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Proc. N.º 739/02 TC – 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – A, B e C, todos com os sinais dos autos, propõem contra o Partido Comunista Português (PCP) acção de impugnação das deliberações do Comité Central do PCP, de 21/09/02, adiante melhor identificadas, nos termos do artigo
103º-D da LTC, pedindo a declaração da nulidade das referidas deliberações.
Na petição, depois de sustentarem que cabe na área da competência material do Tribunal Constitucional “apreciar a regularidade formal e a verificação das formalidades essenciais que, constitucionalmente, são incontornáveis (...)” [artº 32º], os AA. definem o quadro legal e constitucional em que se movem no âmbito da presente acção [artºs 33º e segs.], invocando o disposto nos artigos 1º, 17º, n.º 1 e 19º do Decreto-Lei nº 595/74, de
7 de Novembro, 46ºe 51º (em particular o nº 4) e 103º-D e 103º-E da LTC.
Alegam, depois, que:
- A aplicação da pena de expulsão está reservada, em exclusivo, ao Comité Central do PCP [artº 48º, alegação repetida nos artºs 98º e segs. alargada à pena de suspensão imposta a C];
- “(...) as três acusações estão estribadas em meras abstracções, imputações genéricas, conceitos vagos.” [artº 63º];
- “(...) mesmo na imputação de comportamentos, as acusações não identificam quaisquer factos, nem muito menos as circunstâncias de tempo, lugar e modo de onde extraia a possibilidade de defesa dos aqui AA..” [artº 64º];
- “(...) imputam-se aos AA. delitos emergentes das suas ideias, conjuntamente com as de centenas ou milhares de militantes, de reunir um Congresso, de eleger democraticamente os órgãos dirigentes, de censurar a prática política da Direcção – quando elegeu o PS como inimigo principal , de manifestar em artigos de opinião e entrevistas as suas ideias, relativamente à sociedade, ao País e à Direcção do seu Partido face a uma e a outro” [artº 66º];
- “Na qualificação destas condutas, a Acusação entende que:
a) as mesmas são desenvolvidas em conjunto com outros membros do Partido, sem dizer como, com quem, por que meio e em que circunstâncias; b) os AA. incitam outros a seguirem as suas posições o que, não sendo ilícito e sendo, até, inerente à actividade política, não se estriba em qualquer facto de onde emirja tal “acusação”; c) os AA. visam legitimar e impor na prática a constituição de “fracções organizadas dentro do Partido”, esquecendo-se do essencial, ou seja, dos factos de onde se pode extrair essa imposição de fracções, quais os seus membros, os vínculos existentes entre eles, a sua organização, o seu ideário, a sua prática coerente, organizada e anunciada interna e externamente.” [artº 67º];
- “(...) os ingredientes que se aproximam da matéria de facto são meros delitos de opinião” [artº 69º];
- “As punições aplicadas a cada um dos AA.., mais uma vez, não contêm qualquer matéria de facto e cingem-se às apreciações genéricas sobre a conduta dos mesmos” [artº 78º];
- “(...) todas e cada uma das imputações e todo o processo visaram impedir os AA. de exercer o direito de opinião, de participar activamente na vida do Partido, de combater as afirmações que sobre si eram produzidas, de intervir civicamente, de reunir e conviver e expressar as suas convicções, em suma exercer direitos que lhes estão garantidos na CRP e na Lei.” [artº 90º];
- “bastaria a invocação da violação de direitos consagrados nos arts. 37º e 45º da CRP, aplicáveis directamente ex vi artº 18º, nº 1 da CRP, obviamente enquadrados na sua interpretação e aplicação, pelo contexto partidário em que se movem os AA. e o R, mas cuja postergação, mesmo neste contexto, não é juridicamente aceitável” [artº 91º]
- “No entanto, é claro o comando do artº 19º do DL nº 595/74 de 07 de Novembro que, respeitando o contexto partidário, impõe a compatibilização da disciplina partidária com o exercício dos direitos prescritos pela Constituição e pela Lei”
[artº 92º]
No que concerne ao procedimento em que o 1º Autor (A) foi punido, alegam ainda que:
- Requerida prova testemunhal sobre toda a matéria de facto, ela não foi ouvida a qualquer ponto concreto da Acusação e da Defesa, não relevando, em momento algum, “na decisão que previamente havia sido congeminada” [arts. 106º a 120º]
- O sentido da pág. 7 da resolução punitiva (transcrita infra, alínea O) é o de que:
“A decisão estava tomada antes da reunião do órgão que deliberou; Foi uma pessoa ou órgão estranhos ao órgão que deliberou que formou a vontade desse órgão que deliberou;
A decisão estava tomada antes de serem ouvidas as testemunhas;
Fosse qual fosse o conteúdo dos depoimentos das testemunhas a decisão era imodificável” [artº 128º]
Concluem os AA. no sentido de que “é ostensiva:
a) a violação de direitos fundamentais dos AA., mesmo e como membros do Partido Comunista Português;
b) a violação dos Estatutos do PCP, quando o órgão que os puniu não foi o Comité Central;
c) a violação do direito de defesa do A quando, sem prova e independentemente dela, um ente diferente do que decidiu, ordenou, recomendou ou preconizou a mera formalização da audição de testemunhas, mesmo antes de elas serem ouvidas, dando por consumada a decisão, independentemente do teor, impacto, alcance, sentido e relevo da prova produzida, o que se veio a verificar, por via do exacto e rigoroso cumprimento formal e substantivo dessa ordem, recomendação ou opinião.” [artº 131º]
Finalmente, reportam-se os AA. ao que qualificam de “vícios autónomos” (das deliberações do Comité Central do PCP) e dizem que:
- As deliberações são nulas por não virem assinadas [arts. 133º a 139º];
- Os relatórios em que elas assentaram não têm qualquer conteúdo fáctico, sendo vagos e abstractos [arts. 140º a 150º];
- Esta “omissão de pronúncia (...) seja numa perspectiva civilista, seja sob um ponto de vista penalista, determina a nulidade das deliberações aqui impugnadas
(artº 668º nº 1 alínea b) do CPC e artº 379º nº 1 alínea a) e artº 374º nº 2, ambos do CPP) ” [artº 155º];
- Acrescendo que, no caso de C, não é sequer identificada a norma jurídica violada [artº 151º].
Pedem os AA. que seja julgada procedente a presente impugnação e decretadas:
a) A nulidade do processo disciplinar;
b) A nulidade das deliberações do Comité Central que rejeitaram os recursos interpostos pelos 1º e 2º AA. e que confirmaram, quer a deliberação do Secretariado do Comité Central – que os puniu com a pena de expulsão – quer a deliberação da Comissão Central de Controlo, através da qual foram ratificadas as sanções aplicadas;
c) A nulidade da deliberação do Comité Central que procedeu à ratificação da sanção de dez meses de suspensão aplicada ao 3º A por deliberação do Secretariado do Comité Central;
d) Todas as legais consequências decorrentes dessas declarações de nulidade.”
Contestou o Partido Comunista Português, por excepção e impugnação.
Por excepção, suscitou o R as questões que infra se enunciam.
Por impugnação, articulou, em síntese, que:
- o Secretariado tem competência, no quadro dos Estatutos do PCP, para proferir as decisões que puniram os AA. (artºs 336º a 354º);
- as deliberações impugnadas revelam que foram ponderados os factos, os quais se deram como provados, e referem as normas estatutárias violadas, tendo todos os membros do Comité Central disposto de toda a documentação pertinente (artºs 328º e 329º), tendo o mesmo órgão, no que respeita à ratificação da decisão que puniu C, feito sua a deliberação do Secretariado por remissão;
- não se verifica o vício de falta de assinatura das resoluções do Comité Central, não se podendo, ainda, estabelecer qualquer similitude com a assinatura das sentenças (artºs 293º a 313º);
- A não especificou a que factos deveriam ser ouvidas as testemunhas que ofereceu, não podendo ele pretender que elas fossem inquiridas sobre conclusões e apreciações subjectivas do próprio A, sendo certo que o A não contestou os factos que constam do ponto 2 da acusação (artºs 271º a 275º);
- as testemunhas depuseram sobre tudo aquilo de que tinham conhecimento e, nada mais tendo declarado, não caberia à entidade instrutora adivinhar o que o A pretendia que fosse perguntado (artºs 276º a 280º);
- é forçada a interpretação que se faz do que consta da pág. 7 da notificação feita a A, tendo ela sido elaborada porque só muito tarde as testemunhas apareceram e estava preparada a hipótese do seu não comparecimento
(artº 282º);
- não estava previamente decidida a sanção a aplicar aos AA., uma vez que a actuação dos AA. se arrastou durante vários meses sem sanções disciplinares (artºs 288º a 291º);
- as acusações fazem imputações de factos aos AA., não assentando em imputações vagas e imprecisas ou em conceitos vagos, genéricos ou abstractos
(artºs 142º, 225º a 227º, 243º, 246º e 247º);
- os AA. confessaram, nas suas respostas, os factos que lhes foram imputados (artºs 189º a 191º, 228º a 231º, 248º a 252º);
- os factos dados como provados integram infracções aos Estatutos do PCP.
Nos respectivos articulados ofereceram as partes prova testemunhal e com eles juntaram documentos.
Os requerentes foram ouvidos sobre as questões prévias, alegando que cumpriram rigorosamente os despachos de que foram notificados, despachos esses que nunca foram impugnados e transitaram em julgado.
Cumpre decidir, em primeiro lugar, as questões prévias suscitadas pelo R.
2 - Já no Acórdão n.º 5/2003, proferido no presente processo, sobre o pedido de suspensão de eficácia das deliberações impugnadas, se conheceram essas questões, embora com efeitos limitados a tal pedido.
Não vê o Tribunal razões para abandonar aqui o entendimento então adoptado que, por isso, se transcreve e passa a constituir também parte do presente aresto.
Escreveu-se no citado Acórdão, começando por elencar as questões suscitadas:
“- Consubstanciando o despacho que indeferiu a apensação aos Procs. nºs 554/02, 554-A/02 e 554-B/02, um despacho de indeferimento liminar, os requerentes deveriam ter apresentado uma nova petição no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado daquele despacho, se quisessem aproveitar-se da data da entrada da primeira acção de impugnação e do primeiro pedido de suspensão de eficácia;
Não o tendo feito, o despacho do Presidente do Tribunal que mandou autuar os documentos na 5ª espécie é, nos termos do artigo 201º do CPC, nulo
(por manifesto lapso, o requerido escreveu “inútil”) por ser um acto que a lei não permite e influir no exame ou na decisão da causa;
- O despacho de aperfeiçoamento proferido nos presentes autos é nulo;
- Se assim se não entender, verificou-se a caducidade do direito dos requerentes;
- Relativamente ao requerente C, ele não esgotou os meios internos de recurso, podendo, ainda, reclamar da deliberação do Comité Central do PCP para o mesmo órgão, nos termos do artigo 63º nº 4 dos Estatutos do PCP”
E sobre estas questões decidiu-se:
“2 - As questões prévias suscitadas pelo requerido reportam-se, directamente, à acção de impugnação de deliberações tomadas por órgãos de partidos políticos, intentada pelos ora requerentes e de que é dependente o presente procedimento.
De todo o modo, essas questões (ou, ao menos, algumas delas) acabam por repercutir-se, consequencialmente, neste procedimento, pelo que, num momento em que corre termos a acção, cumpre delas conhecer, no específico âmbito do mesmo procedimento e com efeitos a ele limitados.
3 - Como se deixou relatado, a questão prévia primeiramente enunciada assenta num pressuposto: o de que o despacho do relator no Proc. nº
554/02, a fls. 364, posteriormente confirmado pelo Plenário deste Tribunal no Acórdão de fls. 397 e segs, configura um despacho de indeferimento liminar das petições então apresentadas pelos requerentes.
Mas é manifesto que não é assim.
Com efeito, decidido pelo Acórdão nº 361/2002 não se tomar conhecimento dos pedidos de impugnação e de suspensão de eficácia apresentados pelos requerentes em 24/7/2002, por os requerentes A e B não terem impugnado as deliberações punitivas perante o Comité Central do PCP e a medida punitiva imposta ao requerente C estar ainda sujeita a ratificação daquele órgão partidário, os primeiros, embora inconformados com o decidido, de que recorreram para o Plenário, apresentaram recursos para o Comité Central do PCP.
Por este órgão, os recursos foram rejeitados e a medida punitiva imposta ao requerente C ratificada, através das deliberações de 21/9/02.
Os requerentes intentaram, então, nova acção de impugnação e deduziram novo pedido de suspensão de eficácia destas últimas deliberações, entrados neste Tribunal em 2/10/02, mas remetidos por correio, com registo em
30/9/02.
Mas porque estavam pendentes (em recurso para o Plenário) as acções de impugnação e os pedidos de suspensão de eficácia anteriores, os requerentes pediram que os novos pedido e acção fossem processados por apenso, configurando os pedidos como subsidiários.
O despacho do relator supra referido, bem como o acórdão que o confirmou, entendem, clara e expressamente, o pedido formulado como de apensação e como tal o indeferem, não contendo qualquer pronúncia sobre a acção de impugnação e o pedido de suspensão de eficácia das deliberações de 21/9/02.
Impunha-se, assim, que estes pedido e acção fossem autonomamente distribuídos e autuados; e não foi mais do que isto – embora referindo-se apenas
à autuação na 5ª espécie – que o Presidente do Tribunal determinou pelo seu despacho de 14/11/02 que não se vê que enferme de qualquer ilegalidade
(formalmente eram novos pedidos com objecto diverso, ainda que em termos de subsidiariedade); aliás, a determinação de autuação na 5ª espécie só cobrava sentido se se entendesse igualmente que os novos processos deveriam ser distribuídos autonomamente.
Foi o que, de resto, veio a suceder em 20/11/02, com a distribuição ao actual relator, muito embora com a irregularidade de se não ter atribuído novo número ao processo e se ter apensado aos autos anteriores.
Tal irregularidade veio a ser corrigida por despacho de 21/11/02
(fls. 92) com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.
Ora, do que se deixou exposto e porque não há qualquer despacho de indeferimento liminar das petições apresentadas em 2/10/02 e remetidas pelo correio, com registo de 30/9/02 ou nulidade no despacho do Presidente do Tribunal de 14/11/02, a tempestividade dos novos pedidos há-de ser aferida pela data que se deve considerar como de entrada neste Tribunal, por força do disposto no artigo 150º nº 2 alínea b) do CPC, ou seja, 30/09/02.
E considerando as datas de notificação das deliberações (26/9/02 e
23/9/02, sendo 28 e 29/9 sábado e domingo) não se verifica a caducidade do direito de pedir a suspensão de eficácia das mesmas deliberações.
4 – Não se verifica, também, a invocada nulidade do despacho que mandou aperfeiçoar o requerimento de suspensão de eficácia.
Havendo lugar a despacho de citação, nada impede que o relator, verificadas deficiências formais no requerimento inicial, determine o aperfeiçoamento desse requerimento.
É certo que foram primeiramente apresentados a petição e o requerimento inicial, reportados às deliberações de 21/9/02, em termos subsidiários; mas é legítimo que, uma vez (entretanto) transitada em julgado a decisão que não conheceu dos pedidos relativos às deliberações anteriores
(pedido principal), os requerentes como que reduzam o pedido, por ocasião do aperfeiçoamento, passando a constituir único objecto as citadas deliberações de
21/9/02.
Se, porventura, mantivessem o (anterior) pedido principal, obviamente que a sua rejeição (por caso julgado) não impediria o prosseguimento do processo, para apreciação (se caso fosse) do (anterior) pedido subsidiário.
Não é, assim, ilegal o despacho de aperfeiçoamento.
5 – No que concerne à questão prévia relativa ao pedido de C, também não tem o requerido razão.
Antes do mais, impõe-se deixar claro que nem no Acórdão nº 361/02, nem no Acórdão nº 421/02 que confirmou o primeiro, se emitiu qualquer pronúncia, no sentido defendido pelo requerido, quanto à impugnabilidade da deliberação do Comité Central do PCP ratificativa da deliberação do Secretariado do mesmo Comité Central, desde logo pela simples razão de ela ainda não ter sido proferida à data do primeiro acórdão.
Esta questão é meramente equacionada no Acórdão nº 361/02, em termos acolhidos pelo Acórdão nº 421/02, deixando-se em aberto – por, então, não ser necessária - a sua solução.
Escreveu-se no primeiro acórdão, depois de se entender como recorríveis para o Comité Central as deliberações de ratificação da Comissão Central de Controlo tomadas por delegação daquele órgão:
“E isto, aliás, independentemente de saber se, quando o órgão que ratifica a sanção disciplinar é o próprio Comité Central, cabe ou não recurso para este órgão (com a virtualidade de permitir um certo contraditório para reapreciação por tal órgão interno ad quem) (...)”.
Ficando, assim, claro que nada se decidiu sobre a questão, importa, depois, salientar que a situação em causa é substancialmente diversa da que se verifica nos casos em que a ratificação é proferida por órgão delegado do Comité Central. Nestes casos, o que subjaz aos acórdãos citados é, para os efeitos em causa, uma certa “desvalorização” – ou pelo menos um tratamento diverso daquele que é dado em direito administrativo - do instituto da delegação, quando esta é feita pelo Comité Central, fazendo prevalecer o poder que este órgão tem de modificar ou anular qualquer sanção, nos termos do artigo 63º nº 4 dos Estatutos do PCP.
Praticado, assim, o acto por outro órgão, ainda que por delegação, entendeu-se que não pode subtrair-se ao próprio órgão delegante (Comité Central) aquele poder de reexame da sanção imposta, de cujo exercício resultará a última palavra do PCP sobre a matéria – e, por isso, se impõe a impugnação da deliberação do órgão delegado para o órgão delegante.
Nada disto sucede quando foi já o próprio órgão Comité Central que ratificou a sanção, o que vale por dizer que esse órgão emitiu um juízo sobre a legalidade ou conveniência da medida imposta e a regularidade do procedimento que com ela culminou.
Não tem já sentido, como meio necessário para se esgotarem as vias internas da apreciação da validade e regularidade da sanção, o apelo ao mesmo
órgão para rever o que este acabara de decidir de posse de todos os elementos necessários para um julgamento consciencioso e ponderado; isto, obviamente, sem prejuízo de, oficiosamente ou a requerimento do sancionado, poder sempre o Comité Central usar do poder que lhe confere o citado artigo 63º nº 4 dos Estatutos.
Improcede, assim, de igual modo, esta questão prévia.”
Não havendo, assim, qualquer obstáculo ao conhecimento do mérito do pedido, cumpre decidir.
3.1 Como se deixou relatado, AA. e R apresentaram prova testemunhal.
Por força do disposto nos artigos 102º-B nº 4, 103º-C nº 6 e 103º-D nº 3 da LTC, pode também o Tribunal Constitucional, se o entender necessário, proceder oficiosamente a diligências instrutórias.
Entende, porém, o Tribunal que não é, no caso, necessária a produção de prova testemunhal ou de qualquer outra.
Trata-se, com efeito, de apurar se as deliberações impugnadas (e os procedimentos disciplinares de que emergem) estão inquinadas pelos vícios que os AA. lhes imputam e, para tanto, são bastantes os documentos – cuja genuinidade não foi posta em causa - que se encontram já no processo.
Por outro lado, parte substancial das ilegalidades alegadas pelos impugnantes reporta-se a qualificações dos factos dados como provados e ao sentido que lhes foi dado, para cuja apreciação o Tribunal não carece, obviamente, de prova testemunhal.
3.2 Resulta provado:
A- Em 28/06/02, o Secretariado do Comité Central e a Comissão Central de Quadros do PCP remeteu ao A o seguinte ofício:
“Camarada:
Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60º dos Estatutos do Partido, convocamos-te para uma reunião a ter lugar no dia 5 de Julho, às 20 horas, no
.... Em alternativa, caso tenhas qualquer impedimento nessa data e nos informes em tempo útil, a reunião poderá efectuar-se no dia 9 de Julho, à mesma hora e no mesmo local. Dada a importância dos problemas em análise e que se relacionam com a tua actividade partidária, compreenderás quanto será importante a tua comparência na referida reunião. Lembramos-te, entretanto, que uma eventual recusa em seres ouvido não é impeditivo que a análise do teu comportamento partidário prossiga. Pelo Secretariado do Comité Central
(...) Pela Comissão Central de Quadros
(...)
B - A. respondeu a este ofício, em 01/07/02, nos seguintes termos:
“Em resposta à vossa carta de 28 de Junho que hoje recebi em que 'nos termos e para o efeito do disposto no Artigo 60° dos Estatutos do PCP' me convocais para
'uma reunião a ter lugar no ..., necessito de conhecer os elementos de acusação e de prova que sustentam o vosso propósito sancionatório, de forma a poder preparar e organizar a minha defesa. Reclamo por isso que formulem o que têm a formular por escrito e me enviem esses elementos em tempo útil, no quadro da rigorosa observância do princípio inscrito no número 10 do Artigo 32° da Constituição da República, de cujo respeito obviamente não prescindo.”
C - O PCP remeteu, então, a A a seguinte “Nota para audição prévia nos termos e para os efeitos do art. 60º dos estatutos do PCP”:
“1- O comportamento partidário de A, com a promoção e participação em iniciativas políticas públicas, à margem e em oposição à estrutura orgânica e aos Estatutos do Partido e em várias entrevistas, artigos e declarações em
órgãos de comunicação social, contrários a orientações colectivamente decididas, inseridos numa campanha contra o Partido, que tem vindo a decorrer de forma prolongada e sistemática, é passível de sanção disciplinar.
2- De facto, este comportamento reiterado teve nos últimos tempos expressões públicas particularmente graves, das quais se destacam, entre outras:
a) Oposição frontal aos Estatutos do Partido: “um congresso que discuta profundas alterações aos Estatutos.” (...), “Público” de 02.04.2002;
b) Alteração/subversão de características fundamentais da orgânica partidária: “que sejam os delegados eleitos pelas bases a decidirem pelo voto a composição individual de todas as estruturas dirigentes nacionais”, entre outros, “Público” de 02.04.2002;
c) (...) Grave distorção da orientação e prática do Partido ao considerar que o PCP “elegeu o PS como inimigo principal” (...) “prefere a direita no Governo” (...), “El País” , de 28.01.2002;
d) “É bem ilustrativo desta desorientação que a direcção do PCP tenha estado de acordo com a dissolução da AR” (...) “E que a direcção, de forma intolerante e sectária, se apressou a reprovar (convocação do congresso)”(...),
'Público” de 19.03.2002;
e) (...) O CC “pretendeu levar por diante o patenteado propósito de proceder a exclusões de carácter sectário das listas de candidatos; e que recusou pôr termo às atitudes de intolerância que, apesar de responsabilizarem apenas a direcção, constituem um motivo de desprestígio para todo o partido”, notícia intitulada 'Renovadores prometem insistir e criticam o partido'. no JN, de 20.01.2002;
f) “É um facto que a direcção do PCP nega há muito tempo à generalidade dos militantes o direito de se exprimirem (...). É um facto também que o grupo que assaltou a direcção” (...), “Público” de 11.06.2002;
g) (...) ”0 núcleo dominante da direcção do PCP esteve envolvido em actividades de natureza fraccionária, nos últimos anos. Não tem qualquer autoridade política para dirigir acusações a nenhum membro do partido por violação dos estatutos' (...) “Há um grupo na direcção do PCP que está associado a práticas de natureza fraccionária” (...)Entrevista ao jornal “Público” de
12.04.2002;
h) (...)”a cegueira e o autismo dos seus principais dirigentes, (...), ao mesmo tempo que enveredam pela organização de um simulacro de debate em tomo de uma conferência nacional, (...) por posições públicas dos seus principais órgãos centrais e de alguns dos seus mais destacados membros, e através de uma campanha de difamação e de ódio que está a ser desenvolvida internamente” (...),
“Público” de 30.04.2002;
i) (...)”É estalinista e algo terrorista a perseguição da ala renovadora
(...) Todas as tentativas de renovação e democratização do partido foram cerceadas por concepções e práticas estalinistas do sector ortodoxo” (...}, “El País”, de 28.01.2002;
j) Desqualificação da Conferência Nacional do PCP, antes e depois da sua realização, com graves acusações à Direcção do partido: 'Expresso”, de
29.03.2002 (... 'tentativas para iludir os militantes”) e “JN' , de 24.06.2002
(... “concebida como encenação para prosseguir um caminho de crispação contra os que reclamam um congresso sem restrições.”) ;
k) A assunção como declarado promotor de um abaixo-assinado à margem do quadro do normal funcionamento do Partido, anunciando na “TSF” em 18.03.2002, a exigência de um novo congresso na base de um 'novo abaixo-assinado, não caracterizado pelo número mas pela relevância política passada e presente dos subscritores.” Afirmou ainda que 'são muitos os que vão prosseguir a luta pela mudança do Partido” e “a insistir num congresso . . .” ;
l) Participação e intervenção destacada em 06.04.2002 numa iniciativa na FIL, em Lisboa, a qual constituiu um momento de deliberado confronto público com a orientação e Direcção do Partido;
m) Participação, também em posição de destaque em iniciativa de idêntica natureza em 03.05.2002, no Porto.
5 - Apesar dos reiterados apelos do Comité Central e de Organismos Executivos do Partido para que cessasse tais práticas, aqueles foram ignorados, continuando, assim a causar graves prejuízos ao Partido na sua imagem, prestígio e influência; na sua unidade e coesão política, ideológica e orgânica; no desenvolvimento e resultados da sua acção política, nomeadamente no plano eleitoral.
6. Estes factos, particularmente graves, estão em total oposição ao artigo 56° dos Estatutos onde se refere que 'a disciplina do Partido, baseada na aceitação do Programa e dos Estatutos, insere-se no respeito pelos princípios orgânicos e constitui um factor essencial para o desenvolvimento da acção política, a influência de massas, a unidade, a combatividade, a força e o prestígio do Partido' .
7. Efectivamente configuram:
a) a contestação declarada dos Estatutos do Partido, em violação do art. 14°, al. a);
b) a deturpação, desrespeito e afrontamento das orientações e decisões do XVI Congresso e de organismos executivos do C.C., com violação do art. 14°, al. b ), art. 16°, n.º 2 al. e ) e n.º 2 do art. 31º:
c) a calúnia à Direcção do Partido em violação do art. 14°, al. n);
b) O animar e alimentar de campanhas públicas contra o Partido, das quais em nenhum caso visível se demarcou, violando o art. 14°, al. n) e art. 20º;
c) Iniciativas para impor na prática a existência de fracções organizadas no Partido, em violação do art. 16º, n.º 2, al. H);
d) A manifesta ultrapassagem do direito e do dever de qualquer membro do Partido expressar as suas opiniões no quadro do funcionamento democrático do Partido conforme vem consagrado no artigo 15° dos Estatutos.
8. Trata-se, pois, de um comportamento em flagrante rotura com laços de solidariedade, fraternidade, lealdade e camaradagem que caracterizam a vida democrática e a história do PCP .
D - A respondeu à referida “nota”, nos seguintes termos:
“1. A 'Nota para audição prévia de A nos termos e para os efeitos do art. 60° dos Estatutos do PCP' que, por exigência minha de conhecer os elementos de acusação e de prova, o Secretariado do CC me fez chegar uma semana depois da convocatória, confirma as expectativas mais negativas em relação aos vossos verdadeiros propósitos e aos métodos inqualificáveis a que não hesitasteis em recorrer .
2. Na verdade, o Secretariado do CC:
3. montou um 'processo político' (declaração ao Expresso de 29 de Junho por parte de um dirigente dos organismos executivos do CC), como se o tempo dos processos políticos não tivesse ficado definitivamente para trás com o 25 de Abril;
4. tentou transformar diferenças (reais) de opinião em delitos e apresentar críticas (legítimas) à actuação da direcção como sendo uma 'campanha contra o Partido', para procurar justificar a aplicação de sanções;
5. recorreu a uma trama idêntica à dos inquéritos estalinistas de trágica memória - falsificando, deturpando, caluniando, manipulando - movido por um
único propósito: afastar militantes da participação no Partido só porque têm opiniões diferentes das da actual direcção, porque têm uma vida inteira de provas dadas às causas do Partido, da democracia e da emancipação dos trabalhadores, e porque mostraram não ser intimidáveis;
6. quis também liquidar , como se isso fosse possível, o movimento de fundo que percorre o PCP no sentido de reclamar a realização antecipada de um Congresso - um congresso sem exclusões pessoais nem restrições ao debate, que devolva a palavra e a decisão aos membros do Partido e que seja capaz de parar e de inverter o processo de profundo definhamento que o atinge.
7. Defender-me-ei por isso com a mesma convicção e empenho com que sou comunista há trinta e sete anos e em coerência com toda uma vida de luta;
8. e dirijo um apelo a todos os comunistas para que procurem informar-se com objectividade e rigor e para que, ajuizando a situação por si próprios, se assumam como o verdadeiro júri político deste processo.
9. Uma reveladora prova da liturgia punitiva em que está transformada a minha
'audição', de modo idêntico ao que acontece em relação aos camaradas C e B, foi o facto de o Secretariado do CC no próprio dia 1 de Julho em que nos convocou para 'audição', antes de nos ter ouvido, se ter logo apressado a emitir um violento ataque público tomando a iniciativa de tomar públicas contra os três todo um conjunto de graves, falsas e improvadas acusações;
10. a conclusão parece óbvia: as 'audições' não são para ouvir, a 'sentença' já está de antemão decretada, entrámos no domínio da farsa.
11. Completa este cenário kafkiano o facto de o Secretariado do CC que me convocou para a 'audição' sancionatória integrar na sua composição elementos a quem acusei - em reuniões da Comissão Política, do Comité Central, e que deixei por escrito nas cartas de demissão que dirigi ao CC e ao Secretário Geral em 26 de Novembro de 2000 – de 'serem responsáveis pelo ambiente de suspeição, de mentiras e calúnias' e por integrarem 'o grupo fraccionário constituído na direcção' que 'para além de entrarem em ruptura com os princípios estatutários e de ferirem a ética revolucionária que deve presidir às relações entre comunistas, impedem a livre e informada construção e manifestação da vontade do Partido' i ;
12. recordo que nessa altura não formulei apenas acusações: como forma de protesto face a essa situação demiti-me de membro da Comissão Política e do Comité Central, funções que desempenhava há 17 anos e 24 anos, respectivamente; exigi a realização de uma 'operação-verdade' que 'apurasse procedimentos' até ao fim; e exprimi a disponibilidade para testemunhar contra os dirigentes a quem responsabilizei 'pela grave e insensata situação criada aos comunistas portugueses' ;
13. quase dois anos decorridos nenhum apuramento foi empreendido, embora ele constitua uma exigência de muitos membros do Partido.
14. Por ser uma testemunha incómoda para o grupo que actualmente domina a direcção vi postos em causa os mais elementares direitos de participação na actividade do Partido, depois de mais de três décadas de militância, incluindo os anos que vivi em situação de clandestinidade: o Secretariado do CC impediu ilegitimamente a minha convocação para reuniões do organismo de base que passei a integrar (sector dos quadros técnicos) desde que saí da direcção central; e até das quotizações pagas em mão ao Secretário Geral, referentes a três anos, apesar das sucessivas insistências, foi-me negada, pelo silêncio, a simples entrega de recibo ou talonário do pagamento efectuado.
15. A 'nota para audição' que me foi enviada pelo Secretariado do CC enferma de primarismo persecutório, as acusações são toscas e não apresenta quaisquer provas relacionadas com elas.
16. Sempre desenvolvi a minha actividade com observação da disciplina partidária.
17. Disciplina que não pode ser identificada com imobilismo ou acriticismo, e muito menos com o pôr em causa o meu direito de participação nas actividades do Partido e na reflexão e debate de tudo quanto lhe diga respeito.
18. Apesar da anormalidade persecutória que o Secretariado e demais organismos executivos do CC têm movido ao meu direito de participação desde há mais de um ano e meio, mesmo assim procurei contribuir para travar e inverter o declínio e a perda de influência do Partido e para abrir uma perspectiva de esperança em relação ao futuro.
19. Toda a minha actividade se circunscreveu à participação para reforço e renovação do PCP, para vencer e ultrapassar as profundas dificuldades com que está confrontado e abrir novos caminhos consentâneos com a sua identidade e objectivos essenciais.
20. É esse o objectivo de artigos de opinião que tenho publicado na comunicação social e de declarações e entrevistas que exprimem o conteúdo essencial do que penso e acho melhor para o Partido.
21. Com esse objectivo, como sucede aliás com muitos outros membros do Partido, tenho vindo a defender junto dos órgãos dirigentes a necessidade de antecipação do Congresso e de devolução aos militantes da palavra e da decisão sobre os problemas de orientação, de funcionamento democrático da organização e de eleição de uma nova e mais capaz direcção.
22. O processo acusatório que me é movido tem o óbvio propósito de aniquilar o meu direito de participação na vida interna do Partido e impedir o meu contributo para as suas actividades.
23. As acusações que me são formuladas cingem-se à imputação de delitos de opinião,
24. e nenhuma acusação concretamente formulada está em oposição aos Estatutos do Partido.
25. Não existe qualquer correspondência entre as imputações concretas e as conclusões que delas se extrai.
26. Nenhum procedimento político me pode ser imputado que ponha em causa o Programa e os Estatutos do Partido, o que inclui aliás a defesa da possibilidade de esses documentos serem alterados, por via congressual, em consonância com a evolução da realidade e a necessidade de reforço e fortalecimento do Partido.
27. Em resumo: sou acusado doze vezes por opiniões expressas em órgãos de comunicação social e por ter participado em dois jantares (iniciativas públicas de confraternização e debate, com carácter não partidário) realizados em Lisboa e no Porto.
28. Trata-se de acusações ridículas, sem fundamento e sem qualquer suporte concreto.
29. Os delitos de que me querem acusar são de opinião.
30. Ora a direcção do PCP, sempre tão crítica (e agora tão repressiva) em relação à expressão pública de opiniões diferentes das suas (com o argumento interesseiro de que o debate político e de ideias deveria ser exclusivo de uma
'vida interna' incomunicante, amiúde manipulada e na maior parte dos casos inexistente), utiliza os órgãos de imprensa que pertencem a todo o Partido, bem como os contactos oficiais com a comunicação social, e até os espaços que alguns dos dirigentes dispõem em diversos media, para atacar as opiniões e as propostas que membros do Partido têm o direito e a legitimidade de sustentar .
31. Recordam-se recentes ataques extremistas por parte da direcção ao considerar que a proposta de realização de um Congresso constituía uma 'declaração de guerra' ao Partido, ao proclamar - através de um artigo de Domingos Abrantes -
a necessidade de extermínio do 'vírus', o que provocou a risota nacional, ao veicular insultos pessoais através de prosa verrinosa de Vítor Dias.
32. Detalhando:
33. É inacreditável, mas textual, que seja acusado de ' oposição frontal aos Estatutos do Partido' por ter defendido num artigo de opinião iii a realização de 'um congresso que discuta profundas alterações aos Estatutos' [...]
34. pois não consta exactamente, entre as competências estatutárias do Congresso, a possibilidade de alteração dos Estatutos?
35. Sou também acusado, pasme-se, de 'alteração/subversão de características fundamentais da orgânica partidária' só por ter sustentado no mesmo artigo de opinião iv que o Congresso deve possibilitar 'que sejam os delegados eleitos pelas bases a decidirem pelo voto a composição individual de todas as estruturas dirigentes nacionais' . . .
36. Sou ainda acusado de 'grave distorção da orientação e prática do Partido' por pretensamente ter afirmado que o PCP ' elegeu o PS como inimigo principal' e
' prefere a direita no Governo'; ora independentemente de esta matéria relevar exclusivamente do direito de opinião, insusceptível de constituir delito,
é escandaloso que o Secretariado do CC tenha manipulado e falseado a transcrição com o intuito de me prejudicar, como pode ser confirmado por quem consulte a referida entrevista v; a transcrição das minhas declarações, e que se referem à análise das autárquicas e à necessidade de alteração da orientação do PCP para as legislativas, é literalmente a seguinte: 'muchos votos del PS fueren para el PSD, y muchos de los votos del PCP fueren para el PS: todo ello por la línea seguida por la dirección del partido y por la oposición realizada, que eligió como enemigo al PS'. Correia cree que 'los gue actúan como si prefiriesen a la derecha en el Gobierno. com la idea de quanto peor mejor para disputar la influencia al PS, comete un profundo error y serán responsabilizados de ello por muchos portugueses'.
37. O espírito inquisitorial do Secretariado do CC exprime-se também na acusação de eu ter afirmado vi, ao analisar os resultados das legislativas, que ' (era) bem ilustrativo desta desorientação que a direcção do PCP tenha estado de acordo com a dissolução da AR' . Ora eu acrescentava mais o seguinte, que o Secretariado trunca: 'a meio do mandato, em condições muito desfavoráveis para a esquerda, como está hoje demonstrado, quando essa não era a única saída constitucional para a situação criada pela demissão de António Guterres e pela queda do Governo'.
38. Acusa-me ainda de ter expresso a opinião vii 'que a direcção, de forma intolerante e sectária, se apressou a reprovar' a convocação do congresso extraordinário, reclamada por mais de sete centenas de membros do PCP, quando é público e notório que foi exactamente isso que aconteceu.
39. Sou ainda acusado de ter expresso opiniões críticas em relação à direcção ao afirmar que ela 'pretendeu levar por diante o patenteado propósito de proceder a exclusões de carácter sectário das listas de candidatos; e que recusou pôr termo às atitudes de intolerância que, apesar de responsabilizarem apenas a direcção, constituem um motivo de desprestigio para todo o Partido' e que elas teriam sido insertas no Jornal de Noticias de 20 de Janeiro de 2002 quando nesse dia e órgão nada de semelhante consta; e de ter afirmado ao El Pais viii que era 'estalinista e algo terrorista a perseguição da ala renovadora' e bem assim sustentar que 'todas as tentativas de renovação e democratização do Partido foram cerceadas por concepções e práticas estalinistas do sector ortodoxo';
40. independentemente do rigor da transcrição das opiniões que exprimi nessas entrevistas, em consciência assiste-me o direito de opinião e de crítica em relação a procedimentos da direcção que considero altamente desprestigiantes e prejudiciais para o PCP, como foi por exemplo o caso da exclusão de João Amaral e de outros camaradas das listas por razões do mais vesgo espírito de grupo e que provocaram grave prejuízo político e eleitoral ao Partido, do desencadeamento de inquirições de tipo policial em relação a subscritores de
abaixo-assinados dirigidos à direcção a reclamar a convocação do Congresso, do despedimento de um jovem funcionário por ter subscrito tal petição e pela tentativa de distinguir entre os seus 'promotores' e 'subscritores', e de muitos outros factos;
41. não é a crítica a práticas antidemocráticas e a atitudes desprestigiantes da direcção que prejudica o Partido;
42. bem pelo contrário ela é essencial para que muitos trabalhadores e a sociedade no seu conjunto não atribuam a todo o Partido procedimentos cuja responsabilidade não pode ser generalizada.
43. A desonesta falsificação das minhas opiniões pelo Secretariado do CC não pode deixar de ser mais uma vez chamada à colação. Escrevi eu que 'é um facto que a direcção do PCP nega há muito tempo à generalidade dos militantes o direito de exprimirem no jornal do seu partido pontos de vista distintos do que ela considera “correctos”' ix, o que constitui praticamente uma constatação. De que me acusa o Secretariado? De ter apenas dito 'que é um facto que a direcção do PCP nega há muito tempo à generalidade dos militantes o direito de se (sic) exprimirem(...)'. Julgará o Secretariado e os restantes organismos executivos do CC que suportam práticas como esta que, em matéria de deturpação, vale tudo?
44. Pretende o Secretariado atribuir carácter calunioso às acusações que fiz e faço ao 'grupo na direcção do PCP que está associado a práticas de natureza fraccionária' x e que 'assaltou a direcção' xi;
45. ora eu exprimi essas acusações frontalmente em reuniões da Comissão Política, do Comité Central e nos documentos em que formalizei a minha demissão desses órgãos, sempre perante o comprometido silêncio desse grupo e a errática cumplicidade com ele do actual Secretário Geral;
46. eu exigi também o apuramento até ao fim de comportamentos gravemente violadores das regras estatutárias, e disponibilizei-me para testemunhar contra os seus responsáveis;
47. nada foi feito para esclarecer o assunto, durante quase dois anos;
48. esperou o grupo dominante que o tempo apagasse as marcas;
49. é por isso aberrante que, num procedimento que patenteia a ausência de quaisquer escrúpulos, esse grupo procure destruir o testemunho dos seus comportamentos e das práticas repugnantes a que recorreram.
50. Pretende ainda o Secretariado (mais uma vez truncando o que eu afirmei) transformar em delito as opiniões críticas que exprimi em relação à realização da conferência nacional, por constituir uma 'tentativa para iludir os militantes em relação à real utilidade da sua discussão conduzir a alterações das questões fundamentais' xii e ter sido 'concebida como encenação para prosseguir um caminho de crispação. contra os que reclamam um congresso sem restrições” xiii ;
51. mas não é uma evidência que a própria sanha persecutória que se seguiu à conferência nacional, com a minha “audição' e as dos camaradas C e B, se transformou afinal na prova real da opinião que eu exprimira?
52. Inventando à boa moda estalinista o conceito de 'abaixo-assinado à margem do quadro do normal funcionamento do Partido' e desenterrando do arsenal repressivo do antigamente a separação entre 'promotores' e 'signatários', não descansa o Secretariado enquanto não me classifica na primeira categoria, mesmo sem apresentar qualquer prova;
53. Provas aliás tem - e eu confirmo-as - em relação à minha participação nos jantares públicos que se realizaram nos dias 6 de Abril em Lisboa e 3 de Maio no Porto, em que se encontraram e confraternizaram entre si muitos comunistas e outros amigos. Ora não constituindo tais jantares iniciativas de natureza partidária, nem nada tendo sido aprovado neles que dissesse respeito ao PCP, seria apenas ridículo - se não constituísse um lamentável motivo de vergonha para o próprio Partido - que pretendesse agora o Secretariado sancionar-me por tal participação.
54. É falsa a acusação que me é feita de 'actuações desenvolvidas em conjunto com outros membros do Partido em torno de propostas comuns, acompanhadas do incitamento a outros para seguirem as suas posições de afrontamento, (que) configuram a tentativa de legitimar e impor na prática a constituição de fracções organizadas dentro do Partido, atentatórias da sua unidade e coesão' .
55. Como já passou o tempo em que os réus podiam ser acusados de tudo e nada precisava de ser provado contra eles para que a sentença condenatória fosse lavrada, o Secretariado - sob pena de ser acusado de mentir e difamar - está constituído do dever de provar o que escreveu no seu libelo. Que actuações? Em conjunto com quem? Que propostas comuns? Quem constitui as fracções organizadas dentro do Partido?
56. É verdadeiramente anedótico e constitui uma suprema hipocrisia, que os mesmos que têm impedido a minha participação nas reuniões do organismo de base em que me integrei depois de ter deixado de pertencer à direcção, me venham agora acusar de 'manifesta ultrapassagem do direito e do dever de qualquer membro do Partido expressar as suas opiniões no quadro do funcionamento democrático do Partido' .
57 . São assim falsas e destituídas de qualquer sentido as imputações que o Secretariado me faz de ter violado o Art. 14° nas suas alíneas a) b) c) e n); o Art. 15°; o Art. 16°, alínea e) e o nº2 da alínea h); o Art. 20°; o Art. 27°, números 1) 2) e 3); o Art. 31° número 2); e o Art. 56°.
58. Requeiro que sejam ouvidas à matéria da minha defesa os camaradas: J, M, N.
59. Por fim e fazendo pleno uso do direito de participação em que assenta a minha qualidade de militante do PCP ,
60. reclamo o imediato cancelamento e o arquivo dos processos sancionatórios por delito de opinião que foram movidos a C, B e a mim próprio;
61. reclamo a demissão dos órgãos de direcção central do Partido, por terem acrescentado aos graves erros de orientação e de intervenção, responsáveis pela acelerada perda de influência do Partido, uma actuação que é motivo de vergonha junto dos trabalhadores e do povo português e que é gravemente lesiva da imagem e do património político do Partido;
62. e como forma de abrir caminho à superação das graves dificuldades que o Partido atravessa, insisto na reclamação da realização de um Congresso, sem restrições ao debate nem exclusôes pessoais, que verdadeiramente una através do debate e do respeito pelas diferenças de opinião, todos os militantes do PCP .
i Documento ao Secretário Geral do PCP, entregue em 26 de Novembro de 2000. ii Documento ao Comité Central, entregue em 26 de Novembro de 2000. iii Público, 2 de Abril de 2002. iv Público, 2 de Abril de 2002. v EI Pais, 28 de Janeiro de 2002. vi Público, 19 de Março de 2002. vii Público, 19 de Março de 2002. viii EI Pais, 28 de Janeiro de 2002. ix Público, 11 de Junho de 2002 x Público, 12 de Abril de 2002. xi Público, 11 de Junho de 2002. xii Expresso, 29 de Março de 2002. xiii Jornal de Notícias, 24 de Junho de 2002”.
E - Em 28/06/02, o Secretariado do Comité Central e a Comissão Central de Quadros enviam a B ofício de teor idêntico ao transcrito em A.
F - A este ofício respondeu o Autor B nos seguintes termos:
“Camaradas,
Em resposta à vossa carta de 28 de Junho na qual ' nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 60º dos Estatutos do Partido ' me convocam para uma reunião no ... para dia 5 de Julho às 19 h., tenho a dizer-vos o seguinte :
1 - manifestar a minha completa disponibilidade para discutir e esclarecer todos os aspectos que tenham a ver com a minha actividade política e partidária, enquanto membro de um Partido a que me orgulho de pertencer há cerca de 38 anos
;
2 - entender, todavia, que ao invocarem na vossa carta o propósito de me ouvir ao abrigo do Art. 60º dos Estatutos, tal facto indiciar claramente um propósito sancionatório pelo que solicito antes de mais que, por escrito, me sejam enviados, em tempo útil, todos os elementos de acusação e de prova, a fim de poder preparar e organizar a minha defesa ;
3 - mais, tal exigência inscreve-se, como é bom de ver, na rigorosa observância do principio inscrito no número 10 do Art. 32º da Constituição da República, de cujo respeito nem os cidadãos, nem as instituições legais devem prescindir .
G - Aqueles órgãos do PCP remeteram, então, em 04/07/02, para B, a seguinte “Nota para audição prévia de B nos termos e para os efeitos do artº 60º dos Estatutos do PCP”:
“I. O comportamento partidário de B, com a promoção e participação em iniciativas políticas públicas à margem e em oposição à estrutura orgânica e aos Estatutos do Partido e em várias entrevistas, artigos e declarações em órgãos de comunicação social, contrários a orientações colectivamente decididas, inseridos numa campanha contra o Partido,. que tem vindo a decorrer de forma prolongada e sistemática, é passível de sanção disciplinar .
2 - De facto, este comportamento reiterado teve nos últimos tempos expressões públicas particularmente graves e ofensivas, das quais se destacam, entre outras:
a) Participação (em 6 de Abril de 2002) numa iniciativa na FIL, em Lisboa, a qual constituiu um momento de deliberado confronto público com a orientação e a Direcção do Partido.
Tal participação foi acompanhada de declarações públicas contrárias à orientação do Partido e quando era ainda membro do Comité Central.
b) “Este jantar é um bom prenúncio de algo imparável que é o movimento de comunistas que querem a reorganização interna do PCP” , notícia “Renovadores temem afastamento de Carvalhas e purga interna”, no jornal “Público” de
08.04.2002;
c) (...) “devido à “arrogância, ao ódio e à intolerância””{...), notícia “B arrasa Jerónimo”, no “DN” de 24.04.2002;
d) em referência à reunião do CC afirmou que esta decorreu com “manifestações de
ódio” com intervenções “insu1tuosas, intolerantes e ofensivas da inteligência e bom convívio” (...), notícia “Três demissões no CC do PCP”- , no jornal
“Público” de 15.04.2002;
e) “A postura da actual direcção é de preferir definir inimigos internos do que discutir os reais problemas do PCP. É sectária e fechada, que revela a desorientação da direcção” , notícia “PCP pode expulsar B”, no jornal “Público” de 13.04.2002;
f) Acusação à Direcção do Partido de “asfixiar” e “esmagar” as opiniões divergentes (...) e que descredibilizam a Direcção e o Secretário Geral “que pactua com estas práticas” {...), notícia “B excluído da conferência do PCP” , no “JN”, de14.06.2002;
g) Desqualifica, insulta e nega a legitimidade da Direcção do Partido afirmando que esta “foi tomada de assalto por uma clique de dirigentes' , “Visão” de
18.04.2002;
h) Da Conferência saiu “uma linha de sectarismo, arrogância, culpabilização e exclusão” e um “caminho que coloca nas mãos” da Direcção e do CC as decisões que bem entenderem” , notícia “Renovador acusa Direcção de contrariar estatutos” , no JN, de 24.06.2002;
i) (...) “recorrem a processos que nos envergonham do ponto de vista da democracia interna” (...)”Foram utilizados todos os processos pela direcção para impedir que aqueles que tivessem pontos de vista diferentes em relação à direcção os pudessem exprimir' , notícia “Votação da Conferência revoltou e uniu renovadores”, publicado no “Semanário” de 28.06.2002;
j) Posições públicas de desvalorização e desqualificação da Conferência Nacional, antes, durante e após a sua realização, “JN” de 17.04.2002, “DN” de
22.06.2002 e “JN' de 24.06.2002;
k) Quebra. de elementares regras partidárias e princípios éticos ao tomar públicas questões reservadas da vida interna do Partido, “ TSF” em 12.04.2002 e
'Público” de 13.04.2002.
3. Tais actuações, desenvolvidas em conjunto com outros membros do Partido em tomo de propostas comuns, acompanhadas do incitamento a outros para seguirem as suas posições de afrontamento, configuram a tentativa de legitimar e impor na prática a constituição de fracções organizadas dentro do Partido, atentatórias da sua unidade e coesão, com violação dos artºs 16°, n° 2, a1. h) e 14°, a1. a) e c)).
4. E ainda uma manifesta injúria ao Congresso, órgão máximo do Partido, ao seu Comité Central, aos órgãos dirigentes do Partido por este eleitos, aos delegados ao XVI Congresso e, em consequência, ao colectivo partidário, com violação do art. 14°, als. b) e n), conjugados com os art. 27°, n.ºs 1,2,e 3 e art. 31º,2.
5. Apesar dos reiterados apelos do Comité Central e de Organismos Executivos do Partido para que cessasse tais práticas, aqueles foram ignorados, continuando, assim, a causar graves prejuízos ao Partido na sua imagem, prestígio e influência; na sua unidade e coesão política, ideológica e orgânica; no desenvolvimento e resultados da sua acção política, nomeadamente no plano eleitoral.
6. Estes factos, particularmente graves, estão em total oposição ao artigo 56° dos Estatutos onde se refere que 'a disciplina do Partido, baseada na aceitação do Programa e dos Estatutos, insere-se no respeito pelos princípios orgânicos e constitui um factor essencial para o desenvolvimento da acção política, a influência de massas, a unidade, a combatividade, a força e o prestígio do Partido' .
7. Efectivamente configuram:
a) a contestação declarada dos Estatutos do Partido, em violação do art. 14°, al. a);
b) a deturpação, desrespeito e afrontamento das orientações e decisões do XVI Congresso e de organismos executivos do C.C., com violação do art. 14°, al. b ), art. 16°, n.º 2 al. e ) e n.º 2 do art. 31º:
c) a calúnia à Direcção do Partido em violação do art. 14°, al. n);
d) O animar e alimentar de campanhas públicas contra o Partido, das quais em nenhum caso visível se demarcou, violando o art. 14°, al. n) e art. 20º;
e) Iniciativas para impor na prática a existência de fracções organizadas no Partido, em violação do art. 16º, n.º 2, al. H);
f) A manifesta ultrapassagem do direito e do dever de qualquer membro do Partido expressar as suas opiniões no quadro do funcionamento democrático do Partido conforme vem consagrado no artigo 15° dos Estatutos.
8. Trata-se, pois, de um comportamento em flagrante rotura com laços de solidariedade, fraternidade, lealdade e camaradagem que caracterizam a vida democrática e a história do PCP .
H - Em 15/07/02, B responde à referida “Nota', nos seguintes termos:
“Camaradas,
I. Recebi a ' Nota para audição prévia ' para os efeitos do art. 60º dos Estatutos do PCP e em resposta envio-vos o texto que segue. Quero antes de mais sublinhar quanto me chocou não só o seu conteúdo, prenho de acusações e vazio de fundamentos, todo ele num tom incriminatório com todas as características de um julgamento prévio e que por isso transforma numa mera formalidade o processo de entrevista ou audição prévia marcada para hoje às 21 h, encontro que, como já fiz saber ao camarada R, deixa de ter qualquer sentido. Nesta linha não posso deixar de referir e condenar, desde logo, a atitude assumida pelo Secretariado do Comité Central quando emite e faz distribuir um comunicado no qual desenvolve um conjunto de acusações que a própria Nota Prévia que nos foi enviada no próprio dia não referia, comunicado no qual não se coíbe de inscrever o nome dos três camaradas visados, ou seja eu, o C e A (facto inédito se a memória não me atraiçoa), assumindo-se assim um julgamento prévio e público, antes dos acusados serem ouvidos ou apresentarem razões em sua defesa. Trata-se do recurso a processos de má memória que nos envergonham a todos. A arrogância e o tom condenatório utilizado pela direcção contrasta aliás com a magreza dos argumentos que invocam e sobretudo pela ausência de provas do que a mim e a outros acusam. A direcção escolheu assim adoptar como método de enfrentamento das diferenças de opinião e da sua pública expressão os Estatutos e nessa base a condenação prévia, desprezando assim a integração das mesmas assim como direitos básicos de cidadania, escolhendo o caminho inverso ao debate, num processo que envolvesse a sua superação em nome do fortalecimento do PCP . Neste contexto o texto que segue em minha defesa é seguramente o mais difícil que escrevi até hoje. Não porque tenha representado para mim qualquer dificuldade em defender-me dos delitos de opinião de que me acusam. Mas porque as vossas infundadas e insensatas acusações me atingem nas escolhas mais profundas a que dediquei a parte mais importante da minha vida. Trata-se por isso de um documento profundamente pessoal e inevitavelmente solitário.
2. O PCP enfrenta a mais grave crise da sua história recente ( pelo menos desde a reorganização dos finais dos anos 30 ou inicio dos anos 40) o que, como bem sabem muitos dos actuais dirigentes, as crises desta dimensão - crise política, ideológica, organizativa, de direcção, de relacionamento e influência na sociedade - só são superáveis por processos políticos e não por procedimentos disciplinares e administrativos já que deveriam antes envolver a capacidade de escutar e integrar opiniões diferentes e não de impor autoritariamente e de modo autista receitas. Exigem compromissos políticos e partidários abrangentes e não o esmagamento dos que pensam de modo diferente porque o que temos presente não são apenas 'problemas' ou “dificuldades' resultantes da má vontade da comunicação social ou do comportamento de alguns camaradas, como a direcção superficialmente assume, mas antes uma profunda crise com causas que desde há muito se arrastam sem o devido debate. Como todos vós sabeis o que os Estatutos contêm para responder a crises, do ponto de vista processual e formal, não são as sanções e os processos disciplinares, não são os direitos e deveres previstos para funcionar em situações de normalidade, mas antes o Congresso, sede própria para debater e encontrar caminhos de superação. Carecendo aliás os Estatutos de uma profunda revisão e aperfeiçoamento, o mal fundamental não está nos actuais Estatutos, mas no direito que a direcção se arroga de deles fazer uma interpretação que assume como absoluta.
3. Quero lembrar que ao longo dos últimos anos, enquanto membro da Comissão Política e, posteriormente ao XVI Congresso, como membro do Comité Central, ou como membro do Plenário da Direcção Regional do Algarve, tive oportunidade de expressar nos organismos de que fiz parte as minhas diferenciadas opiniões e preocupações sobre a grave crise que atingia o Partido. Só uma abrupta perda de memória dos actuais membros da direcção do Partido pode conduzir a que não se tenha isso em conta . São portanto conhecidas da direcção do Partido as minhas opiniões sobre a natureza, o excessivo número e duplicações de funções e responsabilidades atribuídas a cada organismo executivo do Comité Central, bem como o facto de desde há muito considerar que um Comité Central com tão elevado numero de membros para além de não corresponder ao Partido que hoje temos, não tem condições para exercer as funções que os actuais Estatutos lhe atribuem. São conhecidas as minhas opiniões sobre os défices de democracia interna, as dificuldades de militância política, o esvaziamento político de múltiplas organizações e a sua dificuldade de se relacionar e conhecerem o meio em que actuam, o sectarismo e a intolerância com que muitas tratavam opiniões diferentes, o excessivo peso de um aparelho permanente que para além da sua ineficácia política, conduz a que um elevado esforço das energias do reduzido núcleo activo seja aplicado para arranjar meios financeiros para o sustentar . Daí a necessidade de aliviar a carga dirigista da direcção face às diversas estruturas e organizações, entregar a sua direcção aos militantes, eleger os seus responsáveis, tornar mais frequente e desformalizada de facto a prestação de contas, distribuir melhor os recursos existentes em quadros e meios financeiros. São ainda conhecidas as minhas opiniões sobre a forma de eleição para todos os cargos de direcção já que defendo que quando se trate de pessoas as eleições devem ser todas efectuadas por voto secreto. Para responder a alguns destes problemas o documento ' Novo Impulso', aprovado pelo Comité Central, abria uma pequena janela rapidamente fechada pela oposição que lhe foi movida. Não têm por isso qualquer fundamentação as declarações de alguns dos actuais dirigentes quando, ao referir-se ao “Novo Impulso”, afirmam que as suas orientações estão a ser levadas à prática, reduzindo o documento a uma série de objectivos intemporais de recrutamento, assembleia e iniciativas diversas, procurando iludir o que então foi polémico, aprovado e bloqueado, ou seja, a reorientação profunda do Partido para a base militante, para os trabalhadores e para a sociedade, através de um duplo movimento de responsabilização dos militantes, como chave para a superação das dificuldade de organização e de funcionamento, de descentralização da iniciativa política, no fundo de viragem para fora, o que naturalmente punha em causa o status quo dos interesses instalados numa área imobilista e acomodada do fechado aparelho partidário. Quanto aos problemas da direcção central, basta recordar o que se passou com a preparação do XVI Congresso e o boicote efectivo que foi movido para impedir tais alterações, no quadro de um debate preparatório desvirtuado porque deslocado para aspectos que não estavam em causa como os do conteúdo e natureza de classe do partido, como todos vós certamente estarão lembrados. São ainda conhecidas as minhas posições, designadamente como membro da Comissão Política e responsável pela Organização Regional do Algarve, quanto ao nosso posicionamento face ao poder e ao relacionamento com o PS e outras forças de esquerda, à necessidade de nos colocarmos permanentemente numa posição ofensiva arquitectados em propostas políticas que nos colocassem não só como um Partido de oposição, mas também como um Partido de disputa e participação no exercício do poder governativo. Lembrar ainda que em clara manifestação de lealdade para com o órgão executivo em que participava - a Comissão Política - e ao contrário do que a Nota de Culpa afirma, nunca exprimi as minhas diferenciadas opiniões na Direcção Regional de que era responsável e só o fiz muito tarde no Comité Central quando a situação, poucos antes da realização do XVI Congresso, se tornou insuportável, sobretudo porque outros membros da Comissão Política não se coibiam de aí exprimir as suas opiniões em matérias sobre as quais sabiam não haver nem maioria nem consenso na Comissão Política . Aliás, vários dos actuais dirigentes, agora remetidos ao silêncio, ou cúmplices com o que se passa (com honrosas excepções, é necessário assinalar), partilharam antes do último Congresso de todas estas preocupações e criticas, opiniões como já assinalo, feitas nos organismos, críticas quanto à impossibilidade que estava criada de organizar um debate sério e participado no quadro da sua preparação, o que conduzia e conduziu a que os militantes fossem expropriados de conhecer as opiniões divergentes que então se manifestavam, vindo a ser 'utilizados' por um grupo de dirigentes que usando uma parte do aparelho criou a conhecida crispação em torno do inimigo interno e do risco de social-democratização do Partido o que dominou e liquidou todo o debate preparatório. Tudo isto conduziu a que os próprios documentos congressuais fossem elaborados num contexto paupérrimo reflectindo os mesmos a pobreza e a insuficiência das respostas dadas perante a dimensão dos problemas que estávamos a enfrentar A aceitação por alguns dos dirigentes na altura, nos quais me incluo, de que naquele Congresso não se mexesse nos Estatutos e no Programa resultou, não da ideia que agora mentirosamente se pretende fazer passar, de que não se justificava a sua alteração, mas antes porque não existiam óbvias condições de tempo e de forças para tal e por isso se aceitou o compromisso (logo traído) de, para evitar roturas, se deveria concentrar forças na linha política mais imediata e nas soluções de direcção. A realidade está à vista.
3. O sucessivos desaires eleitorais ocorridos nas eleições presidenciais, autárquicas e legislativas, para alem de aspectos conjunturais desfavoráveis que não deixo de ter em conta, exprimiram sobretudo a situação de profunda crise em que o Partido se debatia e se debate. Não são meros e circunstanciais insucessos. São os piores resultados eleitorais de sempre do Partido, dos quais resultou claro a superficialidade e a incapacidade autocrítica na análise produzida pela Direcção.
É pois perfeitamente compreensível o choque, a tristeza, provocada em milhares de membros do Partido por tais insucessos e pelo conteúdo da resposta dada pela direcção, de modo a justificar a profunda insatisfação e preocupação pelo futuro do Partido, justamente reivindicando, em primeiro lugar, um Congresso Extraordinário e após as legislativas um Congresso antecipado, como meio de resposta à gravidade da situação que se estava a viver e com a exclusiva preocupação de proceder a um debate aprofundado das causas, de modo a encontrar a melhor forma de as superar, visando o fortalecimento do PCP e o seu melhor enraizamento na sociedade portuguesa contemporânea. Debate sereno, num Partido hoje claramente dividido em múltiplas opiniões sobre as diversas formas de superar a crise em que se encontra. Congresso que não tem de ser necessariamente o que a actual Direcção tem como modelo, copiado dos anteriores, mas antes um Congresso que permitisse listas abertas para a eleição dos diversos órgãos por voto secreto, documentos alternativos, circulação horizontal e transversal de opinião e de propostas, porque nada nos actuais Estatutos proíbe que assim possa ser .
É em toda esta dinâmica e perseguindo tal objectivo que sempre inseri as minhas opiniões. Porque entendi e entendo que a actual direcção, como qualquer outra, não é dona do Partido, nem está ao abrigo de críticas, não aceitando por isso as acusações que me são feitas de afrontamento ou de calúnias (sem provas do que em concreto se afirma) a esta direcção e muito menos quando se afirma na Nota de Culpa que as minhas opiniões críticas se “inserem numa campanha contra o Partido'. Como se me afigura de todo ridícula e até expressiva da desorientação em que se encontra a actual direcção a acusação de que, com as minhas opiniões criticas, 'injuriar o Congresso, os seus delegados e os organismos nele eleitos' como se as decisões deste órgão, quaisquer que elas sejam, possam permanecer ao abrigo de qualquer crítica e portanto imutáveis e incontestáveis no tempo e no espaço. Todas as minhas opiniões críticas inserem-se em opiniões e críticas políticas, e tiveram e têm como objectivo, servir melhor o funcionamento e promover o reforço do Partido, mesmo as que publicamente assumi e assumo, com a consciência, para além do mais, que a Constituição da República e o enquadramento jurídico que vigora no País, bem como os próprios Estatutos do Partido, me colocam ao abrigo de qualquer sanção sobre tal matéria .
4. Recuso por isso mesmo também, porque infundada, porque não provada, a acusação de trabalho fraccional que me é imputada na Nota de Culpa. Por trabalho fraccional entendo constituição organizada de um conjunto de pessoas em torno de uma plataforma política e de objectivos comuns, agindo secreta e continuamente no seio e para influenciar a organização de que fazem parte. Ora o que hoje é visível no PCP é uma enorme variedade de opiniões de que a sua expressão pública torna mais evidente, com um traço comum a todas elas: descontentamento, insatisfação, preocupações com o futuro do Partido, reivindicação de debate aberto e integrador de opiniões diferenciadas, Congresso. Ou seja, diferenças de opinião que só um debate profundo pode resolver. Só a cegueira, o sectarismo e a arrogância em que a direcção se encontra pode encontrar em tais manifestações elementos, que afinal não prova, de trabalho fraccional . Mas, ainda sobre trabalho fraccional, a definição sobre as suas características que atrás enuncio, não assentam antes como uma luva a vários membros dos actuais organismos executivos, a membros do CC e do aparelho de funcionários? Não conhece e não tem o Secretário Geral abundantes dados a este respeito? E constituem-se estes camaradas agora em juizes sobre tais matérias?
5. Ao invés do que a Nota de Culpa me acusa quando afirma que as manifestações críticas à actual condução do Partido estão a 'causar graves prejuízos ao Partido na sua imagem, prestígio e influência', a actuação desta direcção na cegueira sancionatória que os anima, pela intolerância e falta de respeito por opiniões diferenciadas que revelam, é que contribuem para projectar uma imagem terrível na sociedade e sobretudo para as novas gerações sobre o Partido e os comunistas, descredibilizando a natureza e justeza dos nossos ideais e projectos de sociedade causando, com tal postura, obstáculos acrescidos para a necessária e indispensável saída da profunda crise em que o Partido se encontra. Porque o problema central que se coloca não é o de ter ou não direito a emitir opinião no quadro de um organismo a que pertence. Os problemas são outros: por um lado a utilidade e o propósito integrador de atender a tais opiniões, questão que no actual contexto se revela por demais inútil, e por outro o facto de hoje,
à luz da sociedade e dos valores que nós próprios ajudamos a alcançar, é legítimo impedir que uma opinião política sobre esta ou aquele matéria pode ser impedida de se expressar publicamente. Mas, ainda sobre esta matéria conviria saber com que legitimidade e ao abrigo de que Estatutos se expressam opiniões em
órgãos de informação diversos por parte de vários membros da direcção do Partido em alguns casos servindo-se dessa tribuna para atacar posições de camaradas seus? E como explicar ainda a legitimidade dos que ao terem transformado o Avante de órgão Central do Partido num órgão desta direcção daí desferem os mais insultuosos insultos e calúnias contra membros do Partido, para já não falar da
' animação ' das cartas de leitores com o mesmo sentido. Em que ficamos? Onde estão para esses as sanções e os Estatutos ?
6. No mínimo hipócrita também é, neste contexto, a acusação de “comportamento em flagrante rotura com laços de solidariedade, fraternidade, lealdade e camaradagem' quando muitos do que actualmente compõem os organismos executivos e o próprio Comité Central não se coibiram de alimentar, ou de pelo menos não contrariar, toda uma campanha de calúnias atingindo o bom nome, a honra de camaradas, que deram o melhor das suas vidas ao Partido, só porque agora manifestavam opiniões diversas das da direcção do Partido. Como constitui uma manifesta falta de capacidade autocrítica (ou do que pode já constituir um síndroma de imputação de culpas próprias a outros) a culpa que me é também atribuída sobre referências feitas a manifestações de ódio de algumas das intervenções produzidas a meu respeito na reunião do CC em que me demiti, intervenções cujo conteúdo, singularmente, não foi objecto de qualquer reparo crítico na altura, quer de quem dirigia a reunião, nem do próprio Secretário Geral.
7. Por tudo o que fica exposto entendo que o caminho escolhido pela direcção do Partido, o caminho de sancionar, por posições e manifestações políticas diferentes das defendidas pela actual direcção, comunistas que acima de tudo desejam continuar a sê-lo é o caminho para agravar ainda mais as dificuldades existentes, aprofundar os factores de crise, diminuir a capacidade critica do Partido para as superar, cavar mais fundo o fosso que nos separa do conjunto dos trabalhadores e da sociedade a que nos temos de dirigir e de quem procuramos apoio e incentivo.
8.Por último sublinhar que o conjunto de acusações de que sou alvo são-no, invariavelmente, por diferenças de opinião, direito constitucional, de cidadania, de que não prescindo. Nela estão completamente ausentes quaisquer factos ilícitos. Não há um simples facto que indicie e prove trabalho fraccional. Sou por vós julgado pelas minhas diferenciadas opiniões porque partem sempre do pressuposto que as vossas são inatacáveis, porventura por qualquer graça papal ou divina. Tudo o que escrevi e disse tem como subjacente o que em minha opinião é melhor para o PCP. Perante a crise que o Partido enfrenta preferiste a via das sanções ao debate integrador e respeitador de opiniões diferenciadas. Este processo por vós decidido e empreendido ficará como um paradigma de um tipo de comportamento, pensamento e acção que os trabalhadores e os cidadãos repudiam. Dessa responsabilidade não se poderão furtar . O Partido vos julgará ! Para terminar deixo claro que irei, em defesa da minha honra e dos direitos que como cidadão me estão assegurados constitucionalmente, até onde puder . Disso podereis estar certos.
H - Em 28/06/02, o Secretariado do Comité Central e a Comissão Central de quadros do PCP enviaram a C, o seguinte ofício:
“Camarada,
Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60° dos Estatutos do Partido, convocamos-te para uma reunião a ter lugar no dia 4 de Julho, às 17 horas, no
.... Em alternativa, caso tenhas qualquer impedimento nessa data e nos informes em tempo útil, a reunião poderá efectuar-se no dia 8 de Julho, à mesma hora e no mesmo local. Dada a importância dos problemas em análise e que se relacionam com a tua actividade partidária, compreenderás quanto será importante a tua comparência na referida reunião. Lembramos-te, entretanto, que uma eventual recusa em seres ouvido não é impeditivo que a análise do teu comportamento partidário prossiga.”
I - A este ofício respondeu C nos seguintes termos:
“Camaradas.
Em resposta à vossa carta de 28 de Junho em que «nos termos e para os efeitos do disposto no ano 60° dos Estatutos do Partido» me convocam para uma reunião no
..., declaro a mais completa disponibilidade para esclarecer qualquer aspecto da minha actividade partidária, que já conta 48 anos, de que me orgulho e nada tenho a esconder ou de que me envergonhar. Tratando-se, porém, do art. 60º dos Estatutos do PCP, que indicia um declarado propósito sancionatório, preciso de conhecer os elementos da acusação e de prova que sustentam esse propósito de forma a poder preparar e organizar a minha defesa, para que a reunião que me propõem não redunde numa mera formalidade. Entende-se por isso, que reclame que formulem por escrito o que querem formular e me enviem esses elementos, em tempo útil, na rigorosa observância do princípio inscrito no número 10 do art. 32º da Constituição da República, de cujo respeito nem os cidadãos nem as instituições legais devem prescindir “.
J - Em 03/07/02, aqueles órgãos do PCP remeteram a. C, a seguinte
“Nota para audição prévia de C nos termos do artº 60º dos Estatutos do PCP”:
“1. O comportamento partidário de C, com a promoção e participação em iniciativas políticas públicas, à margem e em oposição à estrutura orgânica e aos Estatutos do partido e em várias entrevistas, artigos e declarações em
órgãos de comunicação social, contrários a orientações colectivamente decididas, inseridos numa campanha contra o Partido, que tem vindo a decorrer de forma prolongada e sistemática. é passível de sanção disciplinar.
2. De facto, este comportamento reiterado teve nos últimos tempos expressões públicas particu1armente graves e ofensivas, das quais se destacam, entre outras:
a) Acusação de intolerância sectorial e persecutória à Direcção do Partido no
“Expresso” e “DN”, de 13.04.2002
b) Grave distorção da orientação e prática do partido considerando que “o PCP elegeu o PS como inimigo principal”, “DN”, de 18.01.2002;
c) Acusação à direcção de “denegrir a imagem do PCP; de estreiteza de visão; de cega substimação da direita, tratada de forma escandalosamente benigna e tendencial para o enconchamento soturno de quem anda sempre à coca do inimigo interno”, “DN” de 15.06.2002;
d) Contestação da 1egitimidade da Direcção quando afirma “numa vida inteira de dedicação ao Partido {...) não pode ser matéria descartável pelas conivências sectárias do grupo de militantes que num determinado período constituiu a direcção” , “DN” , de 01.02.2002;
e) A assunção como promotor de um abaixo-assinado à margem do quadro normal de funcionamento do partido, como afirma no “Tal e Qual.” de 11.01.2002 (“vamos continuar a recolher assinaturas”) e é referido no “DN”, de 08.01.2002;
f) participação e intervenção destacada em 6 de Abri1 de 2002 numa iniciativa na FIL, em Lisboa, a qual constituiu um momento de deliberado confronto público com a orientação do Partido e a sua Direcção.
3. Tais actuações, desenvolvidas em conjunto com outros membros do partido em torno de propostas comuns, configuram a tentativa de legitimar e impor na prática a constituição de fracções organizadas dentro do Partido, atentatórias da sua unidade e coesão, com violação dos anos 16°, n° 2., al. h e 14°, al. a) e c)).
4. E ainda um manifesto desrespeito ao Comité Central, aos órgãos dirigentes do partido por este eleitos no XVI Congresso e, em consequência, ao colectivo partidário, com violação do art. 14°, als. b) e n), conjugados com os art. 27º, n.ºs 1,2,e 3 e art. 31º,2.
5. Apesar dos reiterados apelos do Comité Central e de Organismos Executivo do Partido para que cessasse tais práticas, aqueles foram ignorados, continuando, assim, a causar graves prejuízos ao Partido na sua imagem, prestígio e influência; na sua unidade e coesão política, ideológica e orgânica; no desenvolvimento e resultados da sua acção política, nomeadamente no plano eleitoral.
6. Estes factos, particularmente graves, estão em total oposição ao artigo 56º dos Estatutos onde se refere que “a disciplina do partido, baseada na aceitação do Programa e dos Estatutos, insere-se no respeito pelos princípios orgânicos e constitui um factor essencial para o desenvolvimento da acção política, a influência de massas, a unidade, a combatividade, a força e o prestígio do Partido” .
7. Efectivamente configuram:
a) deturpação, desrespeito e afrontamento das orientações e decisões do XVI Congresso e organismos executivos do C.C., com violação do art. 14º, al. b), art. 16º, n° 2, al. e} e n.° 2 do art. 31°;
b) ataque à Direcção do Partido em violação do art. 14º, a1. n);
c) O animar e alimentar de campanhas públicas contra o Partido, das quais em nenhum caso visível se demarcou, violando o art. 14°, al. n) e art. 20º;
d) Iniciativa para impor na prática fracções organizadas no Partido em violação do artigo 16º, n.º 2, al. h);
e) A manifesta ultrapassagem do direito e do dever de qualquer membro do Partido expressar as suas opb1i6es no quadro do funcionamento democrático do Partido conforme vem consagrado no artigo 15° dos Estatutos.
8. Trata-se. pois. de um comportamento em flagrante rotura com laços de solidariedade, fraternidade, 1ealdade e camaradagem que caracterizam a vida democrática e a história do PCP .
K - Em 07/07/02, C respondeu à referida “Nota” nos seguintes termos:
“Camaradas
1. Recebi o texto por vós designado de «Nota para audição prévia» e lamento muito ter de vos dizer que, pelo seu tom, arquitectura, falsidade das acusações e processos de intenção, me fez lembrar os tristemente célebres «despachos de pronúncia» que recebi, como alguns de vocês, das várias vezes que estive preso durante a ditadura fascista.
2. Começo então por repelir energicamente o teor da Nota, que desde o início, do acusatório ponto 1, até ao hipócrita ponto 8, se orienta não para uma «audição prévia» mas sim para uma condenação prévia a qualquer audição.
3. Quero rejeitar especialmente a acusação de que actos meus possam ter estado, em quaisquer circunstâncias, «inseridos numa campanha contra o Partido», pois a verdade é que em todas as minhas tomadas de posição tem estado sempre expressamente presente a preocupação de servir o Partido e contrariar o seu declínio, o que também tenho feito na prática participando pontual e activamente nos trabalhos da Direcção da Organização Regional do Algarve do PCP e no desenvolvimento da actividade partidária no concelho de Alcoutim, nomeadamente nas duas últimas campanhas eleitorais.
4. Sempre desenvolvi a minha actividade na estrita observação da disciplina partidária. Mas esta disciplina não pode pôr em causa o meu direito de participação na actividade do Partido. A minha participação tem-se cingido a prestar contributos para o fortalecimento do Partido e impedir a perda de influência e a desmotivação dos militantes e simpatizantes. Ora a acusação que me é movida pretende estiolar ou aniquilar o meu direito de participação na vida interna do Partido e impedir o meu contributo às suas actividades.
5. Os «delitos» concretos que me são apontados reportam-se às minhas opiniões críticas em relação a actuações e orientações da Direcção do Partido. Trata-se pois da imputação de delitos de opinião. Nenhuma acusação concretamente formulada está em oposição aos Estatutos do Partido. Chega a ser risível que a Nota aponte como matéria delituosa que tenha acusado a Direcção de «intolerância sectária e persecutória», depois da tentativa de sanção a B, ou que a tenha acusado de «estreiteza de visão, de cega subestimação da direita, tratada de forma escandalosamente benigna», a propósito de uma nota da Comissão Política, do princípio do ano, em que a única crítica que se fazia à direita era a de que
«o PSD e o CDS-PP não têm nada de bom e de novo para oferecer ao país». Pergunto: cabe na cabeça de alguém que comentários políticos desta natureza possam justificar que se processe e se ameace de sanção, como faz a Nota, alguém que milita no PCP há 48 anos, nos mais diversos níveis de responsabilidade e de provação?
6. Eu assumo as opiniões críticas e as propostas divergentes que tenho defendido e assumo também a expressão pública que em alguns casos têm tido, umas vezes contra a minha vontade, caso da carta de Março de 2000, outras por minha directa responsabilidade. Mas recuso que as minhas opiniões críticas, mesmo públicas, desde que não ofensivas da honra e do bom nome de alguém, possam ser consideradas matéria delituosa passível de sanção partidária. Tenho por mim a Constituição da República e o enquadramento jurídico que vigoram no nosso país e os próprios Estatuto do Partido. A propósito, importa desde já salientar que este enquadramento jurídico não é uma invenção do Estado burguês contra o Partidos dos trabalhadores. Os avanços que entre nós se fizeram em matéria de direitos liberdades e garantias depois do 25 de Abril são conquistas da Revolução, para as quais os comunistas muito contribuíram com a sua luta e com o seu labor legislativo na Assembleia Constituinte e na Assembleia da República. Esta é mais uma razão para que na sua vida interna o PCP não possa deixar de ter em conta e respeitar estes avanços quando interpreta os seus próprios Estatutos.
7. Recuso da mesma forma as acusações, não provadas, de «tentativa de legitimar e impor na prática a constituição de fracções organizadas dentro do Partido». Há na Direcção do PCP quem saiba muito bem o que são fracções organizadas para que se queira apontar como tentativas de tal a assinatura de apelos a favor da convocação do Congresso ou a realização de iniciativas de carácter não partidário tais como jantares públicos de confraternização e de debate, que são iniciativas feitas à luz do dia e assumidas com frontalidade, exactamente ao contrário das fracções organizadas que costumam manobrar na sombra. Notável é que, sendo tão vasto o numero de camaradas, do Norte ao Sul do país, que se assumem em posições críticas das orientações e da Direcção vigente, contando-se entre eles alguns dos melhores organizadores partidários, se tenha contrariado sempre, como julgo saber, qualquer tentação para se actuar na lógica das fracções. Tal como eu, o que os demais camaradas pretendem é contribuir para impedir o seu declínio e melhorar a sua influência política, social e eleitoral.
8. Não existe qualquer correspondência entre as imputações concretas formuladas no ponto 2 da 'Nota para audição prévia' e as conclusões que delas se extrai. Assim são-me imputadas, 'entre outras' não explicitadas, com base em notícias da comunicação social e em síntese: a) acusação de 'intolerância sectária e persecutória' à Direcção do Partido; b) grave distorção da orientação prática do Partido considerando que o PCP 'elegeu o PS como inimigo principal'; c) acusação
à direcção de 'denegrir a imagem do PCP'; d) contestação da legitimidade da Direcção; e) assunção como promotor de um abaixo-assinado; f) participação e intervenção destacada numa iniciativa na FIL (jantar de 6 de Abril de 2002). Mas daqui não se infere nenhuma actuação contrária à orientação colectivamente decidida; nem é possível extrair qualquer actividade organizada nem inserida em campanha contra o Partido; e muito menos, tentativas de legitimar e de impor a constituição de fracção organizada dentro do Partido. Trata-se pois, de acusações ridículas e sem provas.
9. Contesto a invocação primária, burocrática e mecânica de numerosos artigos e alíneas dos estatutos para se tentar a minha incriminação, o que só mostra que se aparenta ignorar que o que está em causa são profundas divergências políticas sobre o presente e o futuro do Partido e que estas ou se resolvem através de um debate muito sério num processo congressual ou terão as mais graves consequências, e ainda piores se vingar o caminho das sanções, como se anuncia.
10. Rejeito qualquer acusação de um «comportamento de rotura», o que tenho procurado é que não se quebrem as pontes e que o PCP possa ir em frente sem perder ninguém. Por isso não aceito que se fale em «laços de solidariedade, fraternidade, lealdade e camaradagem» quando se organizam processos para atirar para fora do Partido militantes que lhe deram a sua juventude e o melhor da sua vida, quando isso significava arriscar a própria vida.”
L - O impugnante A foi notificado da seguinte Resolução do Secretariado do Comité Central do PCP, de 19/7/02:
“1. O Partido enfrenta há longo tempo uma violenta e continuada campanha de deturpações e falsificações sobre os seus princípios, práticas e principais orientações, visando atingir o seu prestígio e influência junto dos trabalhadores e da sociedade, dificultar a sua intervenção política, quebrar a sua unidade e provocar a sua desagregação orgânica.
Esta tem sido alimentada, estimulada e organizada por membros do Partido que, promovendo e participando em iniciativas políticas públicas em aberto confronto com o colectivo partidário, à margem e em oposição à estrutura orgânica e aos Estatutos do Partido, e em numerosas entrevistas, artigos e declarações públicas, deturpam e combatem as orientações do Partido e ofendem a sua Direcção.
Este processo que teve diversos afloramentos após o XVI Congresso, ganhou uma nova e grave dimensão a seguir às eleições autárquicas e de forma activa e ininterrupta depois das legislativas.
2. Apesar da evidência de que a esmagadora maioria dos membros do Partido condena os seus comportamentos, atitudes e posições públicas insultuosas; apesar dos sucessivos apelos feitos pelo Comité Central e Organismos Executivos para que pusessem fim a actividades que sabem ser condenáveis em termos de ética partidária, inaceitáveis à luz dos Estatutos e dos princípios orgânicos do Partido e altamente prejudiciais para o Partido no plano político e eleitoral; apesar de todos os esforços desenvolvidos para que, independentemente das diferenças de opinião, que cada militante tem o direito de ter, as inserissem no quadro do funcionamento normal e do respeito pelos princípios do Partido que a todos os seus membros obriga, alguns membros do Partido, dando mostras de uma enorme arrogância e desprezo pelas decisões tomadas pelo colectivo partidário e os princípios estatutários, responderam a esses apelos com o aumento da escalada de deturpações, falsificações e calúnias sobre as orientações do Partido, a sua vida interna e a sua Direcção, procurando criar de facto para si próprios, ilegitimamente, um estatuto especial.
3. Atitude após atitude acabaram por pôr em causa e afrontar publicamente o Programa e os Estatutos, decisões do XVI Congresso, formas orgânicas, legitimidade da Direcção, apelando a que outros membros do Partido os sigam no desrespeito do quadro normal de funcionamento do Partido, procurando impor mesmo a 'teoria' de que o Partido legítimo são todos aqueles que agem à margem dos Estatutos e das estruturas orgânicas do Partido e ilegítima seria a única Direcção democraticamente eleita pelos delegados no XVI Congresso.
4. Em vez de responderem ao apelo para que contribuíssem para o reforço da democracia interna e construção da orientação do Partido como o fizeram dezenas de milhar de militantes, alguns membros do Partido preferiram hostilizar abertamente a Conferência Nacional, desvalorizando os seus trabalhos, afirmando publicamente que não reconheciam as suas decisões, declararam, apesar do sentido inequívoco da vontade do colectivo partidário, o seu propósito de continuar a afrontar os princípios orgânicos do Partido.
5. Pela sua participação e intervenção em iniciativas públicas à margem das estruturas orgânicas do Partido, pretensamente destinados a discutir o 'futuro' do Partido e a aprovar acções com vista à sua 'renovação' ou 'refundação', pelas suas numerosas declarações à comunicação social contra as orientações, o Programa e os Estatutos cuja aceitação é condição obrigatória para se poder ser membro do PCP, alguns membros do Partido assumiram-se cada vez mais abertamente como grupo organizado, como seus 'porta-vozes' e principais veiculadores de propostas comuns configurando a tentativa de legitimar e impor na prática a constituição de fracções organizadas atentatórias da unidade e coesão do Partido.
6. As actividades destes membros do Partido, rea1izadas em contradição clara e frontal com os Estatutos, denegrindo e deturpando as orientações do XVI Congresso, fazendo grosseiras, caluniosas e graves acusações sobre a vida interna do Partido e sua Direcção, têm causado graves prejuízos ao Partido no plano da acção política, da influência de massas, da unidade, da combatividade, da força e prestígio do Partido.
7. Tornou-se claro que vários membros do Partido implicados na tentativa de imposição na prática de trabalho fraccionário, alguns dos quais há longos meses se auto excluíram do Partido, não participando em qualquer actividade partidária, não reconhecendo outras regras que não as ditadas por eles próprios, procuram, pela política dos factos consumados, impor a legitimação de uma actividade anti-estatutária.
8. Estes factos, particularmente graves, estão em total oposição com o art. 56° dos Estatutos onde se refere que 'a disciplina do Partido, baseada na aceitação do Programa e dos Estatutos, insere-se no respeito pelos princípios orgânicos e constitui um factor essencial para o desenvolvimento da acção política, a influência de massas, a unidade, a combatividade, a força e o prestígio do Partido.'
9. Os sucessivos apelos à reconsideração de atitudes e o esforço para reconduzir ao espaço de debate no Partido comprovadas divergências são o principal testemunho do sentido essencial da acção da Direcção do Partido em privilegiar o debate e a resposta política neste processo. Este esforço encontrou uma progressiva escalada no afrontamento ao Partido e seus princípios.
Repor o respeito pelo normal funcionamento do Partido e a consideração de medidas disciplinares contra práticas anti-estatutárias e de natureza fraccionária e desagregadoras constitui não apenas uma necessidade como um imperativo para a defesa do Partido e da sua unidade, além de uma obrigação estatutária (art. 25°, alínea n)).
10. A análise dos comportamentos e posicionamentos referidos não deixam margem para dúvidas quanto à sua natureza anti-estatutária, flagrante rotura com laços de solidariedade, fraternidade, lealdade e camaradagem que caracterizam a vida democrática e a história do PCP, e incompatíveis com os direitos e deveres de membros do Partido. Assim e no exercício das suas competências e responsabilidade perante o Partido, o Secretariado do Comité Central, em articulação com a Comissão Política, decidiu no dia 1.07.2002 convocar, nos termos e para os efeitos do art. 60° dos Estatutos, para audição prévia com vista à eventual aplicação de sanções disciplinares os membros do Partido A, B e C, por, da análise dos factos, se concluir que no conjunto destas actividades estes membros do Partido se destacarem pela participação em iniciativas que constituíram momentos de deliberado confronto com a orientação e a Direcção do Partido, tendo animado e estimulado posições de afrontamento com as orientações e os Estatutos do Partido e apelado a outros membros do Partido para que o façam.
11. Por carta de 12 de Julho de 2002,A enviou a sua resposta, entretanto por ele tornada pública antes de recebida no Partido, à Nota para audição prévia que lhe havia sido dirigida, declarando ter ficado sem sentido a reunião para que havia sido convocado. Na resposta, A reafirma o conjunto de ofensas, provocações e afrontamentos à Direcção e aos Estatutos do Partido, e insiste em manifestar o seu desprezo pelos órgãos dirigentes do PCP, democraticamente eleitos em Congresso e pelas orientações políticas da Direcção (pontos 1, 3 a 6, 8 a 11, 14, 15, 18, 23, 30 da sua resposta) nada dizendo em concreto nos restantes pontos 2 a 31.
Na verdade: a) Uma coisa natural, aliás, é os Estatutos preverem a sua alteração; outra, é não conhecer o modo como os próprios estatutos prevêem que as alterações sejam feitas e querer fazê-lo, ou impô-lo, em violação das regras estabelecidas e aceites por todos. b) Uma coisa é fazer propostas para melhorar ou agilizar o funcionamento do Partido, outra é afrontar na praça pública e à margem do Partido os princípios ideológicos fundamentais em que assenta toda a orgânica do PCP. c) Uma coisa é defender – e sempre do modo estatutariamente previsto – uma posição política diferente da Direcção; outra é defender publicamente posição diferente baseada em pressupostos que falseiam a posição da Direcção do PCP.
d) Uma coisa é ter entendimento diferente do da Direcção sobre esta ou aquela decisão ou atitude e exprimi-lo no âmbito do Partido; outra é qualificar de modo insultuoso e arrogante as decisões ou atitudes. e) Uma coisa é não concordar com os órgãos dirigentes na sua composição ou existência; outra é chamar-lhes grupo ou fracção de assaltantes sem autoridade política. f) Uma coisa é conviver fraternalmente com camaradas e discutir entre si o que se entender; outra é permitir e incentivar a divulgação pública desse
“convívio”, com o prévio objectivo de afrontar o seu Partido e a Direcção, e estimular a sua difusão na comunicação social. g) Acresce que todas estas opiniões ofensivas, injuriosas ou caluniadoras, e tomadas de posição foram feitas ao longo do tempo reiterada e publicamente.
Em conclusão:
A não nega, antes confessa em diversos pontos, o conjunto de afirmações públicas que claramente são expressão, não apenas da assumida contestação das orientações do Partido, como encerram explícitas e graves ofensas e calúnias à Direcção do Partido. Como também não nega, antes confirma, a sua participação e papel promotor em várias iniciativas públicas. A negação da acusação de que esse comportamento é atentatório da unidade e coesão que estatutariamente é seu dever defender é desprovida de fundamento. De facto, as regras e normas estatutárias que como membro do Partido aceitou e que está vinculado a respeitar são as que se encontram aprovadas e consagradas nos Estatutos e não as que resultam das interpretações pessoais que delas pretende fazer, como, aliás, defendeu em declarações aos jornais “Jornal de Notícias” e “O Liberal”, vigorando o mesmo articulado no que a este tipo de comportamentos se refere (“é condenável que militantes se exprimam fora do Partido” – JN de 18.01.88 – “...tinha o direito a defender, como aliás o fez no interior do Partido as opiniões que tem exprimido publicamente, o que já não tinha era o direito de, enquanto militante fazer campanha contra o Partido”;
“...tem a qualidade de membro do PCP e deveria inserir a sua actividade e intervenção no funcionamento do Partido e não colocar-se cada vez mais à margem e numa posição crítica e até hostil à orientação e Direcção do PCP. Os militantes do PCP têm muitos direitos mas também têm deveres e um deles é respeitar a vontade do colectivo... não o faz e este é um problema essencial. Não é legítimo que haja alguns militantes que se consideram figuras especiais com direito a estatuto especial que lhes permite não respeitar as regras do Partido.”, “O Liberal” de 20.01.90.) Não pode, pois, ter acolhimento o que refere nos pontos 32 e seguintes até final da sua resposta.
Para além do mais, porque:
a) Não podendo A ignorar que toda e qualquer posição pública que afronta a orientação do Partido nunca deixou de ser aproveitada para denegrir a imagem, deturpar as propostas, fragilizar a força e minar a coesão do Partido, não se aceita, porque não se entende nem é curial, a afirmação de que rejeita especialmente que os seus actos estão inseridos na campanha contra o Partido.
b) A actividade do Partido é um direito além de um dever. Mas qualquer deles por aceitação dos Estatutos implícita e declarada no acto de adesão ao Partido tem de ser exercido no âmbito das regras estatutárias previstas. O cumprimento destas regras de modo algum estiola ou aniquila o direito e o dever de participação na vida interna, pelo contrário incita-o e enriquece-o.
c) Não estão em causa, nunca estiveram, nem estarão no Partido Comunista Português, delitos de opinião, desde logo porque toda a opinião é bem vinda desde que contribua para a discussão e para melhorar a conclusão. Só que todas as opiniões devem ser tidas com os camaradas que no Partido, organizados do modo estatutariamente previsto, podem ouvir, pensar sobre elas, apresentar as suas, e em conjunto, tomar a melhor decisão em benefício do Partido.
d) Na sua vida interna e nas propostas que apresenta ao povo português, o Partido teve e tem sempre em conta os avanços que a sua contribuição dá ao seu desenvolvimento e aprofundamento da democracia.
e) As ofensas, inverdades, deturpações de posições políticas do Partido tidas pública e reiteradamente, não se compaginam com a conduta eticamente responsável perante o Partido e a sociedade, que é aceite e levada à prática pelos militantes.
f) Se esta realidade de afrontamento, ofensas e inverdades, que resulta de declarações e artigos vindos a público na comunicação social, reiterada e insistentemente, não quebra os laços de solidariedade, fraternidade, lealdade e camaradagem, então estas não seriam mais do que palavras vãs, sem significado.
12. Atendendo aos factos imputados, ao comportamento reiterado e público, às responsabilidades que resultam da sua vida partidária, e considerando os argumentos apresentados no processo de audição e ainda,
- Considerando que estas práticas se tornam particularmente graves na medida em que, pelas altas responsabilidades que desempenhou no Partido, não só conhece bem os deveres e os direitos dos membros do Partido, como participou na sua elaboração e aprovação;
- Considerando que o PCP é um Partido de homens e mulheres livres comprometidos voluntariamente na luta por objectivos comuns consubstanciados no seu Programa, de acordo com regras voluntariamente assumidas e consagradas nos seus Estatutos;
- Considerando que, ao contrário do pretendido, não estamos perante simples e normais questões de opinião ou da sua episódica expressão pública, mas de comportamentos e actividades, que, com carácter sistemático e prolongado, violam frontalmente a ética, os princípios e as normas estatutárias de vida do PCP;
- Considerando que os reiterados apelos do Comité Central e dos Organismos executivos para cessar as actividades e afrontamentos aos princípios e normas fundamentais do Partido, não só não obtiveram resposta, como veio a declarar publicamente ser sua intenção prosseguir no inadmissível caminho, tendo feito apelo a outros membros do Partido para igualmente o fazer;
- Considerando que os Estatutos e a aplicação das suas normas, designadamente em matéria disciplinar, não têm por parte da Direcção uma visão rígida e mecânica, ao contrário, insere-se na sua obrigação estatutária de “ser vigilante em relação a actividades contra o Partido” (artº 25º, n)).
- Ouvidos e considerados os depoimentos dos membros do Partido indicados na resposta à nota de audição prévia.
Entende-se que a actividade e a conduta deste membro do Partido violam claramente a alínea a), do artº 14º, conjugado com o artº 9º; alínea c) do mesmo artigo; as alíneas b) e n) do artº 14º; alínea e), do nº 2 do artº 16º, conjugada com os artºs 27º, nº 1, 2 e 3 e 31º nº 2; alínea h), do nº 2 do artº
16º; o artº 20º; a manifesta ultrapassagem do direito e do dever de expressar as suas opiniões previsto no artº 15º, al. a) dos Estatutos aprovados pelo XV Congresso e em vigor; pelo que o Secretariado do Comité Central, no âmbito das suas competências estatutárias com a colaboração da Comissão Central de Quadros e articulação com a Comissão Política, decide, ponderados os factos, a resposta, as circunstâncias e as responsabilidades:
a) Aplicar a sanção disciplinar da alínea d) do nº 2 do artº 63º dos Estatutos do PCP – expulsão do Partido – a A.
b) Submeter a medida disciplinar à ratificação da Comissão Central de Controlo e propor a sua publicitação, no âmbito das competências que lhe foram delegadas pelo Comité Central, ao abrigo do nº 4 do artº 63º e do artº 68º
Lisboa 19 de Julho 2002
O Secretariado do Comité Central
do Partido Comunista Português”
M – Nos termos da notificação, a transcrita Resolução não vinha assinada.
N - A notificação desta resolução vinha acompanhada de uma página 7 (a Resolução ocupava 6 páginas) com os seguintes dizeres:
“NOTA: Alterações a atender em caso de as testemunhas serem ouvidas ou se recusarem a comparecer.
1 - No caso de recusa a comparecer
11. Por carta de 12 de Julho de 2002, A enviou a sua resposta, entretanto por ele tornada pública antes de recebida no Partido, à Nota para audição prévia que lhe havia sido dirigida, declarando ter ficado sem sentido a reunião para que havia sido convocado e solicitando que fossem ouvidos três membros do Partido. Convocados através de telefonemas e telegramas enviados para a residência e local de trabalho, não compareceram, apesar de lhes ter sido indicado três dias alternativos.
2 – No caso comparecerem
Introduzir após o último considerando e antes do “entende-se que a actividade...”:
- Ouvidos e considerados os depoimentos dos membros indicados na resposta à nota de audição prévia.”
O – O impugnante B foi notificado da seguinte resolução do Secretariado do Comité Central do PCP, de 19/7/02, cujos dizeres são idênticos aos da resolução supra transcrita, relativa a A, e se dão aqui por repetidos, nos nºs 1 a 10:
“11 – Em carta de 15 de Julho de 2002, B respondeu à Nota para audição prévia que lhe havia sido enviada, nela referindo que o encontro para o qual fora convocado havia perdido sentido.
Na sua resposta, B nada diz em concreto sobre o seu comportamento e os factos que constam da Nota para audição prévia, limitando-se a negá-los, a expressar a sua opinião contra o presente processo e a tecer algumas considerações de ordem geral sobre o Partido.
Efectivamente:
Nada diz sobre o deliberado confronto público com a orientação e a Direcção do Partido que resultam de declarações aquando de uma iniciativa na FIL, em Lisboa, em 06 de Abril de 2002, sendo ainda membro do Comité Central do Partido, designadamente quando afronta publicamente o funcionamento e a organização interna do Partido; bem como nada diz relativamente aos apelos à participação de outros membros do Partido na iniciativa.
Também nada refere quanto à afirmação de arrogância, ódio e intolerância que ofende os seus camaradas que integram o Comité Central aos quais é dirigida, bem como à referência que fez ao modo como decorreu uma reunião do Comité Central com “manifestações de ódio, intervenções insultuosas e ofensivas da inteligência e bom convívio”.
E nada diz também sobre as ofensas à Direcção quando afirma que “a postura da actual Direcção é de preferir inimigos internos...é sectária e fechada” e a acusa de “asfixiar e esmagar” as opiniões divergentes”.
Nem sobre a injúria à Direcção do partido quando afirmou que esta
“foi tomada de assalto por uma clique de dirigentes”.
Bem como sobre as declarações de desvalorização da conferência Nacional do PCP e as caluniosas afirmações sobre a Direcção e o aproveitamento que desta iria fazer no seu seguimento.
E, finalmente, omite qualquer referência ao facto de ter divulgado questões reservadas da vida interna do Partido.
Acresce que todas estas opiniões ofensivas, injuriosas ou caluniosas, e tomadas de posição foram feitas ao longo do tempo reiterada e publicamente.
Na verdade,
(seguem-se alíneas a) a f) e considerandos do nº 12 idênticos aos que constam da resolução supra transcrita respeitante a A)
12
............................................................................................................
Entende-se que a actividade e a conduta deste membro do Partido violam claramente a alínea a), do artº 14º, conjugado com o artº 9º; a alínea c) do mesmo artigo; as alíneas b) e n) do artº 14º; alínea e), do nº 2 do artº 16º, conjugada com os artºs 27º, nº 1, 2 e 3 e 31º, nº 2; alínea h), do nº 2 do artº
16º, o artº 20º; a manifesta ultrapassagem do direito e do dever de expressar as suas opiniões previsto no artº 15º, alínea a) dos Estatutos aprovados pelo XV Congresso e em vigor; pelo que o Secretariado do Comité Central, no âmbito das suas competências estatutárias com a colaboração da Comissão Central de Quadros e articulação com a Comissão Política, decide, ponderados os factos, a resposta, as circunstâncias e as responsabilidades
a) Aplicar a sanção disciplinar da alínea d) do nº 2 do artº 63º dos Estatutos do PCP – expulsão do Partido – a B.
b) Submeter a medida disciplinar à ratificação da Comissão Central de Controlo e propor a sua publicitação, no âmbito das competências que lhe foram delegadas pelo Comité Central, ao abrigo do nº 4 do artº 63º e do artº 68º.
Lisboa, 19 Julho 2002
O Secretariado do Comité Central
do Partido Comunista Português”
P – O impugnante C foi notificado da seguinte resolução do Secretariado do Comité Central, de 19/7/02, cujos dizeres, nos pontos 1 a 10, são idênticos aos dos mesmos números da resolução supra transcrita relativa a A e que se dão aqui por repetidos:
“11. Veio C reagir à Nota para audição prévia datada de 3 de Julho de 2002, transmitindo a sua posição através de carta datada de 7 de Julho de 2002, por ele tornada pública antes de ser recebida no Partido, e declarando não fazer sentido o encontro agendado.
Na referida carta, além das considerações desajustadas, infundamentadas e ofensivas dos pontos 1, 2, 7 e 9, no seguimento aliás de outras declarações feitas à comunicação social e que constituíram alguns dos factos que já constavam da Nota de audição prévia, nada diz que, em concreto, possa servir de justificação do seu comportamento ou de negação dos factos que lhe foram apontados e estão na origem do presente processo.
Na verdade,
(seguem-se as alíneas a) a f) e considerandos do nº 12 de teor idêntico aos que constam da resolução respeitante a A, que se dão aqui por repetidos)
“Entende-se que a actividade e a conduta deste membro do Partido violam claramente a alínea a), do art. 14°, conjugado com o art. 9°; a alínea c) do mesmo artigo e a alínea b) conjugada com os artºs 16°, 2, al. e) e 31°, n° 2; a alínea n) do referido art. 14° conjugado com o art. 20°; a manifesta ultrapassagem do direito e do dever de expressar as suas opiniões previsto no art. 15°, al. a) dos Estatutos aprovados pelo XV Congresso e em vigor; pelo que o Secretariado do Comité Central, no âmbito das suas competências estatutárias com a colaboração da Comissão Central de Quadros e articulação com a Comissão Política, decide, ponderados os factos, a resposta, as circunstâncias e as responsabilidades :
a) Aplicar a sanção disciplinar da alínea c) do n° 2 do art.
63º dos Estatutos PCP - suspensão da actividade partidária pelo período de 10 meses - a C.
b) Submeter a medida disciplinar à ratificação do Comité Central.
Lisboa, 19 Julho 2002
O Secretariado do Comité Central
do Partido Comunista Português”
Q – Da reunião de 19/07/02 do Secretariado do Comité Central do PCP foi elaborada a seguinte acta:
“ACTA
No dia dezanove do mês de Julho do ano dois mil e dois, reuniu o Secretariado do Comité Central do Partido Comunista Português, na sede central sita em..., com a presença de sete dos seus nove membros.
A reunião foi dirigida por ....
Da ordem de trabalhos constava um único ponto: análise da situação do Partido e comportamento de alguns dos seus membros.
Foram tomadas por unanimidade as decisões de expulsar do Partido, A e B e a decisão de suspender das actividades partidárias por dez meses, C com os fundamentos das resoluções em anexo.
Igualmente foi decidido sujeitar as sanções de expulsão e respectiva fundamentação à ratificação da Comissão Central de Controlo e propor a sua publicitação e dar conhecimento da decisão da suspensão das actividades partidárias por dez meses a C, de harmonia com o artigo 63° dos Estatutos.
Foi ainda decidido informar da decisão, a ser ratificada pelo Comité Central, da
sanção aplicada a C.
Com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo Secretariado, vai a presente acta ser assinada com voto de conformidade pelos membros que a dirigiram.
(assinada)”
R - Em 19/07/02, reuniu a Comissão Central de Controlo do PCP, tendo sido elaborada a seguinte acta:
“ACTA
No dia dezanove do mês de Julho do ano dois mil e dois, reuniu a Comissão Central de Controlo do Partido Comunista Português, na sede central, sita , em
..., com a presença de sete dos seus onze membros. A reunião foi dirigida por ... Da ordem de trabalhos constava um único ponto: análise das resoluções do Secretariado do Comité Central sobre as sanções a aplicar aos membros do Partido, A, B e tomada de conhecimento sobre a decisão da sanção a aplicar a C. Com base na competência delegada pelo Comité Central na sua reunião de 3 e 4 de Fevereiro de 2001, nos termos do art. 63°, nº3 e art. 68°, dos Estatutos, foi decidido por unanimidade ratificar as decisões de expulsar do Partido A, B e proceder à sua publicitação. A Comissão Central de Controlo tomou conhecimento da decisão de suspender das actividades partidárias por dez meses C Com base nos poderes que lhe foram conferidos pela Comissão Central de Controlo, vai a presente acta ser assinada com voto de conformidade pelo membro que a dirigiu.
(assinada)”
S - Em 24/08/02, A recorreu para o Comité Central do PCP da sanção que lhe fora imposta, dizendo no seu recurso:
“Em 19 de Julho de 2002 o Secretariado do Comité Central notificou-me de que, na sequência do processo que tinha decidido mover-me, deliberara aplicar-me a sanção de expulsão do PCP, de que essa deliberação havia sido ratificada pela Comissão Central de Controlo e de que este órgão tinha também autorizado a publicitação dessa sanção, no quadro das competências delegadas pelo Comité Central. E solicitou a devolução do meu cartão de membro do PCP.
Apesar de entender que essa notificação esgotou qualquer margem de recurso interno, por mera cautela venho interpor recurso do seu teor junto do Comité Central.
Como fundamentos para este recurso reproduzo, basicamente, as razões que contrapus à nota de acusação que me foi enviada pelo Secretariado do Comité Central.
Assim [segue-se um texto que é, praticamente ipsis verbis, o que consta dos n.ºs 1 a 57 da resposta supra transcrita em D]:
...........................................................................................................................
60. Requeri ainda que fossem ouvidas à matéria da minha defesa os camaradas J, M, e N.
61. Ora os depoimentos das testemunhas não resultaram de qualquer interrogatório dirigido aos concretos pontos da matéria de facto a que tinham sido oferecidos;
62. nem foram os depoimentos produzidos consignados em acta, de cujo teor tenha sido dado conhecimento às testemunhas e que estas tenham assinado;
63.ou seja, tanto se dá como se deu: ouvir ou não as testemunhas foi acto irrelevante para o processo de formação e, mesmo, formalização da vontade de punir .
64.A inadmissível actuação do Secretariado do Comité Central foi ainda levada mais longe.
65. A página 7 da decisão sancionatória ficará para a história das liturgias punitivas,
66.e constituirá um motivo de profundo desprestígio do Secretariado do Comité Central e dos seus membros.
67. Recordo que a notificação da resolução do Secretariado do Comité Central que me puniu com a sanção de expulsão foi composta por 7 (sete) páginas.
68. Da página 1 à página 6 é transcrita a Resolução.
69. Na página 7 consta uma «Nota», que contém duas alternativas:
a) a primeira, para hipótese de testemunhas as comparecerem;
b) a segunda, para a hipótese de as testemunhas recusarem comparecer. .
70. Para a hipótese de recusa de comparência, o autor do texto sugere um texto justificativo da não audição das testemunhas.
71. Para a hipótese de as testemunhas comparecerem, o autor do texto ordena que se introduza «após o último considerando e antes do 'Entendendo-se que a actividade [...]”, a seguinte frase: «ouvidos e considerados os depoimentos dos membros indicados na resposta à nota de audição prévia» .
72. Ora, compulsada a Resolução do Secretariado do Comité Central verifica-se que no 5° parágrafo da página 6 se escreveu, exactamente, a frase contida na ordem ou recomendação do autor do texto e lá se lê: «ouvidos e considerados os depoimentos dos membros do Partido indicados na resposta à nota de audição prévia» .
73. Ou seja, a recomendação foi cumprida.
74.O que significa que:
a) a decisão estava tomada antes da reunião do órgão que deliberou;
b) a decisão estava tomada antes de serem ouvidas as testemunhas;
c) fosse qual fosse o conteúdo dos depoimentos das testemunhas a decisão não era modificável.
75. Esta ridícula exibição da destruição dos direitos de defesa e consumada violação de uma garantia mínima consignada no Art. 32°, n.º 10 da Constituição, só por si e sem mais é razão suficiente de nulidade da sanção.
76. Acresce que na fundamentação ulterior da sanção foram invocados factos novos que não constam da nota de acusação que me foi enviada pelo Secretariado do CC.
77. Bastaria a existência desse acrescento à 'Nota para audição prévia...' para provocar a nulidade da sanção.
78. Acontece porém que esses factos são completamente falsos,
79. e por elementar amor à verdade eu não quero que fiquem sem resposta.
80. Não é verdade que eu tivesse tido responsabilidades no atraso do pagamento das minhas cotizações no período posterior ao 'Novo Impulso'.
81. É sim verdade que, apesar de na altura desempenhar funções da mais elevada responsabilidade, pois era membro da Comissão Política do Comité Central, eu fui ilegitimamente impedido pelo Secretariado do CC de pagar as minhas cotizações no organismo de base em que decidi passar a estar também integrado de acordo com a orientação aprovada pelo Comité Central do PCP na sua reunião de 14 e 15 de Fevereiro de 1998 (Novo Impulso);
82. apesar das repetidas reclamações que apresentei junto do Secretário geral do Partido no sentido dessa orientação do CC ser acatada (como devia ser), a realidade é que não foi.
83. Vi-me por isso na necessidade de proceder ao pagamento das minhas cotizações através do próprio Secretário Geral, para não dar pretexto aos responsáveis pelo incumprimento da orientação do CC de virem depois acusar-me de não estar a cumprir um meu dever básico de militante.
84. Junto cópia da carta que entreguei ao Secretário-Geral em 28 de Setembro de
2000 em que este inacreditável caso é relatado e que fiz acompanhar do cheque através do qual paguei as cotizações referentes ao período posterior ao 'Novo Impulso' e até ao final do ano 2000;
85. é elucidativo que apesar das diversas insistências realizadas directa e indirectamente junto do Secretariado do CC, até hoje não me foi entregue o recibo desse pagamento (cuja importância foi efectivamente levantada da minha conta bancária em 30 de Novembro de 2000).
86. É falso que seja da minha responsabilidade não ter ainda na minha posse o novo modelo de cartão.
87. A verdade, sim, é que o Secretariado do CC faz o mal e a caramunha: o cartão de membro do Partido de que sou o titular número 32, não tem qualquer indicação de limite de validade;
88. do mesmo modo que o Secretariado do CC impediu que eu fosse convocado para qualquer reunião do organismo de base em que fiquei integrado desde meados de Dezembro de 2000, não permitiu também que eu fosse convocado ou simplesmente avisado para levantar o novo cartão que diz (agora) que emitiu em meu nome.
89. Também é falso que tenha recusado ter qualquer contacto com o Secretariado do CC.
90. É sim verdade que no dia 23 de Novembro de 2001 fui contactado telefonicamente por ... dizendo que queria 'falar comigo', embora sem indicar a finalidade desse propósito;
91. ao que eu lhe respondi que não aceitava tratar nada com a Direcção do Partido por intermédio dele, por ele ser um dos principais responsáveis pela vergonhosa campanha de mentiras, calúnias e outros ataques dirigidos contra membros do Partido (de que eu também tinha sido e sou alvo) e por toda a actividade fraccionária que desde 1998 dominou toda a vida partidária do PCP;
92. mais lhe disse - como era meu elementar direito - que a Direcção indicasse outro elemento para tratar comigo o que tivesse para tratar.
93. É falso que tenha sido convocado para participar em qualquer reunião preparatória da Conferência Nacional do PCP bem como para a assembleia plenária da organização de base a que pertence desde meados de Dezembro de 2000.
94. É também falso que nunca tenha frequentado o centro de trabalho em que está sediada a organização a que pertenço.
95. É igualmente falso que não tenha comparecido a qualquer reunião da organização a que pertenço para a qual tenha sido convocado.
96. É ainda falso que me tenha recusado a integrar a organização a que pertenço.
97. O que é verdade é que o Secretariado do CC impediu a minha convocação para qualquer reunião do organismo de base em que passei a estar integrado desde Dezembro de 2000, depois de me demitir da Comissão Política e do Comité Central: a organização da ciência, tecnologia e ambiente (sector dos quadros técnicos) , em que participam os engenheiros comunistas do Sector Intelectual de Lisboa.
98. O que é verdade é que, seis meses depois de eu ter sido integrado nesta organização de base pela camarada L (à altura membro da Direcção da Organização Regional de Lisboa, responsável das questões de organização na direcção do Sector Intelectual de Lisboa e funcionária do Partido), o Secretariado do CC desenvolveu uma manobra para tentar marginalizar-me para uma organização em que sabia que eu não tinha qualquer possibilidade de participar, negando-me dessa maneira e na prática o direito à participação no Partido;
99. para esse efeito o Secretariado do CC, através do mesmo e atrás referido Domingos Abrantes e que faz a ligação ao Secretariado da DORL, fez chegar a um elemento da Comissão de Freguesia da Ajuda a falsa informação de que eu estaria
' desorganizado ' .
100. Quando esse elemento me contactou telefonicamente em 24 de Maio de 2001, esclareci-o de que já estava integrado no Sector dos Quadros Técnicos do Sector Intelectual de Lisboa e que não tinha sequer qualquer possibilidade de partilhar essa militância de base com qualquer trabalho local, mesmo que fosse de natureza eventual.
101. Esse elemento nunca mais voltou a contactar-me, nem recebi qualquer convocatória da organização local, o que achei perfeitamente normal em função do esclarecimento que eu lhe tinha dado .
102. Dei conhecimento do insólito facto e da minha interpretação dos acontecimentos ao responsável da minha organização, o camarada engenheiro Francisco Brandão, através da carta que lhe entreguei no dia 14 de Dezembro de
2001;
103. e por informação que o próprio me deu, soube que essa carta foi entregue a
Y, actual responsável do Sector Intelectual de Lisboa, membro da DORL e do seu Secretariado, e do Comité Central.
104. As minhas cotizações referentes ano 2001 foram pagas na organização de base a que pertenço, através do seu responsável, o já referido camarada Francisco Brandão, e pouco tempo depois desse pagamento o seu valor foi levantado da minha conta bancária.
105. É também verdade que no dia 12 de Junho de 2002 recebi com surpresa uma carta registada com aviso de recepção contendo um folheto assinado pela
'Comissão de Freguesia da Ajuda' informando da realização de um 'plenário de militantes da freguesia' no dia 15 do mesmo mês.
106. É sim também verdade que apesar da desinformação e do erro em que lavrava a
'Comissão de Freguesia da Ajuda' ao enviar-me (ou alguém que utilizou o seu nome), resolvi tratar o assunto como se tratasse de um simples lapso .
107. É por último também verdade que eu respondi a essa 'convocatória' que erradamente me tinha sido dirigida, através de carta registada com aviso de recepção que enviei logo no dia seguinte (13 de Junho de 2002) da cidade do Porto, onde me encontrava.
108. Nessa carta além dos esclarecimentos e comentários que entendi produzir, informei a referida 'Comissão de Freguesia' que não podia participar na assembleia que iam realizar porque pertencia a outra organização de base e ninguém podia (obviamente) participar em duas.
109. E por ser verdade o que se afirma nos pontos anteriores junto cópia da carta que em 14 de Dezembro de 2001 entreguei ao camarada Francisco Brandão, responsável da organização partidária em que estou integrado desde Dezembro de
2000, onde são feitas referências concretas às matérias referidas;
110. assim como junto cópia da carta que em 13 de Junho de 2002 enviei à Comissão de Freguesia da Ajuda do PCP;
111. e cito como testemunhas do que afirmo a camarada L e o camarada F.
112. Mas tal é a sanha persecutória do Secretariado do CC que quer os artigos de opinião e as entrevistas dadas 'antes da decisão de expulsão' quer as dadas 'Já depois' são utilizadas como argumento sancionatório. . .
Com todos estes fundamentos entendo serem inválidas as razões que determinaram a aplicação da sanção de expulsão quer por razões de natureza constitucional, quer legal, quer estatutária.
Mas, mais que isso, entendo que a sanção que me foi aplicada viola os Estatutos do Partido, impede o normal exercício do direito de participação e ofende direitos, nomeadamente ao bom nome e à livre expressão de opinião, de que como cidadão e como comunista nunca prescindirei.
Por todas estas razões deve o Comité Central admitir este recurso e revogar a deliberação do Secretariado do CC e a ratificação da Comissão Central de Controle e concomitantemente, publicitar essa revogação.
Solicito que este meu recurso seja levado ao atempado conhecimento de todos os membros do Comité Central,
T - Em 21 de Setembro de 2002 o Comité Central do PCP deliberou, nos seguintes termos sobre o recurso interposto pelo A :
“O Comité Central, reunido em sessão plenária no dia 21 de Setembro de 2002 para apreciar e deliberar sobre o recurso de A, tendo em conta
. a Nota para audição prévia;
. a Resposta a essa Nota;
. a prova produzida no processo disciplinar;
. a deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a A a sanção de expulsão;
. a deliberação da Comissão Central de Controlo que ratificou a sanção;
. a fundamentação do recurso apresentado por A
. o Relatório sobre o recurso apresentado que faz parte integrante desta resolução,
Delibera
1 - Rejeitar o recurso confirmando a deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a A sanção de expulsão prevista no artigo 63° n° 2 alínea d) dos Estatutos e, consequentemente, a deliberação da Comissão Central de Controlo através da qual foi ratificada a sanção aplicada.
2 - Proceder à publicitação da presente deliberação.
U - O Relatório anexo a esta deliberação expressava-se nos seguintes termos:
“Documentos em análise:
1. Nota para audição prévia
2. Resposta a essa Nota
3. A prova produzida no processo disciplinar
4. Deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a A a sanção de expulsão
5. Deliberação da Comissão Central de Controlo que ratificou a sanção
6. Fundamentação do recurso apresentado por A
a) A indicou testemunhas, mas não especificou a que factos deveriam as mesmas ser perguntadas. Na resposta à nota para audição prévia A não impugnou a veracidade da grande maioria dos factos constantes daquela nota, sendo certo que em relação aos factos que considera incompletos, os aditamentos que introduziu não alteram o significado do que consta da Nota para audição prévia. As testemunhas não podem ser perguntadas sobre conceitos conclusivos, os quais proliferam na Resposta apresentada. As testemunhas depuseram sobre aquilo de que diziam ter conhecimento. Na fundamentação do recurso não se contesta a veracidade da recolha da prova. Assim, não existem vícios na recolha da prova testemunhal, e não tem fundamento a afirmação constante da fundamentação do recurso de que a decisão já estava tomada antes de as testemunhas serem ouvidas.
b ) A deliberação sancionatória é composta por 6 páginas. A 7ª página fazia parte de um rascunho, documento preparatório do documento final. Da mesma não se pode tirar a conclusão constante da fundamentação do recurso. Assim, da mesma não resulta que a decisão já estivesse tomada antes das testemunhas serem ouvidas.
c) Salvo no que diz respeito à parte dos pontos 83 e 85 da fundamentação do recurso que corresponde à última parte do Ponto 14 da Resposta à Nota para audição prévia, os pontos 76 a 111 que contêm factos novos (que não têm qualquer correspondência na Resposta à nota para audição prévia, e aliás, sem qualquer correspondência com a própria Nota para audição prévia e com a deliberação sancionatória). Nestes termos, não têm que ser tomados em consideração em sede de apreciação de recurso.
d) A juntou, com o recurso, 3 documentos para prova dos factos novos constantes dos pontos 76 a 111. Tais documentos não podem ser considerados, porque com eles se pretende provar factos que já não podem ser considerados.
e) Indica também na fundamentação do recurso, testemunhas para prova dos factos novos. Pelos mesmos motivos constantes da alínea anterior não pode considerar-se o oferecimento dessa prova testemunhal.
f) Estão provados os factos constantes da Nota para audição prévia, na grande maioria confessados na Resposta a essa Nota, e os factos restantes não foram infirmados por A.
g) Assim está provado que A em órgãos de comunicação social e em duas iniciativas constituídas por dois jantares, actuou em oposição frontal aos Estatutos do Partido, alterando e subvertendo características fundamentais da orgânica partidária; distorceu gravemente a orientação e prática do Partido; injuriou o Congresso, o Comité Central e os órgãos dirigentes do Partido por este eleitos; caluniou a Direcção do Partido; entrou em deliberado confronto com a orientação e Direcção do Partido; desqualificou a Conferência Nacional do PCP; animou e alimentou campanhas públicas contra o Partido; deturpou, desrespeitou e afrontou orientações e decisões do XVI Congresso e de organismos executivos do Comité Central; tentou impor na prática fracções organizadas no Partido; actuou em manifesta ultrapassagem do direito e do dever, consagrados nos Estatutos, de qualquer membro do Partido expressar as suas opiniões no quadro do funcionamento democrático do Partido, conforme vem consagrado no artigo 15° dos Estatutos.
h) Ao contrário do que afirma, A não foi sancionado por delitos de opinião precisamente porque, no quadro estatutário, está consagrado amplamente o direito de cada militante expressar livremente a sua opinião, de fazer críticas e propostas dentro do Partido, sendo certo que os Estatutos do PCP consagram especiais garantias para o exercício desse direito - vide artigo 20° dos Estatutos.
i) A sanção não foi aplicada a A por ter exercido os seus direitos dentro do quadro estatutário, mas por ter minado a coesão e a unidade do Partido através de um deliberado confronto com o mesmo, bem revelado nos factos provados.
j) O próprio A trouxe aos autos provas de que, quando exerceu o seu direito dentro do quadro estatutário, ainda que em termos até insultuosos, nenhuma acção disciplinar lhe foi movida.
k) Agrava o comportamento de A o facto de ter ignorado os reiterados apelos do Comité Central e dos organismos executivos para que deixasse tais práticas.
I) A, após os reiterados apelos do Comité Central, continuou a causar graves prejuízos ao Partido na sua imagem, prestígio e influência, na sua unidade e coesão política, ideológica e orgânica.
m) Para se ser membro do Partido Comunista Português torna-se necessário aceitar o seu Programa e os seus Estatutos, nos termos do artigo 9° dos Estatutos.
n) Os factos provados demonstram que A violou
. o dever previsto no artigo 14° al. c) dos Estatutos - dever de defender a unidade e coesão do Partido
. o dever de reforçar a organização, prestígio e influência do PCP, previsto no artigo 14° al. b) dos Estatutos
. o dever de ter uma conduta eticamente responsável para com o Partido - artigo
14° al. n) dos Estatutos
. o dever de cumprir as decisões tomadas por maioria – alínea e) do nº 2 do artº 16º dos Estatutos – por remissão para o artigo 27º nºs 1, 2 e 3 e para o artigo 28º dos mesmos Estatutos
. o dever de actuar em conformidade com os Estatutos – al. a) do artigo 14º.”
V - Em 24/08/02, B igualmente recorreu para o Comité Central do PCP da sanção que lhe fora imposta, dizendo no seu recurso:
“Em 19 de Julho de 2002 o Secretariado do Comité Central notificou-me de que, na sequência do processo que tinha decidido mover-me, deliberara aplicar-me a sanção de expulsão do PCP, de que essa deliberação havia sido ratificada pela Comissão Central de Controlo e de que este órgão tinha também autorizado a publicitação dessa sanção, no quadro das competências delegadas pelo Comité Central. E solicitou a devolução do meu cartão de membro do PCP .
Apesar de entender que essa notificação esgotou qualquer margem de recurso interno, por mera cautela venho interpor recurso do seu teor junto do Comité Central.
Como fundamentos para este recurso reproduzo, basicamente, as razões que contrapus à nota de acusação que me foi enviada pelo Secretariado do Comité Central.
Assim [segue-se texto idêntico ao que consta dos n.ºs 1 a 8 da resposta transcrita em H]
...................................................................................................................
9. Acresce que na fundamentação ulterior da sanção foram invocados factos novos que não constam da nota de acusação que me foi enviada pelo Secretariado do CC. Bastaria a existência desse acrescento à 'Nota para audição prévia...' para provocar a nulidade da sanção. Acontece porém que esses factos, muitos deles mesquinhos, são completamente falsos.
É completamente falsa a acusação de que me auto-afastei da vida e das actividades partidárias.
É completamente abusivo deduzir que a minha demissão do Comité Central se inscreveu num processo de auto-afastamento da vida partidária quando se sabe que tal demissão significou antes uma forma de protesto contra sanções que me iriam ser aplicadas por delitos de opinião e o clima de afrontamento e até de ódio em que a discussão estava a decorrer. Mas mais, ao considerar que a demissão do Comité Central se insere num processo de auto-exclusão, é incorrer num processo abusivo de intenções e significa, objectivamente, desvalorizar a militância que se exerce em todos os outros órgãos e estruturas orgânicas do PCP . Não é verdade que deixei de participar nas reuniões da Direcção Regional do Algarve, pois estive presente nas reuniões realizadas a 13 e 20 de Abril, bem como na efectuada a 17 de Maio. As minhas faltas a algumas das reuniões realizadas da DORAL resultam do facto de serem marcadas, sob meu protesto, para dias em que antecipadamente de todos era conhecida a minha impossibilidade de participar pelo facto de estar a trabalhar em Lisboa de segunda a sexta-feira, e de me ser de todo impossível participar em reuniões marcadas para tais dias, apesar de, quando marcadas para sextas à noite, ter feito sempre um redobrado esforço para estar presente. Mais, é conhecido porque público o meu empenhamento pessoal na campanha da CDU para as eleições autárquicas, designadamente no concelho de Vila Real de Santo António, bem como a disponibilidade que sempre demonstrei para participar na reunião da Comissão de Trabalho para o Turismo, junto do CC . Não compareci a uma referida reunião de quadros onde esteve o Secretário Geral do PCP por me encontrar nessa data em Braga a tratar de assuntos de ordem pessoal, relacionados com a minha futura mudança de residência. Portanto continua a ser falsa a premissa de atribuir tal ausência a um acto premeditado de autoafastamento da vida política do PCP ;
É também falsa a afirmação de que me recusei a participar nos trabalhos preparatórios da Conferência Nacional. A não ser que ocorresse uma reunião em datas que me eram de todo, pelas razões profissionais acima indicadas, de participar, sempre demonstrei, até em declarações públicas reproduzidas nesse sentido, a disponibilidade para participar na Conferência apesar de ter uma opinião desfavorável quanto aos objectivos da mesma. Não é igualmente verdade que não tenha participado na assembleia plenária do meu organismo que tinha como objectivo proceder à eleição de delegados à conferência, pela cristalina circunstância do meu organismo (o Plenário da Direcção da Organização Regional do Algarve ) não ter realizado nenhuma reunião para eleger delegados, nem o poderia fazer porque não lhe competia eleger, em sede de organismo, qualquer delegado. Contrariamente ao que esta acusação maldosamente insinua, mas não prova, é que em matéria de participação na citada Conferência não tive, nem do Comité Central, nem dos seus organismos executivos, nem dos órgãos executivos da Direcção Regional do Algarve, qualquer convite para assistir à Conferência Nacional e muito menos fui objecto de qualquer proposta para ser eleito delegado, facto que ocorre, significativamente, pela primeira vez, na minha história como militante do PCP . Contrariamente à acusação que me é feita as opiniões que exprimi publicamente foram sempre anteriormente expressas em sede de reunião do meu organismo. Os propósitos que me atribuem de afrontamento da direcção e das decisões do XVI Congresso inscrevem-se sempre na mesma linha de considerar diferenças legítimas de opinião como manifestações espúrias e de incompreensível oposição a que o Congresso do Partido seja convocado. Para terminar deixo claro que irei, em defesa da minha honra e dos direitos que como cidadão me estão assegurados constitucionalmente, até onde puder. Disso podereis estar certos. 0 Partido julgará os responsáveis !
Com todos estes fundamentos entendo serem inválidas as razões que determinaram a aplicação da sanção de expulsão quer por razões de natureza constitucional, quer legal, quer estatutária.
Mas, mais que isso, entendo que a sanção que me foi aplicada viola os Estatutos do Partido, impede o normal exercício do direito de participação e ofende direitos, nomeadamente ao bom nome e à livre expressão de opinião, de que como cidadão e como comunista nunca prescindirei.
Por todas estas razões deve o Comité Central admitir este recurso e revogar a deliberação do Secretariado do CC e a ratificação da Comissão Central de Controle e concomitantemente publicitar essa revogação, Solicito que este meu recurso seja levado ao atempado conhecimento de todos os membros do Comité Central.
X - Sobre o recurso interposto por B, deliberou o Comité Central do PCP, em
21/09/02, o seguinte:
“O Comité Central, reunido em sessão plenária no dia 21 de Setembro de 2002 para apreciar e deliberar sobre o recurso deB, tendo em conta
. a Nota para audição prévia;
. a Resposta a essa Nota;
. a prova produzida no processo disciplinar;
. a deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a B a sanção de expulsão;
. a deliberação da Comissão Central de Controlo que ratificou a sanção;
. a Fundamentação do recurso apresentado por B;
. o Relatório apresentado sobre o recurso, que faz parte integrante desta resolução,
Delibera
1 . Rejeitar o recurso confirmando a deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a B a sanção de expulsão prevista no artigo 63° n° 2 alínea d) dos Estatutos confirmando, consequentemente, a deliberação da Comissão Central de Controlo através da qual foi ratificada a sanção aplicada.
2. Proceder à publicitação da presente deliberação.”
Z - O Relatório anexo a esta deliberação expressou-se nos seguintes termos:
“Documentos em análise:
1. Nota para audição prévia
2. Resposta a essa Nota
3. A prova produzida no processo disciplinar
4. Deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a B a sanção de expulsão
5. Deliberação da Comissão Central de Controlo que ratificou a sanção.
6 Fundamentação do recurso apresentado por B
a) No ponto 9 da fundamentação do recurso alega B factos novos que não têm qualquer correspondência com a Resposta à Nota para audição prévia, nem com esta nota ou com a deliberação que aplicou a sanção. Nestes termos, dos mesmos não se têm que tomar conhecimento, sendo certo que na decisão que aplicou a sanção não existem factos novos. b) Provaram-se os factos constantes da Nota para audição prévia, na grande maioria confessados por B, e os factos restantes não foram infirmados pelo mesmo, que, aliás, não apresentou qualquer prova. c) Provou-se, assim, que B, em órgãos de comunicação social e numa iniciativa na FIL, actuou em oposição frontal aos Estatutos do Partido, alterando e subvertendo características fundamentais da orgânica partidária; distorceu gravemente a orientação e prática do Partido; injuriou o Congresso, o Comité Central e os órgãos dirigentes do Partido por este eleitos; caluniou a Direcção do Partido; entrou em deliberado confronto com a orientação e Direcção do Partido; desqualificou a Conferência Nacional do PCP; animou e alimentou campanhas públicas contra o Partido; deturpou, desrespeitou e afrontou orientações e decisões do XVI Congresso e de organismos executivos do Comité Central; tentou impor na prática fracções organizadas no Partido; actuou em manifesta ultrapassagem do direito e do dever, consagrados nos Estatutos, de qualquer membro do Partido expressar as suas opiniões no quadro do funcionamento democrático do Partido, conforme vem consagrado no artigo 15° dos Estatutos;
d) Ao contrário do que afirma, B não foi sancionado por delitos de opinião precisamente porque, no quadro estatutário, está consagrado amplamente o direito de expressar livremente a opinião, de fazer críticas e propostas, dentro do Partido, sendo certo que os Estatutos do PCP consagram especiais garantias para o exercício desse direito vide artigo 20° dos Estatutos;
e) A sanção não foi aplicada a B por ter exercido os seus direitos dentro do quadro estatutário, mas por ter minado a coesão e a unidade do Partido através de um deliberado confronto com o mesmo, bem revelado nos factos provados;
f) O próprio B trouxe aos autos provas de que, quando exerceu o seu direito dentro do quadro estatutário, nenhuma acção disciplinar lhe foi movida.
g) Agrava o comportamento de B o facto de ter ignorado os reiterados apelos do Comité Central e dos organismos executivos para que deixasse tais práticas;
h) Após os reiterados apelos do Comité Central, B continuou a causar graves prejuízos ao Partido na sua imagem, prestígio e influência, na sua unidade e coesão política, ideológica e orgânica;
i) Para se ser membro do Partido Comunista Português torna-se necessário aceitar o seu Programa e os seus Estatutos nos termos do artigo 9° dos Estatutos;
j) Os factos provados demonstram que B violou
. o dever previsto no artigo 14° al. c) dos Estatutos - dever de defender a unidade e coesão do Partido;
. o dever de reforçar a organização, prestígio e influência do PCP, previsto no artigo 14° al. b) dos Estatutos;
. o dever de ter uma conduta eticamente responsável para com o Partido - artigo
14° al. n) dos Estatutos;
. o dever de cumprir as decisões tomadas por maioria, violando, assim, a alínea e) do n° 2 do artigo 16° dos Estatutos - por remissão para o artigo 27° n.ºs 1 ,
2 e 3 e para o artigo 28° dos mesmos Estatutos;
. o dever de actuar em conformidade com os Estatutos - al. a) do artigo 14°.”
AA – Em 21/9/02, o Comité Central do PCP proferiu a seguinte deliberação:
“O Comité Central, reunido em sessão plenária no dia 21 de Setembro de 2002 para apreciar e deliberar sobre a ratificação da sanção de suspensão por 10 meses da actividade partidária aplicada a C, por deliberação do Secretariado do Comité Central, tendo em conta
. a Nota para audição prévia;
. a Resposta a essa Nota;
. a prova produzida no processo disciplinar;
. a deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a C a sanção de suspensão por 10 meses da actividade partidária;
. o Relatório apresentado, que faz parte integrante desta deliberação, sobre o processo disciplinar
Delibera Ratificar a sanção de dez meses de suspensão da actividade partidária aplicada a C ao abrigo do artigo 63°, n.º 2 alínea c) e primeira parte do n.º 3 do mesmo artigo (aceitando a justeza dos considerandos vertidos no ponto 12 da Resolução do Secretariado de 19 de Julho de 2002 que fundamentam a sanção) porquanto a actuação de C violou as normas estatutárias referidas na deliberação do Secretariado do Comité Central.
Publicitar a presente deliberação.”
BB - Em anexo a esta deliberação consta o seguinte relatório:
“Documentos em análise:
1. Nota para audição Prévia
2. Resposta a essa Nota
3. A prova produzida no processo disciplinar Deliberação do Secretariado do Comité Central que aplicou a C a sanção de suspensão por 10 meses da actividade partidária, e proposta de ratificação da sanção.
a) Provaram-se os factos constantes na Nota para audição prévia, dos quais se conclui que C agiu:
· deturpando, desrespeitando e afrontando as orientações e decisões do XVI Congresso e organismos executivos do Comité Central;
· desferindo publicamente ataques à Direcção do Partido;
· animando e alimentando com persistência campanhas públicas contra o Partido, das quais nunca se demarcou;
· tomando a iniciativa para impor na prática fracções organizadas no Partido;
· em manifesta ultrapassagem do direito e do dever de expressar as suas opiniões no quadro partidário; tudo realizado ou produzido publicamente através dos vários órgãos de comunicação social referidos na nota em causa e dos quais nunca se demarcou, pelo contrário sempre reiterou.
b) A resposta que apresentou, datada de 07 de Julho, à Nota para audição prévia, evidencia:
. que a mesma tem um conteúdo injurioso, vertido nos pontos 1 e 2 que deixa transparecer a vontade de prosseguir a sua actuação de afrontamento a organismos do partido com os inevitáveis prejuízos para este;
. a não coincidência entre o que afirma ser a sua actuação e as razões que o movem e as graves e reconhecidas consequências na imagem, prestígio e coesão que, de facto, têm atingido o Partido de forma pública e constante;
. a mera negação dos factos referidos na Nota para audição prévia, os quais pretende sejam materializados como opiniões;
. a não assunção de que irá terminar a campanha pública contra a Direcção do Partido e as suas orientações.
c) Os factos provados integram a violação das normas estatutárias referidas na deliberação sancionatória.”
CC – Dá-se por inteiramente reproduzido o teor dos seguintes documentos juntos aos autos:
- Comunicado do Comité Central do Partido Comunista Português, de
19/1/02 (fls. 41 – Pº 739/02 – II vol.);
- Comunicado do Comité Central do Partido Comunista Português de 13 e 14 de Abril de 2002 (fls. 252 – Pº 739/02 – II vol.);
- Documento da Conferência Nacional com o título “Documento submetido à votação, no final da manhã, a propósito da convocação de um Congresso”(fls. 256 e segs. – Pº 739/02 – II vol.);
- Resolução do Comité Central do PCP de 3 e 4 de Fevereiro de 2001 que delega na Comissão Central de Controlo a ratificação da sanção disciplinar de “expulsão do Partido” e a “publicitação das sanções do Partido” (fls. 29 – Pº
554/02 – I vol.);
- Documento “Vencer as dificuldades. Por um PCP renovado e fortalecido”, de Maio de 2002, subscrito, entre outros, pelos impugnantes (fls.
35 e segs.- Pº 554/02 – I vol.);
- Carta dirigida ao Secretário Geral do PCP por A, em 7/11/2000
(fls. 52/52 – Pº 554 – I vol.)
- Carta dirigida ao Comité Central do PCP por A em 26/11/2000 (fls.
54 e segs. – Pº 554 – I vol.);
- Artigo de A ao jornal “Público”, de 2/4/02, intitulado “O Congresso” (fls. 106 – Pº 554/02 – II vol.);
- Entrevista de A ao jornal “El País”, em 2/4/02 (fls. 107 – Pº
554/02 – II vol.);
- Artigo do jornal “Público”, em 29/1/02 sobre a entrevista citada
(fls. 108 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no “Jornal de Notícias” de 29/1/02 (fls. 109 – Pº 554/02 – II vol.);
- Artigo de A, no jornal “Público”, de 19/03/02, intitulado “Na hora da verdade” (fls. 110 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no “Jornal de Notícias”, de 20/1/02, intitulada
“Renovadores pretendem insistir e criticam partido” (fls. 111 – Pº 554/02 – II vol.);
- Artigo de A, no jornal “Público”, de 11/6/02, intitulado “Santa ignorância” (fls. 112 – Pº 554/02 – II vol.);
- Entrevista de A ao jornal “Público”, em 12/4/02 (fls. 113/114 – Pº
554/02 – II vol.);
- Artigo de A, no jornal “Público”, de 30/04/02, intitulado “Debate urgente” (fls. 115 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no jornal “Expresso”, de 29/3/02, intitulada “Renovadores insistem no Congresso” (fls. 116 – Pº 559/02 – II vol.);
- Notícia no “Jornal de Notícias”, de 24/6/02, intitulada “Renovador acusa Direcção de contrariar Estatutos” (fls. 117 – Pº 554/02 - II vol.);
- Documento onde consta a audição das testemunhas oferecidas por A, J, M e N (fls. 122 a 125 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no jornal “Público”, de 8/4/02, intitulada “Renovadores temem afastamento de Carvalhas e purga interna” (fls. 153 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no jornal “Diário de Notícias”, de 24/04/02, intitulada “B arrasa Jerónimo” (fls. 155 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícias no jornal “Público”, de 15/04/02 (fls. 157/158 – Pº
554/02 – II vol.);
- Notícia no jornal “Público”, de 13/04/02 (fls. 159 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no “Jornal de Notícias”, de 14/06/02 (fls. 160 – Pº 554/02
– II vol.);
- Notícia no semanário “Visão”, de 18/04/02 (fls. 161 a 164 – Pº 554
– II vol.);
- Entrevista a Domingos Lopes no semanário “Visão”, de 18/04/02
(fls. 165 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no semanário “Semanário”, de 28/06/02, intitulada “Votação da Conferência revolta e une renovadores” (fls. 167 – Pº 554/02 – II vol.);
- Entrevista de B ao “Jornal de Notícias”, em 17/04/02 (fls. 168 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no “Diário de Notícias”, de 22/06/02, intitulada “O que espera da Conferência do PCP” (fls. 169 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia do semanário “Expresso”, de 13/04/02, intitulada “Comité Central decide expulsão de renovadores” (fls. 198 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no “Jornal de Notícias” de 08/01/02, intitulada “Confronto aberto no PCP” (fls. 199 – Pº 554/02 – II vol.);
- Entrevista de C ao jornal “Tal e Qual”, de 11/01/02 (fls. 200/201
– Pº 554/02 – II vol.);
- Artigo de C no “Diário de Notícias, de 01/02/02, intitulado “Uma exclusão desastrosa” (fls. 202 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no “Diário de Notícias”, de 15/06/02, intitulada “C quer novo Comité Central” (fls. 203 – Pº 554/02 – II vol.);
- Entrevista de C ao “Diário de Notícias”, de 13/04/02 (fls. 204 – Pº 554/02 – II vol.);
- Notícia no “Diário de Notícias, de 13/04/02, intitulada “Carvalhas resiste à ofensiva ortodoxa” (fls. 205 – Pº 554/02 - II vol.)
3.3 - O preceito ao abrigo da qual os impugnantes intentam a presente acção – o artigo 103º-D da LTC – foi aditado à Lei que regula a “organização, funcionamento e processo” do Tribunal Constitucional pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro e decorre das alterações que a revisão de 97 introduziu na Constituição, num sentido que, sendo um “sinal dos tempos”, nas palavras de Garrorena Morales (“Hacia un analisis democratico de las disfunciones de los partidos” in “Teoria y práctica de los partidos políticos”, Cuadernos para el dialogo, p. 71), se caracteriza, segundo o mesmo autor, como de “intensificação progressiva do controlo normativo e, portanto estatal, sobre os partidos políticos”.
Esta revisão, na parte que para o caso releva, aditou ao artigo 51º os nºs 5 e 6 que consagram “princípios” de organização e funcionamento dos partidos políticos (nº 5) e remetem para a lei o estabelecimento de regras de financiamento quanto aos requisitos e limites do financiamento público , bem como às exigências de publicidade do património e das contas dos mesmos partidos.
Tem para o caso especial relevância a consagração constitucional do dever dos partidos políticos de se regerem “pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democrática e da participação de todos os seus membros”.
A discussão parlamentar deste aditamento (in DAR – II-A – RC nº 24, de 19/09/96), proposto pelo grupo parlamentar do PS, elucida o que, com ele, se pretendeu.
Disse, então, o deputado R que o aditamento traduz: “(...) a transposição explícita de princípios constitucionais para a vida interna dos partidos, porque não faria sentido que algumas regras constitucionais do Estado democrático não fossem absorvidas na prática quotidiana dos partidos políticos”.
Justifica-o, igualmente, o deputado G, com “(...) a importância que os partidos políticos têm na organização do Estado e a influência que a vontade de cada um dos partidos tem dentro da arquitectura constitucional em que são inseridos.”
Assinale-se que, na mesma discussão, não foi questionada a aceitação daqueles princípios, incidindo, antes, sobre a eficácia da sua consagração
“constitucional” para a vida partidária e para o funcionamento interno dos partidos, a fiscalização da constitucionalidade das normas estatutárias dos partidos e a competência dos tribunais (do Tribunal Constitucional) para dirimir os conflitos internos dos partidos.
Note-se, ainda, que a proposta, que veio a ser aprovada, não deixa de revelar uma certa “contenção” – justificável pela auto-regulação dos partidos, também constitucionalmente garantida -, sem a imposição de regras idênticas às estabelecidas no artigo 55º nº 3 da CRP para as associações sindicais, como propunha Jorge Miranda.
Esta “contenção” veio, aliás, a ser evocada no procedimento que deu lugar à Lei nº 13-A/98, no “Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei nº 460/VII, apresentado pelo grupo parlamentar do PSD”, in DAR – II-A nº 32 de 19/02/98”, aprovado por unanimidade, onde se salientou que o artigo 51º nº 5 da CRP se reporta a
“princípios” (não a “regras”), que “permitem o balanceamento de valores e interesses consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes” e, mais adiante se realça “esta prudência do legislador constituinte”.
De todo o modo, ficou claro, no que concerne à garantia dos direitos de participação dos militantes na vida interna dos partidos, que ela decorre da
“eficácia horizontal dos direitos, liberdades e garantias”.
Tratava-se, de resto, de princípios já consagrados em lei – o Decreto-Lei nº 595/74, de 7 de Novembro – onde se impunha que a organização interna dos partidos satisfizesse as condições de (i) “não poder ser negada a admissão ou fazer-se exclusão por motivo de raça ou de sexo”, (ii) “serem os estatutos e programas aprovados por todos os filiados ou por assembleia deles representativa” e de (iii) “serem os titulares dos órgãos centrais eleitos por todos os filiados ou por assembleia deles representativa” (artigo 7º ), que os estatutos deviam “conferir aos filiados meios de garantia dos seus direitos, nomeadamente através da possibilidade de reclamação ou recurso para os órgãos internos competentes” (artigo 17º nº 1) e que o “ordenamento” disciplinar a que ficassem vinculados os filiados não podia “afectar o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres prescritos pela Constituição, por lei ou por regulamento” (artigo 19º).
Na mesma revisão constitucional, foi aditada, entre outras, a alínea h) ao artigo 223º nº 2 da CRP (antes, artigo 225º), atribuindo ao Tribunal Constitucional a competência para “Julgar as acções de impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis”.
Regra apenas de competência, a ela não caberia determinar as decisões dos
órgãos partidários impugnáveis, o que foi relegado para a lei. E, do mesmo passo, não foram aí enunciados os fundamentos de impugnação admissíveis.
Coube à citada Lei nº 13-A/98 fazê-lo, como atrás se disse, aditando à LTC, entre outros, o artigo 103º-D que estabeleceu a impugnabilidade:
- das decisões punitivas dos respectivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que o impugnante seja arguido e das deliberações dos mesmo órgãos que afectem directa e pessoalmente os direitos de participação do impugnante nas actividades do partido (nº 1);
- das deliberações dos órgãos partidários com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido (nº 2).
Trata-se de regras que, simultaneamente, dispõem sobre o objecto e fundamentos da impugnação e sobre a legitimidade dos impugnantes.
Assim, no que concerne à legitimidade, enquanto a impugnação prevista no nº 1 só pode ser deduzida pelo militante que tiver sido punido ou directa e pessoalmente afectado nos seus direitos de participação nas actividades do partido, já na que se prevê no nº 2 a legitimidade é conferida a qualquer militante sem que se exija um nexo especial entre a deliberação e o impugnante.
Por outro lado, enquanto a impugnação prevista no nº 1 pode ser deduzida “com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária”, a que se consagra no nº 2 só é admissível “com fundamento em grave violação de regras essenciais à competência ou ao funcionamento democrático do partido”.
De salientar, a este propósito, o que se escreveu no citado “Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”:
“Esta prudência do legislador constituinte [reporta-se ao aditamento do nº 5 ao artigo 51º da CRP] não deve esquecer-se na interpretação da alínea h) do artigo
223º da Constituição, introduzida na 4ª revisão constitucional.
É sob a forma de uma norma processual que se vem estabelecer que haverá impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis. O legislador constituinte deixou, assim, para a lei a tarefa de determinar que eleições e que deliberações de órgãos de partidos políticos seriam recorríveis. Tendo em conta o que atrás se deixa dito quanto às cautelas do legislador constituinte ao consagrar apenas princípios no nº 5 do artigo 51º , e as razões de tais cautelas, também na consagração de competências do Tribunal Constitucional (que levam a definir regras jurídicas) deverão ser ponderados os limites das mesmas, por forma que, através de uma norma processual, se não vá exercer controlo sobre a actividade política dos partidos, o que contraria o estatuto dos mesmos. Ou seja: o que limitaria a organização da vontade popular e a expressão dessa mesma vontade”.
E, mais adiante:
“As normas do projecto devem ser expurgadas de soluções excessivas, como acontece com a possibilidade de impugnação de deliberações com base em vícios de forma e violação de normas procedimentais”
Foi na decorrência desta observação que veio a ser aprovada uma proposta de alteração do PS e do PSD ao que se propunha para o nº 2 do artigo 103º-D
(impugnação com fundamento em vícios de forma ou violação de normas procedimentais) com um sentido claramente mais restritivo - “grave violação de regras essenciais ao funcionamento democrático do partido”, (e isto não sem que alguns parlamentares tenham deixado de expressar as suas reservas, como foi o caso do deputado Barbosa de Melo quando, a título pessoal, considerou: “Preferia ver isto reduzido à sua expressão ínfima porque creio que não é saudável para a democracia, e porque vivemos num sistema partidário, que qualquer tribunal, seja ele constitucional ou comum, se possa armar em juiz da vida interna dos partidos. Os partidos são associações políticas e como tal podem convencionar um tribunal arbitral – aliás, os seus órgãos de conflitos internos, os seus órgãos internos jurisdicionais são verdadeiros tribunais arbitrais. Nos partidos, quem não está bem muda-se”).
No caso em apreço – impugnação de decisões punitivas pelos arguidos sancionados
- se não se legitimam dúvidas sobre o sentido do fundamento “violação de regra estatutária”, já no que respeita ao fundamento de “ilegalidade” se perfilam algumas interrogações.
Desde logo a de saber a que “lei” se reporta este fundamento.
A única lei, pertinente ao caso, que vigora no nosso ordenamento jurídico, é, ainda, com sucessivas alterações e revogações, o citado Decreto-lei nº 595/74, cujos preceitos mais salientes na matéria são os já acima enumerados, em particular, os artigos 17º e 19º. E mesmo estes dirigem-se directamente aos estatutos dos partidos enquanto os vinculam a “conferir aos filiados meios de garantia dos seus direitos, nomeadamente através da possibilidade de reclamação ou recurso para os órgãos internos competentes” e estabelecem a proibição de o
“ordenamento disciplinar” partidário “afectar o exercício e o cumprimento dos deveres prescritos pela Constituição, por lei ou por regulamento”, o que, no
âmbito do processo em causa, lhes retira uma directa operatividade, sem embargo do que adiante se diz sobre a invocação da violação do citado artigo 19º como causa de pedir da presente acção.
Por outro lado, não há, obviamente, analogia possível que legitime o apelo a outras leis reguladoras de disciplina (como sejam, p. ex. os estatutos disciplinares da função pública).
Neste contexto, e não sendo pródigos alguns estatutos dos partidos políticos portugueses em normas disciplinares ou, mais particularmente, de procedimento disciplinar (em matéria de garantias dos militantes visados, os Estatutos do PCP limitam-se a estabelecer, nos artigos 60º e 62º, os direitos de audiência prévia e de recurso), a bem pouco se reduziriam, pois, os fundamentos de impugnação de deliberações punitivas.
A verdade, porém, é que, no caso, a garantia estatutária de audição prévia não se traduz apenas no direito do filiado a uma pronúncia sobre os factos que lhe são imputados.
Esse direito, para ser efectivo, postula, desde logo certas exigências a cumprir pela peça acusatória, como sejam a de assentar em factos concretos identificados ou identificáveis, a de indicar os deveres ofendidos e a de valorar disciplinarmente as condutas sancionáveis.
Por outro lado, há-de proporcionar-se ao filiado a possibilidade de oferecer prova aos factos que alega em sua defesa.
Considerando, depois, a deliberação punitiva (bem como a que vier a decidir o recurso dela interposto) impõe-se de igual modo que ela esteja fundamentada, com a indicação dos factos provados e do seu enquadramento jurídico-disciplinar.
Tudo, aliás, é decorrência dos direitos de audiência e defesa garantidos, quer pelos estatutos, quer indirectamente pelo disposto no artigo 17º nº 2 do Decreto-Lei nº 595/74.
Mas, sobretudo, entendendo-se – como se entende – que no “bloco de legalidade” a que estão sujeitas as deliberações punitivas dos partidos se devem integrar, por força da sua aplicação directa, os comandos constitucionais pertinentes, em matéria de direitos liberdades e garantias – em particular, as garantias de audiência e defesa aplicáveis, nos termos do artigo 32º nº 10 da Constituição
“em quaisquer processos sancionatórios” -, não pode deixar de se considerar lícita a invocação da violação desses preceitos na acção de impugnação prevista no artigo 103º-D nº 1 da LTC.
É, pois, neste quadro jurídico que se passa a apreciar os vícios arguidos pelos impugnantes.
3.4 - Sustentam os AA. que o órgão competente para impor quer a pena de expulsão, quer a de suspensão, seria - e só - o Comité Central, pelo que as deliberações punitivas enfermam de incompetência
Mas sem razão, como se passa a demonstrar.
Tendo em conta que nenhum dos AA. era membro do Comité Central – caso em que a competência deste órgão para punir disciplinarmente é exclusiva, nos termos do artigo 64º dos Estatutos do PCP –, é o artigo 63º destes Estatutos que regula a competência para aplicar sanções disciplinares.
De acordo com o nº 1 deste artigo são igualmente competentes para aplicar sanções disciplinares o próprio organismo a que os membros sancionados pertencem, o organismo dirigente da organização a que esses membros pertencem
,“ou outro organismo de responsabilidade superior”.
Aplicadas as penas previstas nas alíneas a) a c) do nº 2 do mesmo artigo 63º
(entre as quais, a “suspensão da actividade partidária por período máximo de 1 ano” – alínea c)) estão elas sujeitas a ratificação pelo organismo superior
àquele que aplica a sanção – artigo 63º nº 3.
Ora, no caso de C, sancionado com a medida de suspensão da actividade partidária por 10 meses, o Secretariado do Comité Central do PCP, organismo de responsabilidade superior (cfr. artigo 26º dos Estatutos) tinha competência para proferir uma tal decisão punitiva, competindo ao Comité Central, como órgão superior àquele que aplicou a sanção, ratificar a sanção.
E foi o que aconteceu através das deliberações de 19/7/02 do Secretariado do Comité Central (punição) e de 21/09/02 do Comité Central (ratificação).
No caso dos Autores A e B, punidos com a pena de expulsão, competia igualmente ao Secretariado do Comité Central, como organismo de responsabilidade superior, aplicar uma tal medida.
E nos termos do nº 3 do artigo 63º dos Estatutos a ratificação dessa medida competia ao Comité Central ou ao organismo executivo em que ele tivesse delegado essa competência (ou seja a Comissão Central de Controlo, nos termos da Resolução de 3 e 4 de Fevereiro de 2001, cuja cópia se encontra a fls. 29 dos autos apensos (Pº 559/02 – I vol)).
Ora, os Autores A e B foram sancionados por deliberações do Secretariado do Comité Central, ratificadas pela Comissão Central Controlo, em estrita obediência às citadas normas estatutárias.
Não se verifica, assim, a alegada incompetência do órgão decisor.
3.5 - Alegam, também, os impugnantes que as acusações contra eles deduzidas
“estão estribadas em meras abstracções, imputações genéricas, conceitos vagos”
(artº 64º) e “não identificam quaisquer factos nem, muito menos, as circunstâncias de tempo, lugar e modo de onde se extrai a possibilidade de defesa dos aqui AA.”.
Como se disse, a exigência de uma acusação com suficiente identificação dos factos imputados decorre das garantias de audiência e defesa em processos sancionatórios, defesa esta que só poderá ser eficaz perante factos concretos e cabalmente individualizados.
A verdade é que, no caso, e nesta vertente, se não mostram ofendidos os direitos de defesa dos AA..
Como acima se deixou transcrito, em todas as acusações (nºs 2 das acusações) é claramente identificado um conjunto de factos, com a indicação v.g. de artigos publicados em órgãos de comunicação social, entrevistas, reuniões, o que não deixa margem para quaisquer dúvidas sobre o que se imputa aos visados, facultando-lhes, deste modo, quer a contradição dessa factualidade quer a valoração que dela igualmente se faz nas acusações.
Quanto a este último aspecto, é inquestionável que nas mesmas peças se expressam juízos valorativos, naturalmente assentes nos factos imputados.
Não pode, contudo, esquecer-se as características próprias do processo disciplinar em causa e o âmbito político-partidário em que ele decorre.
Neste âmbito, as faltas disciplinares não se identificam apenas por factos, considerados na sua materialidade naturalística; o relevo desses factos como infracções à disciplina partidária deriva, ainda, na perspectiva dos órgãos competentes do partido, designadamente, do sentido que lhes é atribuído, da finalidade que prosseguem, das motivações que lhes subjazem, dos resultados que determinam. E, assim sendo, estando em causa interesses que se expressam em conceitos abstractos, como sejam a “imagem”, o “prestígio”, a “unidade”, a
“coesão política, ideológica e orgânica”, a “combatividade” do partido político em causa, que se consideram afectados pela conduta dos militantes, inevitável é que as acusações, para além da necessária identificação de factos, se recheiem de juízos de valor.
Mas tal não afecta os direitos de defesa dos visados, antes lhe permitindo, também, questionar tais valorações, sendo certo que, das desenvolvidas defesas apresentadas pelos ora impugnantes, resulta claramente que eles bem compreenderam o que, disciplinarmente, lhes era imputado.
Por outro lado, relativamente às imputações que respeitam ao desenvolvimento das condutas dos AA. em conjunto com outros membros do partido ou ao incitamento de outros a seguirem as suas posições, ou ainda ao objectivo de constituição de fracções organizadas dentro do Partido, não se considera exigível que a acusação indicasse, para além dos factos concretizados no n.º 2 das “notas para audição prévia”, o “como”, o “com quem”, ou “em que circunstâncias” teriam sido desenvolvidas as actividades dos AA..
Isto porque se entende aquelas “imputações” já como o resultado de um juízo que o órgão de acusação faz sobre o sentido e o objectivo dos actos concretizados nos aludidos nºs 2 das acusações, onde, aliás, se referem manifestações públicas
(jantares em Lisboa e no Porto e abaixo-assinados) em que os AA. participaram com outros militantes do PCP, o apelo ou incitamento a esses outros militantes para aderirem às ideias centrais por aqueles defendidos.
Não enfermam, assim, as acusações do vício que os AA. lhe atribuem, no sentido da afectação dos respectivos direitos de audiência e defesa.
3.6 Insurgem-se, também, os AA. contra o que, nas acusações, e segundo eles, constituiria a imputação de meros “delitos de opinião”, com violação dos direitos fundamentais.
Idêntica alegação dos AA. reporta-se, também, às próprias deliberações punitivas do Secretariado do Comité Central do PCP (e ainda às deliberações do Comité Central, aqui impugnadas, que as confirmam) e é aí que ela assume relevância, como imputação, não de um mero vício formal das acusações, mas de vício substantivo das punições que se revelariam lesivas de direitos fundamentais dos AA..
Neste contexto, vejamos se o vício se verifica.
O que foi disciplinarmente imputado aos AA. e que, dado como provado, fundamentou as punições em causa, é suficientemente expressivo para revelar o tipo de conflitualidade entre o PCP e os AA..
Sem que importe, para a decisão da presente acção, delimitar no tempo o início dessa conflitualidade, é inequívoco que ela assume particular relevo após as eleições autárquicas de Dezembro de 2001, prolongando-se até à data em que foram deduzidas as acusações contra as AA..
Resulta dos documentos juntos que o principal ponto do conflito residia na pretensão dos AA. de que fosse convocado um Congresso Extraordinário do Partido, sem restrições, onde se discutissem profundas alterações aos Estatutos, designadamente o sistema de eleição dos órgãos nacionais de direcção.
A esta pretensão se opunha o Comité Central do PCP que, em comunicado de 17 de Março de 2002, noticia o resultado da sua reunião de 19 de Janeiro, onde
“reafirmando as posições já expostas pela Comissão Política (...) considera que não há fundamento para convocar um congresso extraordinário” (fls. 243 – II vol. Pº n.º 739/02); no mesmo sentido, após as eleições legislativas de 2002, em comunicado de 13 e 14 de Abril de 2002, o mesmo órgão convoca, para 22 de Junho seguinte, uma “Conferência nacional sobre o novo quadro político e tarefas para o reforço de intervenção e influência do Partido”.
A pretensão dos AA. significava, claramente, a discordância relativamente ao modo como o PCP era gerido, pondo, também claramente, em causa, pelo menos parte
(maioritária) dos membros do Comité Central; na mesma linha da sua pretensão, os AA. desvalorizavam o interesse na convocatória da referida “Conferência Nacional”.
Não pode, assim, escamotear-se que na origem da instauração de processos disciplinares aos AA.. está, desde logo, uma ostensiva divergência, por parte destes, quanto à orientação política do PCP.
Sem que, por ora, se aprecie os termos em que os AA. foram concretamente punidos
– e o R recusa que as punições assentem em meros delitos de opinião – importa previamente esboçar o quadro jurídico em que esta questão deve ser resolvida.
Aquando da discussão do já referido aditamento dos n.ºs 5 e 6 ao artigo 51º da CRP, disse o deputado R (in DAR- II Série – RC n.º 24, p. 714):
“(...) decorre disto alguma preocupação (...) no sentido de ser eliminada definitivamente a possibilidade de leitura da ideia de afastamento de partidos por delito de opinião. Sabemos que há uma carga histórica, que é da democracia portuguesa em geral, em que o delito de opinião foi matéria que levou à expulsão de militantes dos partidos. De acordo com as regras constitucionais estabelecidas, se elas forem precisadas em lei ordinária, de forma adequada, que não ponha em causa um princípio que tem de ser também harmonizável com o da livre organização dos partidos, nem ponham em causa, digamos, uma possibilidade de autogoverno dos partidos, harmonizado com estas regras, creio que encontraríamos uma solução adequada dado que – aqui são princípios organizatórios – não estamos a pensar em regras absolutas que ponham em causa uma ideia de autogoverno”.
A proposta de aditamento, foi, como se disse, aprovada, e da Constituição passou a constar uma norma que impõe aos partidos políticos regerem-se “pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democrática e da participação de todos os seus membros”.
Já então vigorava – e continuou a vigorar – o nº 1 do mesmo artigo 51º que consagra a liberdade associação compreendendo “o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer para a formação da vontade popular e a organização do poder político”, bem como os nºs 1 e 2 do artigo 46º que reconhecem aos cidadãos “o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações (...)” e a estas o direito de prosseguirem “livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas”.
Nesta matéria e situando-nos, ainda, no plano constitucional, importa chamar à colação os direitos de liberdade de expressão, de reunião e manifestação, consagrado nos artigos 37º e 45º da CRP, precisamente aqueles que os AA. consideram violados pelo R.
Auto-governo e gestão democrática (democracia interna) dos partidos, liberdade de expressão, direitos de reunião e manifestação e de participação dos cidadãos na vida política, através dos partidos políticos, merecem, assim, a mesma tutela constitucional.
Desde que se começou a produzir “a conversão do princípio democrático, como critério de organização do poder estatal, em mecanismo de estruturação dos partidos políticos” (Navarro Mendez, “Partidos políticos e “democracia interna””, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1999, p. 35), pela convicção de que a democracia impunha também o funcionamento democrático dos partidos políticos, por que passava, cada vez mais, o exercício do poder, inevitável se tornou a emergência de colisões entre aqueles princípios e direitos.
Com efeito, se nos partidos políticos das actuais democracias não vigora (ou não vigora tanto) a célebre “lei de ferro da oligarquia” de que falava, no princípio do século passado, Robert Michels (“Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna”), a verdade é que, como assinala Verga Garcia (Teoria y practica de los partidos políticos”, Cuadernos para el dialogo, p. 37), os modernos partidos de massas continuam a exigir “para o seu adequado funcionamento” um “rígida disciplina interna”.
Neste contexto, é irrecusável a probabilidade de tensões entre interesses individuais dos filiados e interesses da organização colectiva, organização esta que, num campo de competição partidária pelo poder, reclamará sempre, em favor da eficácia, a sua própria unidade.
Sendo direitos constitucionais a liberdade de expressão, os de reunião e manifestação, e o de os cidadãos participarem na vida política através da sua inscrição em partidos políticos, mas, por outro lado, reconhecido que este acto de integração numa associação política não é, como se diz na sentença do Tribunal Constitucional Espanhol n.º 56/1995, de 6 de Março, “um contrato em sentido estrito (...) mas que consiste (...) num acto pelo qual o associado aceita os estatutos e se integra na unidade não só jurídica, mas também moral que constitui a associação” a questão que, então, se coloca, é a de saber em que medida são lícitas restrições àqueles direitos, ao menos nos limites em que eles são estatutariamente condicionados.
A propósito escreveu Hernandez Valle (“La democracia interna de los partidos políticos”, in Revista de Derecho Político n.º 53, 2002, p. 479), adiantando uma proposta para a solução do conflito:
“Os partidos políticos são factores de integração. Por isso uma das suas funções primárias é a de formar concepções políticas unitárias, a partir das diferentes opiniões que cada um dos seus aderentes tem sobre o que deve ser a condução do Estado e, em segundo lugar, intentar levá-las à prática. Portanto, a sua estrutura interna deve ser integradora, isto é, deve fazer prevalecer a totalidade face à parte. Do que se disse deduz-se que não pode existir uma liberdade irrestrita para participar num partido, nem para permanecer dentro dele. A capacidade de funcionamento dos partidos (e muitas vezes, inclusive, a sua existência) depende de poderem manter afastadas ou poderem separar aquelas pessoas ou grupos de membros que perturbam a execução da sua linha política unitária. Desde logo que isto não significa que a incorporação num partido político possa ser rechaçada arbitrariamente, tal como a determinação de expulsão. Ambas as situações, a fim de as compaginar com uma autêntica liberdade de associação, base essencial dos partidos políticos, só devem ocorrer quando o solicitante ou o militante, no caso, suponham um perigo para o funcionamento do partido, quer porque não reconheça os seus Estatutos ou os seus princípios políticos, ou bem porque determinados factos façam supor que não cumprirá aqueles ou porque a sua actuação tenha violado princípios fundamentais do partido.”
Neste mesmo sentido parece seguir Navarro Mendez (ob. cit. págs. 51 a 53) quando escreve:
“(...) não cabe pretender-se exercitar um direito absoluto e isento de qualquer género de limites de manifestar a opinião própria dentro e fora do partido a que se pertence. Neste sentido, o princípio da lealdade às decisões maioritárias adoptadas democraticamente pelos órgãos competentes do respectivo partido, assim como o respeito à dignidade das pessoas, deve marcar a fronteira entre aquelas manifestações expressivas emitidas por um filiado consideradas admissíveis, e aquelas outras susceptíveis, por seu turno, de conduzir a uma sanção disciplinar. Precisamente, a questão do exercício por parte dos filiados de um partido do seu direito à liberdade de expressão coloca como poucos, e de forma muito clara, o eterno conflito existente entre duas ideias amiúde contrapostas que se manifestam na dinâmica quotidiana do funcionamento de todos os partidos, e a que atrás se fez referência: por um lado a eficácia no funcionamento do partido; por outro, as exigências derivadas da necessidade de democracia interna. A primeira delas, a eficácia, relaciona-se intimamente com a necessidade que tem o partido de garantir a sua própria sobrevivência num “mercado” tão competitivo como o eleitoral, o que leva ao uso – e amiúde ao abuso – de técnicas tais como a disciplina interna, ou o mandato de partido. É justo reconhecer que com isso também se pretende algo legítimo: a salvaguarda de um ideal comum, de uma ideologia própria do partido claramente identificável, a afirmação de um espaço próprio e excludente para os competidores e, sobretudo, uma imagem externa de coesão na confiança de que tudo isso se traduza numa vantagem eleitoral face aos demais partidos com que se compete para o poder. Para isso o partido apela à sua capacidade de auto-organização, enquanto associação voluntária que é, para assegurar uma certa margem de manobra livre de interferências”.
Ora, não se suscitam, em geral, dúvidas relativamente à prova dos factos imputados aos AA. nos nºs 2 das respectivas acusações, que se encontram documentados.
Toda a defesa dos AA.. é, aliás, orientada no sentido, não de contraditar aqueles factos que, na sua generalidade, se traduziam em intervenções públicas dos AA. – entrevistas, artigos em jornais, declarações a outros meios de comunicação social, abaixo-assinados – mas de questionar a sua valoração e enquadramento jurídico-disciplinar, pretendendo os AA.. que a sua actuação não afrontava o quadro estatutário do PCP nem visava minar a unidade do partido, antes procurando o seu robustecimento e a sua dinamização e a participação democrática de todos os militantes.
Inequívoco é que todas essas intervenções se produziram publicamente, fora das estruturas orgânicas do PCP (nenhum dos factos imputados e dados como provados ocorre no interior do partido) e com ampla difusão na comunicação social, como se comprova pela documentação junta.
Por outro lado, não sobram dúvidas de que essas intervenções se caracterizaram por uma frontal divergência relativamente às decisões e orientações políticas do Comité Central do PCP (essa divergência é a própria razão de ser das intervenções dos AA.), em particular quanto à estratégia política do partido para as eleições legislativas de 2002 e, muito especialmente, quanto à não convocação de um congresso extraordinário, para que os AA. propunham profundas alterações estatutárias, e à convocação da já referida “Conferência Nacional”, intervenções essas sempre acentuadas por determinados 'qualificativos' aplicados
à Direcção do partido.
É assim que A afirma, em artigos de opinião publicados no jornal “Público”, defender a realização de um Congresso “para alterar os Estatutos” e que “a direcção está sobretudo preocupada em sacudir as responsabilidade pelos sucessivos desaires eleitorais” (artigo publicado em 2/4/02, a fls. 106 do Pº nº
554/02, II vol.), que “as preocupações que levaram mais de sete centenas de membros do PCP a reclamarem a realização de um congresso extraordinário antes das eleições legislativas – e que a direcção, de forma intolerante e sectária, se apressou a reprovar – confirmaram-se” (artigo publicado em 19/3/02, a fls.
110 do Pº nº 554/02, II vol.), que “é um facto também que o grupo que assaltou a direcção do PCP no processo de preparação do último Congresso...” (artigo publicado em 11/6/02, a fls. 112 do Pº nº 554/02, II vol.), que “no caso particular do PCP, sendo iniludíveis os sinais de definhamento da sua influência política e ideológica e até de desintegração organizativa, como é que se pode compreender a cegueira e o autismo dos seus principais dirigentes quando negam a realização de um congresso extraordinário sem restrições ao debate nem exclusões pessoais, ao mesmo tempo que enveredam pela organização de um simulacro de debate em torno de uma conferência nacional sem capacidade estatutária para alterar orientações de natureza estratégica e organizativa e eleger uma nova e mais capaz direcção ?” (artigo publicado em 30/4/2002, a fls. 115 do Pº nº
554/02, II vol.).
E o mesmo A diz, em entrevista ao jornal “Público”, em 12/4/2002, (a fls. 113 e
114 do Pº nº 554/02, II vol.) que “há um grupo na direcção do PCP que está associado a práticas de natureza fraccionária no PCP”, em entrevista ao jornal
“El País”, afirma que “é estalinista e algo terrorista a perseguição da ala renovadora” e que “todas as tentativas de renovação e democratização do partido foram cerceadas por concepções e práticas estalinistas do sector ortodoxo “
(fls. 109 do Pº nº 554/02, II vol.)
No caso de B, produziu ele várias declarações a órgãos de comunicação social como sejam as de que uma reunião do Comité Central decorreu com “manifestações de ódio” com intervenções “insultuosas, intolerantes e ofensivas da inteligência e bom convívio” (“Público de 15/04/02), “a postura da actual direcção é de preferir inimigos internos do que discutir os reais problemas do PCP. É sectária e fechada, que revela a desorientação da direcção” (“Público” de
13/04/02) e outras que constam do nº 2 da respectiva acusação que se dão aqui por reproduzidas.
Finalmente, no caso de C, caracterizou ele a actuação da Direcção do Partido como “de intolerância sectária e persecutória” (“Expresso” e “DN”, de 13/04/02), acusando a mesma Direcção de “denegrir a imagem do PCP; de estreiteza de visão; de cega subestimação da direita (...)” (“DN” de 15/06/02)
Ora, foi assente nesta matéria de facto que o R procedeu à qualificação jurídico-disciplinar transcrita supra, praticamente idêntica para todos os AA.., considerando que os factos violam os seguintes artigos dos Estatutos:
- O artigo 14, alínea a), conjugado com o artigo 9º;
- O artigo 14º alínea c)
- O artigo 14º, alíneas b) e n)
- O artigo 16º nº 2 alínea e) conjugado com os artigos 27º, nºs 1, 2 e 3 e 31º nº 2
- O artigo 16º nº 2 alínea h)
- O artigo 20º;
- “A manifesta ultrapassagem do direito e do dever de expressar as suas opiniões previsto no artigo 15º alínea a)”
Para melhor compreensão das punições dos AA., transcrevem-se as disposições estatutárias citadas:
Artº 9º - Pode ser membro do Partido Comunista Português todo aquele que aceite o Programa e os Estatutos, sendo seus deveres fundamentais a militância numa das suas organizações e o pagamento da sua quotização
Artº 14º O membro do Partido, além dos seus deveres fundamentais definidos no artº 9º tem o dever de: a) actuar em conformidade com os Estatutos; b) contribuir para a realização do programa do Partido, para a aplicação da sua linha política e para o reforço da sua organização, prestígio e influência; c) defender a unidade e a coesão do Partido;
........................................................................................................... n) ter uma conduta eticamente responsável perante o Partido e a sociedade;
............................................................................................................
Artº 15º O membro do Partido tem o direito de a) expressar livremente a sua opinião nos debates realizados no organismo a que pertence, nos plenários da sua organização, nas Assembleias, Conferências e Congressos para que for eleito, em todas as reuniões do Partido em que participe; contribuir para a elaboração da linha política do Partido e criticar, nos organismos a que pertença e nas reuniões partidárias em que participe, o trabalho do seu organismo, de qualquer outro organismo ou de qualquer membro do Partido independentemente das funções que este desempenhe;
...............................................................................................................
Artº
16º...................................................................................................
2– São princípio orgânicos fundamentais:
............................................................................................................. e) o cumprimento por todos das decisões tomadas por consenso ou maioria
................................................................................................................ h) o cumprimento das disposições estatutárias por todos os membros do Partido e a não admissão de fracções – entendidas como a formação de grupos ou tendências organizadas – que desenvolvam actividades em torno de propostas ou plataformas políticas próprias
Artº 20º - Cabe a todos os militantes e particularmente aos organismos dirigentes estimular e promover a discussão franca e livre dos problemas da vida, orientação e actividade do partido nas reuniões dos organismos e organizações, com a admissão e consideração natural de opiniões diferentes e a garantia do direito de discordar, criticar e propor. Estas são condições para o desenvolvimento da actividade partidária, para o estabelecimento da unidade de pensamento e acção de todo o Partido, para a existência de uma consciente e voluntária disciplina.
Artº 27º
1 – O Congresso é o órgão supremo do Partido.
2 - O Congresso é constituído por delegados das organizações do Partido eleitos proporcionalmente ao número de membros de cada organização, assim como, por inerência, pelos membros do Comité Central cessante e os membros do Partido da Direcção Nacional da JCP, bem como por delegados designados pelo Comité Central, em número limitado.
3– As deliberações do Congresso são tomadas por voto da maioria dos delegados.
.............................................................................................................
Artº 31º
1 -
......................................................................................................
2 - Cabe aos organismos executivos eleitos pelo Comité Central no âmbito das suas competências e atribuições próprias assegurar a orientação diária e as decisões concretas relativas à aplicação da orientação e resoluções do Congresso e do Comité Central, à actividade política das massas, à distribuição dos quadros dirigentes, ao controlo da aplicação das decisões dos órgãos superiores do Partido pelas diversas organizações, à formação dos quadros, à disciplina, às resoluções internacionais e à administração do património e dos recursos financeiros do Partido.
Ora, é, desde logo, de salientar, que os AA. não fundamentam o seu pedido na violação destes preceitos dos Estatutos do PCP (em parte alguma da petição ou na sua parte conclusiva indicam como infringido qualquer preceito estatutário); o que eles consideram é directamente violados os seus direitos, consagrados nos artigos 37º e 45º da Constituição, de liberdade de expressão, de reunião e de manifestação, que entendem aplicáveis, por força do artigo 18º da CRP, apelando ainda para o disposto no artigo 19º do Decreto-Lei nº 595/74.
No que concerne a esta última norma, importa evidenciar que ela é uma das poucas normas do Decreto-Lei nº 595/74 que, directa e especificamente, impõe aos partidos políticos determinada conformação substancial dos seus estatutos é a que consta do artigo 19º daquele diploma.
Dispõe o preceito:
“O ordenamento disciplinar a que fiquem vinculados os filiados não pode afectar o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres prescritos pela Constituição, por lei ou por regulamentos”
Há-de compreender-se no conceito de “ordenamento disciplinar” o conjunto de princípios e regras que, nos estatutos ou regulamentos (regulamentos disciplinares) que dos primeiros façam parte, regem a disciplina dos filiados no partido.
É assim uma norma que se reporta não à actuação concreta dos órgãos partidários ou ao modo como estes executam os comandos estatutários mas aos próprios princípios e regras vazados nesses comandos - e daí ter-se considerado supra que ela não teria directa operatividade na presente acção.
Com efeito, como ilegalidade imputada às sanções disciplinares em causa, a invocação do citado artigo 19º do Decreto-Lei nº 595/74 só se compreenderia se os AA. defendessem que, ao imporem aquelas sanções, os órgãos do PCP tinham feito aplicação de qualquer preceito do ordenamento disciplinar próprio colidente com o citado artigo.
Ora, não dizem, desde logo, os impugnantes que preceito tivesse sido esse.
Por outro lado, não se encontra no que concretamente dispõem as normas dos Estatutos do PCP (não se invocando nem conhecendo qualquer regulamento disciplinar autónomo) qualquer afectação do exercício dos direitos e do cumprimento dos deveres prescritos pela Constituição, por lei, ou por regulamento.
A parte dos Estatutos do PCP que se refere à “Disciplina do Partido” está contida no Capítulo X (artigos 56º a 68º)
O artigo 56º baseia a disciplina do Partido - inserida “no respeito pelos princípios orgânicos” e considerada “um factor essencial para o desenvolvimento da acção política, a influência de massas, a unidade, a combatividade, a força e o prestígio do Partido” -, “na aceitação do Programa e dos Estatutos”; o artigo
57º consagra a igualdade da disciplina do Partido “para todos os seus membros”; o artigo 58º sujeita a sanções disciplinares “os membros do Partido que violem a disciplina”; o artigo 59º admite, excepcionalmente, a suspensão preventiva da actividade partidária “quando haja fortes indícios da prática de faltas graves”, fixando-lhe um limite temporal máximo; o artigo 60º estabelece a obrigatoriedade de audição prévia do membro do Partido na aplicação de qualquer sanção “salvo manifesta impossibilidade ou recusa do próprio”; o artigo 61º prevê (nº 1) o critério de graduação das penas (“de acordo com a sua [do membro do Partido sancionado] responsabilidade e a gravidade da falta cometida”) e aponta a finalidade das sanções (“reforçar a unidade, a disciplina e a moral revolucionária do Partido e de cada um dos membros”); o artigo 62º prescreve a possibilidade de haver sempre recurso para os organismos de responsabilidade superior; os artigos 63º e 64º são normas de competência para aplicação e ratificação das penas disciplinares, penas essas que estão devidamente discriminadas; o artigo 65º delimita os casos (os que “afectem gravemente a vida e os princípios do Partido”) em que é aplicável a sanção de “expulsão” e impõe a aprovação da decisão por uma maioria qualificada dos membros do Comité Central; o artigo 66º prevê, como efeito da expulsão ou da perda da qualidade de membro do Partido, a entrega do respectivo cartão; o artigo 67º condiciona a readmissão do que foi expulso a análise da Comissão Central de Controlo e a decisão do Comité Central ou por organismo em que este delegue; finalmente, o artigo 68º faz depender de decisão do Comité Central ou de organismo em que este delegue “a publicitação das sanções do Partido”.
Não se vislumbra - disse-se já - neste “ordenamento disciplinar” - no quadro dos princípios ideológicos próprios do PCP que os Estatutos, em que se insere esse ordenamento, traduzem - qualquer infracção ao disposto no artigo 19º do Decreto-Lei nº 595/74, com realce, uma vez mais, para o facto de os AA. não concretizarem (ou não alegarem mesmo) essa infracção no confronto das normas estatutárias com a lei ou com a CRP.
Com a alegação de infracção a este preceito, na sua conjugação com o disposto nos artigos 37º e 45º da CRP, estarão, porém, os AA. a querer reportar-se aos termos em que as normas estatutárias foram interpretadas e aplicadas (o ordenamento disciplinar como acção ou actuação do poder disciplinar), em termos tais que os seus direitos (constitucionais) acabaram por ser violados.
Certo é, porém, que a questão fundamental a resolver convoca, directamente - são os próprios AA. que o fazem -, aqueles preceitos constitucionais, sem necessidade da mediação do artigo 19º do Decreto-lei nº 595/74.
Ora – disse-se já – que os partidos políticos gozam de poderes de auto-governo, devendo, no entanto, reger-se pelos princípios constitucionais estabelecidos no n.º 5 do artigo 51º da CRP, avultando, para o caso, os da “organização e gestão democráticas e da participação de todos os seus membros”, o que não é mais do que outra forma de referir a exigência de “democracia interna”; e, de igual modo, devem os partidos políticos respeitar os direitos fundamentais dos seus filiados.
Mas – disse-se já também – a integração num partido político envolve, antes de mais, um compromisso de aceitação e obediência aos estatutos desse partido – o dever de aceitação dos estatutos e de actuação conforme às suas regras é comum a todos os partidos políticos (vejam-se, para o caso português, os Estatutos do CDS/PP - artigo 6º nº 1 alínea d) – do PSD – artigo 7º nº 1 alínea f) – e do PS
– artigo 15º nº 1 alínea c)) .
Ora, na medida deste compromisso, o filiado aceita implicitamente – como membro do partido – que o exercício dos seus direitos – posto que eles sejam disponíveis – fique condicionado ao que as regras estatutárias dispuserem, supondo, sempre, que eles asseguram a democracia na gestão interna e funcionamento do partido.
Quais sejam os requisitos internos necessários para que se possa considerar assegurada a democracia interna num determinado partido é questão que não merece, na doutrina, resposta unânime.
De todo o modo há um consenso sobre o que se podem considerar requisitos mínimos e, para o que nos importa, a garantia de expressão livre de opiniões, no interior do partido, é, seguramente, um deles.
Já não se poderá considerar consensual a exigência, como um desses requisitos mínimos, o direito à expressão de opiniões críticas no exterior do partido (o que muitos não deixam de entender desejável), sendo, a propósito, de salientar que nos diversos estatutos dos principais partidos políticos portugueses só os do PS, no seu artigo 6º, garantem o direito de os filiados “se exprimirem publicamente”, embora “no respeito pela disciplina partidária” (os Estatutos do PPD/PSD permitem aos militantes “discutir livremente no interior do Partido
(...) – artigo 6º nº 1 alínea c) – e o Regulamento de Disciplina do mesmo partido qualifica como infracção disciplinar a “defesa pública de posições contrárias aos princípios da social-democracia e do programa partidário” e o
“manifesto desrespeito pelas deliberações emitidas pelos órgãos competentes do Partido, designadamente através da comunicação social” – artigo 1º alíneas e) e f); os Estatutos do CDS/PP consideram direito dos membros “manter a sua liberdade de opinião desde que, ao exercer esse direito na qualidade de membro do Partido, se conforme com o programa do Partido Popular e com as directrizes dos respectivos órgãos” – artigo 7º nº 1 alínea d)).
E compreende-se por quê.
Com efeito, constituindo a unidade do partido político (assente embora na diversidade e confronto de opiniões no seu interior) uma das primeiras condições da eficácia do partido, a expressão pública de opiniões críticas à orientação do partido, no exterior – com particular evidência para as que se expressam nos meios de comunicação social –, não deixará de pôr em causa, ao menos enquanto imagem que do partido colhe o eleitorado, essa unidade.
No caso, como se disse, todos os factos que constituem o pressuposto das deliberações punitivas ocorreram no exterior do partido e com assinalável e notória ressonância pública.
A questão será, então, no plano em que os AA. a colocam, a de saber se a protecção constitucional dos direitos fundamentais em causa é neste âmbito irrestrita, no ponto em que o exercício desses direitos ocorre à margem da estrutura interna do partido e não se alega a violação de qualquer preceito estatutário quanto ao sancionamento disciplinar a que deu lugar.
Entende-se que não.
Com efeito, não pode deixar de relevar o que envolve o acto de integração num partido político: o já aludido compromisso de aceitação e cumprimento dos respectivos estatutos, com o que nele vai implícito de condicionamento dos direitos do filiado – enquanto tal – ao que se dispuser nesses estatutos.
Mas, se, nesta medida, não é irrestrita a protecção constitucional, nem por isso se isentam de qualquer controlo os actos dos órgãos partidários que, em suposta conformidade com os estatutos, aplicam medidas disciplinares que afectam aqueles direitos.
É que, aceite a licitude daquele condicionamento, não pode ele ser desproporcionado, inadequado ou excessivo.
Impõe-se, assim, um controlo do arbítrio ou do excesso, tal como o Acórdão n.º
361/2002 parece apontar quando cita Martin Morlok, (Grundgesetz-Kommentar, org. por Horst Dreier, vol. II, 1998, pág. 306, em anotação ao artigo 21º n.º 1, 3 d, da Lei Fundamental Alemã) para quem, nas palavras do mesmo aresto, “o controlo de aplicação de regras estatutárias, como as disciplinares, para além da base factual e das regras de processo aplicáveis, poderá ter apenas o alcance de um “controlo de plausibilidade, isto é, do arbítrio””.
E isto será tanto mais assim quando as normas estatutárias, a que se apela para punir, se expressam através de cláusulas gerais - como é, particularmente, o caso das que se contêm nas alíneas b) e c) do artigo 14º dos Estatutos do PCP, impondo aos filados os deveres de contribuírem “para o reforço da sua [do partido] organização, prestígio e influência” ou de defenderem “a unidade e coesão do Partido” – cuja integração demanda um ajuizamento político que o Tribunal não deve (ou não pode) sindicar, com ressalva do excesso e na medida do limite consentido ao condicionamento ou restrição de direitos fundamentais do cidadão.
Perguntar-se-á, assim, se as deliberações impugnadas, por arbítrio ou por excesso, ofenderam os direitos constitucionais invocados pelos AA.
Impõe-se, pois, voltar aos factos dados como provados nos procedimentos disciplinares que culminaram com as deliberações impugnadas.
E, desde logo, ressalta um circunstancialismo comum a todos eles: o de terem ocorrido num lapso de tempo limitado à primeira metade do ano de 2002, mais particularmente após as eleições autárquicas de Dezembro de 2001 e atravessando o período eleitoral das eleições legislativas de 2002. E isto se evidencia por se tratar de uma fase de pugna eleitoral onde as exigências de eficácia, unidade e imagem pública dos partidos (no caso, do PCP) mais, naturalmente, se reclamam e, depois, em momento de “rescaldo” dos resultados eleitorais que, notoriamente,
- os próprios documentos do órgãos superiores do PCP, juntos aos autos, o revelam – não foram satisfatórios para o PCP, gerando uma situação em que os riscos de desagregação partidária se potenciam.
Por outro lado, como também os documentos juntos o revelam, os mesmos factos, todos ocorridos à margem da estrutura interna do PCP, não só obtiveram dos meios de comunicação uma larga cobertura, como também se concretizaram nesses mesmos meios através de artigos de opinião e entrevistas.
No juízo de proporcionalidade e de adequação que se deve formular, não pode o Tribunal ignorar o apontado circunstancialismo, pois é também ele que permite valorar o sentido plausível dos actos imputados aos AA e os termos (arbitrários, excessivos, ou não) com que eles foram sancionados.
Ora, no que respeita a A , não se afigura arbitrário que se entenda contrário aos Estatutos, pondo em causa o prestígio, a influência, a unidade e a coesão do R. o facto de ele ter considerado, sempre publicamente, a decisão do Comité Central de não convocar um Congresso extraordinário, como “intolerante e sectária” (“Público” de 19/03/02) e resultado “(d)a cegueira e (d)o autismo dos seus principais dirigentes” (“Público de 30/04/2002).
E o mesmo acontece quando A claramente desvaloriza a realização de uma
“Conferência Nacional”, decidida por aquele órgão, em termos de a qualificar como uma das “tentativas para iludir os militantes” (“Expresso”, de 29/03/2002),
“concebida como encenação para prosseguir um caminho de crispação contra os que reclamam um congresso sem restrições” (“JN”, de 24/06/02), bem como quando diz que “é estalinista e algo terrorista a perseguição da ala renovadora”, que
“todas as tentativas de renovação e democratização do partido foram cerceadas por concepções e práticas estalinistas do sector ortodoxo” (“El País”, de
28/01/2002), que “o núcleo dominante da direcção do PCP esteve envolvido em actividades de natureza fraccionária. Não tem qualquer autoridade política para dirigir acusações a nenhum membro do partido por violação dos estatutos”, que
“Há um grupo na direcção do PCP que está associado a práticas de natureza fraccionária” (“Público, de 12/04/02) e, finalmente, que a direcção (ou parte dela) é um “grupo que assaltou a direcção”
Quanto a B, igualmente ficaram provadas posições públicas de desvalorização e desqualificação da Conferência Nacional (“JN” de 17/04//02 e de 24/06/02 e “DN” de 22/06/02) que a direcção do PCP promovera e, ainda, ter ele afirmado que uma reunião do Comité Central decorreu com “manifestações de ódio”, com intervenções
“insultuosas, intolerantes e ofensivas da inteligência e bom convívio”
(“Público” de 15.04.2002) ou acusado a direcção do partido de “asfixiar” e
“esmagar” as opiniões divergentes (...) e que descredibilizam a Direcção e o Secretário Geral “que pactua com estas práticas” {...), que “A postura da actual direcção é de preferir definir inimigos internos do que discutir os reais problemas do PCP. É sectária e fechada, que revela a desorientação da direcção”
( “Público” de 13.04.2002), ou ainda, finalmente, que a direcção do partido “foi tomada de assalto por uma clique de dirigentes' (“Visão” de 18.04.2002), tudo tornando plausível (não desproporcionado ou não arbitrário) o citado juízo valorativo do órgão sancionador.
E o mesmo de se diz, quanto a C, enquanto se dá como provado o facto de ele ter afirmado que uma vida inteira de dedicação ao partido “(...) não pode ser matéria descartável pelas conivências sectárias do grupo de militantes que num determinado período constituiu a direcção” , (“DN” , de 01.02-2002) e de ter acusado a direcção de “denegrir a imagem do PCP; de estreiteza de visão; de cega substimação da direita, tratada de forma escandalosamente benigna e tendencial para o enconchamento soturno de quem anda sempre à coca do inimigo interno” (“DN” de 15.06.2002).
Comum aos três AA. foi ainda a imputação, com base nos factos provados, e com saliência para os que se traduziram na promoção de abaixo-assinados e de manifestações públicas (em especial, jantar de 06/04/02, na FIL, em Lisboa, com ampla cobertura dos meios de comunicação social) e aliado ao que era o programa político comum dessas iniciativas – visando alterações profundas nos estatutos do PCP – num processo que se intencionava prosseguir, da “tentativa de legitimar e impor na prática a constituição de fracções organizadas dentro do Partido, atentatórias da sua unidade de coesão”.
Assente em factos, trata-se de uma imputação que pressupõe da parte dos visados uma intenção ou um propósito, não já aquele que era expressamente afirmado pelos AA nas suas intervenções, mas o de mobilizar outros filiados para a luta política no sentido daquele “programa comum”.
E aqui o que se questiona é saber se, com base no que é objectivo – o que os AA fizeram, como o fizerem e onde o fizeram – é legítimo (ou não é excessivo) dar como provado um determinado animus: o de formar ou organizar um grupo de militantes dentro do partido em torno das ideias defendidas e propagadas pelos AA.
Ora, ponderando o circunstancialismo já referido, e na perspectiva dos órgãos partidários a quem compete zelar pela unidade e coesão do partido, não se configura como arbitrário o juízo que o R formulou sobre aquele “animus” – parece claro, e os AA. nem o recusam, que era seu propósito robustecer um
“movimento” que eles, até pela posição de destaque que tinham ocupado nos órgãos partidários, encabeçavam e promoviam, à margem da estrutura interna do partido, para levar à prática profundas alterações estatutárias e de funcionamento do PCP.
E é plausível a consideração de que a actuação dos AA dada como provada pôs em causa a imagem do partido, do seu funcionamento, dos seus órgãos dirigentes, da sua linha política, sendo, neste ponto, elucidativo o que se disse em títulos de “caixa alta”, em alguns jornais (v.g. “Fim incerto na guerra interna do PCP”, fls. 167 – Pº 554/02 – I vol.; “Jantar da Fraternidade – Vários militantes reuniram-se para travar o definhamento do PCP (...)”, fls, 153 – Pº
554/02 – II vol.).
Insiste-se: não se trata de substituir o juízo do R. pelo do Tribunal, em termos de neste se poder sequer vislumbrar, no quadro aberto a diferentes opções que o preenchimento de cláusulas gerais permite, um julgamento positivo sobre o mérito das soluções punitivas decididas, mas apenas, nos termos acima equacionados, de aferir da sua racionalidade e da sua proporcionalidade.
Do mesmo modo e pelas mesmas razões, as concretas medidas punitivas impostas aos AA, atenta a gravidade e os possíveis reflexos nocivos (para o partido, sublinhe-se) da sua conduta, não ultrapassam os limites de racionalidade e proporcionalidade em que elas se tinham que conter por estarem em causa os direitos fundamentais invocados e tidos por lesados pelos AA..
Isto – note-se – sem deixar de salientar que o maior ou menor rigor com que os partidos políticos usam do seu poder disciplinar acaba por de fazer parte do seu modo próprio de agir na vida política e da imagem que pretendem transmitir para a sociedade, dispondo aí de uma ampla margem de discricionariedade.
3.7 Alegam, também, os AA. dois vícios especificamente reportados ao procedimento disciplinar relativo a A:
O primeiro respeita ao sentido – predisposição de punir antes mesmo de produzida a prova oferecida por A na resposta à acusação – que teria uma pág. 7 da notificação da deliberação punitiva, nos termos dados provados, supra, em N.
O segundo respeitante aos termos em que depuseram as testemunhas oferecidas.
Vejamos.
Não fazendo parte da deliberação punitiva, não deixa de se reconhecer que o que consta da referida pág. 7 da notificação poderia gerar uma ofensa grave aos princípios gerais do direito sancionatório, no ponto em que ela revelaria um pré-juízo sobre a relevância da prova que A pretendia fazer com as testemunhas que oferecera.
Trata-se, claramente, de uma “indicação” – que, desde logo se não pode afirmar, como os Autores pretendem, ter sido feita por órgão diverso daquele que proferiu a deliberação punitiva (o Secretariado do Comité Central) – para a elaboração material da deliberação punitiva (ou do seu projecto) e que prevê duas alternativas, consoante comparecessem, ou não, as testemunhas indicadas, sendo que, na primeira hipótese, registada a ocorrência, não se alteravam os considerandos anteriores e a decisão de punição.
A verdade é que estes elementos são insuficientes para dar como demonstrado o que os AA. pretendem.
E isto porque tais elementos não são incompatíveis com o facto de a indicação da inserção do registo da comparência nos termos referidos – como veio a acontecer – não prejudicar, para a hipótese de os depoimentos que viessem a ser feitos o justificarem, a sua efectiva ponderação na deliberação final.
O facto de a deliberação punitiva ter sido redigida, nos termos, digamos, propostos, só significa que, considerando a prova já efectuada e os termos da defesa apresentada, não foram considerados relevantes aqueles depoimentos.
E não pode deixar de se reconhecer, analisando os mesmos depoimentos, que eles se limitam a meros juízos opinativos ou abonatórios da conduta partidária de A, sem pôr directamente em causa os factos que vinham imputados.
Mas isto prende-se já com o segundo vício arguido respeitante, como se disse, aos termos dos depoimentos em causa.
Ora, neste aspecto, competiria a A ter indicado os factos concretos a que oferecia a prova testemunhal, sendo certo que, nem agora, os Autores dizem quais seriam esses factos.
Nestas circunstâncias, não vindo impugnada a genuinidade dos autos de inquirição, nem alegado que as testemunhas tenham sido impedidas de se pronunciarem de outro modo, terá que se aceitar como validamente prestada a prova testemunhal, sem agravo para os direitos de defesa do A..
Improcedem, assim, estes vícios.
3.8 Elencam, depois, os AA vícios que consideram autónomos das próprias deliberações punitivas.
E, em primeiro lugar, a falta de assinatura das deliberações punitivas do Comité Central do PCP, o que, por alegada analogia com o disposto no artigo 668º n.º 1 alínea a) do CPC, geraria a sua nulidade
Antes do mais, interessa salientar que a apontada omissão se suporta nas notificações das referidas deliberações. Ou seja, os documentos juntos comprovam apenas que na comunicação dos actos impugnados não consta das resoluções comunicadas qualquer assinatura, vindo apenas assinado o ofício de remessa.
A verdade, porém, é que, do processo constam (fls. 232 a 240) as actas das reuniões do Comité Central de 20 e 21 de Setembro de 2002, devidamente assinadas, em que foram tomadas as deliberações impugnadas, nelas se integrando as próprias propostas de decisão, não se suscitando qualquer dúvida - nem os AA a suscitam - de que essas deliberações foram tomadas por aquele órgão e com o exacto teor do que foi comunicado aos impugnantes.
Configurar-se-á aqui uma mera irregularidade das notificações, sem qualquer relevo na validade substancial das deliberações comunicadas, não tendo qualquer sentido a analogia com o vício da falta de assinatura das sentenças e a nulidade que gera.
Improcede, assim, o vício arguido.
3.9 - Imputam, ainda, os AA às deliberações impugnadas o que consideram ser
“omissão de pronúncia”, em secção da petição epigrafada de “Da vaguidade, da omissão de pronúncia e da consequente nulidade da ratificação” (artºs 140º a
153º da petição).
Uma vez mais, os AA. arguem, agora nesta sede, a falta de identificação de factos, com a referência às circunstâncias de tempo, lugar e modo, identificação essa que seria necessária para se conhecer o “iter valorativo e cognoscitivo da entidade com competência para punir”.
Ora, deve, em primeiro lugar, salientar-se que estão em causa decisões de natureza diversa: as que foram proferidas em recurso interno das deliberações punitivas (relativas aos Autores A e B) e a que ratificou a deliberação que puniu o Autor C.
Nas primeiras, não estão já em causa os requisitos que se exigem às próprias decisões punitivas, importando, apenas, que o órgão que decide o recurso deixe expressas as razões por que o recurso é indeferido, sem que se imponha uma tomada de posição, ponto por ponto, das razões invocadas pelo recorrente – é pois uma questão de fundamentação que se coloca.
Na segunda, que ratifica a decisão punitiva, e na ausência de exposição prévia de razões, por parte do punido, que pudessem obstar à ratificação, basta a indicação dos motivos por que se ratifica, nada impedindo que estas sejam as que determinaram a punição.
Ora, quanto às primeiras, entende-se que elas expressam, de forma suficiente e apreensível para um destinatário comum, as razões do indeferimento, não deixando de se salientar que os recursos apresentados reproduzem quase integralmente a defesa anteriormente apresentada pelos AA. à “nota prévia” de acusação, o que sempre legitimaria que os fundamentos do indeferimento do recurso se estribassem nas mesmas razões que fundamentaram as deliberações punitivas.
No que concerne ao acto ratificativo da punição do AA., estão igualmente expressas as razões da ratificação, que acabam por ser as mesmas que fundamentaram a decisão punitiva.
Não deixará, ainda, de se dizer que a arguição de carência de identificação de factos foi já acima apreciada, a propósito do teor das acusações deduzidas, sendo aqui inteiramente aplicável o que, então, se decidiu no sentido da improcedência da arguição.
Improcede, também, este fundamento de impugnação.
3.10 – Quanto a C, invoca-se ainda (artigo 151º da petição) que a deliberação que o pune não indica a norma jurídica violada.
Mas sem razão.
Na verdade, tal como resulta da matéria dada como provada (supra Q e BB), verifica-se que do relatório que faz parte a resolução do Secretariado do Comité Central que puniu o A C constam as normas estatutárias violadas; o mesmo acontece com o relatório que integra a deliberação ratificativa do Comité Central, uma vez que nele se remete para as disposições indicadas na deliberação punitiva.
Improcede, pois, a alegação deste vício procedimental.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, não se dando por verificada qualquer das ilegalidades invocadas pelos AA, decide-se julgar improcedente e não provada a presente acção de impugnação
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 3 de Abril de 2003 Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa