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Proc. nº 145/03
1ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Évora que a condenou pela prática da contra-ordenação prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5º e 48º, nº
1, do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, «corroboradas» por legislação posterior.
O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da LTC, e fundou-se no facto de a decisão recorrida ter aplicado o mencionado artigo 5º do Decreto-Lei nº 409/71 com uma interpretação que violaria o princípio constitucional consagrado pela alínea b) do nº 1 do artigo 59º da CRP.
2. Já neste Tribunal, o relator lavrou decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso, em aplicação do preceituado no nº 1 do artigo
78º-A da LTC.
Escreveu-se nessa decisão sumária:
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que
é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, tendo por objecto a norma do artigo 5º do Decreto-Lei nº
409/71, de 27 de Setembro.
Todavia, conforme ressalta dos autos e se afirma no próprio requerimento de interposição do recurso, a questão de inconstitucionalidade da referida norma apenas foi suscitada no pedido de reforma do acórdão da Relação que condenou a ora recorrente pela prática de uma contra-ordenação resultante, além do mais, da violação da mesma disposição legal.
Ora, como este Tribunal vem afirmando, de forma reiterada e uniforme, desde o Acórdão nº 418/98 (Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 1998), o requerimento de reforma da decisão recorrida não constitui, em regra, meio ou momento processualmente adequado para suscitar, pela primeira vez, como aconteceu in casu, as questões de inconstitucionalidade. Nesse sentido, ponderou-se naquele aresto:
É certo que na sequência das alterações legislativas introduzidas ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, se alargaram os termos da possibilidade de reforma da sentença, permitindo-se hoje inclusivamente, se verificados determinados pressupostos, a alteração da própria decisão de mérito. Só que, e é isto que o recorrente parece esquecer, a possibilidade de reforma da sentença por parte do tribunal a quo depende da verificação dos respectivos pressupostos do instituto que, como decidiu, aliás, o próprio tribunal recorrido, no caso manifestamente não se verificam.
Nos termos do nº 2 do art. 669º do Código de Processo Civil só é possível a reforma da sentença, designadamente em termos de permitir a alteração da decisão de mérito, quando (A) tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; ou, (B) constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração. Ora, é manifesto que nada disto se verifica no caso que é objecto dos autos. A eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a da inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos. (...)
E, não se verificando os pressupostos de que depende a possibilidade de reforma da sentença, designadamente quanto à decisão de mérito, vale a regra do nº 1 do art. 666º do Código de Processo Civil, segundo a qual, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
No caso dos autos, o acórdão que indeferiu o pedido de reforma, depois de discretear, em obter dictum, sobre a questão de inconstitucionalidade, não deixou de salientar, a concluir:
Admitimos, no entanto, que a arguida discorde da interpretação da lei levada a cabo no acórdão e é tão-só essa discordância que acaba por revelar sob pretexto de reforma do acórdão, pois que pretende voltar a discutir a fundamentação jurídica da decisão. Porém, não é pela via da reforma que pode fazer valer essa discordância ou renovar aquela discussão.
Nesta conformidade, era exigível à ora recorrente que tivesse suscitado a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida (que só pode ser o acórdão de 10 de Dezembro, na medida em que o acórdão subsequente se limitou a rejeitar o pedido de reforma e, portanto, não aplicou, sequer, a norma impugnada). E, não o tendo feito, não pode agora conhecer-se do objecto do recurso interposto, por falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade – o de ter a questão de inconstitucionalidade sido suscitada durante o processo e de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido (artigo 70º, nº 1, b), e artigo 72º, nº 2, da LTC).
3. Desta decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, considerando que «o pedido de reforma de sentença constitui, na sua estrutura e finalidades, um verdadeiro recurso que visa reapreciar a substância fáctica e jurídica da decisão», pelo que «as razões que levam a afastar a admissibilidade do recurso de constitucionalidade quando a questão tenha sido suscitada no âmbito da arguição de nulidades da sentença ou da sua aclaração, não se aplicam aos casos de reforma». E isto, quando, como no caso dos autos, o tribunal a quo conheceu do pedido de reforma.
Na sua resposta, o Ministério Público pronuncia-se no sentido de que a «reclamação é claramente improcedente», já que «o recorrente nada aduz de inovatório, que seja susceptível de pôr em causa o reiterado entendimento deste Tribunal, segundo o qual não é momento processualmente adequado para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade a formulação de pedido de reforma da decisão recorrida».
4. Com efeito, como salienta o Ministério Público, nada há a acrescentar ao que se explanou na decisão sumária e que reflecte a jurisprudência deste Tribunal.
Consequentemente, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s.
Lisboa, 3 de Abril de 2003 Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa