitos legais de conteúdo individual e concreto, com eficácia consuntiva. Fazê-lo seria confundir as coisas. Com a explicitação introduzida naquele preceito pela revisão constitucional de 1982, pretendeu-se alargar e intensificar a garantia contenciosa dos particulares contra actos ilegítimos do poder público; mas não se quis certamente pôr em causa, ou restringir, em todas as suas virtualidades, do esquema de defesa da constitucionalidade das normas jurídicas delineado pela Constituição'.
3. Pois bem.
Foi já alcançado que na decisão de que se pretendeu recorrer se aceitou que a situação sujeita à apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo foi (ou foi também) determinada pelo acto consubstanciado na alínea c) do nº 1 do artº 4º do D.L. nº 137/85;
A estatuição constante desse acto, ainda que haja de ser perspectivada como um comando ínsito num acto administrativo individual e concreto e decorrente como um desenvolvimento lógico daqueloutra contida no artº
1º do mesmo diploma, não deixa, contudo, de constituir um acto normativo proveniente do poder público que, de uma banda, contém critérios de decisão e vinculação para os particulares, para a Administração e para os tribunais e, de outra, opera por si mesma (i.e., determina a forma de extinção dos contratos de trabalho que vinculavam os trabalhadores à E, independentemente da compatibilidade ou incompatibilidade do dito artº 1º com a Lei Fundamental);
A não conformidade constitucional daquela estatuição foi suscitada pelos ora reclamantes, pelo menos antes de ser produzido o aresto que pretenderam impugnar perante este Tribunal.
Todo este circunstancionalismo aponta, pois, para, in casu, estarem reunidos os pressupostos processuais cabidos à fiscalização concreta da constitucionalidade do comando em questão que, uma vez mais se diz, preenche, para aquele fim, um conceito funcional de «norma».
III
Perante o exposto, defere-se a presente reclamação.
Lisboa, 27 de Janeiro de 1993
Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Mário de Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
1. O artigo 4º., nº. 1, alínea c), do Decreto-Lei nº. 137/85, de 3 de Maio, dispõe que a extinção da E. - determinada no artigo 1º. do mesmo diploma - implica 'a extinção, por caducidade imediata, de todos os contratos de trabalho em que seja parte a E. [...]'.
Considerando que essa disposição encerra um acto administrativo, o Sindicato A., o Sindicato B., C. e D. impugnaram junto da 1ª. Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA) o referido acto. Mas o recurso foi rejeitado por o acto não ser susceptível de impugnação contenciosa, 'uma vez que, sendo consequência do acto de extinção da E., determinante da caducidade dos contratos de trabalho - esse, sim, recorrível, mas que não se impugnou e por isso se firmou na ordem jurídica -, não assumiu natureza inovatória'. E o acórdão da secção que assim decidiu veio a ser confirmado por acórdão do pleno da mesma secção.
Os recorrentes interpuseram recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, com fundamento no artigo 70º., nº. 1, alínea b), da Lei nº.
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciado no recurso precisamente o artigo 4º., nº. 1, alínea c), do Decreto-Lei nº. 137/85. O recurso não foi, porém, admitido, por se não verificar o fundamento invocado.
Daí a presente reclamação.
2. Escreveu-se no despacho reclamado:
Nestas circunstâncias, é apodíctico que a alínea c) do nº. 1 do artigo 4º. do Decreto-Lei nº. 137/85, consubstanciando um acto administrativo que no entendimento dos recorrentes é susceptível de recurso contencioso, não pode ser simultaneamente 'norma' arguida de inconstitucionalidade de que o acórdão recorrido tenha feito aplicação.
Como tenho sustentado desde o Acórdão deste Tribunal nº. 26/85, de 15 de Fevereiro (no Diário da República, II série, de 26 de Abril de 1985, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º. volume, págs.
7), a circunstância de o acto administrativo revestir a forma de lei não impede a sua impugnação junto dos tribunais do contencioso administrativo. Ora, não faz sentido que um acto administrativo constante de lei seja ao mesmo tempo objecto de recurso contencioso (como acto) e de recurso de constitucionalidade
(como norma).
Isto bastaria para tornar inadmissível o recurso que os recorrentes pretendiam interpor para o Tribunal Constitucional.
Mas há mais.
Por um lado, o STA limitou-se a rejeitar o recurso, não podendo dizer-se em rigor que a sua decisão tenha aplicado o artigo 4º., nº. 1, alínea c), do referido diploma.
Por outro lado, os recorrentes, na alegação do recurso que interpuseram para o pleno da 1ª Secção do STA, embora tenham dito que 'a determinação contida na alínea c) do nº. 1 do artigo 4º. do Decreto-Lei nº. 137/85 foi emitida pelo Governo, conforme se lê no próprio diploma, meramente 'nos termos da alínea a) do nº. 1 do artigo 201º. da Constituição', sem precedência de autorização legislativa, nem o Governo legislador pode dispor nessa matéria (artigos 168º., nº. 1, alínea b), 53º., 17º., e 18º. da C.R.P.)', acabaram por imputar a inconstitucionalidade ao acórdão da secção, ao concluir que 'decidindo como o fez, o douto acórdão recorrido violou os artigos
168º., nº. 1, alínea b), 53º., 17º., e 18º., nº. 1, todos da CRP'.
3. A reclamação devia, pois, ter sido indeferida.
José Manuel Cardoso da Costa