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Processo n.º 567/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. O Sindicato Nacional do Ensino Superior recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA) de uma sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pela qual foi julgada improcedente a ação administrativa comum com processo sumário que intentou, em representação de um seu associado, em que pedia a condenação da Escola Superior de Tecnologia e Gestão da Guarda do Instituto Politécnico da Guarda na contagem do tempo de serviço, para efeitos de progressão na carreira, e consequente pagamento dos vencimentos devidos por força de tal contagem. O TCA confirmou, todavia, a decisão recorrida, por acórdão de 4 de fevereiro de 2010. No que aqui releva, diz o aresto:
“Nas conclusões das suas alegações, o recorrente entende que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 56º n.º 3 da C.R.P. e a Lei nº 43/2005, de 29 de agosto, bem como o artigo 6º da Lei n.º 23/98, de 26 de maio, ou seja, o princípio constitucional do direito à negociação coletiva (conclusões 1.ª a 7.ª)
Na tese do recorrente, o Tribunal a quo, ao considerar inexistir qualquer inconstitucionalidade material por parte da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, por não se verificar qualquer restrição no direito à retribuição, mas sim ao congelamento dos suplementos remuneratórios e a suspensão da contagem do tempo de serviço, perfilhou um entendimento errado, esquecendo que o que está verdadeiramente em causa é a figura maior da contrapartida pela prestação de trabalho, e não o conceito de remuneração (conclusões 8.ª a 10.ª). Ainda segundo a tese do recorrente, a restrição levada a cabo pela lei em análise viola os princípios decorrentes do artigo 18º da CRP, da proporcionalidade, generalidade e abstração, e impõe um sacrifício de trabalhadores da Administração Pública, para regular a sua progressão na carreira e suplementos remuneratórios, com a consequente diminuição da extensão e alcance que este direito atingia até à data da entrada em vigor da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto.
Alega o recorrente, em suma, que ao perfilhar o entendimento da inexistência de qualquer inconstitucionalidade material e formal da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, a sentença recorrida violou os princípios contidos nos artigos 18º e 59º n.º 1 al. a) da CRP.
Finalmente, o recorrente alega que as carreiras dos docentes do ensino superior público se encontram reguladas pelos respetivos estatutos de carreira (Estatuto da Carreira Docente Universitária, Estatuto da Carreira de Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico e Estatuto da Carreira de Investigação Cientifica), carreiras essas que possuem especificidades estatutárias, desde logo a nível da forma de progressão, que não é automática, e depende de critérios diferentes dos utilizados para os restantes trabalhadores da Administração Pública, como sejam concursos públicos, provas académicas e apresentação de relatórios periódicos, configurando-se uma realidade específica e diferente daquela para a qual a Lei n.º 43/205, de 29 de agosto, foi concebida (conclusões 19.ª a 24.ª).
Assim, conclui o recorrente que a sentença recorrida violou os princípios constitucionais da igualdade, da proteção da confiança e da proporcionalidade.
Como se disse, a entidade recorrida limitou-se a aderir aos fundamentos da sentença “a quo”.
É esta a questão a apreciar.
A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, prescreve no seu artigo 1º n.º 1, o seguinte:
“O tempo de serviço prestado pelos funcionários, agentes e outros trabalhadores da administração pública, central, regional e local e pelos demais servidores do Estado entre a data da entrada em vigor da presente lei e 31 de dezembro de 2006 não é contado, para efeitos de progressão, em todas as carreiras, cargos e categorias, incluindo as integradas em corpos especiais”.
Como decorre do seu artigo 4º, a referida lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de agosto de 2005, sendo, portanto aplicável ao associado do recorrente, António Pires Lourenço, pelo que não foi efetuada a sua mudança de escalão em 10 de outubro de 2005.
Vejamos, então, se se verificam as alegadas inconstitucionalidades.
No tocante ao direito fundamental à contratação coletiva, entendemos que este não foi violado.
É certo que a Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, determinou a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras, bem como o congelamento de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado, em todas as carreiras, cargos e categorias, incluindo as integradas em corpos especiais, até 31 de dezembro de 2006.
Mas não se mostra que tenha sido violado o artigo 56º, n.º 3 da CRP, porquanto, como se nota na decisão recorrida, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias procedeu à audição dos representantes dos trabalhadores da função pública, que, presencialmente e através de pareceres escritos, fizeram chegar as suas posições sobre a proposta de lei do Governo (cfr. ponto III do Relatório, Conclusões e parecer da aludida Comissão).
Também na Exposição de Motivos da Lei n.º 25/X, junta aos autos a fls. 90, se refere o processo negocial respeitante às medidas introduzidas, com o objetivo de suster as despesas públicas com o pessoal através da limitação dos mecanismos de progressão nas carreiras, na qual se evidencia que o projeto foi também submetido a um processo de consulta com as organizações representativas do pessoal. Como o demonstra ainda o ofício de fls. 93, o Ministério das Finanças e Administração Pública, convocou a organização sindical em causa, nos termos e para os efeitos dos artigos 6º e seguintes da Lei n.º 23/98, de 26 de maio, para uma reunião relativa à negociação do projeto de proposta de lei sobre congelamento de progressões nas carreiras e de suplementos remuneratórios.
Não houve, pois, violação do direito à negociação coletiva.
Vejamos o ponto seguinte:
O recorrente alega que a Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, ao consagrar normas que congelam a contagem do tempo de serviço para a progressão nas carreiras e o montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado, até 31 de dezembro de 2006, contende com o direito à retribuição, direito e garantia fundamental protegido pelo artigo 59º, n.º l, alínea e) da C.R.P., considerado pela doutrina como direito fundamental de natureza análoga, apenas suscetível de restrições nos termos do artigo 18º da CRP.
Todavia, como se nota na decisão recorrida, citando Ac. do Tribunal Constitucional n.º 261/04, e Dec-Lei n.º 184/89, de 2 de junho, separa, em termos sistemáticos, a remuneração da progressão na carreira, o mesmo sucedendo com o Dec. Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro.
Ou seja, o estatuto remuneratório e as condições específicas de progressão na carreira são realidades diferentes. Esta última não pertence ao núcleo essencial do direito à remuneração, mas é tão somente uma regra geral em matéria de pessoal em regime jurídico de emprego público, não havendo por isso violação do disposto no artigo 59º, n.º 1 da CRP.
A isto acresce que o regime instituído pela Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto é excecional e temporário, e destinado a reduzir o volume da despesa pública por necessidade imperiosa, enquanto se procedia à revisão do sistema de carreiras e remunerações.
Não houve, por isso violação do artigo 59º n.º 1 da CRP, falecendo também neste ponto a argumentação do recorrente.
Seguidamente, cumpre notar que, não obstante as especificidades estatutárias da carreira docente, o nº 1 da Lei nº 43/2005 faz referência a todas as carreiras, cargos e categorias, incluindo as integradas em corpos especiais, desde a sua entrada em vigor até 31 de dezembro de 2006.
Neste contexto, a administração limitou-se a aplicar o disposto naquela norma, que determina a não contagem de tempo de serviço nas circunstâncias em que se encontrava o associado do recorrente, não lhe contabilizando para efeitos de progressão o tempo de serviço desde 30 de agosto de 2005, não podendo deixar de aplicar a lei sem que a mesma tenha sido declarada inconstitucional. A nosso ver, e tendo em conta o contexto supra referido, não foi violado o princípio da proteção da confiança, nem a restrição operada se mostra desproporcionada, antes se destinando a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18º n.º 2 da CRP).
4- Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
2. É desta decisão que o Sindicato Nacional do Ensino Superior recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a «ilegalidade e inconstitucionalidade» da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto e da Lei n.º 52-C/2006, de 29 de dezembro.
3. Recebido o recurso, o recorrente alegou, concluindo:
A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto determinou a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão de carreiras e congelamento de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado até 31 de dezembro de 2006.
O referido prazo foi prorrogado até 31 de dezembro de 2007, pela Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro;
Em especial o n. 1 do artigo 1.º da Lei 43/2005 de 29 de agosto e, por consequência a Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro, é ilegal e inconstitucional;
O congelamento da progressão salarial consagrada no n.º 1 da Lei 43/2005, de 29 de agosto ofende o conteúdo essencial de direitos fundamentais;
A lei n.º 43/2005, de 29 de agosto sofre de inconstitucionalidade formal por violação do direito fundamental à negociação/contratação coletiva previsto no art. 56.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa;
A lei n.º 43/2005, de 29 de agosto sofre de inconstitucionalidade material por violação do direito à retribuição consagrado no artigo 59.º , n.º 1, al. a) da Constituição;
A lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, bem como a Lei n.º 53-C/2006 implicam uma redução direta, imediata e totalmente inesperada do vencimento real do docente representado pelo aqui recorrente;
Assim, o n.º 1 do artigo 1.º da Lei 43/2005 e por consequência a Lei n.º 53-C/2006 violam os princípios da proporcionalidade – n.º 2, 2.ª parte do artigo 18.º da CRP –, da generalidade e da abstração da lei restritiva – n.º 3, 1.ª parte artigo 18.º – e o princípio da garantia do conteúdo essencial – n.º 3, 3.ª parte do artigo 18.º da CRP –, pelo que são inconstitucionais.
As Leis n.ºs 43/2005, de 29 agosto e 53-C/2006, de dezembro são ilegais por violação da Lei n.º 23/98, de 26 de maio, que configura uma lei de normatividade reforçada violando, pois, o n.º 3 do artigo 112.º da Lei fundamental:
Os representados do autor, docentes e investigadores do ensino superior e do politécnico têm um apertado e exigente sistema de avaliação vertido nos respetivos estatutos.
O n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, ao incluir os docentes do ensino superior no seu âmbito pessoal, viola o princípio da igualdade constante do art. 13.º da CRP na sua vertente positiva, porquanto trata dos docentes do ensino superior sem atender às especificidades estatuárias das suas carreiras, pelo que é inconstitucional.
Em face das inconstitucionalidades e ilegalidades supra referidas tem o docente direito à contagem do tempo de serviço desde 30 de agosto de 2005, não lhe sendo, portanto, aplicável o regime estabelecido pela Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto e pela Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro.
Termos em que se deve, o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser declarada e inconstitucionalidade formal e material da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto e, por consequência da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro, com todas as consequências legais.
4. A recorrida contra-alegou, concluindo:
I - Discute-se nos presentes autos a (i)legalidade e (in)constitucionalidade da aplicação Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto. que determinou a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão de todos os funcionários, agentes e demais servidores do estado, em todas as carreiras, cargos e categorias, incluindo as integradas em corpos especiais desde a sua entrada em vigor até 31 de dezembro de 2006. aos docentes do ensino superior, integrados em corpo especial, em que se incluiu o ora representado pelo recorrente (bem como da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro, que procedeu à prorrogação do prazo supra referido até 31 de dezembro de 2007);
II – Porquanto, a Lei n.º 43/2005, de 29 de dezembro não está ferida de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade;
III - O congelamento da progressão salarial consagrado no n.º 1, do artigo 1.º, da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, não ofende o conteúdo essencial de direitos fundamentais;
IV - A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, não sofre de inconstitucionalidade formal por não violar o direito fundamental à negociação/contratação coletiva previsto no art. 56.º13 da CRP;
V- A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, não sofre do alegado vício de inconstitucionalidade material, por não violar o direito à retribuição consagrado no art. 59.º/1/a), da CRP;
VI - O congelamento da progressão salarial operado pela Lei n.º 43/2005, de 29 de dezembro, não ofende o conteúdo essencial de direitos fundamentais, por não afetar o núcleo essencial do direito à retribuição que se manteve nos exatos termos, sendo que a progressão, na sistematização operada pelas leis à data vigentes sobre a matéria (DL 184/89, de 2 de julho e DL 353-A/89, de 16 de outubro) integra o capítulo de princípios gerais sobre gestão e não o capítulo de princípios gerais sobre remunerações, inexistindo, pois, um direito fundamental à progressão automática;
VII - A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, não está ferida de inconstitucionalidade por não violar os princípios da proporcionalidade (art. 18.º/2, da CRP), da generalidade e da abstração da lei restritiva (art. 18.º/3 da CRP) nem o principio da garantia do conteúdo essencial (art. 18.º/3, da CRP);
VIII - Com efeito, a Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, não viola o princípio da proteção da confiança conjugado com o princípio da proporcionalidade por não implicar uma redução no vencimento, conforme já referido, sendo que a suspensão operada do tempo de serviço para efeitos de progressão visou a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos nos termos do art. 18.º/2, da CRP;
IX - A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, não sofre do imputado vício de ilegalidade, pois além de não violar a Lei n.º 23/98, de 26 de maio, esta segundo a jurisprudência do tribunal constitucional não é uma lei de normatividade reforçada,
X - A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, é plenamente legal, não viola a lei n.º 23/98, de 26 de maio, porquanto houve negociação coletiva na situação em apreço, devidamente provada nos autos, em aplicação do art. 14.º, da Lei n.º 23/98, de 26 de maio.
XI - A aplicação da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, aos docentes do ensino superior e do politécnico não viola o princípio da igualdade consignado no art. 13 da CRP, porquanto todos os servidores do estado, neles incluídos os corpos especiais, continuaram a ser avaliados nos mesmos termos em que o vinham sendo, na observância dos regimes estatutários próprios aplicáveis, assumindo o congelamento operado o mesmo sentido relativamente a todos os trabalhadores que exercem funções públicas;
XII - A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, ao determinar expressamente, e portanto de forma inequívoca, a sua aplicação também aos corpos especiais, em que se incluem os docentes do ensino superior, não violou o princípio geral de direito previsto no art. 7.º, n.º 3 do C.C.
XIII - A Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, não está assim ferida de quaisquer ilegalidade ou inconstitucionalidades, aplicando-se ao docente, integrado em corpo especial, representado pelo aqui recorrente, sendo plenamente legal o congelamento da contagem do tempo de serviço do docente António Pires Lourenço, para efeitos de progressão;
XIV - O quadro normativo que se lhe seguiu (art. 119.º da Lei n.º 67-A/2007, a Lei n.º 12-A12008, e as Leis n.º 205/2009 e 207/2009), não constitui o objeto do presente recurso, não sendo as normas ainda não vigentes à data da propositura da presente ação as que estão causa no caso vertente, pelo que sob pena de ser excedido o âmbito do recurso, o mesmo se deve cingir à aplicação da Lei n.º 43/2005.
Termos em que, e nos mais de direito, deve ser julgado improcedente o presente Recurso, por a Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto. e por consequência a Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro não estar ferida de ilegalidade ou inconstitucionalidade, sempre com as legais consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. Dada a forma como o recorrente trata, na sua alegação, a questão da «ilegalidade e inconstitucionalidade» da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto e da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro, será oportuno começar por recordar que, no domínio da fiscalização concreta da inconstitucionalidade de normas que o Tribunal prossegue ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (conforme pediu o interessado), só cabe apreciar o vício de inconstitucionalidade de normas efetivamente aplicadas como ratio decidendi da decisão recorrida. Excede, por isso, o âmbito do presente recurso o pedido de fiscalização das normas da n.º Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro e do artigo 119.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que manifestamente não foram aplicadas na decisão recorrida. Por outro lado, também não cabe apreciar o vício decorrente da violação de lei de valor reforçado, que o recorrente classifica erradamente como uma 'inconstitucionalidade' por violação do artigo 112º da Constituição. Na verdade, é a própria Constituição que integra essa situação no campo da ilegalidade de normas, cfr. artigo 281º n.º 1 alínea b), a que cabe o recurso previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 70º LTC, que o recorrente não quis invocar.
O recorrente identifica o objeto do presente recurso como a Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto. Há que ter em consideração o conteúdo desta Lei que prevê que o tempo de serviço não conta para efeitos de progressão na carreira, impondo o congelamento do montante dos suplementos remuneratórios dos funcionários, agentes e demais servidores do Estado até 31 de dezembro de 2006. Trata-se de um diploma composto apenas por 4 artigos: o artigo 1.º diz respeito às progressões, o artigo 2.º respeita a suplementos remuneratórios, o artigo 3.º à sua aplicação a juízes e magistrados do Ministério Público, e o artigo 4.º à sua entrada em vigor.
O objeto do recurso há de circunscrever-se, todavia, ao n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, já que foi esta a única norma aplicada como ratio decidendi do acórdão recorrido. De facto, o acórdão recorrido incidiu sobre a sentença de primeira instância que se limitou a aplicar o referido n.º 1 do artigo 1.º, julgando improcedente ação em que se pedia a contagem de tempo de serviço do docente António Pires Lourenço, decorrido desde a entrada em vigor da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, para efeitos de progressão de nível salarial e subsequente pagamento do valor correspondente ao índice e escalão devidos.
6. A norma que constitui o objeto do presente recurso tem a seguinte redação:
Artigo 1º
Progressões
1 – O tempo de serviço prestado pelos funcionários, agentes e outros trabalhadores da administração pública central, regional e local e pelos demais servidores do Estado entre a data de entrada em vigor da presente lei e 31 de dezembro de 2006 não é contado, para efeitos de progressão, em todas as carreiras, cargos e categorias, incluindo as integradas em corpos especiais.
2 – (…)
Esta disposição veio suspender o regime de progressão de carreiras, cargos e categorias, então em vigor, regulado pelo Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho – que estabelecia os princípios gerais em matéria de emprego público – e pelo Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro – que desenvolvia o regime jurídico traçado por esse diploma em matéria de estatuto remuneratório. Nos termos do artigo 29.º do primeiro diploma e do 19.º do último, a progressão na categoria fazia-se por mudança de escalão, e a mudança de escalão dependia da permanência no escalão imediatamente inferior durante 4 ou 3 anos (dependendo de se tratar de carreiras horizontais ou verticais). Isto é, de acordo com o referido regime, a progressão na carreira dependia do simples decurso do tempo, efeito jurídico que veio a ser suspenso pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, até 31 de dezembro de 2006.
São várias as questões de inconstitucionalidade levantadas pela recorrente em relação a essa norma. Em primeiro lugar, invoca-se a inconstitucionalidade formal da mesma, por não se ter garantido ao sindicato recorrente o direito a participar, como entidade sindical, na negociação coletiva que deveria ter precedido a aprovação da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, o que acarretaria violação do direito à contratação coletiva, previsto no artigo 56.º, n.º3 da Constituição. Seguidamente, invoca-se que a norma em causa está ferida de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição, que consagra o direito à retribuição do trabalho. Por fim, considera-se que a norma viola ainda os princípios da proporcionalidade, da generalidade e da abstração da lei restritiva, da garantia do conteúdo essencial, previstos no artigo 18.º da Constituição e, bem assim, os princípios da proteção da confiança e da igualdade.
7. Sustenta a recorrente, em primeiro lugar, que “a Lei n.º 43/2005, ao determinar, no seu artigo 1.º, o congelamento da contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira de todos os trabalhadores do Estado reporta-se, iniludivelmente, a matéria de âmbito laboral. Assim, se estamos perante legislação em matéria de direito do trabalho, certo é que, o Recorrente tinha direito a participar, enquanto entidade sindical, na negociação coletiva que deveria preceder a aprovação legislativa de tal diploma, nos termos aliás bem definidos pela Lei n.º 23/98, de 26 de maio”. A norma seria formalmente inconstitucional, por violação do artigo 56.º, n.º 3 da Constituição, por não ter sido assegurada a participação ao sindicato recorrente “no processo de negociação coletiva”.
Todavia, afastada da análise do Tribunal a questão da 'ilegalidade' da norma – conforme se decidiu supra no ponto 5. – caberá apenas atentar na invocada violação do artigo 56.º n.º 3 da Constituição, disposição que atribui ('compete') às associações sindicais o direito de participarem na contratação coletiva. Tal preceito consagra uma “competência normativa que é recebida e garantida pela Constituição como dimensão positiva do direito das associações sindicais a prosseguirem a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores” (J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, p. 748), visando garantir o direito à contratação coletiva e à participação das associações sindicais nessa atividade de “autorregulação” que se analisa em três aspetos: “(a) direito à liberdade negocial coletiva, não estando os acordos coletivos sujeitos a autorizações ou homologações administrativas; (b) direito à negociação coletiva, ou seja, direito a que as entidades empregadoras não se recusem à negociação (…) (c), direito à autonomia contratual coletiva, não podendo deixar de haver um espaço abrangente de regulação das relações de trabalho à disciplina contratual coletiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo-estadual” (J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, op. cit.., p.744).
No decurso do procedimento legislativo da Lei n.º 43/2005 de 29 de agosto, o Governo promoveu a participação das associações sindicais, tal como se lê em DAR, II série A Nº.31/X/1 2005.07.02 (pág. 21-22):
No âmbito do processo negocial respeitante a estas medidas, desenvolvido com as organizações sindicais da Administração Pública com representatividade transversal nos termos da Lei n.º 23/98, de 26 de maio, foram introduzidas alterações decorrentes das propostas e observações daquelas organizações, designadamente a que salvaguarda, para efeitos de cálculo das pensões de aposentação ou de reforma e da remuneração na reserva, as fortes expectativas dos trabalhadores que, até ao final do ano, reúnam as condições de passagem à aposentação voluntária, à reforma ou à reserva, e de progressão na carreira.
Excepciona-se da aplicação deste diploma, por efeito do processo negocial específico exigido pela Lei n.º 14/2002, de 19 de Fevereiro, o pessoal da PSP e, por imperativo de coerência no quadro harmonioso das orientações estabelecidas, o pessoal da GNR, bem como o pessoal das Forças Armadas.
O projecto foi também submetido a um processo de consulta com as organizações representativas do pessoal docente.
Foram ainda ouvidos a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Depois disso, na Assembleia da República, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias procedeu à audição dos representantes dos trabalhadores da função pública, que, presencialmente e através de pareceres escritos, fizeram chegar as suas posições sobre a proposta de lei do Governo (cfr. ponto III do Relatório, Conclusões e parecer da aludida Comissão).
Tal é o suficiente para dar por cumprida a referida obrigação constitucional.
8. Invoca, seguidamente, o recorrente que a norma em causa está ferida de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição, que consagra o direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade. Considera, para o efeito, que a norma em análise contende com o direito à retribuição, já que o “congelamento da progressão retributiva e dos suplementos remuneratórios implica uma redução direta e imediata (…) do “vencimento real” para todos os docentes do ensino superior e investigadores”.
Ora, a norma em análise não procedeu a uma redução do vencimento dos funcionários, agentes e demais servidores do Estado. O que ela veio determinar foi, diferentemente, um congelamento – ou, se se quiser, uma suspensão – das progressões na carreira do referido universo de pessoas, com o consequente congelamento dos vencimentos nos exatos montantes de que esses vencimentos eram compostos. Assim, o vencimento dos docentes do ensino superior, bem como, aliás, de todos os demais agentes e funcionários do Estado aos quais se aplica a norma em análise, manteve-se nos seus exatos termos, não tendo os respetivos montantes sofrido variação de montante.
O que temporariamente deixou de existir foi o direito à progressão automática na carreira, com a inerente progressão salarial. Mas o Tribunal já teve oportunidade de sublinhar a diferente natureza dos institutos remuneração e progressão na carreira. Diz-se no Acórdão n.º 261/2004 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 26-05-2004):
“O Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho (que traça os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da administração pública), separa, em termos sistemáticos, a remuneração da progressão na carreira, enquadrando a primeira no Capítulo III (Princípios gerais sobre remunerações) e a segunda no Capítulo IV (Princípios gerais sobre gestão). A mesma sistemática é igualmente adotada pelo Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro (que desenvolve o regime jurídico traçado pelo diploma acima citado em matéria de estatuto remuneratório).
Assim, não se pode confundir o estatuto remuneratório com as condições especiais de progressão na carreira. Ambos surgem como institutos autónomos, dando lugar a direitos também autónomos, não se podendo afirmar que o direito à progressão (automática) na carreira constitua uma mera dimensão do direito à remuneração.
Obviamente que a progressão na carreira tem repercussões a nível remuneratório (já que a progressão implica uma mudança de escalão, que, por seu turno, conduz a um aumento da remuneração), mas tal circunstância não retira, de forma alguma, autonomia a qualquer dos institutos. Efetivamente, a confusão entre os dois resulta da intrínseca ligação de ambos a uma estrutura indiciária. Todavia, é importante notar que tal ligação, por si só, não é argumento decisivo nem no sentido da identificação dos conceitos de remuneração e progressão, nem no sentido da sua autonomia.”
Tendo a norma em análise sido emanada no contexto legislativo composto precisamente pelos diplomas em causa no aresto transcrito – o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho e o Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro, visando suspender o regime instituído pelos mesmos – o raciocínio do Acórdão n.º 261/2004 é perfeitamente transponível para a situação aqui em análise. Também aqui estaria em causa não o direito à retribuição, mas o direito a progredir na carreira.
Resta saber se o mesmo é constitucionalmente reconhecido.
Em matéria de acesso à função pública, o artigo 47.º n.º 2 da Constituição prescreve que “todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via do concurso”. O âmbito normativo-constitucional deste preceito abrange o direito de acesso, o direito de ser mantido em funções e, bem assim, o direito às promoções dentro da carreira (Gomes Canotilho/Vital Moreira, op. cit., p. 660). O Tribunal Constitucional considerou já por diversas vezes que do direito ao acesso à função pública decorre o direito à progressão (evolução) na carreira. Diz o Acórdão n.º 355/99 (publicado in Diário da República, 01-03-2000):
“Importa averiguar, antes de mais, se o direito à promoção na carreira está abrangido no núcleo do direito de acesso à função pública, consagrado no artigo 47º, nº 2, da Constituição e, caso a resposta seja afirmativa, em que termos.
De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito de acesso à função pública não comporta o direito a obter um emprego, mas garante a realização de um procedimento concursal – direito a um due process de recrutamento, para assegurar a igualdade –, sempre que houver vagas a preencher no âmbito da função pública e a consequente contratação dos candidatos apurados nas provas de seleção. Além disso, “embora o preceito refira expressamente apenas o direito de acesso (jus ad oficcium), o âmbito normativo-constitucional abrange igualmente o direito de ser mantido nas funções (jus in officio), e bem assim o direito ainda às promoções dentro da carreira” (Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, p. 265).
O facto de a progressão na carreira se incluir no núcleo essencial do direito de acesso à função pública deriva da proteção que o legislador constitucional dispensa ao trabalho, em condições de estabilidade e como forma de realização pessoal – cfr. artigo 59º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa. A permanência num posto de trabalho proporciona a especialização e o aperfeiçoamento do trabalhador, e contribui para a sua inserção no ambiente laboral.
Esta estabilidade deve ser premiada, através da criação de um sistema de progressão na carreira, o qual é uma componente essencial da dignificação do trabalho. As promoções podem operar a dois títulos: um primeiro, objetivo, que traduz, pura e simplesmente, a permanência e estabilidade do trabalhador no seu posto, permitindo a manutenção de um padrão de prestação de serviço homogéneo – promoção por antiguidade; um segundo, subjetivo, que constitui um mais relativamente ao primeiro, na medida em que se apresenta como um incentivo, não à mera prestação de trabalho, mas à prestação de trabalho de qualidade – promoção por mérito.
Mas esta jurisprudência assinalava já limites ao direito a progredir na carreira. Assim, afirma-se ainda no Acórdão n.º 355/99:
Dizer que o trabalhador tem um direito à progressão na carreira não é o mesmo que afirmar que o trabalhador tem o direito à carreira tal como ela se configurava na data em que ele ingressou no seu posto. A proteção constitucional da carreira como fator de valorização profissional do trabalhador não impede que o legislador proceda a reajustamentos, maiores ou menores, na estrutura das carreiras do funcionalismo público, de acordo com as exigências do interesse público.
Ou seja, o legislador pode redefinir a organização administrativa dos serviços públicos, no sentido de reordenar ou mesmo reconstruir as carreiras dos funcionários. No entanto, em atenção os princípios da boa fé e da tutela das expectativas, deverá assegurar mecanismos substitutivos ou compensatórios da reestruturação, ou mesmo da extinção dos postos de trabalho anteriormente existentes.
Tudo isto significa, por um lado, que o legislador ordinário deve construir um sistema de promoções que garanta o reconhecimento objetivo da dedicação do trabalhador à causa pública, permitindo-lhe a progressão na carreira. Isso não obsta, por outro lado, a que o legislador introduza alterações na estruturação dos serviços públicos e na evolução profissional, em termos de categorias, dos funcionários. Caso opte por reestruturar as carreiras dos funcionários, sempre deverá respeitar as situações constituídas e ter em conta as legítimas expectativas dos funcionários.
Da jurisprudência acabada de transcrever decorre que o legislador goza de ampla liberdade para estruturar as carreiras da função pública. Poder-se-á afirmar, por isso, que a proteção constitucional de progressão na carreira não implica a imposição de a lei ordinária prever uma evolução na carreira do funcionário caracterizada pela sistemática melhoria do seu estatuto remuneratório. O que decorre dessa garantia constitucional é que a progressão na carreira ocorra com direito às promoções profissionais que a lei determinar no momento em que se verificam os requisitos pessoais para tal necessários.
Cabe, por isso, na margem de liberdade do legislador prever – ou não prever – um sistema de progressão na carreira “automático”, que opere por mero decurso do tempo, pois é bem certo que a Constituição não impõe que o direito de acesso à função pública, do qual decorre o direito a progredir na carreira, tenha de ser assegurado através de um mecanismo de melhoria – automática, por antiguidade – da respetiva remuneração.
Aliás, apenas a progressão entendida como mudança de escalão, de índice remuneratório, e não como mudança de categoria e acesso na carreira, foi suspensa pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto. A referida norma não eliminou, assim, as outras formas que o Decreto-lei n.º 184/89 e o Decreto-lei n.º 353-A/89 previam para os funcionários, agentes e demais servidores no Estado evoluírem na carreira.
Não assiste razão ao recorrente, em suma, ao invocar a violação do n.º 3 do artigo 18º da Constituição.
A norma não reveste natureza retroativa, pois não pode, pelas razões já expostas, considerar-se fixado na ordem jurídica o direito de progressão na carreira, desde o momento em que o funcionário nela ingressa e nos termos em que, nesse momento, a lei a prevê.
9. O recorrente invoca ainda que o referido congelamento da progressão retributiva constitui uma redução “totalmente inesperada do “vencimento real” para todos os docentes do ensino superior e investigadores que, por uma questão de dias, deixam de usufruir de novo nível de remunerações a que poderiam legitimamente aspirar e com o qual contavam para prover às suas necessidades e dos seus familiares”.
O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que o princípio do Estado de direito democrático (consagrado no artigo 2º da Constituição) postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas.
Não obstante, de forma a respeitar a liberdade conformativa do legislador, necessária para que possa responder às necessidades de interesse público que a cada momento se façam sentir, não é possível entender que qualquer normação inovadora possa considerar-se violadora do princípio da segurança jurídica na vertente analisada. Isso só sucederá em relação a uma normação “que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático”. No acórdão nº 287/90 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 20-02-1991), o Tribunal Constitucional procurou concretizar quando ocorria uma afetação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, de expectativas jurídicas, apontando dois critérios:
'a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar; e ainda,
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do artigo 18º da Constituição, desde a 1ª revisão)”.
Importa saber se a norma objeto do presente recurso afetou, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, as expectativas jurídicas dos destinatários da mesma.
Há que ter presente que a relação de emprego público é uma relação jurídica duradoura. Nesse contexto, o Tribunal Constitucional afirmou já, de forma paradigmática, que não existe “um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras (...). Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes” (citado Acórdão n.º 287/90).
Sobre a violação do princípio da proteção da confiança em relação a normas que impunham alterações no regime de promoção ou progressão das carreiras da função pública disse o Tribunal no Acórdão 4/2003 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 13-02-2003):
“Note-se, desde já que, no caso em presença, não está em causa a redução dos direitos ou regalias profissionais, designadamente, a remuneração. Bem pelo contrário, a norma ora questionada garante aos professores que à data da sua entrada em vigor estejam posicionados nos 8.º, 9.º e 10.º escalões a manutenção dos índices remuneratórios auferidos. Trata-se de uma situação distinta da apreciada no Acórdão n.º 141/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 52.º, pp. 179 e ss.), cuja norma declarada inconstitucional operava uma redução da remuneração global auferida pelo pessoal por ela abrangido e que se encontrava já em exercício de funções à data da sua entrada em vigor.
A expectativa que o requerente entende merecer proteção constitucional respeita apenas à continuidade da posição de certos professores nos lugares de topo da carreira. Trata-se, portanto, unicamente, de uma expectativa de manutenção de um statu quo, que não pode considerar-se juridicamente relevante para o efeito de merecer a tutela dispensada pelo princípio constitucional da proteção da confiança.
Não se vê, além disso, que a situação em apreço constitua uma verdadeira regressão profissional. Na verdade, os docentes mantêm-se numa categoria da carreira que já existia e continua a existir: a categoria de professor. Muda apenas a organização interna desta categoria, passando a estar repartida em seis escalões (cf. a tabela a que se refere o artigo 59.º, n.º 1, do Estatuto, publicada em anexo), e é criada uma nova categoria (professor titular), hierarquicamente superior à categoria de professor, com funções de diferente natureza, âmbito e grau de responsabilidade (artigo 34.º, n.º 3, do Estatuto) – estas funções são, essencialmente, de coordenação, direção e avaliação (artigo 35.º, n.º 4, do Estatuto).
(…)
O regime de transição da carreira docente consagrado nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 15/2007 corresponde, nos termos expostos, a uma articulação razoável dos interesses do legislador subjacentes à alteração da estruturação da carreira com os interesses dos professores na manutenção da sua situação profissional. À semelhança do que se disse no Acórdão n.º 455/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 54.º, pp. 707 e ss.), “estando na disponibilidade do legislador a mudança do regime da estruturação das carreiras da administração pública, dificilmente poderia conceber-se um modo de resolver os problemas de transição para o novo regime que não envolvesse soluções análogas à contida” na norma questionada. As soluções de transição escolhidas pelo legislador para os professores posicionados nos 8.º, 9.º e 10.º escalões – designadamente a manutenção da categoria e do índice remuneratório, bem como o acesso especial e prioritário à categoria de professor titular – não podem, portanto, considerar-se violadoras do princípio da proteção da confiança”.
Com base nesta jurisprudência é, assim, possível concluir que não assiste razão ao recorrente. Está apenas em causa a alteração, para o futuro, de uma relação jurídica duradoura de natureza estatutária sem que se verifique modificação dos direitos já constituídos dos destinatários da norma. Na verdade, o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, não procede a qualquer alteração quer dos escalões em que se encontravam posicionados os funcionários aos quais a mesma se aplica, quer dos montantes salariais auferidos pelos mesmos. O que ela vem determinar é o congelamento provisório da progressão de carreira e salarial, isto é, a manutenção do sistema até então em vigor, “enquanto se procede à revisão do sistema de carreiras e remunerações” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005 de 30 de junho). Assim, a concreta alteração legislativa que agora está em causa não afeta qualquer direito adquirido do recorrente, nem a expectativa juridicamente tutelada de poder progredir na carreira por mero efeito do decurso do tempo, com a inerente atualização dos montantes salariais.
O Tribunal já afirmou que a lei pode suspender uma atualização salarial sem que ocorra violação do princípio da confiança. Diz o Acórdão n.º 237/98 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 17-06-1998):
“ao invés do que salientam os ora recorridos e a decisão judicial aqui sob recurso, a Lei nº 63/90 não afetou quaisquer 'direitos adquiridos'. Com efeito, não houve nenhum retrocesso remuneratório, apenas se suspendeu uma esperada atualização, ou seja, apenas se impediu um progresso.
(…)
Não implicando as normas dos nºs 1 e 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90 uma lesão de um 'direito' dos beneficiários do aumento de 56% em 1990 que não tiveram aumentos de 18% e 14,4% acima da atualização dos vencimentos da função pública, em 1991 e 1992, respetivamente, não colidem eles com o princípio constitucional da 'proteção da confiança' (e isto é assim, mesmo sem considerar que os efeitos negativos da suspensão de uma tal atualização de remuneração foram minorados em relação aos magistrados judiciais e aos magistrados do Ministério Público, primeiro pelo nº 2 do artigo 1º da Lei nº 63/90 e, a partir de 1 de janeiro de 1993, pelo aditado nº 3 do artigo 1º da mesma lei).
O que acaba de dizer-se é seguramente subscrito por quem votou o Acórdão nº 303/90, acima citado. A idêntica conclusão chegará também, e até por maioria de razão, quem dissentiu da decisão tomada neste aresto. De facto, também no caso aqui sub judicio, o aumento de vencimentos que a norma veio suspender não se havia ainda subjetivado, uma vez que a norma que previu aqueles aumentos ainda não se tinha tornado efetiva.E, por isso, as expectativas dos magistrados à perceção de um vencimento mais elevado não tinham uma consistência tal que a sua suspensão deva considerar-se intolerável.
E a isto acresce que houve fundadas razões para a decisão legislativa de suspensão desses aumentos - razões que têm a ver com o alarme provocado pelo aumento dos vencimentos dos titulares de cargos políticos, anteriormente aludido.
Eis, pois, as razões pelas quais as normas questionadas no presente recurso, na dimensão assinalada, não infringem o princípio da 'proteção da confiança', ínsito no princípio do 'Estado de direito democrático', consagrado nos artigos 2º e 9º, alínea b), da Lei Fundamental”.
No já citado Acórdão n.º 4/2003, o Tribunal afirmou:
“Pese embora seja possível afirmar, segundo os dados da experiência histórica, a existência, no domínio da função pública, de uma certa estabilidade/imutabilidade do vínculo laboral estabelecido, senão mesmo da existência, até, de uma certa expectativa no sentido do seu desenvolvimento que é próprio de um esquema geral de progressão nas carreiras, tal como nela está comummente estabelecido, não se segue daí que esses vínculos laborais possam ficar imunes, ex natura ou por qual razão especial, às contingências financeiras supervenientes, mormente no que toca à dificuldade da administração não poder suportar os gastos normais do funcionamento dos serviços, entre eles se contando os relativos trabalhadores, ou à necessidade sentida pelo legislador de proceder a uma melhor adequação dos serviços na perspetiva de uma melhor e atual pacificação das necessidades demandadas pelos interesses públicos que lhe cabe primacialmente definir e prosseguir. Num domínio altamente sensível às vicissitudes da realidade económico-financeira, sob a qual os direitos pretensamente atingidos se movem, e onde se cruzam, com sentidos por vezes divergentes as expectativas das suas carreiras, mesmo no aspeto remuneratório, e a necessidade sentida pelo legislador de procurar salvaguardar, por outros meios organizatórios ou até materiais, a realização do interesse público que lhe cabe determinar, não será possível vislumbrar a constituição de uma expectativa materialmente fundada não só da manutenção das suas previsões anteriores sobre o provável andamento das suas carreiras como mesmo das situações já alcançadas em função do direito em vigor”.
Em suma, pelas razões expostas, o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005 não viola o princípio da segurança jurídica, na vertente de proteção da confiança.
10. Por outro lado, não pode considerar-se violado, como pretende o recorrente, o princípio da proteção da confiança conjugado com o princípio da proporcionalidade.
É já vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o sentido e alcance decisivos do princípio constitucional da proporcionalidade, enquanto parâmetro constitucional de controlo da atividade legislativa. Merecem destaque, no que aqui importa considerar, os Acórdãos n.ºs 187/01 (in Diário da República, IIª Série, de 26-06-2001) e 455/02 (in Diário da República, IIª Série, 03-01-2003), onde se afirmou:
“Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da atividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da atividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a atividade administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado-Administrador e para o Estado-Legislador.
Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades pré-estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objetivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela exigibilidade ou necessidade pode não dispensar essa avaliação.
Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma “prerrogativa de avaliação”, como que um “crédito de confiança”, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objetivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da competência do legislador na definição dos objetivos e nessa avaliação (com o referido “crédito de confiança” – falando de um “Vertrauensvorsprung”, v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ª ed., Heidelberg, 1998, n.ºs 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objetivo é social ou economicamente complexa, e a objetividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer.
Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efetuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador.
Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação – e a decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe – e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objeção, segundo a qual apenas poderia existir “uma resposta certa” do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detetar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.”
Em face desta considerações, que mantêm inteira validade, cabe concluir que não é detetável “erro particularmente grave e manifesto” na escolha do meio que o legislador elegeu – o congelamento das progressões automáticas nas carreiras dos funcionários, agentes e demais servidores do Estado – para atingir o fim visado: a diminuição da despesa pública. De facto, a medida por ele adotada revela-se adequada e necessária ao fim em vista.
11. Finalmente, invoca ainda o recorrente a violação do princípio da igualdade, consignado nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da Constituição, na sua vertente positiva, pelo facto de a norma objeto do presente recurso incluir os docentes do ensino superior no seu campo de aplicação, tratando “esta categoria de servidores do Estado como se de qualquer outra se tratasse, sem atender às suas especificidades”.
Decorre da jurisprudência sedimentada do Tribunal que o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (assim, entre outros, o Acórdão n.º 409/99, publicado no Diário da República, IIª Série, de 10-03-2000). Ora, o juízo de controlo do respeito pela proibição do arbítrio alicerça-se a partir da análise do fim que as normas em causa visam alcançar. Há que ter presente, ainda, que “a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infração” do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio” (Gomes Canotilho, Vital Moreira, op. cit., p. 339).
Posto isto, importa atentar no regime estabelecido pela norma em análise, para averiguar se a mesma respeita o princípio da igualdade ou se o legislador ultrapassou a margem de conformação que lhe cabe, violando o princípio da proibição do arbítrio.
O n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto determinou a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras, bem como o congelamento de todos os efeitos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado, em todas as carreiras, categorias, incluindo as integradas em corpos especiais até 31 de dezembro de 2006. Tal suspensão assume o mesmo sentido em relação a todos os trabalhadores que exercem funções públicas. Assim, ela é aplicável aos docentes e investigadores do ensino superior enquanto corpo especial, da mesma forma que é aplicável aos demais trabalhadores do Estado. É precisamente essa circunstância que o recorrente contesta, alegando que os docentes e investigadores do ensino superior, face às suas especificidades, mereciam um tratamento distinto dos demais funcionários e agentes públicos.
Ora, o legislador não está constitucionalmente obrigado por força do princípio da igualdade, a conceder um tratamento diferenciado aos docentes e investigadores do ensino superior. Na verdade, as circunstâncias invocadas pelo recorrente como fundamento da necessidade de tratamento diferenciado – o facto de disporem de estatutos próprios e de não lhes ser aplicado o mesmo sistema de avaliação – não são suficientes para impor a não aplicação da suspensão da progressão nas carreiras aos docentes e investigadores do ensino superior.
Chega-se facilmente a essa conclusão se se atentar no fim da norma em análise que, predominantemente, visa um objetivo orçamental de redução da despesa pública com o pessoal – funcionários, agentes e demais servidores do Estado. Ora, com vista a alcançar o referido objetivo, não pode ter-se como arbitrária a inclusão dos docentes e investigadores do ensino superior no âmbito da referida medida legislativa, pois, tal como os demais funcionários, agentes e servidores do Estado, também os aumentos salariais que decorreriam da progressão da carreira destes últimos se poderiam traduzir num aumento da despesa pública.
III – Decisão
12. Nestes termos, o Tribunal decide negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 25 UC, sem prejuízo do benefício com que litiga.
Lisboa, 12 de janeiro de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.