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Processo n.º 581/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por sentença proferida em 10 de Dezembro de 2009, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, foram julgadas improcedentes as acusações deduzidas contra o arguido A., que foi absolvido das mesmas, bem como dos pedidos de indemnização cível contra este formulados pelos assistentes B. e C..
Inconformados, os assistentes recorreram desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 14 de Julho de 2010, decidiu anular a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, determinando a sua substituição por outra em que se colmate a apontada nulidade.
Nessa sequência, por sentença proferida em 21 de Dezembro de 2010, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, foi o arguido A., absolvido da prática, em autoria material e em concurso real ou efectivo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelo disposto nos artigos 22.º, 23.º, 143.º, n.º 1, e 146.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea g), todos do Código Penal (na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 2, do Código Penal, de um crime de coacção grave, previsto e punido pelo artigo 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e de dois crimes de injúrias, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido ainda julgados improcedentes os pedidos de indemnização cível formulados contra o arguido pelos assistentes B. e C..
Os assistentes interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 25 de Maio de 2011, decidiu rejeitar os dois recursos.
O assistente C. recorreu então para o Tribunal Constitucional, arguindo a inconstitucionalidade das seguintes normas:
A) -
1 - Do n.º 4 do artigo 414.º do CPP se interpretada no sentido da admissibilidade de correcção oficiosa de sentença que importe a modificação essencial, prevista no n.º 1 do artigo 380.º do CPP, por violadora quer da própria alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 380.º, quer do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 379.ºdo CPP, “em processo cujo objecto se reporta a factualidade contendendo com a eventual prática pelo arguido de cinco ilícitos”, tendo a primeira sentença do julgamento omitido, totalmente, dois dos ilícitos;
2 - Do n.º 4 do mesmo artigo 414.º do CPP se interpretada no sentido da admissibilidade de prolacção de nova sentença, substancialmente correctiva da sentença do julgamento que julga e decide, “ex novo” e sem contraditório, sobre dois dos crimes e respectivos pedidos cíveis, decorrido mais de um ano sobre a data da prova produzida na audiência da primeira sentença que a fixou quanto aos três crimes julgados, em desrespeito pelo principio da eficácia da prova produzida, plasmado no n.º 6 do artigo 328.º do CPP;
B) – Da norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º do CPP se interpretada no sentido de que a sentença que importe modificação essencial pode ser corrigida oficiosamente ou a requerimento pelo tribunal “a quo”;
C) – Da norma do n.º 2 do artigo 380.º do CPP se interpretada no sentido de que, tendo subido recurso de sentença não corrigida pelo tribunal “a quo” por importar modificação essencial, pode o Tribunal de recurso ordenar a sua correcção por aqueloutro mesmo tribunal, sem contraditório e julgamento, proferindo decisão absolutória ou condenatória quanto aos novos crimes incluídos pelo Senhor Juiz “a quo” na sentença corrigida e lavrada um ano depois da audiência de discussão e julgamento cuja anterior decisão tenha omitido tais crimes (coacção grave e ameaças);
Tal entendimento e sentido de interpretação das normas supra que conduziram à(s ) sentença(s) violam, salvo melhor opinião e entre outros, os princípios da imediação, do contraditório e da publicidade dos actos, do direito a um processo equitativo, da plenitude e continuidade da audiência e da eficácia da prova produzida, com efeito;
Alegou o recorrente C. nas alegações para este Tribunal da Relação, entre o mais, que a nulidade...: “... é insuprível e não passível de qualquer correcção oficiosa das previstas no artigo 380.º do CPP, por violadora quer da própria alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 380.º, importando modificação essencial quer do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 379. º do CPP quer porque não só não há decisão absolutória ou condenatória pelos crimes de ameaças e coacção grave, como tais crimes não constam da sentença, pelo que a um qualquer entendimento de que, ainda assim, pode haver lugar ao disposto no n.º 4 do artigo 414.º do mesmo Código, tal sentido de interpretação e aplicação violaria, em nossa modesta opinião, o disposto nos n.ºs 4, 5, 6 e 7 do artigo 32.º, 204.º e n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que à cautela, expressam ente se invocam”, mais tendo alegado pela violação dos artigos 203.º e 206.º da mesma CRP.
Termos em que requer se digne deferir pela sua admissão.»
Foi proferida decisão sumária em 28 de Setembro de 2011 de não conhecimento do recurso com a seguinte fundamentação:
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge?se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro acto de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
Por outro lado, tratando?se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Ora, conforme se constata pela simples leitura do acórdão recorrido, este não fez qualquer aplicação das normas e interpretações normativas arguidas de inconstitucionais pelo Recorrente.
Considerando o carácter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efectiva aplicação pela decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que a interpretação acusada de inconstitucionalidade tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
Verificada a falta de aplicação efectiva, pelo tribunal a quo, das interpretações normativas indicadas pelo Recorrente, importa concluir que não está preenchido este requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC.
Face ao exposto, é manifesto que se não pode considerar que a decisão recorrida tenha feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo Recorrente, pelo que, não estando preenchidos estes requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, deverá ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão, apresentando os seguintes argumentos:
A presente reclamação advém da Douta decisão sumária número 462/2011 proferida pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator que indeferiu o recurso de inconstitucionalidade interposto da aplicação e do sentido de interpretação, no douto Acórdão recorrido pelo Tribunal da Relação de Coimbra das seguintes normas:
A)
1 - Do n.º 4 do artigo 414.º do CPP se interpretada no sentido da admissibilidade de correcção oficiosa de sentença que importe a modificação essencial, prevista no n.º 1 do artigo 380.º do CPP, por violadora quer da própria alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 380.º, do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, em processo cujo objecto se reporta a factualidade contendendo com a eventual prática pelo arguido de cinco ilícitos, tendo a sentença do julgamento omitido, totalmente, dois dos ilícitos;
2 - Do n.º 4 do mesmo artigo 414.º do CPP se interpretada no sentido da admissibilidade de prolacção de nova sentença, correctiva da sentença do julgamento que julga e decide, “ex novo” e sem contraditório, sobre dois dos crimes e respectivos pedidos cíveis, decorrido mais de um ano sobre a data da prova produzida nas várias sessões da audiência da primeira sentença em desrespeito pelo principio da eficácia da prova produzida;
B) – Da norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º do CPP se interpretada no sentido de que a sentença que importe modificação essencial pode ser corrigida oficiosamente ou a requerimento pelo tribunal “a quo”;
C) – Da norma do n.º 2 do artigo 380.º do CPP se interpretada no sentido de que, tendo subido recurso de sentença não corrigida pelo tribunal “a quo” por importar modificação essencial, pode o Tribunal de recurso ordenar a sua correcção por aqueloutro mesmo tribunal, sem contraditório e julgamento, proferindo decisão absolutória ou condenatória quanto aos novos dois crimes incluídos pelo Senhor Juiz “a quo” na sentença corrigida e lavrada um ano depois da audiência de discussão e julgamento cuja anterior decisão tenha omitido tais crimes coacção grave e ameaças);
Tal entendimento e sentido de interpretação das normas supra que conduziram à (s) sentença (s) violam, salvo melhor opinião e entre outros, os princípios da imediação, do contraditório e da publicidade dos actos, do direito a um processo equitativo, da plenitude e continuidade da audiência e da eficácia da prova produzida, com efeito;
Alegou o recorrente C. nas alegações para este Tribunal da Relação, entre o mais, que a nulidade...: “...é insuprível e não passível de qualquer correcção oficiosa das previstas no artigo 380.º do CPP, por violadora quer da própria alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 380.º, importando modificação essencial quer do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP quer porque não só não há decisão absolutória ou condenatória pelos crimes de ameaças e coacção grave, como tais crimes não constam da sentença, pelo que a um qualquer entendimento de que, ainda assim, pode haver lugar ao disposto no n.º 4 do artigo 414.º do mesmo Código, tal sentido de interpretação e aplicação violaria, em nossa modesta opinião, o disposto nos n.ºs 4, 5, 6 e 7 do artigo 32.º, 204.º e n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que à cautela, expressamente se invocam”, mais tendo alegado pela violação dos artigos 203.º e 206.º da mesma CRP.
Com efeito;
Sendo verdade que constitui jurisprudência uniforme deste Venerando Tribunal que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, não pretendeu nem pretende o assistente/reclamante sindicar o puro acto de julgamento nem fazer dele uma “vexata quaestio” sobre o tema do recurso de amparo, mas antes e tão só sindicar a aplicação de normas concretas pelo Tribunal a quo, cuja inconstitucionalidade foi tempestivamente alegada e suscitada pelo recorrente/reclamante durante o processo, porquanto se por um lado, a decisão recorrida não atendeu ao pedido de inconstitucionalidade, por outro lado e ao contrário do que expende a fls. 2, a aqui douta decisão reclamada, segundo a qual “Os assistentes interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 25 de Maio de 2011, decidiu rejeitar os dois recursos”, facto é que, salvo melhor opinião, aquele douto Tribunal da Relação, não só, não rejeitou os dois recursos como, tendo – os efectivamente admitido, os julgou, decidindo e aplicando normas, interpretações normativas e princípios constitucionais e universais, maxime, o do princípio do “in dúbio pro reo” cuja inconstitucionalidade fora, concretamente ali suscitada, os quais, em nossa modesta opinião, constituíram “ratio decidendi” no acórdão recorrido, tanto assim que o douto acórdão recorrido a eles se referiu a fls. 2, 3, 5, 24, 25, 26 ao ponto de, aquele colendo Tribunal se ter fundamentado no acórdão com frases e conceitos tais como, por todas, a fls. 24, linhas 20 a 23, segundo o qual “… Para eximir o arguido da responsabilidade penal imputada, acobertou – se o tribunal a quo no princípio do in dúbio pro reo.
Situa – se tal princípio no âmago da livre apreciação da prova. Constituindo como que “o fio da navalha” onde se move a missão de julgar...” N/Itálico.
Salvo melhor opinião, sindicar a arbitrária “acobertação” pelo tribunal a quo no princípio do in dubio pro reo bem como a aplicação de normas, interpretações normativas e princípios constitucionais e universais cuja inconstitucionalidade havia sido invocada , não é querer sindicar o(s) puro(s) acto(s) do(s) julgamento (s), pois cfr. CRP ANOTADA de J.J: GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, VOLUM I , ARTIGOS 1.º a 107, Coimbra Editora, 4.ª EDIÇÃO REVISTA, em Anotação ao artigo 32.º, pág. 515: “...O direito processual penal anda estreitamente associado à Constituição ... a ponto de já ter sido considerado o «sismógrafo» de uma lei fundamental...” e a págs. 518 e seguintes da mesma obra, in Anotação VI: “VI . Não é fácil determinar o sentido do princípio da presunção da inocência do arguido (n.º 2)...; Anotação XIV, pág. 524... Dentre estes, o legislador não pode deixar de consagrar o direito (pode ) .. .o poder de recorrer da sentença absolutória (cfr. AcsTC nºs 610/96, 194/00, 375/00, 459/00, 78/01, 176/02, 464/03)....XV. Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana… XVIII. Quanto ao âmbito subjectivo de protecção destas garantias do processo penal....trata-se de direitos universais, como sucede com a generalidade dos direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal...”. Outrossim;
Da mesma obra, II Volume, in Anotação ao artigo 204.º da CRP, págs. 518 e 519, B. ANOTAÇÕES “I. Esta norma… apreciação da inconstitucionalidade... o ponto de partida é o art.º 3º … estabelece dois princípios estruturantes... (1) subordinação do Estado à Constituição; (2) exigência da conformidade com a Constituição das leis e dos demais actos do Estado... que assume, assim, a continuidade da fiscalização judicial da inconstitucionalidade das leis... II. Por outras palavras: a questão ou questões constitucionais que se colocam na decisão do caso a resolver pelos tribunais devem ser por eles conhecidas e respondidas...”; igualmente da mesma obra, em Anotação ao Artigo 206.º da CRP, B. ANOTAÇÕES II, pág. 533: II. A publicidade das audiências dos tribunais ... Pela mesma razão, carecem de publicidade não apenas as audiências dos tribunais mas também as decisões judiciais; não estando a publicidade destas explicitamente garantida pela Constituição, ela decorre, porém, directamente, do mencionado princípio do Estado de direito democrático. (cfr. DUDH, art. 10º; CEDH, art. 6º - 1), com o que, salvo melhor opinião, Tribunal a quo ao operar a absolvição do arguido, julgando, em privado, na secretária, dois dos cinco crimes que faltaram na 1.º das sentenças, o de coacção e de ameaças, aplicou normas, por outras igualmente sindicadas, cujo sentido e interpretação são materialmente inconstitucionais cuja alegação foi tempestiva.
Tanto as normas como o sentido de interpretação na sua aplicação como os princípios aplicados, admitindo, embora, a discricionariedade vinculada à lei, esta e a Constituição não admitem, salvo melhor opinião, o arbítrio nos feitos submetidos a julgamento, por ofensa à Constituição ou aos princípios nela consignados, porquanto a aplicação daquele princípio operada pelo Tribunal recorrido, julgando dois dos cinco crimes sem contraditório; com a ilegal dispensa da presença do arguido nas diversas sessões da audiência de julgamento e com desrespeito pelos conjugados princípios da publicidade das audiências e das decisões dos tribunais, do contraditório e da imediação da prova, tudo arbitrariedades, as quais, não podem, salvo melhor opinião, resistir à sanção da inconstitucionalidade, concretamente suscitada, tanto na motivação como na fundamentação do recurso para o Tribunal da Relação, pois, ao invés daquilo que sustenta a fls. 4, a douta decisão aqui reclamada, segundo a qual: “se constata pela simples leitura do acórdão recorrido, este não fez qualquer aplicação das normas e interpretações normativas arguidas de inconstitucionais pelo Recorrente”, uma leitura detalhada e tão completa quanto possível, nos revela que na “ratio decidendi” do acórdão recorrido, ocorreu não só “...efectiva aplicação pela decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada “porquanto o Tribunal que proferiu a decisão recorrida apreciou e admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional como também, os próprios poderes de cognição da Jurisdição Constitucional vão para além do fundamento sindicado, ex vi artigo 79.º C, segunda parte da LOTC. Sendo verdade que tal decisão não vincula este Venerando Tribunal e que o Recorrente, precocemente, produziu as alegações contra o disposto no artigo 79.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, contudo, não renunciou o recorrente ao direito consagrado no artigo 73.º da mesma Lei ex vi artigo 221.º da CRP. N/ltálico.
Assim sendo - como realmente é - que o Tribunal da 2.ª Instância admitiu os recursos interpostos e os julgou, o Tribunal Constitucional ao proferir a decisão aqui reclamada da forma como decidiu, está a colocar-se, salvo melhor opinião, numa postura de “non liquet” furtando-se a apreciar a questão de fundo dos autos.
Em nossa modesta opinião, ao Venerando Juiz conselheiro Relator também não assiste razão por não ter esteio no invocado artigo 78.º A, n.º 1 da LOTC uma vez que, nem o objecto do recurso é legalmente incogniscível nem manifestamente infundado por ser consequência de decisão fundamentada em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, nem a questão a decidir, enumerada em quatro alegadas inconstitucionalidades é simples, não se bastando com a simples remissão para a anterior jurisprudência do Tribunal com a genérica indicação da mera “... jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional...” por as decisões dos tribunais deverem ser fundamentadas nos termos da lei, sendo que , salvo melhor opinião, a decisão aqui tagiversada se louva numa interpretação restritiva do n.º 1 da alínea b) do artigo 70.º da LOTC porquanto, em nosso modesto entender, as interpretações restritivas da LOTC são tão só as taxativamente enunciadas no artigo 71.º da mesma LOTC, em obediência ao princípio do numerus clausus.
CONCLUSÕES
1 - O Tribunal Constitucional ao proferir a decisão aqui reclamada da forma como decidiu, está a colocar-se, salvo melhor opinião, numa postura de “non liquet” furtando-se a apreciar a questão de fundo dos autos;
2 - Uma leitura detalhada e tão completa quanto possível revela que na “ratio decidendi” do acórdão recorrido, ocorreu não só “... efectiva aplicação pela decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada, como também, os próprios poderes de cognição da Jurisdição Constitucional vão para além do fundamento sindicado, ex vi artigo 79.º C, segunda parte da LOTC;
3 – A douta decisão reclamada louva-se, salvo melhor opinião, numa interpretação restritiva do n.º 1 da alínea b) do artigo 70.º da LOTC;
4 - As interpretações restritivas da LOTC são tão só as taxativamente enunciadas no artigo 71.º da mesma LOTC;
5 – A douta decisão recorrida viola o princípio do numerus clausus;
6 – O recorrente não renunciou no processo ao direito consagrado no artigo 73.º da mesma Lei ex vi artigo 221.º da CRP.
Termos em que requer se dignem V.as Exas deferir pela admissão do recurso interposto.”
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Fundamentação
A decisão reclamada de não conhecimento do mérito do recurso, baseou-se na circunstância dos critérios normativos que se pretendiam ver sindicados não integrarem a ratio decidendi do Acórdão recorrido.
O Recorrente, na reclamação apresentada, limita-se a afirmar que eles são fundamento da decisão recorrida, não se preocupando em demonstrar esta afirmação.
É essencial para o conhecimento do mérito do recurso que a norma cuja fiscalização da constitucionalidade tenha sido aplicada pela decisão recorrida como seu fundamento, sob pena do recurso constitucional não ter qualquer utilidade prática.
Não o sendo, falta um requisito imprescindível ao conhecimento do recurso, justificando-se a prolação de decisão sumária nesse sentido, nos termos previstos no artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.
Como da leitura do Acórdão recorrido não se constata que qualquer um dos critérios enunciados pelo Recorrente no requerimento de interposição de recurso tenham sido utilizados por aquele aresto como seu fundamento, deve, por isso, a reclamação deduzida ser indeferida.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por C. da decisão sumária proferida nestes autos em 28 de Setembro de 2011.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 9 de Novembro de 2011.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.