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Procº nº 740/2002.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Pela 5ª Vara Cível do Porto deduziu A embargos à execução que lhe foi movida por B, execução essa instaurada com vista à recepção coerciva de
3.838,33 € que lhe não teria sido paga pela executada.
Segundo a embargante, aquela quantia foi retida ao abrigo do artº
101º, nº 1, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, já que, tendo a mesma contabilidade organizada, impunha-se-lhe, por força daquele preceito, a retenção da taxa de 15% sobre o montante de Esc. 5.139.107$00 que, a título de juros de mora, era devido à embargada pela embargante, juros esses que, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 5º do aludido Código, representam rendimentos da Categoria E (rendimentos de capitais)
Por saneador/sentença proferido em 3 de Julho de 2002, foram os embargos julgados improcedentes, para tanto se tendo recusado a aplicação, por inconstitucionalidade material, da norma constante da alínea g) do nº 1 do artº
6º do aludido Código.
Do assim decidido recorreram, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a embargante e o Representante do Ministério Público junto da citada Vara.
Os recursos vieram a ser recebidos por despachos exarados em 15 de Julho de 2002 e 23 de Setembro do mesmo ano.
2. Determinada a feitura de alegações, rematou o Represente do Ministério Público junto deste Tribunal a por si produzida com as seguintes
«conclusões»:
'1º - Os juros moratórios exercem, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, uma função de indemnização pelo retardamento no integral ressarcimento do lesado, idêntica à alcançada através da aplicação da ‘teoria da diferença’, visando a compensação dos danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação e da desvalorização monetária entretanto ocorrida.
2º - A integral compensação do dano sofrido pelo lesado - incluindo a correcção monetária do valor da sua pretensão - pode ser alcançada através de dois meios alternativos: a correcção monetária do próprio capital indemnizatório, efectuada nos termos do artigo 566º, nº 2, do Código Civil, ou - não sendo esta processualmente viável, em termos integrais - o vencimento de juros moratórios, a partir da ‘decisão actualizadora’, nos termos dos artigos
805º, nº 3, e 806º, nºs 1 e 3 do Código Civil (cfr. Acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2002).
3º- Constitui violação do princípio da igualdade a tributação em IRS, como ‘rendimento’ auferido pelo lesado, dos referidos juros de mora, estando isento de tributação o ressarcimento do mesmo tipo de danos, quando alcançado através do ‘meio alternativo’ ao vencimento de juros de mora - a actualização do capital indemnizatório, ao abrigo da ‘teoria da diferença’.
4º - Na verdade, atenta a mesma função substancial atribuída aos juros de mora e à correcção monetária do capital indemnizatório, no âmbito da responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, constitui solução discriminatória e arbitrária a tributação em IRS do lesado que obteve a compensação do seu dano através da percepção de juros moratórios - estando inquestionavelmente isento o que viu tais danos ressarcidos mediante correcção monetária do capital da indemnização.
5º - A função material atribuída aos juros de mora devidos pelo retardamento da prestação do responsável - e a sua natureza inquestionavelmente ressarcitória e indemnizatória - não permitem, do ponto de vista constitucional
- a respectiva qualificação como ‘rendimento’ tributável, ao abrigo do preceituado nos artigos 103º, nº 1, e 104º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
6º - Na verdade, tais juros - perspectivados na sua função de indemnização pelo retardamento da prestação e da desvalorização monetária ocorrida - não constituem atribuição ou acréscimo patrimonial do lesado, mas mera reposição deste na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento danoso.
7º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida, procedendo-se a uma reponderação da jurisprudência contida no acórdão 453/97'.
De sua banda a A, finalizou a sua alegação concluindo:-
'I. Não pode a recorrente conformar-se com o despacho-sentença ora recorrido que desaplicou o artº 6º nº 1 al. g) do CIRS por inconstitucionalidade, considerando-o violador do princípio da igualdade. Na verdade, II. São os juros devidos pela mora no pagamento de uma indemnização justamente tributados em sede de IRS, enquanto rendimentos de capital, no âmbito da categoria E. III. Tais juros assumem a natureza de juros moratórios, que, em conformidade com o disposto no artº 806º do Código Civil, têm um carácter indemnizatório. IV. Mas é tal indemnização devida independentemente da verificação de um prejuízo patrimonial efectivo. Seguindo a filosofia de que um montante pecuniário rende sempre, é a indemnização devida para colmatar um lucro cessante, pois que o credor sempre poderia obter rendimento deste capital através de, por exemplo, aplicações financeiras. V. Nestes termos, não perdem os juros de mora as suas características de autonomia e acessoriedade relativamente à obrigação principal e com ela não se confundindo. Consubstanciam antes (os juros de mora) um rendimento do capital em que tal obrigação se traduz. VI. Ora, os juros remuneratórios implicam igualmente um acréscimo de capital, mediante a privação deste por parte do credor por um certo tempo. VII. Concluiu-se que em ambos os casos (juros moratórios e juros remuneratórios) ocorre um rendimento de capital, pela privação deste durante um certo tempo, apenas diferindo a causalidade de tal privação. Há portanto uma igualdade dos pressupostos de facto jurídico-constitucionalmente relevantes. VIII. Tributando-se o rendimento de capital originado quer por juros moratórios quer por juros remuneratórios, que é obtido ‘sem esforço’, há um tratamento igual de uma realidade material igual. IX. É assim respeitado o princípio da igualdade material, constitucionalmente consagrado no seu artº 13º. X. São também observados os preceitos contidos nos artºs 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa, dado que a justiça fiscal só se alcança se forem igualmente tributados iguais rendimentos de capital'.
Por seu turno, a embargada concluiu a alegação que apresentou propugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
3. Convém deixar assinalado que foi dado por assente na decisão ora sob censura que, tendo, por acórdão, transitado em julgado, proferido em 14 de Novembro de 2000, sido a embargante condenada a pagar à embargada a quantia de Esc. 26.515.000$00, acrescida de juros à taxa legal que vigorar em cada momento, desde a citação até efectivo pagamento, a título de indemnização por danos sofridos em consequência de um acidente de trânsito, veio a primeira a pagar à segunda, em 15 de Dezembro seguinte, o montante global de Esc. 30.875.591$00, sendo que, do quantitativo referente a juros, do valor de Esc. 5.130.107$00, foram retidos pela mesma embargante Esc. 769.516$00 nos termos do nº 1 do artº
101º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Na dilucidação do problema em análise, haverá que partir da questão de saber se a obrigação de indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual se poderá caracterizar, originariamente, como uma obrigação pecuniária.
É que, a ser dada resposta positiva a tal questão, para a resolução daqueloutra que constitui o cerne do vertente recurso seria cabido apelar à fundamentação carreada ao Acórdão deste Tribunal nº 453/97, publicado na 2ª Série do Diário da República de 9 de Fevereiro de 1999.
Na verdade, nesse aresto (e não parece que releve agora o decidido no Acórdão nº 288/01, ainda inédito, em face da decisão no mesmo ínsita, pois que se limitou a indeferir a reclamação do então recorrente relativamente à decisão sumária que, fundada na doutrina firmada pelo Acórdão nº 453/97, concedeu provimento ao recurso interposto de sentença que desaplicou o normativo agora em apreço, indeferimento esse baseado nas razões que de tal Acórdão nº
288/01 constam) disse-se, em dados passos:-
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
4. É verdade que a indemnização é, em si mesma, uma reparação, não é um acréscimo patrimonial. Mas os juros de mora no pagamento da indemnização têm uma objectividade autónoma. São ‘frutos civis, constituídos por coisas fungíveis’
(Antunes Varela), não ‘constituem’ a compensação que originariamente está determinada a reparar o prejuízo [prestação originária], constituem um acréscimo pecuniário a essa compensação, no sentido de reparar o seu retardamento
[indemnização moratória].
5. O Direito Civil deixa entrever, em vários lugares, a independência entre o crédito de juros e o crédito principal. O artigo 561º do Código Civil determina que ‘desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro’, o artigo 763º, que ‘ não é lícito ao credor, a coberto da regra do cumprimento integral da prestação, recusar-se a receber os juros desacompanhados da entrega do capital’, e o artigo 785º, que, se a prestação não cobrir capital e juros, se presume feita por conta destes, salvo se o credor concordar em contrário. Finalmente, o artigo 661º, nº 2, sobre a imputação dos frutos na consignação de rendimentos, o artigo 672º, nº 1, sobre o encontro de frutos no penhor de coisas, e os artigos 307º e 310º, sobre a prescrição, mostram também a ‘dualidade’ crédito principal-crédito de juros.
5.2 - Na doutrina, Vaz Serra advertia já para que ‘a relação de dependência entre os dois créditos não é perfeita, depois de nascido o crédito de juros’ [‘Obrigação de juros’, Boletim do Ministério da Justiça, nº 55, Abril de 1956, pág. 164], Antunes Varela chama a atenção ‘para a autonomia do crédito de juros, uma vez constituído’ (Das obrigações em geral, volume I, 6ª edição, revista e actualizada, Coimbra, 1989, pág. 845), Mário Júlio de Almeida Costa afirma mesmo que ‘a ideia básica é a da autonomia do crédito de juros’ [Direito das Obrigações, 5ª edição, remodelada e actualizada, Coimbra, 1991, pág. 621].
A doutrina, ainda, define os juros em torno da ideia de rendimento:
‘os juros são os frutos civis constituídos por coisas fungíveis, que o credor aufere como rendimento de uma obrigação de capital, e que variam em proporção do valor deste capital, do tempo durante o qual se mantém a privação deste e da taxa de remuneração’ (Pires de Lima/Antunes Varela), são o ‘o rendimento de um crédito pecuniário, que se determina em função do montante deste, do tempo durante o qual se fica privado do capital e da taxa de remuneração’ (Almeida Costa).
É claro que os quadros do Direito Civil não relevam decisivamente para a questão de constitucionalidade. Mas mostram que prestação originária e juros são duas coisas distintas e a esta dualidade não pode ser indiferente o procedimento de valoração da norma do artigo 4º, nº 2, alínea e), da Lei nº
106/88 e, pois, da norma do artigo 6º, nº 1, alínea g), do Código do IRS..
6. A Constituição impõe a tributação global do rendimento, mas não definiu, de modo esgotante, o seu modelo. Ao invés, deixou a decisão, em boa medida, à liberdade do legislador democrático que, assim, apenas é limitada pelos princípios materiais constitucionalmente conformadores. Aqui, são os princípios da proporcionalidade e da justiça fiscal a ser convocados. O legislador está vinculado a realizar uma ideia de justa medida e a estabelecer uma regulação racional e coerente. Afinal, é de uma oneração que aqui se trata, a reclamar a concretização das directivas do Estado de direito, segundo as quais
‘nenhum poder deve ir além daquilo que corresponde à natureza das coisas’
(Coing), nenhuma regulação restritiva deve ir além do que é requerido pelo fim específico dessa regulação.
Mas a norma do artigo 4º, nº 2, alínea e), da Lei nº 106/88 e, no seu seguimento, a regulação empreendida pela norma do artigo 6º, nº 1, alínea g), do Código do IRS, no sentido em que a teve a decisão recorrida, que é o de incluir na incidência do IRS os juros percebidos pela mora no pagamento de uma indemnização, em nada atenta contra tais directivas. Esses juros já não participam da mesma natureza da indemnização. Remetem-se para o domínio comum da estrutura e dos fins do sistema fiscal. O discurso que se lhes adequa é o discurso da generalidade que se impõe à instituição dos deveres públicos. Não é um discurso de excepção, que não há aí características de excepção que levem à necessidade constitucional de não tributar.
7. Um sentido constitucionalmente adequado do conceito de
‘rendimentos de capitais’, que está na Lei de autorização legislativa, não tem que excluir da incidência do I.R.S. os juros de mora no pagamento de indemnização por acidente de viação. A norma do artigo 6º, nº 1, alínea g), do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro [Código do I.R.S.], com a interpretação da decisão recorrida, acolhe assim esse conceito. Não é por isso contrária ao artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição da República.
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4. Daqueles transcritos passos extrai-se que este Tribunal, no dito Acórdão, partiu de uma concepção que, verdadeiramente, tão somente atendeu à natureza moratória, remuneratória ou correspectiva atribuída dos juros como contraprestação onerosa da indisponibilidade do capital (Vaz Serra, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 48, 111 e 112, falava na retribuição do capital quanto ao juro contratual e indemnização pelo atraso da prestação).
Simplesmente, como sabido é, por vezes, e pese embora a indefinição dos mais variados preceitos legais, existe uma espécie de juros que, doutrinariamente, são designados como juros compensatórios ou de indemnização
(cfr. Correia das Neves, Manual dos Juros, 1989, designadamente 27 a 35; cfr., ainda, Vaz Serra, ob. citada, 112, e 244, que se reporta aos juros compensativos ou compensatórios como não representando uma retribuição do capital ou uma indemnização pelo atraso), e cujo escopo, justamente, é o de completar a indemnização devida 'compensando o prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu direito' (palavras do segundo autor), pelo que eles representam um capital suplementar que ainda se funda do dano que o lesado sofreu em virtude da lesão.
4.1. Ainda recentemente, relativamente à questão de saber se há, ou não, incompatibilidade entre a segunda parte do nº 3 do artº 805º do Código Civil (redacção dada pelo Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho) e o nº 2 do artº 566º do mesmo corpo de leis (ou seja, saber se, em casos de responsabilidade civil extracontratual - em que se exige o ressarcimento de danos não patrimoniais e em que a reintegração do danos patrimoniais se não pode alcançar pela reconstituição natural da situação que normalmente se depararia caso o evento lesivo não tivesse ocorrido - se pode arbitrar uma indemnização em dinheiro, segundo o critério de cálculo arbitrado naqueles número e artº 566º e, do mesmo passo, declarar o responsável pelo pagamento do quantum indemnizatório em mora desde a data da citação, por isso sendo a este exigível o pagamento dos juros moratórios desde aquela data), o Supremo Tribunal de Justiça veio a tomar posição no Acórdão fixador de jurisprudência nº 4/2002 (in Diário da República,
1ª Série-A, de 27 de Junho de 2002), no qual concluiu, embora com várias opiniões dissidentes, que sempre 'que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º
1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação'.
Nesse aresto, fundamentou-se aquela conclusão do seguinte jeito:-
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
4.2 - Sobre tal questão, a jurisprudência, máxime a deste Supremo Tribunal está de há muito dividida.
Assim, no sentido da orientação que advoga a existência de uma harmonia sistemática entre os dois preceitos, isto é, a admissibilidade da acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação, podem enumerar-se, sem preocupações de exaustividade, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 17 de Novembro de 1992, de 17 de Janeiro de 1995, de 30 de Maio de 1995, de 28 de Setembro de 1995, de 3 de Dezembro de 1998, de 13 de Janeiro de 2000 e de 23 de Novembro de 2000.
Sustentando, pelo contrário, a inadmissibilidade da referida acumulação, ou seja, entendendo que os dois preceitos se sobrepõem num espaço da sua estatuição, o que impõe a necessidade da interpretação restritiva do falado segmento do n.º 3 do artigo 805.º, podem enumerar-se os seguintes acórdãos, também deste Supremo Tribunal de Justiça: de 6 de Outubro de 1987, de 20 de Dezembro de 1990, de 26 de Fevereiro de 1991, de 14 de Março de 1991, de 31 de Março de 1993, de 15 de Dezembro de 1998, de 12 de Julho de 2001, de 6 de Novembro de 2001 e de 12 de Março de 2002.
4.3 - O principal argumento aduzido pelos defensores da primeira orientação radica no distinto objecto e na diversa natureza que preside à actualização da expressão monetária da indemnização relativa ao período compreendido entre a data da citação e a data da decisão actualizadora, por um lado, e, por outro, ao pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, na medida em que aquela visa a manutenção do valor real da indemnização, ao passo que este visará compensar o lesado pela demora na reparação dos danos sofridos. Pode ainda dizer-se que, de acordo com este entendimento, os juros de mora a atribuir não revestem apenas natureza compensatória, mas também uma função sancionatória, a que não é alheio o facto de a obrigação de indemnizar resultar da prática de um facto ilícito ou da criação de um risco especial.
Pelo contrário, para a segunda orientação, que, diga-se, desde já, acompanhamos, não é defensável a cumulatividade de juros de mora desde a citação, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 805.º com a actualização da indemnização, na medida em que ambas as providências influenciadoras do cálculo da indemnização devida obedecem à mesma finalidade, que consiste em fazer face à erosão do valor da moeda no período compreendido entre a localização no tempo do evento danoso e o da satisfação da obrigação indemnizatória.
4.4 - Cumpre, pois, responder às perguntas deixadas oportunamente em aberto.
Ou seja, sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no artigo 566.º, n.º.2, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1.ª instância - como foi o que aconteceu no caso sub judice - pode ele, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na segunda parte do nº. 3 do artigo 805.º, referido ao nº. 1 do artigo 806.º?
E, não o podendo fazer, como deverá compatibilizar a expressão normativa dos dois preceitos em confronto?
Em matéria de cálculo da indemnização em dinheiro, o nº. 2 do artigo
566.º consagra a teoria da diferença, que define como a medida da «diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Desenvolvendo este ponto, escreve-se no citado Acórdão proferido na Revista 1861/00:
«Este critério de cálculo da indemnização em dinheiro não é, naturalmente, aplicável à indemnização, ‘danos não patrimoniais’ e ajusta-se mal
à indemnização por ‘danos futuros previsíveis’ (cf. artigo 564º, n.º2).
Em todo o caso, o método de aferir o cálculo da indemnização pela data mais recente que o tribunal puder atender, que é uma das traves mestras do
'princípio da diferença', deverá ser, também, um dos princípios basilares da indemnização dos referidos danos, uma vez que se trata de ideia que decorre do próprio princípio geral da indemnização, definido no artigo 562.º
No cálculo da 'diferença', relevam, como não podia deixar de ser, os danos derivados da demora da liquidação da indemnização. .
E, porque se trata de indemnizar em 'dinheiro', um dos componentes da
'diferença', como efeito pernicioso dessa demora, deverá ser, também, a inflação, a 'décalage' entre o valor da moeda à data da ocorrência do dano e o que se verifica na citada 'data mais recente'.
As novas soluções introduzidas no Código Civil pelo Decreto-Lei n.º
262/83 visaram combater o fenómeno da 'inflação' e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco.» (29).
4.5 - Os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária {artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização.
No entanto e no seguimento do que já se disse, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 200-C/80, aos juros moratórios passou a estar cometida não só a função específica de indemnizar os danos decorrente do intempestivo cumprimento da obrigação, mas também a de contrabalançar a desvalorização monetária, numa indirecta reacção contra o princípio nominalista consagrado no artigo 550.º (30).
Os efeitos conjugados da inflação e do protelamento das acções sobre os pedidos dos lesados era tal. que o juiz não podia, muitas vezes, atribuir a indemnização que lhe impunha o n.º 2 do, artigo 566,º, isto é, uma indemnização
à medida do valor da moeda à data da sentença.
Chegados, porém, tempos, como os que correm, caracterizados por uma relativa estabilidade no valor da moeda, passou a acontecer, com frequência, que esse condicionalismo, associado à elevação dos pedidos indemnizatórios e ao desincentivo do protelamento das acções, resultante da já falada alteração introduzida ao n.º 3, do artigo 805.º, passaram a permitir ao juiz, sem violar o princípio do pedido, atribuir indemnizações actualizadas em conformidade com a referida norma do n.º 2do artigo 566.º, levando já em conta não só todos os danos alegados, mas também a correcção monetária.
Como lucidamente se adverte no acórdão que vimos acompanhando,
«fazer, então, incidir sobre tais quantias actualizadas juros moratórios entre a citação e a sentença será esquecer a teleologia da regra acrescentada ao n.º 3 do artigo 805.º, pelo mencionado Decreto-Lei n.º 262/83, seria fechar os olhos à função de correcção monetária atribuída aos juros moratórios, seria, enfim, transformar um antídoto da inflação numa atribuição patrimonial injustificada, à revelia do princípio indemnizatório definido no dito n.º 2 do artigo 566.º e do próprio princípio geral consignado no artigo 562.º Aos prejuízos decorrentes do atraso da liquidação da indemnização, responde, assim como aos demais prejuízos directa ou indirectamente decorrentes do facto ilícito, o n.º 2 do artigo 566.º, não havendo, pois, razão para, em tais circunstâncias, se considerar que o responsável caiu em mofa. a partir da citação, pelo pagamento da obrigação pecuniária em que se converteu a obrigação de indemnização».
A aplicação da norma do n.º 2 do artigo 566.º em toda a sua expressão normativa, com a função de regra geral indemnizatória que claramente desempenha, faz. com que, inevitavelmente, o n.º 3 do artigo 805.º deva sofrer uma restrição interpretativa, para a qual aponta também a consideração de que o princípio actualista que preside ao enunciado declarativo do n.º 2 do artigo 566.º não se confina ao aspecto da correcção monetária.
Sendo certo que a regra do n.º 3 do artigo 805.º teve em vista
«combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco», se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário.
Importa então concluir, como no acórdão citado, que, nesse caso, «a sua intervenção só se justifica , por força da interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 805.º; a partir da data da sentença em 1.ª instância, que, no que toca ao cálculo da correcção monetária, constitui, nos termos do n.º 2 do artigo
566.º, a mais recente que pode e deve ser tida em conta».
A aplicação simultânea do n.º 2 do artigo 566.º e do artigo 805.º, n.º 3, conduziria a uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, pelo que o n.º 3 do artigo 805.º cederá quando a indemnização for fixada em valor determinado por critérios contemporâneos da decisão.
4.6 - Por outro lado, não merece acolhimento uma interpretação do artigo 805.º, n.º 3, que permita pensar que o legislador de 1983 teria deixado na disponibilidade do lesado a opção entre o critério geral de indemnização actualizada previsto no n.º 2 do artigo 566.º e o do n.º 3 do artigo 805.º, que supõe a fixação da indemnização a valores do tempo da petição inicial (32).
O critério regra é o estabelecido no n.º 2 do artigo 566.º, limitando-se o critério introduzido pela nova redacção do n.º 3 do artigo 805.º a ter um valor complementar do primeiro, «destinado a garantir a plena eficácia da respectiva intenção normativa» (33).
Nem se diga que a cumulação de juros e correcção monetária poderia encontrar fundamento na função não meramente indemnizatória ( e de correcção monetária ) dos juros de mora, mas também na componente sancionatória que lhes corresponderia.
É que, por um lado, e tal como se disse, a ideia que presidiu à retroacção da mora, nos casos dos créditos ilíquidos provenientes de responsabilidade civil por facto ilícito e pelo risco, não teve origem em qualquer pretensão sancionatória ou punitiva, visando tão-somente combater os efeitos nefastos da inflação. Acresce, por outro, que a referida vertente punitiva não é de todo conciliável com a responsabilidade pelo risco (34).
Como se explicou no acórdão proferido na Revista n.º 1861-00, a intenção do legislador de 1983 foi nitidamente a de apenas compensar o prejuízo da inflação relativamente ao que falhava na previsão do n.º 2 do artigo 566.º, ou seja:
a) Quando, por efeito da inflação, o valor do pedido se depreciava em termos tais que a actualização com referência à data da sentença conduzia a um valor superior ao do pedido, que o tribunal não podia, assim, considerar atenta a limitação resultante do artigo 661.º, n.º 1, do C PC; b) Por não prever possibilidade de actualização monetária em via de recurso, razão por que o n.º 2 do artigo 566.º lhe fixava o limite temporal na «data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal», «data esta que, por força dos mecanismos do processo, só pode ser a da sentença em, 1ª instância».
Justifica-se uma advertência.
A actualização monetária da obrigação pode, porém, não ocorrer apenas em 1.ª instância, podendo ter lugar na Relação ou até, excepcionalmente, no Supremo Tribunal de Justiça. Considerando o carácter geral e tão abrangente quanto possível que deverá ter a solução uniformizadora, a qual deverá abarcar, sendo caso disso, a actualização monetária expressamente efectuada nas decisões proferidas pelo tribunais superiores, será preferível que, na sua formulação, a norma interpretativa a adoptar, em vez de aludir à «sentença proferida em 1.ª instância», faça referência ao conceito de «decisão actualizadora», interpretado nos termos acabados de indicar.
4.7-Diga-se ainda que, nesta problemática, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do nº. 2 do artigo 566.º.
Nem se argumente. enfim, que, a vencer a tese da não cumulação, se frustrará o prop6sito prosseguido pelo legislador de 1983. Na verdade, sempre continua reservado à nova formulação do n.º 3 do artigo 805.º um largo campo de incidência.
Assim reproduzindo as considerações, a propósito, tecidas pelo acórdão que temos vindo a acompanhar, poder-se-á desenhar o seguinte quadro:
1.º A interpretação restritiva que se adopta só se aplica relativamente à obrigação de indemnização e não a qualquer outra obrigação ilíquida, de diferente origem e natureza;
2.º Nos casos em que o juiz não pode valer-se do n.º2 do artigo 566.º, por o pedido estar muito desactualizado, e não ter sido ampliado, os juros de mora podem e devem ser contados desde a citação, em cumprimento do nº. 3 do artigo
805.º;
3.º Se não tivesse sido alterado no sentido em que o n.º 3 do artigo 805.º foi pelo legislador de 1983, não seria possível contar juros de mora sobre o montante indemnizatório a partir da sentença condenatória, independentemente do trânsito em julgado (a «teoria da diferença» só opera até à sentença); a partir desta, já nada obsta, por aplicação do n.º3 do artigo 805.º, a que comecem a contar-se juros de mora.
5- Acerca do momento a partir do qual devem ser contados, no caso concreto, submetido a recurso, os juros moratórios, quer para a indemnização fixada pela Relação de Évora relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente A, quer quanto à indemnização, agora arbitrada, por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais sofridos pelo menor B, deve ponderar-se que os quantitativos indemnizatórios atribuídos na esteira do que fora oportunamente decidido pelas instâncias – já tiverem em linha de conta o critério actualista definido no nº. 2 do artigo 566.º, compreendendo, assim, uma avaliação dos danos reportada à data da sentença da 1. instância – cf. fls. 217 e 263 v.
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5. É evidente que este Tribunal não tem que aquilatar da bondade ou não bondade da jurisprudência que ficou firmada por intermédio do acórdão de que passos se encontram transcritos.
O apelo a que ao mesmo foi feito tem por finalidade, tão só, fazer vincar que existe, com base em fundamentos que não podem à partida ser tidos por incuriais, um entendimento de harmonia com o qual, tendo sido efectuada actualização do quantum indemnizatório atendendo à erosão monetária surpreendida entre o momento da ocorrência do evento danoso e o ressarcimento das consequências desse evento, não se justifica a dação de juros sobre o capital indemnizatório a partir da citação; e isso, no dito entendimento, precisamente porque aqueles juros moratórios têm por finalidade compensar a depreciação da moeda entretanto ocorrida (cfr., no mesmo sentido, Correia das Neves, ob. cit.,
108, e Eurico Consciência, in As Seguradoras não podem fazer retenções de IRS no pagamento dos juros das indemnizações por acidentes de viação, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, 1043).
Uma tal postura, porém, como parece claro, acarreta ou, se se quiser, parte de um pressuposto, qual seja o de que a condenação no pagamento dos juros após a citação tem como causa própria a compensação pela erosão monetária.
Por isso, alguns dos Juízes subscritores do acórdão uniformizador de jurisprudência de que alguns passos se transcreveram terçaram armas por uma outra óptica, que conduziria à prolação de norma interpretativa de sentido diverso àquela que resultou de tal acórdão.
Essa óptica repousou, em síntese, na consideração de que os juros moratórios e a actualização do quantum indemnizatório prosseguem diversas finalidades ou, por outras palavras, têm diferentes causa, já que o quantitativo atinente aos primeiros não tem a ver com a reparação do dano que se impõe que seja ressarcido, mas sim com a demora na prestação do ressarcimento, enquanto que aquela actualização é (e por isso mais não representa) verdadeiramente, a expressão monetária da indemnização devida desde a ocorrência do facto lesivo.
Pode, na verdade, ler-se num dos votos de vencido apostos ao aludido acórdão:-
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A fixação da expressão monetária do desvalor a compensar com a atribuição da indemnização só tem a ver com a data em que se encerra a discussão
(na 1.ª ou na 2.ª instância). É nessa data e em relação a ela que caberá avaliar qual a situação em que o lesado se encontra e aquela em que se encontraria se não fosse a lesão, achar a diferença e exprimir esta diferença em dinheiro, atendendo ao valor deste, ao seu poder aquisitivo à data da decisão, com recurso
à equidade.
Se a indemnização tivesse sido fixada logo no próprio dia em que a lesão ocorreu certamente que a sua expressão monetária seria diferente daquela que assumirá se vier a ser fixada cinco anos mais tarde (em regra esta será maior já que a inflação também é regra).
Porém, esta diferença de expressão monetária do desvalor que é o dano não significa que no segundo momento a indemnização seja maior: o que cresce não
é a indemnização, que continua a ser a mesma, mas a sua expressão monetária em consequência de ter baixado o poder aquisitivo da moeda.
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A obrigação de pagamento de juros sobre a expressão monetária da indemnização não tem a ver com a reparação da lesão a que me venho referindo.
Tem a ver com um outro mal, o da demora na compensação do lesado pelo dano sofrido.
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E, num outro voto dissidente, pode ler-se:-
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Donde terá que entender-se que aquele artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil não tem uma intenção correctora da depreciação monetária, antes tal intenção é própria e permanece ínsita na consagração, pelo artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, na denominada teoria da diferença.
Por isso que, constituindo a obrigação de juros uma indemnização diferente da obrigação de indemnizar pelos danos causados no acidente, tem por fonte a mora, baseia-se no incumprimento pelo devedor em devido tempo e visa sancionar esse não cumprimento atempado.
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6. Antevê-se como certo que, para quem defenda que, se, numa dada decisão judicial, o valor monetário equivalente à indemnização devida a título de responsabilidade civil extracontratual foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária e se, além disso, ficou consagrada a obrigação de pagamento de juros sobre aquele valor, contados a partir da citação, o montante equivalente a estes últimos não pode perspectivar-se como integrador da denominada «teoria da diferença» - à qual se deverá submeter aquilo que é imposto pelo dever de reparação do dano sofrido em consequência da lesão -, mas sim como uma compensação pela demora no pagamento. E, assim, tendo os juros por fonte uma obrigação diversa daquela donde advém do dever de indemnizar, os fundamentos carreados e a conclusão ínsita no Acórdão nº 453/97, já citado, seriam perfeitamente de aceitar.
7. Mas, se em causa estiver um caso em que para se alcançar a expressão monetária da indemnização se não teve em conta aquilo que alguns designam por «correcção monetária», limitando-se, pois, tal expressão monetária
à reconstituição da situação que seria a detida pelo lesado caso o evento lesivo não tivesse ocorrido, acrescendo, ao assim definido quantum indemnizatório, a condenação do responsável nos juros devidos desde a citação, então é plausível entender-se que estes juros têm por finalidade fazer acrescer àquele quantum o desvalor verificado em consequência da desvalorização.
Em casos como esse, o montante dos juros não poderá, pois, deixar de ser perspectivado ainda como a expressão monetária da indemnização.
E, a ser assim, a tributação desse montante a título de rendimentos da categoria E, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 5º do Código de Rendimentos Sobre o Imposto das Pessoas Singulares antever-se-ia como violadora do princípio da igualdade, na medida em que a expressão monetária de uma indemnização não está sujeita a essa tributação e, afinal, o indicado montante dos juros não deixa de fazer parte daquela expressão, sendo certo que a função substancial do valor da indemnização é perfeitamente idêntica (é, verdadeiramente, a mesma) da dos juros cujo pagamento foi determinado com tal finalidade.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções junto deste Tribunal advoga essa solução, mas partindo da consideração de que os juros moratórios exercem, no âmbito da responsabilidade civil, a função de indemnização pelo retardamento no integral ressarcimento do lesado.
Como se viu, todavia, pode não ser assim.
Tudo dependerá da decisão judicial condenatória do responsável.
Ora, no caso sub iudicio, não consta dos presentes autos o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que ditou a condenação da embargante. Significa isso que não dispõe o Tribunal Constitucional de elementos com consistência suficiente que permitam afirmar que a decisão de condenação da embargante a pagar à embargada juros perspectivou estes como constituindo ainda uma forma de ressarcimento da lesada pelo retardamento da reparação do dano ou, pelo contrário, uma forma de compensação da mora no não pagamento de um montante indemnizatório devido e no qual já foram tidos em consideração os factores advindos da erosão monetária.
Acontece, porém, que a decisão ora impugnada (e esta questão não pode ser objecto de censura por banda deste Tribunal, atentos os seus poderes cognitivos) deu por assente que não correspondiam 'a uma remuneração ou lucro
(como rendimento), mas antes a ‘um reequil[i]brio do património do lesado, pela entrega de prestação e respectiva indemnização pelo prejuízo causado’',
'destinando-se a completar a indemnização, compensando o lesado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu direito, sendo como que um capital complementar justificado pelo dano, que tanto podia ser objecto de uma quantia calculada como provável, como a calcular em função de um juro a taxa diferente da legal '.
Vale isto por dizer que aquela decisão - independentemente do seu acerto neste particular - entendeu que os juros em causa, cujo pagamento foi ditado pelas decisões judiciais anteriores, deviam ser perspectivados como constituindo ainda uma parte da expressão monetária do quantitativo indemnizatório.
Neste contexto, constituiria patente violação do princípio da igualdade a tributação, em sede de rendimento para efeitos de IRS, do montante destes juros do mesmo modo que a tributação dos que representam os de um rendimento do capital, por isso aquele montante, ao fim e ao resto, representa ainda parte da função compensatória do dano sofrido, tendo, consequentemente, a mesma fonte obrigacional de onde deriva a indemnização (a qual não é passível de uma tal tributação), sendo que os juros representativos do rendimento de capital têm uma fonte diversa, justamente o decurso do tempo durante o qual se ficou privado do capital que era devido.
Na verdade, não se lobrigam razões que levem à tributação de um quantum atribuído a título de juros, mas destinado a compensar a desvalorização da moeda em face da não atempada reintegração do dano, e a não tributação dessa mesma reintegração que, dada a circunstância de o ser, não pode ser considerada como um rendimento. A haver essa tributação, deparar-se-ia uma situação de discriminação e de injusta repartição dos rendimentos por parte de quem sofre um infortúnio, pois que, para além de ter sido objecto desse infortúnio, ainda teria de acartar com uma diminuição de uma parte do quantum indemnizatório
(diminuição essa derivada da tributação), parte essa, precisamente, fixada em função da desvalorização monetária, sendo que os juros cujo pagamento foi determinado não tiveram por escopo compensar a falta de rendimento advinda de um capital cujo devido pagamento se protelou por causa imputável ao devedor.
8. Em face do exposto, decide-se:-
a) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade dos cidadãos e da repartição justa dos rendimentos, que defluem dos artigos 13º,
103º, nº 1, e 104º, nº 1, todos da Lei Fundamental, a norma constante da alínea g) do nº 1 do artº 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares quando interpretada no sentido de serem tributáveis como rendimento os juros que forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta e;
b) Em consequência, negar provimento ao recurso. Lisboa, 28 de Março de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida