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Processo nº 422/91
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A., na sua qualidade de assistente constituído, deduziu acusação particular contra B., C. e D., todos identificados nos autos, por co-autoria de três crimes previstos e punidos nos artigos 164º, nº 1, 167º, nº 2, 178º, nº 1, e 179º, nº 1, alínea d), do Código Penal e 25º e 26º do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro - conhecido por Lei de Imprensa - por motivo da publicação, no jornal 'E.' de ---- de ----------- de 1989, de textos com os títulos 'F. volta ao caso A. mas não avança novos dados' e
'Juristas recusam processar F.'.
O Ministério Público não o acompanhou, limitando-se a acusar os dois primeiros por outros factos.
Por sua vez, o magistrado judicial competente do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em despacho de 22 de Março de 1991, além de ter recebido a acusação pública, considerou duas questões prévias: pronunciando-se sobre a tempestividade da acusação particular - problema levantado nos autos por inobservância da redução a metade dos prazos previstos no Código de Processo Penal, determinada pelo artigo 52º da Lei de Imprensa, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 377/88, de 24 de Outubro - considerou não dever ao assistente ser retirado o prazo mais alargado que, por lapso dos serviços, lhe fora comunicado; no entanto, uma vez que não foi exercido direito de queixa contra G., um dos comparticipantes do eventual crime de abuso de liberdade de imprensa, tal significa, tendo em conta o disposto no artigo 114º, nº 3, do Código Penal, que o não exercício tempestivo desse direito aproveita a D., 'na medida em que ele também não pode ser perseguido sem queixa'.
Por fim, e pronunciando-se de fundo, não recebeu a acusação particular relativamente aos demais arguidos por inexistir, nos escritos referidos, matéria difamatória ou injuriosa contra a honra do assistente.
2.- Da decisão, A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, contrariando na respectiva motivação a mesma quanto aos efeitos da desistência relativa a G. uma vez que apenas se absteve de o acusar perante a ausência, no inquérito, de provas justificativas do prosseguimento da acção quanto a este último, ao invés do que, em seu entender, sucede relativamente aos demais.
Simultaneamente, abordou a questão da tempestividade do recurso, invocando, a propósito, a inconstitucionalidade do nº
2 do artigo 52º da Lei da Imprensa, na redacção do artigo 1º do Decreto-Lei nº
377/88, de 24 de Outubro, norma que considera ser inaplicável, cedendo à observância do regime geral previsto no Código de Processo Penal, dado que a Lei nº 88/88, de 4 de Agosto, autorizou o Governo a rever o processo judicial por crimes de imprensa mas não lhe permitiu alterar os prazos processuais, como se fez naquele diploma. Ocorreria, deste modo, violação da reserva relativa parlamentar - artigo 168º, nº 1, alínea c), da Constituição da República.
Na Relação, o representante do Ministério Público suscitou a questão da extemporaneidade do recurso uma vez que, tendo o assistente e ora recorrente sido notificado, por carta registada, em 26 de Março de 1991, o prazo de 5 dias de que dispunha para recorrer - ou seja, metade do prazo previsto no artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, de acordo com o disposto no citado artigo 52º, redacção de 1988 - terminara em 7 de Abril, tendo-se em conta a dilação e a suspensão provocada por sábados e domingos, mostrando-se o recurso interposto em 9 desse mês.
3.- A Relação, por acórdão tirado em conferência de 2 de Julho de 1991, julgou procedente a questão prévia, perfilhando a tese professada pelo Ministério Público, em consequência do que não recebeu o recurso por intempestividade e, assim, não tomou conhecimento do seu objecto e mérito.
Debruçando-se particularmente quanto à alegada inconstitucionalidade e tendo presente o interesse de celeridade processual em matéria de crimes de imprensa de que a norma se faz eco, não lhe surpreende o vício apontado, em sede de inconstitucionalidade orgânica, dado o alcance da reserva de competência legislativa da Assembleia da República nesta área se limitar à estatuição do regime geral, ou seja, definir o regime comum ou normal da matéria e estabelecer as bases gerais do seu regime jurídico.
Tal regime e respectivas bases não foram ultrapassados pelo Decreto-Lei governamental - lê-se no acórdão - e, daí, que não sofra de inconstitucionalidade orgânica.
É deste aresto que A. recorreu para o Tribunal Constitucional, concluindo nas suas alegações - as únicas apresentadas nos autos - que a redacção actual do nº 2 do artigo 52º invadiu a esfera da competência reservada à Assembleia da República [alínea c) do nº 1 e nº 2 do artigo 168º da CR e artigos 1º e 3º da Lei nº 88/88], 'pelo que se mostra material e organicamente inconstitucional'.
Para o recorrente, dado o artigo 2º da Lei nº 88/88 ressalvar a manutenção das soluções do novo Código de Processo Penal que visam garantir o interesse da celeridade processual, próprio da regulamentação do exercício da acção penal pelos crimes de imprensa, sucede que o legislador, quer no nº 2 do artigo 52º, quer no seu nº 3 ou no artigo 68º, nº 1, da Lei de Imprensa, não manteve nenhuma das disposições que cuidavam da celeridade processual mas pura e simplesmente inovou, mediante a redução a metade de qualquer prazo previsto naquele Código.
A celeridade processual, observa, já se encontrava assegurada com a aplicação dos prazos dos processos-crime pelo que a nova redacção daquele artigo 52º, nº 2, padece de inconstitucionalidade nos termos apontados.
Outro tipo de argumentação foi ainda utilizado, mas ou porque não se entronca, directa ou indirectamente, na problemática jus-constitucional ou porque não se dirige à norma impugnada mas à decisão que, a seu ver, interpretou erradamente a mesma norma, dele não cuidaremos, pois o recurso de constitucionalidade, como é sabido tem por objecto normas e não outros actos, nomeadamente decisões judiciais (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos deste Tribunal nºs. 235/91, 35/92 e 40/92, publicados no Diário da República, II Série, de 20/9/91 e 20/5/92, respectivamente, e nºs. 87/92, 136/92 e 164/92, ainda inéditos).
Cumpridos os vistos legais, importa decidir.
II
1.- O objecto do recurso de constitucionalidade está limitado à apreciação da norma do nº 2 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 85-c/75, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 377/88.
Para o recorrente, a norma em causa 'invadiu a esfera da competência reservada à Assembleia da República [alínea c) do nº 1 e nº 2 do artigo 168º da CRP e artigos 1º a 3º da Lei nº 88/88, de 4 de Agosto], pelo que se mostra material e organicamente inconstitucional'.
Vejamos se lhe assiste razão, começando pela alegada inconstitucionalidade orgânica.
1.1.- É do seguinte teor a redacção actual do artigo 52º da Lei de Imprensa, na parte que mais interessa:
'1.- Os processos por crimes de imprensa têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
2.- A natureza urgente dos processos por crimes de imprensa implica a redução a metade de qualquer prazo previsto no Código de Processo Penal, salvo se este for de 24 horas, sem prejuízo da execução imediata de ordem, despacho ou diligência quando a lei ou a autoridade competente assim o determinarem.
3.- -----------------------------'.
Na sua redacção originária, sob a mesma epígrafe -
'Celeridade processual' - o preceito era constituído por um corpo único:
'Os processos por crime de imprensa, mesmo que não haja réu preso, terão natureza urgente, com prioridade sobre todos os demais processos ainda que urgentes'.
O Decreto-Lei nº 181/76, de 9 de Março, considerando a necessidade de remover alguns expedientes dilatórios impeditivos da prontidão desejada no iter processual e a simplificação resultante da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, alterou alguns artigos da Lei de Imprensa, designadamente o 52º, que, mantendo a epígrafe, passou a ser assim:
'1.- Os processos por crime de imprensa terão natureza urgente, ainda que não haja réus presos, não havendo lugar a instrução contraditória.
2.- Os prazos para despachos, promoções, termos e mandados são os previstos na legislação processual penal para processos com réus presos.
3.- (Sem interesse)--------------'.
A Assembleia da República, nos termos dos artigos
164º, alínea e), 168º, nº 1, alínea c), e 169º, nº 2, da Constituição, concedeu ao Governo, pela Lei nº 88/88, de 4 de Agosto, autorização para rever o capítulo IV e o artigo 68º da Lei de Imprensa, 'em ordem a introduzir as adaptações exigidas pela entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, e legislação complementar', indo, assim, ao encontro do disposto no nº 2 do artigo 6º da Lei nº 43/86, de 26 de Setembro (autorização legislativa em matéria de processo penal).
Concretamente, dispôs a Lei nº 88/88, nos seus artigos 2º e 3º:
'Artigo 2º
A revisão implicará a modificação ou a revogação das disposições que não se mostrem ajustadas aos princípios e soluções do novo Código de Processo Penal, sem prejuízo da manutenção daquelas que visem garantir o interesse da celeridade processual própria da regulamentação do exercício da acção penal pelos crimes de imprensa.
Artigo 3º
Em harmonia com os critérios referidos no artigo anterior, serão revogados os artigos 38º, 39º, 43º e 49º do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro, bem como o artigo único da Lei nº 13/78, de 21 de Março, e será dada nova redacção aos artigos 36º, 37º, 51º, 52º e 68º daquele primeiro diploma'.
Como então se justificou na apresentação da proposta de lei nº 20/V, pretendeu-se, além do mais, na especificidade do processo por crimes de imprensa, simplificar e acelerar o seu andamento e, nomeadamente, reduzir prazos, pelo que se revogou uma norma como a do transcrito artigo 49º, face à regulamentação dos recursos pela nova lei processual penal em que se asseguraram os interesses da celeridade na tramitação, e modificou o artigo 52º essencialmente por razões de adaptação à terminologia da nova lei processual penal, honrando-se o 'particular interesse da celeridade' ao estabelecer-se o encurtamento dos prazos normais da lei geral (cfr. a exposição de motivos da citada proposta de lei in - Diário da Assembleia da República, II Série, nº 30, de 17/12/87, e intervenção do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, in citado Diário, I Série, nº 57, de 2/3/88, pág. 1987).
O Governo, por sua vez, no uso da autorização legislativa que lhe foi dada pela Lei nº 88/88 e nos termos do artigo 201º, nº
1, alínea b), da Constituição, publicou o Decreto-Lei nº 377/88, de 24 de Outubro, pelo qual veio a alterar os nºs. 2 e 3 do artigo 52º, nos termos já transcritos, além de revogar o seu nº 4, de igual modo revogando, por o considerar inútil ou redundante face ao novo Código de Processo Penal de 1987, o artigo 49º da Lei de Imprensa, cujo nº 3 dispunha, quanto a recursos:
'3.- Nos tribunais superiores os prazos serão reduzidos a metade dos estabelecidos na lei geral, mas nenhum será inferior a quarenta e oito horas, quando naquela não estejam especialmente previstos prazos de menor duração'.
1.2.- A aceleração processual na instrução, lato sensu considerada, e no julgamento deste tipo de ilícitos penais, não constitui, aliás, originalidade do período legislativo posterior ao 25 de Abril.
Na verdade, o nº 3 da Base XXXVIII da Lei nº 5/71, de 5 de Novembro, e o nº 4 do artigo 120º do Decreto-Lei nº 150/72, de 5 de Maio, diploma que regulamentou essa lei - e para não recorrer, sequer, ao específico procedimento da lei anterior em vigor, o Decreto nº 12008, de 29 de Julho de 1926 - prescreviam a natureza urgente dos processos, 'ainda que não haja réus presos', justificando-se de vário modo a celeridade imprimida, ora tomando-a como ditada pela urgência na reparação dos prejuízos causados (assim, M.A. Lopes Rocha, Reflexões sobre a Lei de Imprensa, Lisboa, 1973, pág. 225, separata do Boletim do Ministério da Justiça, nºs 225 e 226), ora sublinhando-lhe a manifesta utilidade 'tanto para os arguidos, que podem estar inocentes e estão afrontados com o processo crime, como para os ofendidos, que podem estar lesados em seus direitos e têm justificado interesse em verem-se desagravados o mais rapidamente possível' (como se exprime Manso-Preto, Anotações à Lei da Imprensa, Coimbra, 1972, pág. 99).
Ocorreu, entretanto, como bem o espelham as preocupações do legislador de 1975, uma dada rotação axiológica, a implicar articulação entre a protecção daqueles valores - 'tutela da honra' - com a necessidade de reforçar o processo de democratização então iniciado de modo a permitir a liberdade de expressão do pensamento e de informação, que a dignificação constitucional mais evidenciou ainda, a partir de 1976.
Daqui resulta um frequente conflito, assinalado por Figueiredo Dias, entre o direito de informação que, em sentido amplo, se recorta como correspectivo necessário da liberdade de expressão enquanto base de formação da opinião pública democrática e a tutela efectiva da honra das pessoas, que a Constituição, centralmente preocupada com a defesa da dignidade humana (cfr. o seu artigo 2º) não desleixa (cfr., deste autor, 'Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Portuguesa' in - Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 115, pág. 101).
Assim, a ontologia do quadro normativo vigente tem em conta não só a repercussão que os crimes cometidos através da imprensa naturalmente adquirem junto das comunidades, nacional ou locais (abstraindo já dos restantes meios de comunicação social), como a conveniência do julgamento dos eventuais responsáveis no mais curto espaço de tempo possível, o que foi, de resto, ponderado recentemente no Acórdão nº 186/92, deste Tribunal, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992.
Como quer que seja, resulta do exposto que, independentemente do balanceamento sofrido na predominância dos valores protegidos, sujeito às contingências do devir histórico, constitui tradição legislativa, nesta área, imprimir aceleração processual mediante expedientes diversos, tais como a equiparação dos prazos aos dos processos com réus presos ou o estabelecimento de regras gerais, caso do artigo 49º do texto de 1975, revogado pelo de 1988, que, na fase dos recursos, reduzia a metade os prazos processuais.
A esta luz se deve entender o pedido de autorização legislativa quando, de modo expresso se bem que em sede preambular, se propõe
'estabelecer o encurtamento dos prazos normais da lei geral'.
Literalmente interpretada, há que o reconhecer, a lei delegante não se mostra, a este respeito, inequívoca, desde logo colocando ao operador jurídico o problema, delicado, da eventual desconformidade entre ela e a lei delegada.
2.- Dispõe o nº 2 do artigo 168º da Constituição, a partir da revisão de 1982:
'As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada'.
Tendo em conta esta norma, escreveu-se no Acórdão nº 473/89 deste Tribunal (in - Diário da República, II Série, de 26 de Setembro de 1989): a lei de autorização há-de definir 'os princípios fundamentais que concedem unidade lógico-política à disciplina a editar pelo Governo e há-de estabelecer também as directivas correspondentes e reconduzíveis à determinação das finalidades a que aquela disciplina tem de se adequar'.
A exigência do sentido da autorização, elemento material desta e seu limite substancial, introduzido com a 1ª Revisão Constitucional, visa definir a orientação fundamental a seguir pela lei-delegada, assumindo-se como um dos elementos do 'conteúdo mínimo exigível' da lei de autorização, que, no entanto, importa interpretar com certa flexibilidade.
De acordo com António Vitorino - As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, texto policopiado, Lisboa, 1985, pág.
240 - a verificação desse requisito só ocorrerá se as indicações constantes da lei de autorização permitirem um juízo seguro de conformidade material do conteúdo do acto delegado em relação ao da lei delegante, o que não significa um sentido apertadamente expresso se bem que se exija a suficiente intelegibilidade 'para que o conteúdo possa operar com clareza como parâmetro de aferição dos actos delegados e consequentemente por parte do legislador delegado do essencial dos ditames do legislador delegante'.
Segundo Gomes Canotilho, a liberdade de conformação do legislador é delimitada pelas normas constitucionais que directamente impõem as condições dos actos autorizativos, mas as próprias leis de autorização são programas-fim (cfr., Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, pág. 201), através dos quais pode ser dimensionado o objectivo e o critério da disciplina legislativa, no tocante às matérias inscritas na área da reserva parlamentar e de concretização autorizada ao Governo, no ponderar do Acórdão nº 107/88 (in Diário da República, I Série, de 21 de Junho de 1988),
Também o Acórdão nº 371/91 (II Série deste jornal oficial, de 10 de Dezembro de 1991) abona a plasticidade do conceito ao apontar, na falta de uma autorização expressis verbis para a relevância do sentido global da autorização legislativa. As leis de autorização legislativa, observa-se a propósito, são, como quaisquer outras, passíveis de interpretação, devendo o intérprete delas extrair um sentido razoável que encontre no texto um mínimo de expressão legal.
Esta visão holística é relativizante na medida em que não exige o detalhe.
3.- Para esta interpretação de conformidade concorrem dois factores, decisivamente: o histórico, pois, como se pretendeu demonstrar, o apelo ao encurtamento dos prazos processuais neste domínio constitui expediente com tradição no nosso ordenamento jurídico ordinário e, nomeadamente, plasmado na regra de redução dos prazos a metade na fase de recurso, argumento reforçado na medida em que os trabalhos preparatórios da lei delegante aludem ao estabelecimento da redução dos prazos normais da lei geral; o sistemático, uma vez que o preâmbulo da lei delegada reflecte esse intuito,
'assim se honrando o particular interesse da celeridade processual, em termos que se afiguram razoáveis', sendo certo que, se o preâmbulo não prevalece sobre o articulado, ele assume, normalmente, a função didáctica de proporcionar ideia abreviada do conteúdo deste último, pelo que lhe é atribuída 'assinalável relevância interpretativa acerca do diploma em causa' (cfr. António Vitorino,
'Preâmbulo e Nota Justificativa' in A Feitura das Leis, Instituto Nacional de Administração, vol. II, pág. 129).
O exposto permite-nos concluir pela não verificação da alegada inconstitucionalidade orgânica.
4.- A decisão recorrida pronunciou-se sobre a alegada inconstitucionalidade orgânica, única suscitada pelo recorrente, mas o certo é que, a partir do requerimento de interposição de recurso, ou seja, esgotado já o poder jurisdicional da Relação, veio este invocar também vício de inconstitucionalidade material.
Fê-lo, aliás, em termos patentemente vagos e genéricos: no requerimento de recurso considera ter havido violação do disposto no artigo 168º, nº 2, da Constituição 'sem prejuízo de haver outros princípios ou normas constitucionais que impliquem, também, a inconstitucionalidade da impugnada norma...' (fls. 75 e 76 dos autos).
Defrontado com despacho emitido, numa tentativa clarificadora, ao abrigo do artigo 75º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, reproduziu a dita passagem, tendo-a, aliás, por desnecessária e tecnicamente incorrecta, face ao disposto no artigo 79º-C do mesmo diploma (fls. 80 e 81).
E, nas alegações, fazendo girar toda a sua argumentação em torno da invasão da esfera de competência reservada da Assembleia da República [alínea c) do nº 1 e nº 2 do artigo 168º da Constituição], limitou-se o recorrente a afirmar mostrar-se a norma do artigo
52º, nº 2, da Lei de Imprensa, 'material e organicamente inconstitucional'. Como a dizer que os poderes de cognição do Tribunal permitem-lhe ajuizar da inconstitucionalidade de uma norma com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada.
É verdade que o Tribunal não está impedido de conhecer outros eventuais vícios de inconstitucionalidade de que padeça a norma cuja apreciação lhe é requerida, o que, no domínio da fiscalização abstracta, tem acolhimento no artigo 51º, nº 1, da Lei nº 28/82 (cfr., a propósito, Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, 1991, pág.
1047 e lugares jurisprudenciais aí citados), com paralelismo no domínio da fiscalização concreta a partir das alterações àquele texto legal pela Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, como o revela o mencionado artigo 79º-C.
Mediante a introdução deste preceito, ter-se-á pretendido afastar dúvidas nesta área [cfr. J.M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 53, nota 51 d)], não obstante já na redacção originária da Lei nº 28/82 se defenda que, em fiscalização concreta, 'só o objecto do processo fica fixado no processo-pretexto, não o estalão de apreciação ou direcção da argumentação jurídica a servir de fundamento à decisão do Tribunal' (Vitalino Canas - Os Processos de Fiscalização da Constitucionalidade e da Legalidade pelo Tribunal Constitucional, Coimbra, 1986, pág. 175).
O que coloca problemas de delimitação do objecto do recurso que, por definição, se destina a reapreciar questões já decididas. A fixação do objecto do recurso não se opera 'em função do decidido pelo Juiz a quo - não é a decisão que se crítica - mas sim em razão das normas ou dos princípios constitucionais nela aplicados ou desaplicados' (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3ª ed., Coimbra, 1991, pág. 446; cfr., ainda o Acórdão deste Tribunal nº 235/90, no Diário da República, II Série, de 22/1/91, e outros arestos aí citados).
Na verdade, no concreto caso, a eventual inconstitucionalidade material não preocupa a Relação, colocada só perante a inconstitucionalidade orgânica, neutralizando-se, assim, o objectivo perseguido pelo nº 2 do artigo 75º-A.
Seja como for, o certo é que o único vício de recorte mais verosímil atribuído ao preceito em causa neste estalão seria o da violação do princípio da igualdade - artigo 13º da Lei Fundamental - na medida em que se verifica um específico encurtamento dos prazos processuais em relação aos demais casos.
No entanto, como se sabe, o princípio da igualdade não proíbe o legislador de estabelecer tratamentos diferenciados mas sim que as diferenciações de tratamento sejam arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de fundamento legal bastante.
O que - como se viu - não sucede no caso sub judicio.
Neste mesmo sentido - e no tocante à mesma norma
- se pronunciou este Tribunal recentemente no já citado Acórdão nº 186/92, de igual modo afastando a alegação de violação do artigo 18º, nº 2, aliás invocada numa perspectiva diferente, a do arguido.
Não se vê razão bastante para nos afastarmos da fundamentação acolhida no citado aresto e correlativa decisão.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 1993
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
José Manuel Cardoso da Costa