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Procº nº 79/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 27 de Fevereiro de 2003 proferiu o relator decisão com o seguinte teor:-
'1. Pelo Tribunal Cível de Lisboa instaurou A, em 11 de Dezembro de 1995 e contra B (falecido na pendência da acção, vindo a ser habilitados, para nela prosseguirem em lugar do réu, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V), acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando o reconhecimento do autor como filho do réu.
Tendo, por sentença proferida em 15 de Julho de 1998 pelo Juiz do 6º Juízo daquele Tribunal, sido a acção julgada procedente e, em consequência, reconhecido o autor como filho do réu, da mesma apelou este último para o Tribunal da Relação de Lisboa, com tal recurso «subindo» ainda um outro, de agravo, do despacho que julgou como não verificada a excepção de caso julgado pela circunstância de, anteriormente, ter sido julgada como improcedente acção oficiosa de reconhecimento da paternidade, proposta pelo Ministério Público contra B.
Porque aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 6 de Maio de 1999, negou provimento aos dois recursos, pediu então revista a habilitada C.
Na alegação que foi produzida, e que foi intitulada como 'ALEGAÇÕES DOS HERDEIROS DO RECORRENTE B', foram formuladas as seguintes «conclusões»:-
'Quanto ao caso julgado: I - O art. 1813.º CC está plenamente de acordo com o art. 498.º/1 e 2 CPC, pois uma acção proposta e conduzida pelo MP não pode, se improcedente, ter efeitos de caso julgado contra o pretenso filho. II - O art. 1813.º CC está ainda de acordo com o art. 674.º CC [querer-se-ia porventura escrever CPC], pois na acção de investigação proposta pelo MP não está presente um dos «interessados directos» na relação de filiação. III - O art. 1813.º CC não visa afastar as regras do art. 341.º CPC. [A]firmação contrária negaria princípios estruturantes do processo civil português. IV - A mãe do A., quando se constitui como assistente na primeira acção, fê-lo em substituição processual do A.. Nos termos da lei, só o interesse do A. foi aí relevantemente prosseguido. V - Se a mãe tivesse um interesse próprio atendível, poderia propor uma acção de investigação da paternidade em nome próprio, e não pode. VI - A substituição pela mãe está plenamente de acordo com a sua melhor posição para a condução de um processo de investigação da paternidade. VII - Nos termos do art. 341.º CPC, a improcedência da acção de investigação promovida pelo MP produz efeitos de caso julgado contra a mãe do ora investigante e contra o próprio investigante. VIII - Opinião contrária possibilitaria a repetição de duas acções rigorosamente idênticas em termos substanciais. Provavelmente, com os mesmíssimos meios de prova, com a invocação dos mesmos factos e dos mesmos argumentos. IX - Aliás, o art. 1813.º vem pôr cobro às possíveis insuficiências de uma condução do processo pelo Ministério Público. Insuficiências essas que não ocorrem quando a mãe do pretenso filho do réu ónus da prova o coadjuvou plenamente constituindo-se como assistente nos termos legais. X - A decisão do tribunal a quo, ao desatender a excepção de caso julgado, violou o art. 341.º CPC e, com este, o art. 1813.º CC, devidamente interpretado. XI - A interpretação feita do art. 1813.º CC é inconstitucional; viola o disposto nos arts. 282.º/3, 205.º/2 e 110.º/1 da CRP. XII - Deve portanto ser revogado o acórdão recorrido e considerada procedente a excepção de caso julgado oportunamente deduzida, com a consequente absolvição do R. da instância. DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1860.º CC, NA VERSÃO ORIGINÁRIA: XIII - O art. 1860.º CC, na versão anterior à reforma de 1977, consagrava condições processuais de admissibilidade da acção de investigação que prosseguiam uma função de protecção substantiva do investigado e sua família. XIV - Esse preceito é aplicável ao caso em apreço, nos termos das regras gerais sobre sucessão de leis. XV - O tribunal da Relação recusou a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade, mas sem que para isso haja motivo suficiente. XVI - Nesse artigo, apesar de tudo, fazia-se uma ponderação de interesses constitucionalmente protegidos do pretenso pai e do pretenso filho, pelo que mal andou a Relação ao recusar a sua aplicação ao caso; e com isso a decisão recorrida violou o art. 1860.º CC, na versão originária'.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Novembro de 2002, negou provimento ao recurso.
No que ora releva, pode ler-se nesse aresto:-
'............................................................................................................................................................................................................................................ III A excepção de caso julgado
..............................................................................................................................................................................................................................................
3. O artigo 1813º do Código Civil (que diz: a improcedência da acção oficiosa não obsta a que seja intentada nova acção de maternidade, ainda que fundada nos mesmos factos) - que é aplicável à acção oficiosa de investigação de paternidade - cf. artigo 1868º - constitui uma excepção à regra geral que define o âmbito subjectivo do caso julgado em acções de estado, desde que a acção tivesse sido proposta contra os interessados directos e tivesse havido oposição
(artigo 674º do Código de Processo Civil), de sorte que a improcedência da acção oficiosa vincularia os terceiros e, por isso, vincularia o pretenso filho.
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...
4. A mãe pode intervir como assistente nas acções oficiosas de investigação da paternidade, nos termos gerais dos artigos 335 e sgs. do Código Proc. Civil - cf. Acórdão do S.T.J. de 11.10.74, no B.M.J. n.º 240, pags 240.
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--------- Na verdade, a mãe tem o interesse económico em partilhar a responsabilidade de alimentar o filho e em evitar as despesas que suportaria com a representação dele numa futura investigação particular, e tem o interesse prático em evitar a menção de paternidade incógnita, que é susceptível de perturbar as condições de exercício da função maternal - cf. GUILHERME de OLIVEIRA, Estabelecimento da Filiação, 1979, pags 146/147.
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5. O progenitor reconhecido que tiver intervindo como assistente na investigação oficiosa falhada, pode mover a acção particular livremente, sem estar vinculado ao regime do artigo 341. É que ele intervém na acção oficiosa em nome próprio e para defender o seu interesse - cf. GUILHERME de OLIVEIRA, obra citada, pags 35; LEBRE de FREITAS, Código de Processo Civil anot. vol. 1.º, pags
593/594; e TEIXEIRA de SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pags 176/177
-, enquanto na segunda intervém em nome do filho e para tutelar um interesse deste na constituição do vínculo; intervém, pois, com duas qualidades distintas.---------------------
...
---------- Daqui que na presente acção de paternidade é inaplicável o estatuído no artigo 341º do Código Proc. Civil, permanecendo a excepção à regra do artigo
674.º do C.P.C., consignada, como se viu, nos artigos 813 e 868.º do C.C. IV
Da inconstitucionalidade dos artigos 1860.º do Código Civil, na sua versão originária.
..............................................................................................................................................................................................................................................
2. O artigo 1860º do Código Civil, na redacção anterior ao Dec.Lei nº
496/77, de 25 de Novembro, estabelecia que a acção de investigação da paternidade ilegítima só era admissível nos casos que enumerava.
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----------- Tal disposição contrariava certos princípios programáticos da Constituição da República de 1976 (v.g. seus artigos 13.º, n.º 1, 33.º, n.º 1 e
36.º, n.º 4): trata-se dos princípios da igualdade perante a lei, da protecção da identidade e integridade pessoais e da não discriminação dos filhos nascidos fora do matrimónio; todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei; a todos é reconhecido o direito à identidade pessoal, ao bom nome e reputação; os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação. ----------------------------
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O artigo 1860º do Código Civil, na redacção anterior à Reforma de 1977, contrariava os indicados princípios constitucionais e que, por isso, caducou, por inconstitucionalidade superveniente, com a entrada em vigor da Constituição
- cf. Acórdão S.T.J., de 03.06.80 - B.M.J. nº 358, pags. 535/539.
..
3. De qualquer sorte, o Dec. Lei nº 496/77 eliminou os pressupostos da admissibilidade da acção de investigação de paternidade exigidos pelo artigo
1860, passando a paternidade a poder provar-se em qualquer caso (cf. artigo
1869.º, na sua nova redacção; alteração justificada no preâmbulo nos seguintes termos:
............................................................................................................................................................................................................................................'
Apresentou então nos autos a habilitada C requerimento com o seguinte teor:-
'C, recorrente nos autos à margem, tendo sido notificada do douto Acórdão que antecede, vem dele interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional'.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 9 de Janeiro de 2003 admitiu o recurso.
Já no Tribunal Constitucional, o relator, em 18 de Fevereiro de 2003, proferiu o seguinte despacho:
'Porque o requerimento de fls. 461 não obedece ao que se comanda nos n.ºs
1 e 2 do art.º 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e porque, no Alto Tribunal 'a quo', se não lançou mão do prescrito no n.º 5 daquele mesmo artigo, deverá agora cobrar aplicação o que se encontra consagrado no n.º 6, ainda do dito artigo.
Proceda-se, por isso, à notificação da recorrente do teor do presente despacho'.
Na sequência, a ora recorrente veio dizer:-
'C, recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 75.º-A da Lei 28/82 de 15/11, vem prestar a indicação solicitada o que faz nos seguintes termos:
A ora recorrente interpôs recurso do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional sendo as normas e princípios constitucionais violados os seguintes:
- a interpretação feita do art. 1813.º do CC. é inconstitucional por violar o disposto nos arts. 282.º/3, 205.º/2 e 110.º/1 da CRP, tal como atempadamente invocado pela recorrente, nomeadamente nas suas alegações de revista (pontos 41,
66 e 67);
- a recusa de aplicação do art. 1860.º do CC. na sua versão originária por alagada inconstitucionalidade superveniente não é legítima e viola os direitos fundamentais do pai e da família consagrados nomeadamente no art. 18.º/3 d[a] CRP, tal como atempadamente invocado pela recorrente, nomeadamente nas suas alegações de revista (pontos 72 a 77)'.
2. Como deflui do relato supra efectuado, a ora recorrente, não obstante o convite que neste Tribunal lhe foi dirigido, não veio, tocantemente ao artº
1813º do Código Civil, indicar qual a interpretação que para si tem como desconforme com a Lei Fundamental e que, na sua óptica, teria sido a perfilhada pela decisão intentada impugnar (e, aliás, na alegação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, igualmente nunca indicou com qualquer precisão que interpretação seria essa - cfr. items 41, 66 e 67 daquela alegação, agora citados pela impugnante, nos quais se limitou a dizer:- 'GUILHERME DE OLIVEIRA faz uma verdadeira interpretação inconstitucional do art. 1813.º CC. Muito preocupado com a «verdade biológica» - apesar de ele próprio afirmar que esse não é nem poderia ser o único critério relevante nas acções de filiação - aproveita o aparente buraco introduzido no caso julgado pelo art. 1813.º para anular todo um instituto que tem a máxima protecção legal e razões justificativas óbvias e indiscutidas'; 'A interpretação do art. 1813.º feita pelas instâncias é inconstitucional, violando a consagração do caso julgado especialmente nos arts. 282.º/3, 205.º/2 e 110.º/1 CRP. levaria a uma total desprotecção do investigado, que descansara no resultado da primeira acção';
'Sobre a tutela constitucional do caso julgado, cf. o douto parecer do Prof. MENESES CORDEIRO, sobretudo a pp. 39-94, e, p.ex. TEIXEIRA DE SOUSA, op. cit., pp. 588-9, ou PAULO OTERO, Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, Lex, Lisboa, 1993, pp. 48-52. Todos os AA. fazem outras referências doutrinárias e jurisprudenciais').
Ora, como resulta de uma jurisprudência firme adoptada por este órgão de administração de justiça, se em causa estiver uma dimensão interpretativa que se reputa de inconstitucional, é necessário que se indique de forma precisa qual seja esse sentido interpretativo, por forma a que, na eventualidade de, pelo Tribunal Constitucional, ser ele tido por desarmónico com o Diploma Básico, os operadores jurídicos em geral e, em particular, o tribunal de onde emerge o recurso, ficarem a saber que o normativo em causa, naquela concreta dimensão interpretativa, não pode ser aplicado, por se mostrar contrário à Constituição
(cfr. a título meramente exemplificativo, o Acórdão deste Tribunal nº 178/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º volume, 1118).
In casu, e muito embora, como se disse, tivesse à recorrente sido dirigido convite para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, o que é certo é que a mesma não veio a fazer qualquer indicação, por mínima que fosse, sobre a interpretação que considerava inconstitucional referentemente ao artº
1813º do Código Civil.
Por conseguinte, sendo (recte, só podendo ser) a impugnação respeitante
àquele preceito esteada na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, haverá de concluir-se que não se congrega a totalidade dos requisitos pressupositores desse recurso, pelo que, atinentemente ao dito preceito, se não conhecerá do respectivo objecto, e isto a não se entender que, não tendo a recorrente dado cabal cumprimento ao convite acima indicado (pois que, como se disse, não veio a indicar a sentido interpretativo que tinha por inconstitucional), cobraria aplicação o disposto no nº 7 do artº 75º-A da Lei nº 28/82.
2.2. Pelo que tange ao artº 1860º da versão originária do Código Civil, resulta do requerimento ora apresentado que o recurso se funda na alínea a) do nº 1 do mencionado artº 70º, o que vale por dizer que o aresto prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 7 de Novembro de 2002 recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a sua aplicação à situação cujo conflito tinha então de dirimir.
Só que não é esse o caso.
Na verdade, o que é facto é que a ora impugnante, na revista que pediu, esgrimiu com a circunstância de a acção em apreço dever obedecer às condições ou pressupostos de admissibilidade que se continham naquele preceito.
E foi tão só relativamente a esta postura que o aresto que se deseja submeter à censura deste Tribunal discreteou sobre a revogação do mesmo, dada a superveniência da Constituição de 1976.
Simplesmente, surpreende-se naquele acórdão o raciocínio segundo o qual na acção em causa não teriam de ser provados os pressupostos de admissibilidade, pois, de qualquer forma, uma tal exigência foi eliminada pela revisão operada no Código Civil pelo Decreto-Lei nº 486/77, de 25 de Novembro, pelo que a paternidade passou a poder-se provar em qualquer caso.
Significa isto, bem vistas as coisas, que, na ideia do acórdão que se deseja impugnar, tendo a acção de investigação de paternidade em questão sido intentada em Dezembro de 1995, ou seja, numa altura em que já estava plenamente vigente a revisão do Código Civil emergente do aludido Decreto-Lei nº 496/77, à mesma eram aplicáveis as disposições ínsitas na versão daquele corpo decorrente desse diploma.
Sendo isto assim, torna-se claro que, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar como não desconforme com a Lei Fundamental a norma vertida no artº 1860º da versão originária do Código Civil, ainda assim subsistiria a decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido de, no caso em apreço, não ser necessária a alegação e prova dos pressupostos de admissibilidade a que tal norma se reportava, por isso que, dada a data da instauração da acção, a mesma era regida pelos preceitos ínsitos no Código Civil posteriormente à revisão nele operada em 1977.
Ora, tendo os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa uma função instrumental, por sorte a que os juízos emitidos pelas decisões lavradas no Tribunal Constitucional se possam, utilmente, repercutir nos casos apreciados pelos tribunais das várias ordens judiciárias, então haverá que convir que, na situação sub specie, qualquer que fosse o juízo a tomar quanto à conformidade ou não conformidade constitucional da norma do artº 1860º da versão originária do Código Civil, um tal juízo não se repercutiria no desfecho da acção, pelo que aquele se não revestiria qualquer utilidade.
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em seis unidades de conta'.
É da transcrita decisão que, por C, vem apresentada reclamação para a conferência, tendo, para o efeito, apresentado peça processual onde disse:-
'1- A decisão de fls. 176 e ss. recusou-se a conhecer do objecto do recurso com os seguintes fundamentos: a) no tocante à questão à questão relativa ao artº 1813º do C.C., por falta de indicação da interpretação desconforme com a CRP; b) no tocante à questão relativa à versão originária do art. 1860º do CC., porque a sua eventual procedência não se repercutiria no desfecho da acção em causa.
2 - Salvo o devido respeito, a douta decisão não corresponde ao direito aplicável.
3 - Desde logo, porque não resulta do disposto no art. 75.º.A/1 e 2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional que a indicação da interpretação da 1ei reputada inconstitucional seja requisito essencial para a decisão sobre o conhecimento do objecto do recurso antes da apresentação das correspondentes alegações.
4 - A ora Reclamante efectuou todas as indicações necessárias em conformidade com o disposto no artº 75º A/1 e 2 da LOTC, a saber: a alínea do artº. 70.º da LOTC, a norma em causa, o preceito constitucional, violado e a peça processual em que a questão foi suscitada.
5 - A decisão da qual ora se reclama efectua uma interpretação extensiva dos requisitos da interposição do recurso estipulados no art. 75.º-A/1 e 2 da LOTC.
6- A interpretação extensiva efectuada pela decisão reclamada não foi fundamentada com recurso a quaisquer normas ou princípios processuais, nem tal indicação resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 178/1995 para o qual remete que, conforme resulta do respectivo sumário, nada tem a ver com o caso dos presentes autos.
7 - Nem a referida interpretação tem qualquer justificação pois, com o devido respeito, o Tribunal Constitucional não ficou prejudicado no conhecimento sumário do objecto do recurso antes mesmo de produzidas as alegações, pois, a questão em apreço foi tratada especificamente e em separado por todas as instâncias (na decisão da 1ª, Instância, no Ac. do Tribunal da Relação e no Ac,. do STJ) e em todas as alegações de recurso (alegações de agravo, alegações de apelação e alegações de revista).
8 - Mais, as duas questões ora submetidas à apreciação do Tribunal Constitucional foram inclusivamente o único objecto do recurso de agravo interposto pela ora reclamante da decisão da 1ª Instância e do subsequente recurso de revista.
9 - A recusa de conhecimento do objecto do recurso efectuada pela decisão de fls. 476 seg. pelo motivo indicado na al. a) do n.º 1 supra, para além de violar o disposto no art. 75º.A/1 e 2 e 78.º.A/1 da LOTC, porque injustificada, redunda em denegação de Justiça.
10 - Também o segundo motivo indicado na decisão de fls. 476 seg. para não conhecer do objecto do recurso não pode colher.
11 - Defende-se naquela decisão que, após apreciação sumária do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no entender da mesma, eventual procedência da questão da inconstitucionalidade do art.º 1860.º CC. na versão originária não se repercutiria no desfecho da acção em causa, pelo que, se recusa a conhecer do objecto do recurso.
12 - Acontece que foi com o fundamento da inconstitucionalidade superveniente do art. 1860.º CC. na sua versão originária que o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça desaplicou aquele preceito.
13 - O Ac. do Supremo Tribunal de Justiça nem sequer chegou a entrar na apreciação da questão da aplicação no tempo da nova versão do art. 1860.º do CC.
14 Por isso caso o referido fundamento da inconstitucionalidade do art. 1860.º do CC. na sua versão originária viesse a ser julgado 'improcedente', tal surtiria necessariamente efeitos.
15 - De qualquer forma, tal posição não tem fundamento legal.
16 - Podendo, devia o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso sob pena de violar o disposto no art. 78.º-A/1 da LOTC e denegar justiça'.
Ouvido sobre a reclamação, veio o recorrido A propugnar pelo respectivo indeferimento.
Cumpre decidir.
2. Segundo a reclamante, e no que concerne ao artº 1813º do Código Civil, os números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82 não exigem a indicação do sentido interpretativo da norma tida por inconstitucional, pelo que a decisão em crise teria, ao exigir tal indicação, efectuado uma indevida interpretação extensiva daqueles números 1 e 2, redundando em denegação de justiça, sendo que a questão foi tratada especificamente em todas as instâncias.
Não assiste à reclamante qualquer razão neste ponto.
Na realidade, na mencionada decisão sublinhou-se que tem sido jurisprudência tomada, sem discrepâncias, por este Tribunal que, estando em causa um dado sentido interpretativo de um preceito, necessário se torna que o impugnante explicite qual seja esse sentido, citando-se, exemplificativamente, o Acórdão nº 178/95.
Nesse aresto, foi, a dado passo, dito:-
'........................................................................................................................................................................................................................................................................................
6.2. Se, porém, devesse entender-se que os reclamantes imputaram o vício de inconstitucionalidade às normas que se contêm nos preceitos de lei que indicaram - e não aos despachos judiciais de que recorreram - nem por isso as questões de constitucionalidade se haviam de ter por suscitadas de modo processualmente adequado.
Na verdade, se aquele vício tivesse sido imputado às normas em causa, haveria de tê-lo sido, como claramente decorre de quanto se disse já, apenas a um segmento, a uma certa dimensão normativa - a uma determinada interpretação delas.
Mas, então, impunha-se que os reclamantes tivessem indicado - o que não fizeram - o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito - o sentido ou interpretação, em suma - que eles têm por violador da Constituição.
De facto, tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cf., entre outros, acórdão nº 269/94, Diário da República, II série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
Escreveu-se a propósito no acórdão nº 367/94 (Diário da República, II série, de 7 de Setembro de 1994): Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça.
[...] esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, violar a Constituição.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................'
Deste transcrito passo resulta, pois, que, contrariamente ao que é sustentado pela reclamante, o aresto, citado como exemplo da aludida jurisprudência na decisão sub specie, traduz a posição que, firmemente, tem sido tomada a respeito deste particular pelo Tribunal Constitucional, não sendo, pois, tal aresto silente quanto a tal matéria, sendo que não basta ler o
«sumário» que do dito acórdão se contém no volume 30º dos Acórdãos do Tribunal Constitucional para daí se concluir que o mesmo não versou a matéria que ora releva, como, elucidativamente, deflui de tal passo.
Entende este órgão de administração de justiça que a aludida jurisprudência é de manter, motivo pelo qual não merece censura o decidido, não se vislumbrando minimamente que tenham sido violados os números 1 e 2 do artº
75º-A da Lei nº 28/82.
3. No que tange ao artº 1860º da versão originária do Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, esgrime a reclamante com a circunstância de o acórdão tirado no Supremo Tribunal de Justiça não se ter, sequer, pronunciado na questão da aplicação no tempo dos normativos ínsitos naquele corpo de leis, e que haveriam de ser os vertidos na versão que regia aquando da propositura da acção.
Só que, como resulta da decisão ora em crise, naquele acórdão surpreende-se a afirmação de que 'De qualquer sorte, o Dec.Lei nº 496/77 eliminou os pressupostos de admissibilidade da acção de investigação da paternidade exigidos pelo artigo 1860, passando a paternidade a poder provar-se em qualquer caso (cf. artigo 1869º, na sua nova redacção)'.
Ora, esta asserção não pode deixar de significar, tendo em conta a data da instauração da acção de que emergiu o presente recurso, que à mesma não seriam aplicáveis os condicionamentos impostos pelo artº 1860º da versão originária do Código Civil e, consequentemente, não foi tal norma objecto de aplicação no acórdão impugnado, pelo que, neste ponto, tem todo o cabimento o que foi dito, a tal propósito, na decisão reclamada.
E essa não aplicação resultou da circunstância de, com a revisão do Código Civil operada pelo Decreto-Lei nº 496/77, o teor do artº 1860º ter sido completamente modificado, ficando revogada, de sistema, a estatuição que, anteriormente àquela revisão, se continha no dito preceito. Por isso mesmo a frase acima transcrita se inicia com a asserção 'De qualquer sorte'.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 2 de Abril de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida
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