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Proc.º n.º 368/92.
2ª Secção. Relator:- Cons.º BRAVO SERRA.
Nos presentes autos em que são recorrentes A. e mulher, B., e recorridos C. e mulher, D., pelo essencial das razões constantes da exposição prévia do relator elaborada de fls. 100 a 106, que aqui se dá por integralmente reproduzida, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Lisboa, 27 de Janeiro de 1993
Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Mário de Brito José Manuel Cardoso da Costa
1. C. e mulher, D., propuseram, pelo Tribunal de comarca de Cascais, acção, seguindo a forma de processo especial de despejo, contra A. e mulher, B., solicitando que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o primeiro e o terceiro e referente ao ---------- andar, -------------, do prédio sito na Avenida ----------------, nº ---------, no -----------------, tendo, para tanto, alegado que o aí Réu saiu daquele andar, consequentemente já não o habitando, sendo que esse mesmo andar se encontra ocupado pelo filho do Réu e respectivo agregado familiar, no qual veio, inclusivamente, a realizar determinadas obras.
Contestaram os demandados propugnando pela improcedência da acção, negando que o Réu já não habitava o locado e invocando que o seu filho apenas foi temporariamente acolhido no andar e que as obras referidas na petição apenas se reportavam ao parcial envidraçar de uma marquise, a fim de impedir a entrada da chuva. Nessa peça processual nunca foi, minimamente, suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade.
Por sentença de 16 de Setembro de 1991, foi declarado resolvido o contrato de arrendamento em causa, consequentemente sendo os Réus condenados a despejar o andar, entregando-o aos Autores.
Não se conformando com tal sentença, dela recorreram os Réus para o Tribunal da Relação de Lisboa, vindo, na respectiva alegação, a dizer, a dado passo:
'Na verdade, a doutrina e a jurisprudência têm entendido (...), e é este também o entendimento perfilhado pelo Mmº Juiz a quo na sua sentença, que os 'familiares' do inquilino, a que alude o nº 2, alínea c), do art. 1093 do Cód. Civil, são apenas os referidos no art. 1040º, nº 3, do mesmo diploma. Ora este preceito considera familiares os parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação, com exclusão, portanto, do cônjuge, que não é parente, nem afim (arts. 1578º e 1584º do Cód, Civil), nem, obviamente, serviçal...
Quer isto dizer que o cônjuge não pode alegar em seu favor a excepção prevista na alínea c) do nº 2 do art. 1093º do Cód. Civil.
E ninguém sustentará, estamos em crer, que o cônjuge terá de rapidamente intentar uma acção de divórcio e requerer que lhe seja atribuído o direito ao arrendamento, para evitar o seu despejo...
Mas, então, forçoso é concluir dever o senhorio alegar e provar que o cônjuge do arrendatário não tem, também, no arrendado a sua residência permanente, se quiser obter o despejo com esse fundamento. Não o fazendo, a acção tem necessariamente de ser julgada improcedente, por ter faltado a prova dos factos constitutivos do direito à resolução do arrendamento. Entendimento diverso sempre colidiria com os comandos constitucionais que consagram os direitos à habitação e à protecção da família.'
Nessa mesma peça processual, os Réus viram a formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
'1. Os 'familiares' do inquilino, a que alude o nº 2, alínea c), do art. 1093º do Cód. Civil, são apenas os referidos no art. 1040º, nº 3, do mesmo diploma.
2. Consequentemente, o cônjuge do arrendatário, não sendo familiar, não pode alegar em seu favor a excepção prevista naquela alínea c).
3. Impende, pois, sobre o senhorio, o ónus de alegar e provar que o cônjuge do arrendatário, além do próprio arrendatário, não tem no arrendado a sua residência permanente, se quiser obter o despejo com esse fundamento, atento o disposto no art. 342º, nº 1, do Cód. Civil.
4. Viola, assim, a sentença recorrida, o disposto nos arts. 342º, nº
1, 1110º, nºs 2, 3 e 4, 1682º-B e 1093º, nº 1, alínea i), todos do Cód. Civil, e arts. 65º e 67º da Constituição da República.
5. A simples mudança para outra casa, desacompanhada de quaisquer outros elementos relevantes, não é suficiente para caracterizar a falta de residência permanente.
6. Cabe ao senhorio o ónus da prova desses outros elementos relevantes, designadamente que essa mudança se manteve por um lapso de tempo suficiente que permita concluir, com segurança, que o inquilino deixou de ter no locado a sua residência permanente (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).
7. Viola, assim, a sentença recorrida o disposto nos arts. 342º, nº
1 e 1093º, nº 1, alínea i), do Cód. Civil.
8. Mantendo os RR. a sua residência permanente no locado, podem o filho, nora e netas do Réu marido com eles residirem, por expressamente o permitir o art. 1109º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Cód. Civil.
9. Ao não decidir assim, viola ainda a sentença recorrida o disposto nos arts. 1109º, nº 1, alínea a), nº 2 e 1093º, nº 1, alínea f) do Cód. Civil.'.
A Relação de Lisboa, por acórdão lavrado em 19 de Março de 1992, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença proferida em primeira instância, sem que nesse aresto fosse feita a mínima referência a qualquer questão de inconstitucionalidade.
Desse acórdão interpuseram os A. e mulher recurso para o Tribunal Constitucional, recurso que foi desde logo admitido, tendo os recorrentes, no requerimento de interposição, invocado que ela era efectuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e que o aresto impugnado se fundamentou 'no disposto no art. 1110º, nº 1, do Código Civil, disposição esta, conjugada com a alínea c) do nº 2 do art. 1093º do mesmo diploma, cuja inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações e respectivas conclusões (nºs. 1 a 4)'.
2. Entendemos, todavia, que o recurso pretendido intentar não seria de aceitar, por não reunião, 'in casu', de um dos seus pressupostos, e daí a feitura da presente exposição prévia ao abrigo do nº 1 do art 78º-A da Lei nº 28/82.
Na verdade, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a que se reportam a alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e a alínea b) do nº 1 do artº 70º da aludida Lei nº 28/82, tem por requisitos (1) a decisão de um tribunal [da qual se pretende recorrer]; (2) que se tenha suscitado a inconstitucionalidade de uma dada norma jurídica; e (3) que o tribunal 'a quo', não obstante uma tal suscitação, tenha aplicado, no juízo decisório, a norma arguida de desconformidade com a Lei Fundamental.
Que, na presente hipótese, houve o proferimento de uma decisão de um tribunal, aplicativa de normas jurídicas, é questão da qual se não pode duvidar.
Resta, consequentemente, saber se foi cumprido pelos recorrentes o desiderato consistente em saber se os mesmos, antes da prolação da decisão ora sob censura, suscitaram questão de inconstitucionalidade tocantemente a alguma norma jurídica.
3. A resposta a esta questão não poderá deixar de ser negativa.
Na realidade, como facilmente se alcança do relato acima efectuado e respeitante às peças processuais apresentadas pelos agora recorrentes nos autos, nunca eles, antes de ser tomada decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, arguiram qualquer norma jurídica - ou, sequer, a respectiva interpretação dela tomada pelo tribunal de 1ª instância - como padecendo do vício de contraditoriedade com normas ou princípios constitucionais.
De facto, a única referência feita pelos recorrentes que, quanto ao particular em causa, se pode encontrar nos autos, é o que consta da conclusão 4ª da alegação por eles produzida no recurso de apelação da sentença do Tribunal de comarca de Cascais.
Porém, como facilmente se pode extrair da transcrição acima feita, a inconstitucionalidade ali detectada pelos recorrentes reporta-se, não a qualquer norma jurídica - ou a uma sua interpretação - mas sim à própria decisão judicial.
Ora, como tem sido, sem divergências, assinalado pela jurisprudência deste Tribunal, a suscitação da inconstitucionalidade, para efeitos do recurso previsto nas citadas alíneas a) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, há-de ser dirigida a normas jurídicas e não a outros actos, designadamente decisões judidiciais
(cfr., por todos, o Acórdão nº 28/90, publicado na 2ª Série do Diário da República, de 14 de Dezembro de 1990).
4. Temos, desta sorte, que, no caso 'sub specie', não se verifica o preenchimento de um dos pressupostos condicionantes do recurso, ou seja, o da suscitação, antes da decisão pretendida impugnar, da inconstitucionalidade de uma qualquer norma jurídica.
De onde se não dever tomar conhecimento do respectivo objecto.
Ouçam-se as partes nos termos e para os efeitos do já aludido nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
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Lisboa, 26 de Junho de 1992. Bravo Serra