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Processo n.º 57/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - A, identificada nos autos, deduziu, no Tribunal Administrativo e Tributário do Círculo do Funchal, impugnação judicial contra a liquidação da taxa de justiça, no montante de Esc: 836.183.000$00, que lhe foi notificada em
27 de Novembro de 2000, no âmbito do processo n.º 256/00, que correu termos no
4º Juízo Cível da Comarca do Funchal, pedindo a anulação do acto com fundamento, além do mais, em inconstitucionalidade da norma do artigo 7º, alínea h), do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro). O Ministério Público, na vista que teve dos autos, emitiu parecer pugnando pela rejeição da impugnação, entendendo que aos tribunais tributários de 1ª instância apenas cabe conhecer das questões relativas à cobrança coerciva de custas e multas aplicadas pelos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do artigo
62º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e que, por essa razão, são incompetentes para conhecer das questões relativas a taxas de justiça cobradas por outros tribunais, que têm como sistema processual autónomo o previsto no artigo 60º e segs. do Código das Custas Judiciais.
2. - Por sentença de 21 de Dezembro de 2001, o Tribunal Administrativo e Tributário do Círculo do Funchal julgou improcedente a excepção de incompetência material suscitada pelo Ministério Público e, com fundamento na
'inconstitucionalidade da liquidação efectuada', porque aplicou legislação inconstitucional – o artigo 7º, alínea h), do Código das Custas Judiciais -, declarou nulo o acto tributário impugnado.
3. - É, pois, desta decisão que o Ministério Público interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº1 do artigo
70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma da alínea h) do artigo 7º do Código das Custas Judiciais, cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do artigo 165º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.
4. - Em sede de alegações o Ministério Público suscitou a questão prévia da litispendência e formulou as seguintes conclusões:
'Por falta de utilidade na dirimição da questão de mérito, não deve o
Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade
suscitada numa situação processual em que a actividade do requerente
implicou - em consequência da dedução de procedimentos com o mesmo objecto
simultaneamente perante a jurisdição civil e tributária - a criação de uma
situação de litispendência e de um possível e eventual conflito positivo de
jurisdição.
Tendo omitido a ocorrência de tal situação de litispendência perante o
tribunal 'a quo ', impõe-se a remessa dos autos, a título devolutivo, para
ser aí apreciada tal questão prévia.
Subsidiariamente, e quanto ao mérito do recurso, considera-se que a norma
que integra o respectivo objecto traduz o estabelecimento, na concreta
hipótese dos autos, de um montante de taxa de justiça objectivamente
desproporcionado relativamente à natureza e complexidade da actividade
jurisdicional exercida no processo de jurisdição voluntária de redução do
capital social, não respeitando a exigência de bilateralidade subjacente ao
conceito de 'taxa' e implicando o estabelecimento de uma ilegítima restrição
ou limitação ao acesso ao direito, nos termos previstos no artigo 20° da
Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deverá determinar-se a remessa, a título devolutivo, dos
presentes autos, para apreciação no Tribunal 'a quo' da questão prévia
suscitada.'
A recorrida também apresentou alegações, as quais arrematou com as seguintes conclusões:
'Não existe litispendência entre o processo que corre os seus termos na
jurisdição cível, sob o n.º 632/01, e o presente processo que corre os seus
termos na jurisdição administrativo-tributária, sob o n.º 57/02.
Com efeito, inexiste identidade de sujeitos entre os dois processos,
porquanto na jurisdição administrativo-tributária são partes a ora Recorrida
e a Administração Tributária, enquanto na jurisdição cível, não existem, do
ponto de vista processual, duas partes.
Inexiste ainda identidade de pedido, uma vez que a jurisdição
administrativo-tributária aprecia a anulação de acto de liquidação da taxa
de justiça, ao passo que a jurisdição cível aprecia a exclusão de
procuradoria e a redução da taxa de justiça, fixada.
Por outro lado, o peticionado numa e noutra jurisdição tem por base causas
de pedir distintas: a relação jurídico-tributária, i.e., a liquidação da
taxa, no processo administrativo-fiscal, e a elaboração da conta e o
montante de custas fixado, no processo cível.
Pelo que, nos termos do preceituado no artigo 498°, n.º 1, do Código de
Processo Civil, não se verifica uma situação de litispendência entre os dois
processos.
Por outro lado, não estamos, de igual modo, perante uma situação de conflito
de jurisdição, não obstante estarmos em presença de duas jurisdições
distintas e de ambas se terem declarado competentes para apreciar os
respectivos processos.
Nem a jurisdição administrativo-tributária, nem a jurisdição cível se
arrogaram o poder de conhecer da mesma questão, que, segundo as doutas
Alegações do Ministério Público, se traduziria na 'questão da «legalidade» e
«constitucionalidade» da liquidação de custas'.
Na verdade, a jurisdição administrativo-tributária considerou-se competente
para apreciar a anulação de acto de liquidação da taxa de justiça (isenção);
a jurisdição cível arrogou-se competência para apreciar a exclusão de
procuradoria e a redução da taxa de justiça fixada.
No âmbito dos dois processos, que correm os seus termos nas referidas
jurisdições, foram proferidos distintos juízos de inconstitucionalidade,
indissociáveis dos processos em que foram proferidos.
Pelo que, nos termos do disposto no artigo 115° do Código de Processo Civil,
não se verificam os requisitos do conflito de jurisdição.
É forçoso, deste modo, concluir-se pela inexistência de excepções dilatórias
que obstem à decisão sobre a questão de constitucionalidade suscitada nos
presentes autos.
É forçoso ainda concluir-se pela utilidade e necessidade da mesma decisão, à
semelhança da utilidade e necessidade do juízo de inconstitucionalidade sob
recurso no âmbito do processo n.º 632/01.
Porquanto, o Tribunal Constitucional decidirá no âmbito e com efeitos em
jurisdições e pedidos distintos.
Sem conceder, a resolução da questão prévia resultante da verificação das
referidas excepções, cuja existência, reitere-se, não se admite, deverá
consistir na suspensão dos presentes autos neste Douto Tribunal, até que se
obtenha decisão no processo n.º 632/01, como aliás decorre da Doutrina dos
artigos 97° e 279º do Código de Processo Civil.
Com efeito, a remissão, a título devolutivo, dos presentes autos de recurso
para o Tribunal a quo, conforme sustenta o Ministério Público, carece de
fundamento legal, e
poderia comprometer e atentar contra direitos constitucionalmente
consagrados da Recorrida, como seja o direito de acesso ao Direito.
Assim acontecerá, decerto, caso o Tribunal a quo decida por uma absolvição
da instância resultante de considerar provada a existência de litispendência
e caso não seja confirmado o juízo de inconstitucionalidade proferido pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 632/01, situação em que a
Recorrida poderia decidir propor novo processo de impugnação tributária.
Uma vez que essa propositura deve ter lugar nos 90 dias posteriores ao acto
de liquidação, a pretendida impugnação seria extemporânea, quando a
Recorrida começara por impugnar, em tempo, o referido acto, nos presentes
autos.
O objecto principal destes autos de recurso implica a apreciação da
constitucionalidade da norma constante do art. 7º , al. h) do Código das
Custas Judiciais (na redacção emergente do Decreto-Lei 224-A/96 de 26 de
Novembro) cuja aplicação, in casu, se traduziu de uma liquidação da taxa de
justiça no montante de Esc. 836.074.000$00 à ora Recorrida pela acção de
autorização judicial para a redução do respectivo capital social.
A douta Sentença a quo, as doutas Alegações do Ministério Público e a
Recorrida coincidem ao ajuizar a norma do art. 7°, h) do Código das Custas
Judicias (e a consequente liquidação da taxa de justiça) como inválida por
ofensa do ordenamento jurídico-constitucional vigente.
A Recorrida secunda a tese da Douta Sentença a quo que a norma do art. 7°,
h) do Código das Custas Judicias (e a consequente liquidação da taxa de
justiça) é permite a redução do valor para efeitos de custas dele constante
no quadro processual desenvolvido na acção declarativa com processo especial
em causa para inconstitucional orgânica e formalmente quando interpretada no
sentido de que só a respectiva metade é não para entre 1/8 e metade de 1
Unidade de Conta (aplicando o art. 14°, a) ao invés do art. 15°, n. 1, x) e
n. 2 do Código das Custas Judiciais).
Fundamentalmente, esse entendimento deve-se a ser assim criada uma receita
pública que excede manifestamente os custos com o serviço de justiça
prestado, criando uma desproporção intolerável entre a taxa de justiça
cobrada (Esc. 836.183.000$00) e a reduzida actividade do tribunal na acção
de redução de capital, razão pela qual não se encontram presentes as
características conceptuais da taxa mas tão-só as de imposto.
Considerando o facto do Governo ter estabelecido este imposto (denominado
taxa) por Decreto-Lei sem a competente autorização legislativa necessária à
criação de impostos bem como o direito fundamental de não ser obrigado a
pagar impostos que não tenham sido criados da forma constitucionalmente
estabelecida (arts. 21° e 103° da Constituição da República Portuguesa,
Conclui-se que a norma do artigo 7°, alínea h), do Código das Custas
Judiciais é, no sentido exposto, inconstitucional formal e organicamente por
violação do artigo 165°, n. 1, i) e artigo 103°, n. 3, da Constituição da
República Portuguesa, o que também afecta a validade do acto de liquidação
de taxa de justiça à Recorrida.
A Recorrida também secunda a tese do Ministério Público junto deste
Venerando (desproporção intolerável) entre uma taxa de justiça no montante
de Esc. 836.183.000$00 apurada nos termos do art. 7°, h) do Código das
Custas Judiciais e a natureza e complexidade do serviço de justiça prestado
em concreto é susceptível de integrar uma ilegítima restrição ou limitação
no acesso ao direito (sendo certo que não seria aplicável, in casu, o
instituto do apoio judiciário) bem como uma clara afronta do princípio da
Proporcionalidade,
O que conduz a que a norma do art. 7°, h) do Código das Custas Judiciais
viole os artigos 20° e 18°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa,
sendo por isso inconstitucional materialmente, o que afecta a validade do
acto de liquidação de taxa de justiça à Recorrida.
Destarte, entende a Recorrida que a norma do art. 7°, h) do Código das
Custas Judiciais é simultaneamente inconstitucional formal e organicamente
(por violação dos arts. 165°, i) da Constituição da República Portuguesa) e
inconstitucional materialmente (por violação dos arts. 18°, n. 3 e 20° da
Constituição da República Portuguesa), o que também afecta a validade do
acto de liquidação da taxa de justiça.
Mas, sem prejuízo da conclusão anterior, a Recorrida não enjeita uma
convolação dessa inconstitucionalidade formal e orgânica em
inconstitucionalidade material deste imposto criado pelo Governo sem
autorização legislativa por ofensa do direito fundamental dos cidadãos de
não pagarem impostos que não tenham sido estabelecidos em harmonia com a
Constituição da República Portuguesa (maxime arts. 21 ° e 103°, n° 3) como é
sustentado pela sempre clara lição do Professor JORGE MIRANDA (ob. cit.).'
5. - Na sequência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público e da resposta da recorrida, o relator proferiu, em 13 de Maio de 2002, o seguinte despacho:
'1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, em que são recorrente o Ministério Público e recorrida A., está em causa a sentença de 21 de Dezembro de 2001 do Tribunal Administrativo e Tributário do Círculo do Funchal em que se recusou a aplicação da norma da alínea h) do artigo 7º do Código das Custas Judiciais, por alegada ofensa ao disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República. Notificadas as partes para alegarem, veio o Ministério Público suscitar, como questão prévia, a utilidade do conhecimento do presente recurso, visto se desenhar uma situação de litispendência e de eventual conflito positivo de jurisdição entre tribunais judiciais e administrativos. Nessa medida, impor-se-ia a remessa dos autos, a título devolutivo, ao tribunal a quo para conhecer daquela litispendência. Entende a recorrida a este respeito que, quando muito, se suspendam os presentes autos até ser decidido o processo que, com o n.º 632/01, corre termos neste Tribunal.
2. - Com efeito, nesta mesma 3ª Secção, aguardam julgamento autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, igualmente com fundamento naquela alínea a) do n.º 1 do artigo 70º, sendo recorrente o Ministério Público e recorrida a mesma A, com idêntico objecto e, como tudo indica, idêntica causa de pedir. Assim, e como vem promovido, para apreciação da eventual litispendência – susceptível de vir a originar um conflito positivo de jurisdição, entre tribunais judiciais e administrativos, determina-se que: a) se junte aos autos certidão do acórdão da Relação proferido no processo n.º
632/01; b) se remetam os autos, a título devolutivo, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Funchal.'
6. - O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por despacho de 23 de Maio de 2002, apreciando a questão, concluiu pela inexistência de litispendência, estribando-se na seguinte argumentação:
'... Neste processo tributário pede-se anulação do acto de liquidação da taxa de justiça, com fundamentos vários, entre os quais a sua inconstitucionalidade. No processo cível onde foi liquidada a mesma taxa de justiça, pede-se a redução da taxa de justiça segundo o prudente arbítrio do tribunal; o mesmo foi o pedido ao Tribunal da Relação, tendo sido deferida a pretensão da autora e recorrente aqui impugnante. Os fundamentos são idênticos aos desta impugnação. Os sujeitos são os mesmos em ambos os processos: A e Fazenda Pública do Estado Português. A causa de pedir (v. art. 498°-4-2ª parte do Código de Processo Civil) é a mesma: inconstitucionalidade da taxa de justiça, porque a mesma é desproporcionada e um imposto. Os pedidos (efeitos jurídicos) é que nos parecem diferentes: no processo cível foi a redução da taxa de justiça (aliás, conseguida na 2ª instância); neste processo tributário (v. arts. 99° ss do Código de Procedimento e de Processo Tributário) foi simplesmente a anulação da liquidação de tal taxa, caso em que o juiz não pode anular a liquidação e fixar desde logo a taxa de justiça que entender correcta. Também se entende inexistir conflito jurisdicional, uma vez que as questões jurídicas a apreciar nos processos são diferentes, não obstante tal análise não nos caber face ao previsto no art. 117° do Código de Processo Civil.'
Notificado desta decisão veio o Ministério Público no Tribunal Constitucional sustentar a sua anterior argumentação quanto a esta questão, rematando, em síntese, que:
'(...)
6. – Ora, não competindo obviamente a este Tribunal Constitucional sindicar, em via de recurso, o despacho proferido a fls. 159, cabe-lhe – no exercício das suas próprias competências, em matéria de fiscalização da constitucionalidade -, obstar a que se criem situações susceptíveis de originarem conflitos entre decisões judiciais definitivamente tomadas.
7. – Tendo o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 349/02, desta mesma secção, dirimido o recurso n.º 632/01 – e sendo, como atrás se sustentou, o litígio dos autos idêntico, objectiva e subjectivamente, ao que constitui objecto daquele processo (sendo ainda a questão de constitucionalidade, em termos substanciais, a mesma e única), entendemos que deverá aguardar-se o trânsito em julgado de tal aresto e, após o mesmo se verificar, deverá aplicar-se o ali decidido definitivamente ao caso 'sub juditio', por força da vinculatividade do caso julgado.'
Em resposta, a recorrida pede, no seu requerimento de fls. 168, que se rejeite o recurso por inutilidade, ou, caso assim se não entenda, que se conclua pela inexistência de litispendência e do caso julgado, como melhor sustentou nas alegações. Cumpre decidir. II
1. - Das questões prévias:
1.1. - Nas suas alegações de recurso invocou o Ministério Público a excepção da litispendência em consequência de a recorrida, confrontada com a liquidação de custas devidas no processo de redução de capital, que deu origem aos autos que correram termos no Tribunal Constitucional sob o n.º 632/01, da 3ª secção, ter utilizado dois meios impugnatórios distintos, um, desenvolvido no
âmbito daquele processo e, o outro, que deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, a que se reportam os presentes autos, tendo ambos o mesmo objecto e os mesmos interessados.
Entende o recorrente que tal actuação processual da recorrida, que ignorou na impugnação apresentada nestes autos, no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, a pendência da impugnação deduzida perante os tribunais judiciais, é susceptível de vir a originar um conflito positivo de jurisdição entre tribunais judiciais e administrativos, 'com os respectivos
órgãos jurisdicionais a assumirem competência para dirimir a questão da
'legalidade' e 'constitucionalidade' da liquidação de custas na referida acção de redução do capital social, nos termos previstos no artigo 115º do Código de Processo Civil'.
Deste modo, concluiu que 'tais excepções – maxime, a litispendência – deverão obstar a que o Tribunal Constitucional dirima, desde já, o mérito do recurso ora interposto, já que a decisão a proferir sobre a questão de constitucionalidade se arriscaria a ser inútil, por eventualmente prejudicada pela resolução – necessariamente prejudicial – das ditas excepções'.
Assim não entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que, no já mencionado despacho de 13 de Maio de 2002, concluiu pela inexistência de litispendência, por não se verificar o requisito da identidade dos pedidos, a que alude o artigo 498º do Código de Processo Civil.
Porém, não cabe na competência do Tribunal Constitucional sindicar, em via de recurso, este despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal e apurar se, efectivamente, ocorre a invocada situação de litispendência ou de caso julgado, sem prejuízo de, em sede de conhecimento de mérito, se for caso disso, se atender ao decidido no acórdão
349/02 do Tribunal Constitucional, que julgou a questão de inconstitucionalidade no processo pretérito.
1.2. - Na óptica da recorrida tornou-se, entretanto, inútil o conhecimento de mérito do presente recurso, porque a decisão da questão de constitucionalidade não terá qualquer feito útil para a decisão recorrida, pelas seguintes razões, que alega no requerimento de fls.168 e segs.:
' (...)
15° Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso (artigo 76°, n° 3 da Lei 28/82 de 15 de Novembro) não deverá ser conhecido o objecto do mesmo.
16° Com efeito, se é verdade que a decisão do Tribunal a quo desaplicou a norma dos artigos 7°, al. h) e 14°, al. a) do Código das Custas Judiciais com fundamento na inconstitucionalidade da sua aplicação (in casu violadora do direito dos contribuintes a não pagar impostos criados de forma inconstitucional - artigo
103°, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa),
17° também é verdade que, adicionalmente, considerou que a taxa de justiça em crise também violou directamente o artigo 268°, n.º 3, 2ª parte da Constituição da República Portuguesa e o artigo 77°, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária, ou seja, que a taxa de justiça também violou o direito, constitucionalmente consagrado, à fundamentação dos actos tributários que violem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
18° Este juízo de violação directa do direito à fundamentação não é sindicável por este Venerando Tribunal Constitucional (cujos poderes de cognição se restringem a normas violadoras da Constituição da República Portuguesa).
(...)
20º Ponderando também o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade e o facto de não ter sido interposto recurso ordinário da Sentença do Tribunal a quo, há forçosamente que concluir que, nesta fase processual não se deve tomar conhecimento do recurso.
21° Na verdade, a decisão a tomar pelo Tribunal Constitucional não teria efeito útil no processo, pois sempre se manteria a decisão recorrida de invalidade da liquidação da taxa de justiça por violação directa do artigo 268°, n° 3, 2ª parte da Constituição e do artigo 77°, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária, sendo certo que a decisão recorrida foi de nulidade e não de anulabilidade por o primeiro destes vícios consumir o segundo.
22° Conforme o Tribunal Constitucional vem sustentando, o julgamento das questões de inconstitucionalidade desempenha uma 'função instrumental', só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a decisão de fundo, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica (cfr. entre muitos outros, os acórdãos nos 216/91 e 11/2001).
23° Assim, não se deve tomar conhecimento, nesta fase processual, do recurso em virtude da questão da constitucionalidade a apreciar nestes autos não influir definitivamente na decisão de fundo.'
Embora se mostre correcta a posição da recorrida no que concerne à natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, pois o Tribunal Constitucional vem entendendo de forma uniforme e reiterada só ser de conhecer da questão quando a decisão se puder perspectivar em termos de produzir efeitos na resolução do litígio, já não é certo afirmar que no caso dos autos a decisão sobre a questão de constitucionalidade é inútil para a decisão de fundo.
É verdade que a decisão recorrida, além de ter considerado inconstitucional a norma do artigo 7º, alínea h), do Código das Custas Judiciais, concluiu que ocorria 'falta de fundamentação do acto de liquidação', o que constituía 'vício de anulabilidade (para a doutrina largamente dominante e toda a jurisprudência dos tribunais superiores – arts.
133º do Código de Procedimento Administrativo) aqui evidente, pela falta de indicação das normas legais aplicadas; especialmente quando a redução a metade da taxa de justiça foi incorrecta (artigo 14º - a) CCJ) porque a acção em causa comporta (em abstracto) oposição e deveria ter-se reduzido a taxa a 1/8 (art.
15º -1-x)-2 CCJ)', e que se violou o disposto nos artigos 268º, nº3, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 77º, n.ºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária.
Também está correcto afirmar que ao Tribunal Constitucional está vedado apreciar tal questão, desde logo porque não constitui o objecto do presente recurso e, mesmo que fosse indicada como tal, não se poderia dela tomar conhecimento por não estar em causa uma interpretação normativa precipitada na decisão recorrida.
Porém, já não se pode concluir pela inutilidade do conhecimento da questão de constitucionalidade, pela simples razão de que tendo o recurso em apreço sido interposto ao abrigo da alínea a) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, não estando, por conseguinte dependente do prévio esgotamento dos recursos ordinários atinentes à decisão recorrida, interrompeu-se o prazo para interposição de outros recursos que porventura caibam da decisão recorrida, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção (cfr. artigo 75º, nº1, da Lei do Tribunal Constitucional).
Assim, decidido que seja o presente recurso, pode o Ministério Público interpor, nos termos da lei de processo aplicável, o competente recurso, ou da decisão da 1ª instância já proferida, caso a mesma seja de manter em função da decisão da questão de constitucionalidade, ou da decisão que a substitua, na hipótese da procedência do recurso de constitucionalidade e da consequente reforma da decisão recorrida.
Em face do exposto, concluindo-se pela improcedência das questões prévias invocadas, importa conhecer de mérito.
2. – Do mérito da causa
2.1. - Constitui objecto do presente recurso, interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tal como delimitado no requerimento de interposição, a norma da alínea h) do artigo 7º do Código das Custas Judiciais, cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do artigo 165º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.
A norma impugnada é do seguinte teor:
'Artigo 7º Valor das causas relativas a sociedades
Nas causas relativas a sociedades considera-se como valor, para efeito de custas:
(...) h) Nas de autorização para redução do capital social, o da redução requerida;
(...)'
Tal como resulta dos autos, está em causa a liquidação da taxa de justiça, no montante de 836.074.000$00, efectuada na acção de autorização judicial para redução do capital social que a recorrente instaurou no Tribunal Cível do Funchal, que correu termos pelo 4º Juízo, sob o n.º 256/00.
Fundamentando a recusa de aplicação da norma em causa entendeu-se na decisão recorrida que o montante de custas cobrado era manifestamente desproporcionado ao serviço de justiça prestado, similar à actividade notarial, transformando-se na prática, numa receita abstracta, num imposto.
'Efectivamente [escreveu-se] estamos ante uma imposição, suposta retribuição de um serviço, em que não se vê qualquer sinal de correspondência custo-serviço, uma vez que é patente que o que aqui foi cobrado excede manifestamente qualquer custo do serviço público prestado. Não há, pois, sequer taxa (= prestação pecuniária a que corresponde, por parte do Estado ou outro ente público, a contraprestação directa e individualizada de um serviço ou utilidade), mas sim imposto (como invoca o impugnante), ou seja uma prestação em regra pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção e exigida pelo Estado ou outro ente público, com vista à realização de fins públicos.
Ora, tal situação faz com que a lei que autoriza a liquidação desta 'taxa' (art.
7°-h) do CCJ - Decreto-Lei 224-A/96 de 26-11), da autoria do Governo, sem autorização da Ass Rep.) seja aqui inconstitucional orgânica e formalmente, porque este tributo é materialmente um imposto e a sua previsão legal não resulta de acto da Assembleia da Republica. Assim sendo, esta liquidação violou a Constituição da República Portuguesa, porque aplicou legislação que, no caso concreto e materialmente, representa a aplicação de um imposto criado pelo Governo sem autorização da Assembleia da República (art. 165°-1-i) Constituição da República Portuguesa). E ninguém pode ser obrigado a pagar impostos nestas circunstâncias (art. 103°-3 Constituição da República Portuguesa). A al. a) do n.º 1 deste art. 204 Código de Procedimento e de Processo Tributário demonstra que o acto tributário que aplica uma norma constitucional, a não ser nulo, não será também meramente anulável à face do regime legal previsto no C.P.A..
(...) Por outro lado, no n.º 3 do art. 103.º da C.R.P., na redacção de 1997, estabelece-se, no que aqui interessa, que, ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição. Esta norma tem vindo a ser interpretada como consagrando um direito de resistência relativamente a actuações ilegais da Administração – cf. – Pamplona Corte- Real, Curso de Direito Fiscal paginas 82-83; Nuno Sá Gomes, Lições de Direito Fiscal, volume II, paginas 87-88; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pagina 459; Vieira de Andrade, Direito Administrativo e Fiscal, Lições ao 3º ano do Curso de 1992-1993, II parte, pagina 18; Sousa e Franco, Sistema Financeiro e Constit. Financeira no Texto Constitucional de 1976, em Estudos sobre a Constit., volume III, paginas
529-530; para a Constituição de 1933, pode ver-se também Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal I, 135-136.
(...) Por isso, na atribuição constitucional do direito de resistência relativamente a impostos não criados nos termos da C.R.P ., deverá ver-se um sinal de que o vício que afecta o acto que aplica a norma inconstitucional (que não é o caso presente) relativa à criação de impostos não será a mera anulabilidade, sendo antes um vicio que, se não é uma pura nulidade, tem pontos comuns com esta categoria de vícios.
(...)
É, a nosso ver, o caso presente: a violação da Constituição da República Portuguesa colide, em concreto, com as regras tributárias de uma forma injusta e desproporcionada, uma vez que é inadmissível que um acto da Administração Pública (lato sensu, neste caso), que consistiu num processo jurisdicional sem litígio concreto, com 2 ou 3 actos processuais (art 1487° Código de Processo Civil), possa chegar a tais valores elevados, milhares de vezes superiores ao custo normal/ razoável de tal tipo de actividade. O acto de liquidação aqui impugnado assentou na aplicação de uma norma (arts. 7°-h) e 14°-a) CCJ) violadora do direito (equiparado a garantia fundamental, consagrado na Constituição da República Portuguesa) de não pagar impostos criados de forma inconstitucional.
(...)'
2.2. - O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão da constitucionalidade da norma do artigo 7º, alínea h), do Código das Custas Judiciais, mais concretamente a respeito da interpretação dessa norma segundo a qual, nas acções de autorização para redução do capital social, se considera necessariamente (isto é, sem poder ser reduzido) como valor da acção, para efeito de custas, o valor da redução requerido, independentemente da maior ou menor actividade jurisdicional desenvolvida.
Na verdade, face a um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público com fundamento na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, sendo a mesma a recorrida, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 349/2002 (publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Novembro de 2002 – no processo nº 632/01 desta 3ª Secção) pronunciou-se pela não inconstitucionalidade dessa dimensão interpretativa e, em consequência, concedeu provimento ao recurso, determinando a reformulação da sentença que estão estava em causa em conformidade com o juízo proferido.
« (...)
10. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve a oportunidade de se pronunciar sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa, utilizando como critério básico de diferenciação o da unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: enquanto o imposto tem estrutura unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático. A estrutura bilateral e sinalagmática das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública. À prestação de um serviço verdadeiro e próprio, equipara-se 'a utilização do domínio público (...) e a remoção de limites impostos à livre actividade dos particulares (...)' (cf., por todos, CASALTA NABAIS, 'O dever fundamental de pagar impostos', Coimbra, 1998, pág. 260). Ou, como se afirmou no acórdão n.º 558/98 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 55, 62), remetendo para TEIXEIRA RIBEIRO, PITTA E CUNHA, XAVIER DE BASTO e LOBO XAVIER, a relação sinalagmática característica da taxa implica uma contrapartida pelo ente público, tendo 'a doutrina entendido que são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares', se 'com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico' (cfr., igualmente, o acórdão n.º 115/2002, Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 2002). Esta tipificação, de há muito aceite na doutrina, veio inclusivamente a ser recebida na Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), que determina que '[a]s taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo ao comportamento dos particulares' (n.º 2 do artigo 4º), enquanto
'[o]s impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património' (n.º
1 do artigo 4º).
11. Por outro lado, o Tribunal Constitucional também já afirmou, por diversas vezes, que a referida bilateralidade não implica uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço (nesse sentido, cfr. os acórdãos n.ºs 1140/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35º, 317, 329; 357/99, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44º, 251, 261-262; 410/2000, Diário da República, II Série, de
22 de Novembro de 2000; 200/2001 Diário da República, II Série, de 27 de Junho de 2001; e 115/2002, Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 2002). Em suma, na perspectiva do Tribunal, exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação – material, e não meramente formal –, na percepção de um dado serviço.
12. Em particular no que respeita à chamada taxa de justiça, em causa nos presentes autos, encontramos igualmente na jurisprudência constitucional a definição dos princípios necessários ao julgamento do presente recurso. Assim, em primeiro lugar, tem o Tribunal Constitucional considerado uniformemente que a chamada taxa de justiça é uma taxa e não um imposto. No seu acórdão n.º 8/2000, por exemplo, disse o seguinte: 'De facto, como por várias vezes foi já sublinhado por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, a denominada «taxa de justiça» não é algo que deve ser perspectivado como imposto e, por isso, não está sujeita à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República constante, hoje, da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição e, antes, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, da alínea i) do n.º 1 do artigo 168º (cfr., verbi gratia, os acórdãos deste Tribunal n.ºs 412/89, 377/94, 379/94 e 382/94, publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente,15 de Setembro de 1989, 7 de Setembro de 1994 e
8 de Setembro de 1994, e os Acórdãos números 582/94, 583/94 e 584/94, ainda inéditos). As razões que levaram o Tribunal Constitucional a emitir tais juízos de não inconstitucionalidade orgânica são (...) totalmente transponíveis para a vertente questão, independentemente de se postar agora um «novo» Código das Custas Judiciais'.
13. Finalmente, tem ainda o Tribunal Constitucional afirmado, por diversas vezes, que o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas (cfr. acórdãos n.ºs 352/91 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º, 549, 557; 1182/96 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35º, 447, 454; ou 521/99, Acórdãos do Tribunal Constitucional,
44º, 793, 795, por exemplo). Esclareceu, contudo, 'que essa liberdade não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), quer no que respeita
à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça
(artigo 20º da Constituição); em qualquer dos casos, sob a cominação de inconstitucionalidade material' (cfr. acórdãos n.ºs 1182/96 ou 352/91 (já citados). E proferiu, mesmo, alguns julgamentos de inconstitucionalidade por violação combinada de ambos os princípios, por exemplo, nos acórdãos n.ºs
1182/96 e 521/99 (já citados).
14. Feitas estas considerações genéricas, cabe finalmente averiguar das consequências que delas decorrem para o julgamento da alegada inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do presente recurso. Recorde-se: a alínea h) do artigo 7º do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo a qual, nas acções de autorização para redução do capital social, considera-se necessariamente (isto é, sem poder ser reduzido) como valor da acção, para efeito de custas, o valor da redução requerida, independentemente da maior ou menor actividade jurisdicional desenvolvida.
15. Ora, a primeira conclusão que decorre da jurisprudência antes citada é a de que, também in casu, estamos perante uma taxa e não perante um imposto. Desde logo porque, conforme resulta do que vimos dizendo, a tal não obsta o facto de não existir uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço prestado e o montante da quantia a pagar pelo utente desse serviço. Como já se referiu, nesta matéria 'o que é exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação – material, e não meramente formal – na percepção de um dado serviço (cfr., designadamente, o acórdão n.º 1108/96, já citado). Em consequência, não basta uma qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado, para que ao tributo falte o carácter sinalagmático. Para que tal acontecesse seria necessário que essa desproporção fosse manifesta e comprometesse, de modo inequívoco, a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática. Como se escreveu recentemente no já citado acórdão n.º 115/02 – que acompanhou, nesta parte, o que ponderado foi no acórdão n.º 640/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º, 185, 216 – 'pode assim dizer-se que o Tribunal Constitucional (...) rejeita o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto. (...) Quando se verifica a correspectividade ou o carácter sinalagmático entre a imposição e um serviço divisível prestado não se está perante um imposto'.
16. Por outro lado, se é certo que o Tribunal já disse que a existência de uma clara desproporção pode afectar a qualificação de um tributo como taxa, também é verdade que sempre acrescentou que a aferição da verificação de uma situação de clara desproporção, que possa afectar o carácter sinalagmático de um tributo, não pode relacionar-se apenas com o carácter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço; ela há-de igualmente ser aferida em função de outros factores, designadamente da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo (cfr., designadamente, os acórdãos n.ºs 1140/96 e 115/02, já citados). Nesse sentido, com bastante interesse para os presentes autos, escreveu-se recentemente no último dos arestos citados:
'O Tribunal Constitucional tem sido, no entanto, cauteloso na apreciação dos excessos indicadores de uma falta de proporcionalidade enquanto desvirtuantes da correspectividade (...). Assim, para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, mais relevante a contenção da utilização de um serviço – o que significa (e a jurisprudência constitucional tem-se comprometido nesse sentido) que o carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao custo do bem ou serviço prestado: a bilateralidade que a caracteriza mantém-se, mesmo na parte excedente ao custo (cfr., v. g., o acórdão n.º 205/87, publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987); não é, por si só, de qualificar a taxa como imposto, ou de lhe conceder tratamento constitucional de imposto, se o respectivo montante exceder o custo dos bens e serviços prestados ao utente
(cfr., v.g., o acórdão n.º 640/95, publicado naquele jornal oficial, II Série, de 20 de Janeiro de 1996) (...). E, como, então, mais se ponderou, em termos que ora interessa:
'[a] base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe, todavia, uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e aceite como tal pelos cidadãos atingidos'. Daí se retira que a consignação financeira de uma tal prestação económica que surge como uma elevação de um preço estabelecido em convenção poderá não afectar a natureza de taxa da referida prestação, na medida em que se entenda que a elevação do preço tem o seu fundamento (a sua causa) num determinado modo de relacionamento dos cidadãos com os custos (benefícios ou utilidades) e a própria elevação do preço seja aceitável racionalmente como contrapartida de um benefício'. Encontra-se implícita, nesta concepção, que a aferição do montante da taxa não decorre tanto do seu 'custo' mas, essencialmente, da utilidade que do serviço se extrai'.
17. Ora, em função do que antecede, apenas resta concluir pela não inconstitucionalidade de um critério de determinação da quantia da taxa de justiça em que o legislador teve em conta não só o valor de custo do serviço em causa mas, determinantemente, o valor presumivelmente resultante da utilidade obtida através da prestação do serviço, não deixando uma taxa de justiça que representa – como aconteceu no caso concreto - apenas 0,5% do valor do acto de satisfazer os requisitos constitucionais de proporcionalidade.»
2.3. – Ora, estes fundamentos são integralmente transponíveis para o caso dos presentes autos, atenta a identidade da questão sub judice, e permitem concluir que a norma em causa ao prever que nas acções de autorização para redução do capital o valor da causa, para efeitos de custas, seja o da redução requerida, não estabelece um critério desproporcionado de determinação da taxa, não criando, por conseguinte um imposto, pelo que não ocorre violação da norma do artigo 165º, nº1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
III
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 28 de Março de 2003 Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, pelas razões constantes da declaração apensa ao ac. n.º 349/02). Luís Nunes de Almeida
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