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Procº nº 103/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 17 de Fevereiro de 2003 proferiu o relator decisão com o seguinte teor:-
'1. Em autos de instrução requeridos pela assistente A e em que figurava como arguida, para além da própria assistente B, veio a ocorrer a realização de debate instrutório iniciado em 12 e continuado em 16 de Novembro de 2001.
Na sessão ocorrida em 12, a arguida B peticionou a nulidade de declarações por si produzidas nos autos de inquérito, com o consequente desentranhamento do processo, e que lhe fossem tomadas novas declarações.
Esta solicitação foi objecto de deferimento, em parte, e de indeferimento, noutra, por despacho exarado pelo Juiz de instrução em 16 seguinte, visto que, conquanto se não ordenasse o requerido desentranhamento, se considerou que as referidas declarações não podiam ser utilizadas como prova contra a arguida, acedendo-se ao pedido de interrogatório da mesma, mas restrito
às matérias que pudessem relevar ao propósito da instrução.
Na sessão ocorrida em 16 de Novembro de 2001, a dada altura, a mandatária da arguida B, após ter sido determinado o interrogatório desta
última, requereu que a diligência fosse suspensa por determinado período de tempo, a fim de poder contactá-la em privado.
Essa pretensão foi indeferida por despacho proferido na mesma data pelo Juiz de instrução e que apresenta o seguinte teor:-
‘Como decorre [d]o disposto no art.º 61º, n.º 1, al. e), a ilustre defensora da arguida tem o direito de comunicar com esta última, quando a arguida estiver detida. Não é esse o caso, a todos os títulos. Aliás, é verdadeiramente incompreensível que este pedido seja feito pela sua ilustre defensora, quando é certo que foi a própria que no passado dia 12 de Novembro requereu o interrogatório da arguida, Não pode pois o deferimento do interrogatório constituir surpresa para a sua ilustre defensora. Trata-se por isso de um pedido inoportuno e dilatório, pelo que se condena a requerente no pagamento das custas do incidente fixando-se a taxa de justiça em 40.000$00 - art.º 84º, n.º 2 do C.C.J.’.
Ainda em 16 de Novembro de 2001 foi proferida decisão instrutória que pronunciou a arguida B como indiciária autora de factos que foram subsumidos ao cometimento de dois crimes de ofensa à integridade física.
Esta mesma arguida, não se conformando com o despacho de 16 de Novembro de 2001, na parte em que não determinou a nulidade de todo o processo após ter sido declarado que a tomada de declarações por ela prestadas o foram sem que previamente fosse constituída como arguida, com o despacho, da mesma data, por meio do qual não foi autorizado o contacto com a sua defensora, e com o despacho de pronúncia, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Na motivação apresentada formulou as seguintes «conclusões»:-
‘1 - A instrução foi requerida pela assistente não para obter a pronúncia da arguida relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não deduziu acusação, mas tão somente para que o Tribunal qualificasse os factos imputados à arguida como consubstanciando dois crimes de ofensa à integridade física.
2- Foi proferido despacho de abertura da instrução.
3 - Quando elaborava o despacho de fIs. 128, o Meritíssimo Juiz a quo apercebeu-se que não deveria ter recebido o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente.
4 - Tal requerimento não continha os fundamentos legalmente exigíveis pelo disposto no artº 287, nº 1 al. b) do C.P.Penal
5 - Quando o Meritíssimo Juiz detectou o erro poderia ter reparado aquele despacho de abertura de instrução por outro onde a rejeitasse.
6 - Não se esgota a competência do Juiz de Instrução no momento em profere o despacho de abertura de instrução, podendo a todo o momento repará-lo.
7 - Pelo que, deveria ter sido proferido despacho de rejeição do requerimento apresentado pela assistente, dado o mesmo ser legalmente inadmissível.
8- Caso assim não se entenda que o Juiz de Instrução pode reparar a todo o tempo o despacho que recebeu a instrução,
9 - Deveria, então, detectada a falta de fundamento e de requisitos legais do requerimento interposto pela assistente, ter sido proferido despacho de não pronúncia.
10 - O requerimento de abertura de instrução deduzido pela assistente não contém qualquer factos ou razão de direito que consubstancie a sua discordância com a acusação deduzida pelo Ministério Público,
11 - Como também não contém aquele requerimento formulado pela assistente qualquer meio de prova [qu]e deva ser levado a cabo na instrução,
12- Pelo que, deveria, também por estes fundamentos ter sido rejeitada o referido requerimento apresentado pela assistente.
13 - Assim, a instrução realizada nos presentes é nula por ser legalmente inadmissível.
14 - Sendo a instrução uma fase judicial o juiz não tem que se limitar ao material probatório que lhe é apresentado pela acusação e pela defesa devendo, se tal achar necessário, que instruir autonomamente o facto em apreciação.
15 - Tendo sido proferido despacho a dar sem efeito as declarações da arguida de fls. 13, e tendo sido estas determinantes para a formulação da acusação, deveria o Meritíssimo Juiz ter levado a cabo actos de revogação dos factos alegados pela
16 - Nos presentes autos o Meritíssimo Juiz declarou-se materialmente incompetente para levar a cabo qualquer diligência de prova e subscreveu sem mais a acusação deduzida pela assistente.
17 - Pelo que, foram violados os direitos de defesa da arguida constitucionalmente consagrados no artº 32° da C. R. Portuguesa.
18 - Ao ser deferida a acusação da assistente através do despacho de pronúncia, apesar de se ter declarado e admitido que a instrução não deveria ter sido recebida, o Meritíssimo Juiz foi contraditório na sua fundamentação, violando o disposto no artº 668º, n° 1, al. c) do C. P. Civil, ex vi[ ], artº 4° e 374° do C. P. Penal.
19 - Pelo facto do Meritíssimo Juiz se ter declarado materialmente incompetente para a prática de quaisquer actos instrutórios e apoiando-se nos factos alegados pela assistente feriu de nulidade a instrução, nulidade essa prevista no artº
119°, al. d) do C. P .Penal.
20 - O prazo do terminus do inquérito conta-se a partir da atribuição do estatuto de arguido não devendo o mesmo ser concluído sem o arguido ser ouvido, salvo não se encontrando o mesmo ou ele se recusar a prestar declarações.
21- Tendo a arguida arguido a nulidade da prova recolhida ainda em sede de inquérito e requerido que fosse ouvida na qualidade de arguida, o que não foi realizado nem sujeito a qualquer despacho,
22 - Tal facto significa que não foram asseguradas à arguida todos as garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar na fase de inquérito, violando-se desse modo o estatuído no n° 1 do artº 32° da C. R. Portuguesa.
23- Foi declarado pelo Meritíssimo Juiz a quo que as declarações prestadas pela arguida a fls. 13 não podiam valer contra ela, pois tinham sido tomadas com violação frontal do disposto no artº 58°, nºs 1 e 2 do C. P. Penal,
24 - Pelo que, deveria também ter sido declarado nulo todo o restante processado pois foi com base na confissão da arguida que foram realizadas todas as diligências probatórias na fase de inquérito, sendo certo que também a assistente se socorreu dessas mesmas declarações para requerer a abertura de instrução.
25 - A descoberta da verdade material, a defesa dos direitos da arguida e o cumprimento do principio in dubio pro r[eo] só seriam validamente alcançados e garantidos se após se ter verificado e declarado a violação do estatuído no artº
58° do C. P. Penal, fosse também proferido despacho no sentido de considerar inválidos todos os actos posteriores.
26 - A consequência prevista no n° 4 do artº 58° do C. P. Penal só não violará os direitos de defesa da arguida e as garantias de defesa asseguradas pelo processo criminal se, no caso concreto, o Juiz de Instrução ao declarar a omissão das formalidades legalmente impostas pelo n° 3 do artº 58° do mesmo Diploma Legal, averiguar se as mesmas foram ou não cruciais para a elaboração e formulação da acusação deduzida contra a arguida.
27 - É um dever que impende sobre o Juiz de Instrução verificar se foram asseguradas quer as garantias de defesa estabelecidas no processo criminal a favor do arguido, quer os seus direitos antes de proceder à declaração de não aproveitamento das declarações por ele prestadas com violação de formalidades legalmente estabelecidas.
28 - Sendo certo que, no caso dos autos tais declarações foram determinantes para a formu1ação do despacho de acusação necessariamente não foram asseguradas aquelas defesas e direitos, pelo que foi violado o estatuído nos nºs 1 e 2 do artº 32 da C.R. Portuguesa.
29 - Acresce ainda que, ao ser proferido despacho no sentido de se proceder ao interrogatório da arguida, restringindo-o às matérias que possam relevar para o
único propósito desta instrução, o Meritíssimo Juiz a quo partiu do pressuposto que a arguida tinha pelo menos cometido um crime de ofensa à integridade física.
30 - Tal pressuposto está legalmente vedado a qualquer Juiz.
31 - Tal despacho viola de forma grave todas as garantias e direitos de defesa da arguida, coarctando-lhe, pela proibição nele expressa, o direito de falar e ser ouvida pelo Tribunal.
32 - Traduzindo, ainda, a falta de actos instrutórios já alegados no presente recurso, com a sua consequente nulidade, ( artº 119º, al. d) do C. P. Penal),
33 - Fazendo, de igual forma, tábua rasa do princípio in dubio pro r[eo], com a consequente violação do princípio constitucional consagrado no n° 2 do artº 32° da C. R. . Portuguesa.
34- Foi negado à arguida o exercício do direito de comunicar com o seu defensor em privado por um curto espaço de tempo (10 ou 15 minutos), por ela requerido ao abrigo do artº 61°, n° 1, al. e) do C. P. Penal.
35- O arguido deve requer todos os actos através do seu defensor, pelo que a forma como a arguida requereu que pretendia exercer o direito de comunicar com o seu defensor está correcta.
36 - O requerimento da arguida onde declarou que pretendia exercer o seu direito de comunicar com o seu defensor, foi-o no seguimento do despacho onde se analisaram e decidiram diversas questões e se decidiu que foi parcialmente deferido um primeiro interrogatório, restringido às matérias que pudessem relevar para o único propósito da instrução que se realizava.
37- Cabe ao defensor da arguida explicar a esta o conteúdo dos despachos proferidos nos autos e, in casu[ ], por maioria de razão, o despacho que tinha sido proferido e o alcance da restrição nele contida.
38 - Sendo certo, que é esse o conteúdo do direito do arguido ser assistido em todos os actos processuais em que participar, artº 61°, n° 1, al. e) do C. P. Penal e n° 3 do artº 32° da C. R. Portuguesa.
39 - Ao vedar à arguida o direito de comunicar com o seu mandatário, o Meritíssimo Juiz vedou-lhe o direito de ser assistido por defensor.
40 - O direito de poder comunicar em privado com o seu defensor é um direito atribuído aos arguidos em geral e não somente aos arguidos detidos, sendo certo que a não perfilhação de um tal entendimento revela uma interpretação restritiva e violadora do principio da igualdade, consagrado no artº 13° da C. R. Portuguesa.
41 - O disposto na al. e) do n° 1 do artº 61° do C. P. Penal é no sentido de garantir que até ao arguido detido é assegurado o direito de comunicar em privado com o seu defensor e não o de excluir tal direito aos arguidos não detidos.
42- Assim não só o Meritíssimo Juiz a quo errou ao não permitir que a arguida conferenciasse em privado com o seu mandatário antes do interrogatório, (para efeitos legais seria o primeiro ),
43 - Como, naturalmente não podia aplicar qualquer multa, por isso mesmo ter sido requerido, sendo que, mesmo assim a não se entender o que salvo o devido respeito apenas por hipótese se admite, sempre a mesma se deverá considerar excessiva.
44 - A interpretação efectuada pelo Meritíssimo Juiz a quo aos preceitos supra citados do Código Processo Penal viola fronta1mente o disposto nos artigos 13° e
32° da Constituição da República Portuguesa.
45 - Ao assim não decidir o Meritíssimo Juiz a quo violou o disposto nos artºs
13° e 32°, n° 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, artºs 4°, 58°, 61º,
119°, al. d), 286°,287°,288°,290°,291°,292°,374°,414°, n° 4, do C. P. Penal e o artº 668° do C. P. Civil e aplicou erradamente o artº 84°, n° 2 do C. C. Judiciais’.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 18 de Dezembro de
2002, negou provimento aos recursos.
Lê-se nesse aresto a seguinte fundamentação jurídica no tocante ao decidido:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
I - Quanto ao despacho de pronúncia:
Nos termos do art.º 286º, n.º 1 do C.P.Penal ( a este diploma se referirão todas as normas sem indicação de outro) a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Tal requerimento (art.º 287º, n.º 3) só pode ser rejeitado se for extemporâneo, se o juiz for incompetente ou se legalmente inadmissível. No caso presente a A, na qualidade de assistente, requereu-a porque entendia que a B deveria ter sido acusada por dois e não por um só crime. Poder-se-ia dizer que o requerimento poderia ter sido rejeitado, porque ele não punha em causa a dedução da acusação nem o arquivamento dos autos. Contudo, os factos da acusação integrariam não um mas dois crimes, Tratava-se de uma alteração substancial, já que, embora apenas de qualificação jurídica dos factos, era uma alteração que agravava a situação da arguida B. Para tal corrigir, ter-se-ia, posteriormente de dar cumprimento ao disposto no art.º
359º. Sendo assim, entendemos que nada impedia que se requeresse a instrução para, desde logo, evitar aquela diligência ou eventual novo processo. É que, afinal, o que acontecia era que a instrução visava a acusação por um crime que a acusação não tinha considerado. Isto é, a assistente pretendia ver acusados factos pelos quais o M.º Público não tinha deduzido acusação. E isto está legalmente previsto na al. b), do n.º 1, do art.º 287º.
Mas mesmo que assim não fosse, como nos parece ser, uma coisa é evidente: aberta que foi a instrução, não era aquela circunstância que obrigaria o juiz a declarar nula a instrução e muito menos a que o resultado fosse a não pronúncia. É que, sendo aquele o fim da instrução, constante do requerimento, já não constitui nulidade a pronúncia por tais factos, como resulta claro do art.º
309º, n.º 1 e o máximo que poderia acontecer seria a pronúncia conforme a acusação.
E não é verdade que o requerimento para abertura da instrução não contivesse bem definido o fim a que se destinava.
E também não é verdade (aliás, fundamento não englobado naquele requerimento, nem tendo a arguida requerido a mesma instrução) que dos autos não constassem os elementos de facto e de direito suficientes para a sua abertura ou para a pronúncia. As declarações da arguida fo[ram] apenas um dos vários elementos de prova. Mesmo sem elas a pronúncia ter-se-ia imposto. Aliás, repete-se, a arguida não requereu instrução.
Não se compreende o que a recorrente pretende ao dizer que tendo-se o juiz declarado materialmente incompetente para novas diligências, violou os direitos de defesa da arguida.
Em resumo:
- a instrução não deveria ter sido rejeitada;
- não padece de qualquer nulidade. x
II - Quanto ao primeiro despacho:
A omissão das formalidades referidas no art.º 58º, não implica qualquer nulidade. Tal norma é expressa ao dizer que isso implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como meio de prova contra ela. E foi isso que se declarou no despacho. Sendo certo, como já se referiu, que os elementos eram suficientes e que tal nem era objecto da instrução. x
III - Quanto ao segundo despacho:
Estava-se em pleno debate instrutório. A arguida havia arguido a anterior nulidade, três dias antes. Decidiu-se que não havia nulidade e deu-se ao acto impugnado o efeito legalmente previsto. A arguida estava assistida pelo seu mandatário. Não estava detida. O juiz decidiu ouvi-la. Permitir que nesta altura o mandatário da arguida com ela comunicasse em privado, é acto não só legalmente não previsto (al. e) do n.º 1, do art.º 61º), como é acto inadmissível, porque ao mandatário não é permitido intrometer-se nas diligências do debate (artigos 301º e 302º). A pretensão era inoportuna e dilatória. Bem se andou em não a admitir e em se condenar pelo incidente pela quantia em que o foi, dado poder ser sancionada até
5 ucs e não termos dados para a ter por excessiva.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Notificada deste aresto, fez a arguida B juntar aos autos requerimento onde disse:-
‘B, arguida no processo à margem identificado, não se conformando com o douto Acórdão, de fls., que negou provimento aos recursos por si apresentados das decisões do Tribunal Judicial de Castelo Branco, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional. A recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade: a) Dos artºs 286, n° 1 e 287°, n° 3 do Código de Processo Penal, na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entender que esses preceitos, nessa interpretação, violam o disposto nos artºs 27°, n° 1 e 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa. b) Do artº 58° Código Processo Penal, na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entender que essa interpretação, viola o disposto no artº 32°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa. c) Dos artºs 61º, n° 1, al. e) e 301 ° e 302° do Código de Processo Penal, na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entender que essa interpretação, viola o disposto nos artigos 13° e 32°, n° 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. A questão da inconstitucionalidade foi devidamente suscitada, respectivamente, na motivação do recurso de fls.. Assim, e porque está em tempo e tem legitimidade, deverá ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional’.
Tendo o Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, por despacho de 15 de Janeiro de 2003, após sublinhar que o transcrito requerimento não dava cumprimento ao que se dispõe no nº 1 do artº 75º-A da lei nº 28/82, de
15 de Novembro, convidado, por força do estatuído no nº 5 do mesmo artigo, a arguida B a prestar as necessárias indicações, veio esta a apresentar novo requerimento, no qual exarou:-
‘A, arguida no processo à margem identificado, não se conformando com o douto Acórdão de fls., que negou provimento aos recursos por si apresentados das decisões do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional. A recorrente pretende interpor recurso ao abrigo da al. b ) do n° 1 do artº 70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro. A recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade: a) Dos artºs 286, n° 1 e 287°, n° 3 do Código de Processo Penal, na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entender que esses preceitos, nessa interpretação, violam o disposto nos artºs 27°, n° 1 e 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa. b) Do artº 58° Código Processo Penal, na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entender que essa interpretação, viola o disposto no artº 32°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa. c) Dos artºs 61°, n° 1, al. e) e 301° e 302° do Código de Processo Penal, na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entender que essa interpretação, viola o disposto nos artigos 13° e 32°, n° 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. A questão da inconstitucionalidade foi devidamente suscitada, respectivamente, na motivação do recurso de fls.. Assim, e porque está em tempo e tem legitimidade, deverá ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional’.
O recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 29 de Fevereiro de 2003 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Como à saciedade deflui do relato supra efectuado, o primitivamente apresentado requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não obedecia à totalidade dos requisitos que se surpreendem nos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82.
Na verdade, ali se intentava uma apreciação da conformidade ou não conformidade com a Lei Fundamental por banda de determinados normativos constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional, numa dada interpretação que teria sido levada a efeito pelo aresto ora desejado colocar sob a censura deste órgão de administração de justiça.
Daí que bem tivesse decidido o Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra ao formular o convite a que se reporta o nº 5 do artº 75º-A, já acima citado.
De facto, não só se não assistia à não indicação da alínea do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, ao abrigo da qual a impugnação era deduzida, como ainda não era minimamente indicado o sentido ou dimensão interpretativos que se reputavam colidentes com o Diploma Básico e que teriam sido aplicados no acórdão recorrido.
É que, como tem sido assinalado, sem divergências, pela jurisprudência deste Tribunal, quando se põe em causa a inconstitucionalidade de uma dada interpretação normativa, mister é que se preste, de modo expresso e explícito, a indicação de qual seja essa dimensão interpretativa, por forma a que, caso a mesma venha a ser julgada desconforme com a Lei Fundamental, os operadores jurídicos em geral e, em particular, o tribunal a quo, saibam que o preceito onde tal norma se insere não pode ser aplicado com tal interpretação, por ser contrário à Constituição (cfr., por todos, o Acórdão deste Tribunal nº
178/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º volume, 1118).
Acontece, porém, que, não obstante o endereçado convite, a ora impugnante não veio, de todo em todo, a indicar aquelas dimensão ou sentido interpretativos que teriam sido adoptados pelo acórdão em apreço e que considerava conflituantes com a Constituição, sendo que, como, no Tribunal a quo, se lançou mão do prescrito no nº 5 do artº 75º-A, possível já não será, no Tribunal Constitucional, haver recurso ao estatuído no nº 6 do mesmo artigo.
Neste contexto, em face do que se comanda no nº 2 do artº 76º da Lei nº 28/82, não deveria o recurso ter sido admitido (e independentemente agora de saber se, pelo menos no que respeita às normas ínsitas nos artigos 286º, nº 1,
287º, nº 3, 58º, 301º e 302º, todos do Código de Processo Penal, a ora impugnante suscitou alguma questão de inconstitucionalidade reportada àquelas normas, pois, como resulta das transcritas «conclusões» da sua motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o que aí foi defendido foi que os despachos proferidos no tribunal de 1ª instância, foram, eles mesmos, ofensivos da Lei Fundamental).
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em seis unidades de conta'.
É da transcrita decisão que, pela assistente/arguida, vem deduzida reclamação, aduzindo, em síntese, que, tendo, na sequência do convite que lhe foi endereçado pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, indicado a alínea do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 ao abrigo da qual o recurso era interposto, e porque, assim, indicou todos os requisitos exigidos pelo artº 75º-A da mesma Lei, não tinha também de indicar qual a dimensão interpretativa que entendia como conflituante com a Lei Fundamental, que, aliás, aquele normativo não exige, sendo que, de todo o modo, se encontrava
'perfeitamente (e não só minimamente indicado) o sentido interpretativo que se reputou colidente com o Diploma Básico', pois que, perante 'a interpretação que tais despachos de fls. 132 e 133 efectuaram de preceitos do Código de Processo Penal e de artigos de aplicação imediata consagrados na Constituição da República Portuguesa é óbvio que e no entendimento da reclamante' o 'despacho de pronúncia não poderia ter sido proferido, pois que não só o requerimento de abertura de instrução não continha nenhum fundamento legalmente admissível para o seu recebimento', como, 'durante a fase de instrução foram praticados actos que legalmente eram atentatórios dos direitos de defesa e do princípio in dubio pro reo da reclamante'.
Ouvidos sobre a reclamação, quer o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, quer A, pronunciou-se tão somente o primeiro, propugnando no sentido do respectivo indeferimento.
Cumpre decidir.
2. A reclamação sub iudicio não deve lograr atendimento.
De facto, como se sublinhou na decisão reclamada, pretendendo-se submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a questão da conformidade ou não conformidade com a Constituição de um dado sentido interpretativo conferido pela decisão intentada impugnar a um dado preceito constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, necessário é que, no requerimento de interposição de recurso, esteja claramente definido qual seja esse sentido, pois que, podendo, a um preceito, serem dadas variadas interpretações, torna-se evidente que só à acolhida pela decisão submetida à decisão tomada pelo tribunal a quo se restringirão os poderes cognitivos deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade. E, como também se assinalou na peça processual ora em apreço, caso o mesmo órgão se venha a pronunciar pela inconstitucionalidade dessa dimensão interpretativa (e unicamente dela, como se viu, pode curar), só ela mesma, em face do juízo tomado por este Tribunal, não poderá ser aplicada na decisão do tribunal recorrido a proferir na sequência da reforma advinda daquele juízo.
Por isso mesmo, a jurisprudência deste Tribunal tem, sem divergências, exigido a precisa indicação do sentido interpretativo que se reputa como contrário à Lei Fundamental, quando se questiona um certo preceito numa dada interpretação.
Acontece que, in casu, nunca a ora reclamante, no requerimento de interposição de recurso e, bem assim, naqueloutro apresentado na sequência do convite que foi formulado pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, veio indicar quais as dimensões interpretativas dos artigos 268º, nº 1,
287º, nº 3, 58º, 61º, nº 1, alínea e), 301º e 302º, todos do diploma adjectivo criminal, que teriam sido levadas a efeito pelo acórdão lavrado por aquele tribunal de 2ª instância. E, por outro lado, contrariamente ao que agora refere, das peças processuais que, antes da prolação daquele aresto, foram apresentadas mesma reclamante, não resulta, com um qualquer mínimo de precisão, qual fosse, em relação a esses preceitos, o seu entendimento acerca de uma interpretação que considerava desarmónica com a Constituição, sendo de assinalar que o arrazoado da vertente reclamação até aponta no sentido de, em rectas contas, o que se pretenderá é assacar o vício de inconstitucionalidade aos despachos em si e não
às normas que serviram de suporte jurídico ao nos mesmos decidido.
Nestes termos, não merece censura a decisão em apreço, pelo que se indefere a reclamação, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 28 de Março de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida