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Processo n.º 796/02
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. O recorrente A deduziu reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(doravante designada por LTC), contra a decisão sumária do relator de não conhecimento do presente recurso.
1.1. Essa decisão sumária é do seguinte teor:
'1. O arguido A, notificado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Outubro de 2002 – que, concedendo provimento a recurso interposto pelo Ministério Público, revogou o despacho do juiz do 5.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa (que deferira arguição da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, por insuficiência do inquérito e omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, e reenviara o processo novamente para inquérito) e determinou a sua substituição por outro que se pronuncie sobre o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido –, dele veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, aduzindo:
«O presente recurso é interposto nos termos da alínea b) do n.° l do artigo 70.° do supra citado diploma [ Lei do Tribunal Constitucional] , devendo o Tribunal Constitucional apreciar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo
272.°, n.° l, do Código de Processo Penal. Entende o ora recorrente que tal norma é inconstitucional quando interpretada no sentido de, independentemente do objecto sobre o qual recaia o interrogatório do arguido na fase de inquérito, maxime independentemente de o mesmo recair ou não sobre os factos que irão integrar a acusação deduzida pelo Ministério Público, se este interrogatório se realizar considerar-se cumprida a obrigação contida naquele preceito. Considera o ora recorrente que o artigo 272.°, n.° l, do Código de Processo Penal constitui consagração do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no artigo 32.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, sendo violadora desta norma constitucional a interpretação daquela norma ordinária segundo a qual a finalidade do referido interrogatório se considera alcançada quando o arguido é formalmente interrogado, ainda que, materialmente, tal interrogatório não verse os factos sobre os quais vem depois a recair a acusação. Neste sentido, debruçando sobre o artigo 52.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.°
85-C/75, de 26 de Fevereiro, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no seu douto acórdão de 4 de Novembro de 1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 371, pág. 160 e seguintes, no qual se pode ler: 'O princípio é a tradução moderna, quanto ao arguido, da máxima nemo potest inauditu damnari e, em geral, do brocardo audiatur et altera pars. Representa, assim – no dizer de Jorge de Figueiredo Dias (...) – «a oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo». (...) O conteúdo essencial do princípio do contraditório – escreveu-se no parecer da Comissão Constitucional n.° 18/81 (...) – «está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar». (...) É que, como adverte Eduardo Correia (...) o princípio do contraditório se traduz
«ao menos, num direito à defesa, num direito a ser ouvido».'
O recorrente suscitou esta questão de inconstitucionalidade no requerimento de abertura de instrução e na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, que foi agora julgado procedente.»
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa admitiu o recurso interposto para este Tribunal Constitucional, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
2. Como é sabido, a decisão que admita o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – doravante designada por LTC), e, no presente caso, entende-se que tal recurso é inadmissível.
A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do artigo 70.º da LTC – que foi o interposto pelo recorrente – depende da suscitação «durante o processo» da inconstitucionalidade da(s) norma(s) aplicada(s) pela decisão recorrida e cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, esclarecendo o n.º 2 do artigo 72.º da mesma Lei que tal recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
De qualquer forma, em Portugal, diversamente dos países onde está consagrado o «recurso de amparo» (Espanha) ou a «queixa constitucional»
(Alemanha), o controlo de constitucionalidade confiado ao Tribunal Constitucional é um controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e não um contencioso de decisões, designadamente decisões judiciais, ou de actos processuais.
Expostos estes critérios, fácil é demonstrar a inadmissibilidade do presente recurso.
Na verdade, nem no requerimento de abertura de instrução (fls. 54 a
91), nem na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público (fls. 12 a
22), o recorrente suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, isto é, não imputou directamente a qualquer norma jurídica ou a qualquer interpretação normativa a violação de princípios ou normas constitucionais.
O que o recorrente sustentou – designadamente, nos artigos 15.º a
21.º daquele requerimento e nas fls. 16 a 18 e conclusões 4.ª a 7.ª desta resposta – foi que violaria o artigo 272.º do Código de Processo Penal o interrogatório do arguido que não versasse sobre todos os factos sobre os quais provavelmente irá recair a acusação. Isto é: o que é questionado é um acto processual (o interrogatório do arguido) e não uma norma ou uma interpretação normativa, e o que é imputado a esse acto processual é a violação de uma norma de direito ordinário (o artigo 272.º do Código de Processo Penal) e não qualquer norma ou princípio constitucionais.
Esta constatação não é invalidada pela circunstância de o recorrente referir que aquela norma de direito ordinário representa consagração do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º
5, da Constituição da República Portuguesa, pois esta alusão não basta para que se vislumbre, no caso, qualquer suscitação de inconstitucionalidade normativa, efectuada «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo
72.º, n.º 2, da LTC).
3. Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, decide-se, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do recurso.'
1.2. Na sua reclamação, o recorrente desenvolve a seguinte argumentação:
'Na douta decisão sumária de que ora se reclama, o Tribunal decidiu pela inadmissibilidade do recurso interposto, por tal admissibilidade depender, nos termos do artigo 70.°, n.° 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, da suscitação nas instâncias ordinárias da inconstitucionalidade da norma aplicada. Considerou o Tribunal que o recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, questionando, isso sim, o interrogatório do arguido, por violação do disposto no artigo 272.° do Código de Processo Penal. Mais considerou a douta decisão sumária de que ora se reclama que a alegação pelo recorrente de que o artigo 272.° do Código de Processo Penal representa o princípio do contraditório consagrado no artigo 32.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, não constitui uma suscitação de uma inconstitucionalidade normativa, de molde a que o Tribunal Constitucional se possa pronunciar sobre a mesma. Salvo o devido respeito, o recorrente considera que a douta decisão de que ora se reclama, fazendo uma interpretação literalista e formal do preceituado nos artigos 70.°, n.° 1, alínea b), e 72.°, n.° 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, olvida a substância da questão, bem como as circunstâncias processuais em que foi suscitada a questão da inconstitucionalidade do artigo 272.° do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de, independentemente do objecto sobre o qual recaia o interrogatório do arguido na fase de inquérito, maxime independentemente de o mesmo recair ou não sobre os factos que irão integrar a acusação deduzida pelo Ministério Público, se este interrogatório se realizar considerar-se cumprida a obrigação contida naquele preceito. Com efeito, o ora reclamante, no requerimento de abertura de instrução apresentado em 4 de Outubro de 2001, arguiu a nulidade do inquérito, devido à sua insuficiência, por, entre outros fundamentos, o interrogatório do arguido não ter versado sobre os factos pelos quais veio a ser deduzida acusação contra si. Nesse requerimento, o ora reclamante, nos artigos 15.° a 17.°, suscitou expressamente a questão de o artigo 272.° do Código de Processo Penal determinar a obrigatoriedade de o interrogatório como arguido de pessoa contra quem corra inquérito, o que constitui consagração do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no artigo 32.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, não se podendo considerar que a finalidade do mesmo se encontra atingida quando o arguido é formalmente interrogado, se, materialmente, tal interrogatório não versa os factos sobre os quais poderá recair a acusação. Materialmente, isto é dizer que essa é a interpretação conforme à Constituição do artigo 272.° do Código de Processo Penal e que a interpretação diferente dessa norma é desconforme à Constituição e portanto inconstitucional. O Tribunal de Instrução Criminal, no seu douto despacho de 6 de Dezembro de
2001, veio a declarar tal nulidade e a ordenar a remessa dos autos para inquérito, a fim de suprir as insuficiências de que o mesmo padecia. Não se conformando com este douto despacho, o Ministério Público recorreu do mesmo e, de novo, o reclamante, na sua resposta a este recurso, suscitou expressamente, sob o título «II – A insuficiência do interrogatório do arguido na fase de inquérito», a questão da violação do artigo 32.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, pelo artigo 272.° do Código de Processo Penal, se interpretado no sentido de que a sua finalidade se encontra atingida quando o arguido é formalmente interrogado, se, materialmente, tal interrogatório não versa os factos sobre os quais poderá recair a acusação, na medida em que este preceito legal constitui consagração daquele princípio constitucional. Todavia, relembra-se, tal questão foi suscitada em resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, o qual limita as questões que devem ser conhecidas pelo Tribunal ad quem.
Ou seja, o ónus de formular as questões sobre as quais o Tribunal da Relação de Lisboa se devia pronunciar não impendia sobre o ora reclamante.
Acresce, ainda, que também não impendia sobre o reclamante o ónus de, em resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, formular desenvolvidamente a tese da inconstitucionalidade de uma norma que sempre julgou inquestionável que tinha de ser interpretada em conformidade com a Constituição.
Apesar disso, o ora reclamante não só materialmente suscitou a questão da inconstitucionalidade do artigo 272.° do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de, independentemente do objecto sobre o qual recaia o interrogatório do arguido na fase de inquérito, maxime independentemente de o mesmo recair ou não sobre os factos que irão integrar a acusação deduzida pelo Ministério Público, se este interrogatório se realizar considerar-se cumprida a obrigação contida naquele preceito, no momento em que o poder jurisdicional dos Tribunais ordinários ainda não se encontrava esgotado, contrariamente ao que parece ser alegado na douta decisão sumária de que ora se reclama, como também a suscitou do modo adequado, na medida em que respondia a um recurso interposto, o qual, como já se referiu, tem a susceptibilidade de limitar as questões a apreciar pelo Tribunal ad quem.
Com o devido respeito, a douta decisão sumária de que ora se reclama, ao determinar a inadmissibilidade do recurso interposto pelo ora reclamante, por, no seu entender, este não ter suscitado a questão da inconstitucionalidade normativa de modo processualmente adequado perante o Tribunal da Relação de Lisboa, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, adoptou uma interpretação formal dos artigos 70.°, n.° 1, alínea b), e 72.°, n.° 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, olvidando as circunstâncias em que o ora reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade e a insusceptibilidade de o recorrido definir as questões jurídicas sobre as quais o Tribunal de recurso se irá pronunciar.
Ao interpretar, como interpretou, os artigos 70.°, n.° l, alínea b), e 72.°, n.° 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, a douta decisão sumária de que ora se reclama faz impender sobre os recorridos um ónus que, por os forçar a, em respostas a recursos, desenvolver todas as possíveis teses de inconstitucionalidade dos preceitos legais conexos com as questões que irão ser apreciados em sede de recurso, no limite, os impede de recorrer para o Tribunal Constitucional. Isto mesmo quando se suscitou a questão de certa norma ter de ser interpretada em certo sentido, para ser conforme à Constituição e de, assim, se sustentar que interpretação diferente dessa norma a torna inconstitucional.
A interpretação formalista que a douta decisão sumária de que ora se reclama adoptou viola, senão mesmo os artigos 221.° e 280.° da Constituição da República Portuguesa, pelo menos, os princípios que subjazem à necessidade de existência de um Tribunal Constitucional nos Estados de Direito Democráticos.
Ao conhecer-se o presente recurso não se está a admitir um recurso de amparo. Estar-se-á apenas a interpretar extensivamente e conforme à Constituição os artigos 70.°, n.° l, alínea b), e 72.°, n.° 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Pelo exposto deve, em conferência, ser revogada a douta decisão sumária de que ora se reclama, substituindo-a por outra que admita o recurso interposto, notificando-se o ora reclamante para apresentar as suas alegações de recurso.'
1.3. Notificado desta reclamação, o representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional apresentou resposta, do seguinte teor:
'1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente, não logrando a argumentação deduzida pelo reclamante abalar os fundamentos da decisão reclamada.
2 – Sendo evidente a inverificação dos pressupostos do recurso interposto, já que o reclamante – apesar de para tal ter tido plena oportunidade processual – não suscitou, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.'
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Como se salientou na decisão sumária ora reclamada, nem no requerimento de abertura de instrução (fls. 54 a 91), nem na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público (fls. 12 a 22) – peças onde, segundo o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, teria sido suscitada a questão da inconstitucionalidade do artigo 272.º do Código de Processo Penal, na interpretação que teria vindo a ser acolhida no acórdão recorrido – foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pois o recorrente nunca imputou directamente a qualquer norma jurídica ou a qualquer interpretação normativa a violação de princípios ou normas constitucionais. O que ele sustentou – designadamente, nos artigos 15.º a 21.º daquele requerimento e nas fls. 16 a 18 e conclusões 4.ª a 7.ª desta resposta – foi que violaria o artigo 272.º do Código de Processo Penal o interrogatório do arguido que não versasse sobre todos os factos sobre os quais provavelmente irá recair a acusação; isto é: o que foi questionado foi um acto processual (o interrogatório do arguido) e não uma norma ou uma interpretação normativa, e o que foi imputado a esse acto processual foi a violação de uma norma de direito ordinário (o artigo 272.º do Código de Processo Penal) e não qualquer norma ou princípio constitucionais. E a mesma decisão sumária sublinhou que essa constatação não era invalidada pela circunstância de o recorrente referir que aquela norma de direito ordinário representava consagração do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, pois esta alusão não bastava para que se vislumbrasse, no caso, qualquer suscitação de inconstitucionalidade normativa, efectuada «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo
72.º, n.º 2, da LTC).
A questão de inconstitucionalidade normativa só foi formulada em termos adequados – mas já fora de tempo – no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, onde, pela primeira vez, o recorrente imputa directamente à norma do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação que dela terá sido feita pelo acórdão recorrido, a violação do artigo 32.º, n.º 5, da CRP.
Argumenta o ora reclamante que, figurando como recorrido no recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa, e sendo o objecto deste recurso definido pelo então recorrente, que não pelo ora reclamante, não impendia sobre si 'o ónus de formular as questões sobre as quais o Tribunal da Relação de Lisboa se devia pronunciar' nem sequer 'o ónus de, em resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, formular desenvolvidamente a tese da inconstitucionalidade de uma norma que sempre julgou inquestionável que tinha de ser interpretada em conformidade com a Constituição'. Também neste ponto não lhe assiste razão, pois o que releva, para o presente efeito, é apurar se o ora reclamante teve oportunidade processual de suscitar, de modo adequado, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Ora, é patente que esta oportunidade existiu, justamente na resposta à motivação do recurso do Ministério Público, sendo, por outro lado, incontroverso que a interpretação acolhida no acórdão recorrido não se pode rotular de inesperada ou insólita, pois correspondeu exactamente à preconizada pelo recorrente nesse recurso.
Por último, resta assinalar que não se vislumbram razões que justifiquem a adopção, neste domínio, de 'interpretações extensivas' dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, como pretende o recorrente, sendo sabido que a introdução da última norma referida visou justamente alertar as partes e os respectivos mandatários para o dever de, tendo em vista o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da mesma Lei, suscitarem a questão da inconstitucionalidade normativa 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer', ónus este que, no presente caso, não foi satisfatoriamente cumprido.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Março de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Luís Nunes de Almeida