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Processo n.º 682/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B., presos à ordem do Tribunal Judicial da Horta, interpuseram providência de habeas corpus, ao abrigo do artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, requerendo a declaração de ilegalidade da sua prisão.
Após informação da Juíza titular do processo e realização de audiência de julgamento, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdão em 12 de Agosto de 2011 em que indeferiu o pedido de habeas corpus.
Os Requerentes recorreram desta decisão para o Tribunal Constitucional, pedindo a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 144.º, 220.º, n.º 1, alínea a), 122.º, n.º 2, alínea c), e 215.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, por violação dos artigos 28.º e 32.º, da Constituição, e 5.º, n.º 1, alínea c), e 3.º alínea a), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, invocando que suscitaram a questão da inconstitucionalidade dessas normas na petição de habeas corpus.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com os seguintes fundamentos:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Da leitura da petição de habeas corpus constata-se que os Recorrentes suscitaram apenas a questão da inconstitucionalidade dos artigos 283.º, 202.º, 144.º e 92.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que é possível colocar em prisão preventiva um arguido, após ser proferida acusação, sem que o acusado seja de imediato interrogado pelo juiz que o mandou prender, em língua que entenda, por violar o disposto nos artigos 28.º e 32.º, da Constituição e artigos 5.º, n.º 1, c) e 3.º, a), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Tendo apenas sido suscitada esta interpretação normativa e não os próprios preceitos referidos do requerimento de interposição de recurso, apenas relativamente a essa interpretação se verifica preenchido o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido.
Contudo, da leitura da decisão recorrida, constata-se que esse critério normativo, de origem interpretativa, não foi por ela adoptado.
Na verdade, foi o seguinte o raciocínio fundamentador do indeferimento do pedido de habeas corpus:
“O fundamento do pedido de habeas corpus é o excesso de prazo, por os requerentes não terem sido ouvidos por um juiz no prazo de 48 horas após a data em que foram de novo submetidos à medida de prisão preventiva (em 21.1.2011), na sequência da dedução da acusação.
Com efeito, os ora requerentes não foram ouvidos em interrogatório judicial após terem sido novamente submetidos a prisão preventiva.
Tal facto foi considerado uma irregularidade pela Relação, no acórdão de 30.3.2011, que ordenou a reparação do vício.
Contudo, posteriormente, foi efectuado o julgamento, tendo os requerentes sido condenados em penas de prisão (10 anos e 6 meses e 9 anos, respectivamente). O processo entrou consequentemente em nova fase, com novo prazo para a prisão preventiva, o previsto no nº 1, al. d), do art. 215º do CPP – 1 ano e 6 meses – ainda não decorrido.
Significa isto que perdeu actualidade a ilegalidade (irregularidade) cometida, ultrapassada que foi pela condenação proferida.
Note-se que o tribunal efectuou a audição dos requerentes já depois da condenação, acto que foi justamente considerado inútil pelos ora requerentes, precisamente por se ter realizado o julgamento, assim reconhecendo implicitamente a sanação do vício.
Não se mostra, assim, preenchida a situação prevista na al. c) do nº 2 do art. 222º do CPP.”
Verifica-se que não se entendeu que a colocação em prisão preventiva de um arguido após dedução de acusação contra ele dispensava a sua audição por um juiz no prazo de 48 horas após a prisão, mas sim que o vício da omissão do cumprimento dessa diligência, neste caso, se encontrava sanado pela circunstância de entretanto os arguidos terem sido condenados nesse mesmo processo, iniciando-se uma nova fase processual, sujeita a novo prazo de prisão preventiva.
Não coincidindo a única interpretação normativa cuja constitucionalidade havia sido suscitada perante o tribunal recorrido com a ratio decidendi do acórdão proferido, não estão reunidos todos os pressupostos que permitam o conhecimento do mérito do recurso interposto, pelo que deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos permitidos pelo artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”.
Os Recorrentes reclamaram desta decisão nos seguintes termos:
A. e B., arguidos presos no EP Vale de Judeus, vêm face ao não conhecimento do recurso por Decisão Sumária de 21-9-2011 notificada em 22-9-2011, vêm RECLAMAR para a Conferência com os seguintes fundamentos:
O Tribunal Constitucional é o último reduto em Portugal da Defesa. Falhando a Justiça no Tribunal Constitucional resta aos recorrentes reclamar para o European Court…
Em 17-1-2011 a MM Juíza de Instrução do Tribunal a quo ordenou a prisão dos arguidos. E nunca os interrogou no prazo de 48 horas até hoje sobre o seu teor!
O artº 28 da Lei Fundamental determina que: “... A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o Juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa!
Ao ordenar a prisão preventiva em 17-1-2011 a MMa. Juiza de Instrução deveria ter interrogado os arguidos imediatamente: não se trata de irregularidade, nem de um capricho, mas sim de imposição constitucional: arts. 5º-1- C) e 3 e 6º-3-A) da C.E.D.H.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem impõe no art. 6º - 3- a) que o acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e deforma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada”
Por sua vez o art. 5º-1-C) e 3-A) da Convention Européenne impõe que;
“...se for preso e detido (1- C) … qualquer pessoa presa e detida (1-C) deve ser apresentada imediatamente a um Juiz...”
…“imediatamente a um Juiz” significa JÁ, SEM DEMORA, LOGO A SEGUIR
E a Convenção não faz distinção: quer seja detido ou preso…
O req. A. é oriundo dos Estados Unidos da América e o req. B. é Francês, não entendem a Língua Portuguesa e não foram interrogados em 48 horas pela MM Juíza de Instrução Criminal nem em 17 Janeiro 2011 nem nas semanas seguintes!!!!!
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Cour Européenne des Droits de L ‘Homme (European Court of Human Rights) obriga os Estados Membros da União Europeia a OBRIGAÇAO DE INFORMAR POR ESCRITO O ACUSADO, EM LÍNGUA QUE COMPREENDA E A INTERROGAR IMEDIATAMENTE QUALQUER PRESA OU DETIDA…-” Ac. FOX, CAMPBELL e HARTLEY, A 182, pag 19, MURRAY, A 300-A, 72 e DIKME,
O European Court, “… Pretende reduzir o risco de arbítrio e assegurar a preeminência do direito, um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática, o que exige um controlo judicial das ofensas ao direito individual à liberdade - BROGAN, 29-11-1997, R97- VII, pag, 2623, 44, AQUILINA de 29-4-1999, R 99-III, pag 274, SAKIK e outros de 26-11-1997, R. “... in A Convenção Europeia Direitos do Homem – Senhor Juiz Ireneu C. Barreto, Coimbra Ed. p. 101
Proferida a Acusação, sem que o acusado seja de imediato interrogado, pelo Juiz que o mandou prender, em Língua que entenda, existe inconstitucionalidade dos arts. 283, 202, 144 e 92 CPP por atentado aos arts. 28 e 32 da Lei Fundamental e arts. 5º l-C) e 3-A) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O Tribunal Constitucional deve declarar a ilegalidade da prisão e declarar NULO todo o processado subsequente ao abrigo dos arts. 220- 1- a) e 222- 2- c) do CPP, 28 e 32 da Lei Fundamental e arts. 5º 1-C) e 3-A) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O recurso deve ser admitido!
As razões dos recorrentes são assentes nos normativos invocados
O Ministério Público respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
A decisão reclamada fundamentou o não conhecimento do recurso na não coincidência entre a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada com a ratio decidendi do Acórdão recorrido.
Na sua reclamação os Recorrentes não contrariam a ausência desse pressuposto do recurso de constitucionalidade, limitando-se a invocar uma pretensa ilegalidade da sua prisão, a qual não cumpre a este Tribunal verificar.
Assim, deve a reclamação deduzida ser indeferida.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelos Recorrentes A. e B., para o Tribunal Constitucional, da decisão sumária proferida nestes autos em 21 de Setembro de 2011.
Lisboa, 3 de Outubro de 2011.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.