Imprimir acórdão
Processo nº 380/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - A, identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Ministro da Educação, de 27 de Março de 1997, que negou provimento ao recurso hierárquico por si interposto do despacho de 21 de Outubro de 1996, do Inspector-Geral da Educação, que lhe indeferiu o pedido de transição para a carreira técnica superior de inspecção, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 35º do Decreto-Lei nº 271/95, de 23 de Outubro, ratificado, com alterações, pelo artigo único da Lei nº 18/96, de 20 de Junho.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 16 de Maio de 2001, da Primeira Secção do Contencioso Administrativo, concedeu provimento ao recurso e, em consequência, anulou o despacho recorrido.
Entendeu-se, então, que as alterações introduzidas pela mencionada lei foram 'profundas' e 'atingiram direitos fundamentais dos trabalhadores, designadamente aqueles que se referem ao seu estatuto remuneratório e à sua integração e progressão na carreira', o que, dado o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 56º da Constituição da República,
'exigia a prévia audição das organizações sindicais representativas do pessoal por ela atingido', o que não se verificou, gerando inconstitucionalidade formal justificativa da recusa da sua aplicação.
Nesta conformidade, concluiu-se, o despacho recorrido, ao aplicar uma lei inconstitucional incorreu em vício de violação de lei determinante da sua anulabilidade – que se decretou.
O magistrado competente do Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pedindo a subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (fls. 188).
Por sua vez, o Ministro da Educação, inconformado, interpôs recurso para o Pleno da Secção, a processar-se como agravo, com efeito suspensivo (fls. 189).
O Conselheiro relator, por despacho de 20 de Junho de
2001 (fls. 190), pronunciou-se apenas sobre este último requerimento, recebendo o recurso, como agravo, a subir imediatamente.
O Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, por acórdão de 5 de Março de 2002, negou provimento ao recurso jurisdicional, acordando em manter 'o juízo de inconstitucionalidade formal da Lei nº 18/96, de
20 de Junho, por violação dos artigos 54º, nº 5, alínea d), e 56º, nº 1, alínea a), da Constituição'.
2. - Notificado, o magistrado do Ministério Público, dada a recusa de aplicação da norma do artigo 35º da Lei nº 18/96, interpôs recurso do acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do citado artigo 70º (fls. 259).
O Ministro da Educação procedeu identicamente com a alegada recusa de aplicação normativa (fls. 260).
Admitidos os recursos, foram os interessados, já neste Tribunal, notificados para alegar.
O recorrente Ministério Público concluiu assim as suas alegações:
'1º - Está sujeita ao dever de audição das associações sindicais interessadas, nos termos impostos pelos artigos 54º, nº 5, al. d) e 56º, nº 1, al. a), da Constituição, a edição, mediante procedimento de ratificação com emendas do decreto-lei originariamente editado, de lei da Assembleia da República, envolvendo alteração substancial e inovatória dos regimes jurídico-laborais atinentes à função pública, não podendo considerar-se consumida ou precludida a nova e indispensável audição de tais entidades com o facto de ter ocorrido prévia audição das mesmas, a propósito do decreto-lei objecto de ratificação.
2º - É, deste modo, formalmente inconstitucional a lei que opera a dita ratificação, incluindo a norma – relevante para a dirimição do caso dos autos – que dispõe inovatoriamente sob o regime de transição e integração do pessoal na IGE, estabelecendo os requisitos que passam a condicionar a integração na categoria de inspector da carreira técnica superior de inspecção.
3º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida.'
Por sua vez, o Ministro da Educação rematou assim as suas alegações :
'A) As associações sindicais foram ouvidas antes da publicação do Decreto-Lei nº
271/95, de 23 de Outubro, não tendo que voltar a sê-lo nas vicissitudes políticas por que aquele diploma veio a passar posteriormente por via da sua alteração por ratificação; B) Foram, assim, violados pela douta decisão recorrida os artigos 56º e 169º da Constituição; C) Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso para que os autos voltem ao Supremo Tribunal Administrativo para serem de novo julgados [...].'
Finalmente, alegou a recorrida, concluindo:
'1ª O processo de apreciação, pela Assembleia da República, de um D.L. convola-se, a partir do momento em que surgem as propostas de alterações, num processo legislativo, ainda que reduzido ou centrado nas emendas propostas e não em todos os preceitos do decreto-lei em causa.
2ª O D.L. nº 271/95 e, posteriormente a Lei nº 18/96, apresentam-se como actos correspondentes a dois procedimentos legislativos autónomos, pelo que tendo sido ouvidas as organizações representativas dos trabalhadores no âmbito do D.L. nº
271/95 também o deveriam ser, relativamente ao processo legislativo de que resultou a Lei nº 18/96.
3ª A Lei nº 18/96 alterou substancialmente e significativamente 27 dos 41 artigos do D.L. 271/95, nomeadamente as normas constantes dos artigos 28º, 33º,
35º, 36º e 38º que se referem, respectivamente, ao sistema remuneratório, à tramitação para a carreira de inspecção superior, à integração de docentes, ao preenchimento de lugares e à extinção de lugares no quadro único do Ministério da Educação, pelo que tais normas contendendo com o conteúdo de direitos fundamentais dos trabalhadores, integram-se na 'legislação de trabalho'.
4ª Deste modo, a publicação da Lei nº 18/96, resultante da ratificação com emendas substanciais e inovadoras do D.L. 271/95, carece da audição das associações sindicais.
5ª A obrigatoriedade de audiência prévia estende-se a todas as versões da Lei – de qualquer Lei – até para que assim se evite a tentação de esvaziamento do conteúdo do direito de participação (através de profundas e posteriores alterações).
6ª Ao ter sido omitida essa obrigação no respectivo procedimento legislativo, a Lei nº 18/96 padece de inconstitucionalidade formal nos termos do disposto nos artºs. 54º, nº 5, al. d) e 56º nº 2, al. a), da Constituição. Termos em que, deverá ser mantido o juízo de inconstitucionalidade formal da Lei nº 18/96, de 20 de Junho, por violação dos artºs. 54º, nº 5, al. d) e 56º, nº 2, al. a) da Constituição.'
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1. - A Inspecção Geral de Educação foi objecto de reorganização pelo Decreto-Lei nº 271/95, de 23 de Outubro, emitido à luz da competência legislativa própria do Governo, que, do mesmo passo, revogou o texto legal que, até então, estabelecia a respectiva orgânica, o Decreto-Lei nº
140/93, de 26 de Abril (cfr. nº 1 do artigo 41º). Considerou-se necessário, para se prosseguir a função principal de avaliar e fiscalizar a realização da educação escolar, a cargo da Inspecção-Geral, uma definição mais completa das suas competências, uma estrutura organizativa adequada e um estatuto de pessoal que respeite 'o princípio da autonomia que deve presidir ao exercício da actividade inspectiva', consoante se lê no preâmbulo do diploma, onde se acrescenta terem sido ouvidas, 'nos termos da lei, as organizações representativas dos trabalhadores'. No entanto, logo no dia 9 de Novembro, um grupo de Deputados à Assembleia da República requereu a ratificação do citado decreto-lei, dando-se início ao procedimento que culminaria na Lei nº 18/96, de 20 de Junho (cfr., a este respeito, o Diário da Assembleia da República, II Série-B, nº 2, de 23 de Novembro de 1995, pág. 7, II Série-B, nº 8, de 6 de Janeiro de 1996, págs. 28 e segs., I Série, nº 23, da mesma data, págs. 649 e segs., I Série, nº 59, de 19 de Abril, págs. 1891 e 1905 e segs., II Série-B, nº 19, de 20 de Abril, págs. 78 e segs., e II Série-A, nº 43, de 18 de Maio de 1996, págs. 758 e segs.). Entretanto, o Decreto-Lei nº 2/96, de 4 de Janeiro, suspendera (parcialmente) a vigência do Decreto-Lei nº 271/95 – repristinando a anterior legislação (artigos
1º e 2º) – com o fundamento da necessidade de 'uma mais aprofundada reflexão' sobre a matéria, 'com vista a avaliar o seu impacte no sistema educativo, ao encontro aliás das preocupações manifestadas pelas organizações representativas de trabalhadores', como consta da nota preambular respectiva. A Assembleia da República, invocando o disposto nos artigos 164º, alínea d),
165º, alínea c), 169º, nº 3, e 172º da Constituição, viria a aprovar o texto que se converteu na Lei nº 18/96, que alterou por ratificação (artigo 172º da versão então em vigor; hoje, 'apreciação parlamentar dos actos legislativos': artigo
169º) aquele Decreto-Lei nº 271/95, assim modificando vinte e sete dos seus quarenta e um artigos, com tácita revogação do Decreto-Lei nº 2/96. Contudo, ao invés do sucedido com o diploma de 1995, não foram ouvidas as organizações representativas dos trabalhadores a respeito das alterações introduzidas.
2. - A norma objecto do presente recurso de constitucionalidade – a do artigo 35º, sob a epígrafe 'Integração de docentes' – situa-se no elenco alterado.
Na sua redacção originária, dispunha o artigo 35º:
'1 – Sem prejuízo das habilitações literárias exigidas, os docentes com pelo menos um ano de exercício de funções inspectivas na IGE, em regime de requisição ou de destacamento, podem ser integrados, durante o período de dois anos, a contar da data da entrada em vigor do presente diploma, na categoria de inspector da carreira de inspecção superior, com dispensa de estágio, mediante concurso de avaliação curricular e entrevista, sendo qualquer uma delas de carácter eliminatório.
2 – A integração dos docentes aprovados no concurso obedece às seguintes regras: a) São nomeados definitivamente; b) O tempo de serviço prestado na IGE é contado para determinação da antiguidade na carreira de inspecção; c) Podem beneficiar da integração, nas condições estabelecidas no nº 5 do artigo
33º, desde que o vencimento da docência seja superior ao devido à categoria de inspector, escalão 1.'
Com a modificação sofrida por via ratificativa, o artigo
35º passou a ter a seguinte redacção:
'1 – Os docentes requisitados na IGE há pelo menos quatro anos, profissionalizados e com o mínimo de cinco anos de exercício da docência, podem requerer no prazo de 30 dias a integração na categoria de inspector da carreira técnica superior de inspecção.
2 – A integração dos docentes requisitados referidos no número anterior obedece
às seguintes regras: a) ... b) O tempo de serviço prestado no IGE é contado para todos os efeitos legais na categoria para que transitam; c) Os docentes referidos no nº 1 que requererem a integração na carreira de inspecção superior serão posicionados para os efeito remuneratórios em escalão da categoria de inspector igual ou imediatamente superior àquele que nesse momento aufiram; d) Os educadores de infância e os docentes referidos no nº 1, licenciados, da educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico serão integrados em escalão imediatamente a seguir àquele a que teriam direito nos termos da alínea anterior.
3 – Os docentes requisitados que se encontrem a exercer funções na IGE há mais de dois anos, profissionalizados e com o mínimo de cinco anos de exercício da docência, poderão ser integrados, nos termos do º 2 do presente artigo, mediante concurso curricular e aprovação em entrevista a requerer no prazo de 30 dias.
4 – A transição prevista no número anterior deverá realizar-se no período máximo de três meses, após o final do decurso do prazo previsto no número anterior.
5 – Os docentes requisitados na IGE há menos de dois anos beneficiarão de preferência em concurso de ingresso para a carreira técnica superior de inspecção, em condições a definir.
6 – Os docentes abrangidos pelo nº 9 do artigo 45º do Decreto-Lei nº 540/79, de
31 de Dezembro, que tenham obtido aprovação no curso específico e no concurso respectivo podem requerer, no prazo de 30 dias, a integração na categoria de inspector da carreira técnica superior de inspecção.
7- A integração dos docentes referidos no nº 5 obedece às seguintes regras: a) São nomeados definitivamente; b) O tempo de serviço prestado nas funções abrangidas pelo nº 9 do artigo 45º do Decreto-Lei nº 540/79, de 31 de Dezembro, é contado para a determinação da antiguidade na carreira de inspecção superior.'
3. - Para o acórdão recorrido, as alterações introduzidas
'atingiram direitos fundamentais dos trabalhadores, designadamente aqueles que se referem ao seu estatuto remuneratório e à sua integração, transição e progressão na carreira', o que exigia a prévia audição das organizações sindicais, de acordo com a alínea a) do nº 2 do artigo 56º da Constituição, por ser matéria que se insere no âmbito da legislação do trabalho.
Ainda de acordo com o aresto, as vicissitudes sofridas pelo diploma não dispensaram a obrigatoriedade de uma prévia audição, atentas as alterações nele introduzidas, tão ou mais importantes que a versão original.
III
1. - A questão agora submetida à apreciação deste Tribunal, dimensionada como objecto de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, consiste em saber se a norma do artigo 35º, na redacção advinda da apreciação parlamentar a que foi submetida, implica, e em que extensão, uma prévia audição das organizações de trabalhadores interessadas, ou se, pelo contrário, assegurada que foi essa consulta inicialmente, não se verificam razões, constitucionalmente relevantes, para o que se afiguraria uma dupla audição.
2. - Coloca-se, assim, à partida, o problema da integração de uma norma como a sindicanda, na redacção dada pela Lei nº 18/96, de 20 de Junho, no conceito de legislação do trabalho.
Face à inexistência de uma conceituação constitucional e ao carácter não esgotante do elenco de matérias acolhido no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 16/79, de 26 de Maio, entende-se por via de regra – e ainda muito recentemente, em plenário, o Tribunal Constitucional o reconheceu, no acórdão nº
368/02, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Outubro de 2002 –, não se encontrarem o intérprete e operador judiciários vinculados a esse enquadramento legal, podendo, desde logo, afirmar-se que na legislação de trabalho se insere, de modo geral, tudo o que respeita à regulamentação de relações individuais e colectivas de trabalho e dos direitos dos trabalhadores, seja na vertente atributiva de direitos, liberdades e garantias, seja na dos direitos económicos, sociais e culturais – o que, de resto, tem sido ponderado por este Tribunal, como no acórdão nº 430/93, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25, 269, ou em lugares jurisprudenciais outros, quer anteriores, quer posteriores (e, assim, inter alia, citem-se os arestos nºs. 64/91 e 362/94, nos citados Acórdãos, 18, 67 e 28, 81, respectivamente).
No tocante ao específico âmbito de legislação de trabalho na função pública, que ora interessa, vem-se considerando que a esse conceito releva, como se escreveu neste último aresto, 'o que se estatui em matéria de regime geral e especial dessa espécie de vínculo de trabalho subordinado, condições de trabalho, vencimentos e demais prestações de carácter remuneratório, regime de aposentação ou de reforma e regalias de acção social e de acção social complementar'.
Concretamente, o Decreto-Lei nº 271/95 fez transitar, no seu artigo 32º (que se manteve inalterado), para um quadro próprio, o pessoal do quadro único dos serviços centrais e regionais do Ministério da Educação em exercício de funções na Inspecção-Geral de Educação, sem prejuízo das especificidades a seguir acauteladas, entre elas constando o regime de integração previsto no artigo 35º, para o pessoal docente, cujo universo não coincide nas duas versões (transcritas supra): contemplavam-se na versão primitiva os docentes com pelo menos um ano de exercício de funções inspectivas na IGE, em regime de requisição ou de destacamento, a integrar nas condições aí previstas durante o período de dois anos, enquanto na versão última incluíram-se os docentes requisitados na IGE há pelo menos quatro anos, 'profissionalizados e com o mínimo de cinco anos de exercício da docência', a integrar de acordo com o condicionalismo previsto em novos moldes, nos termos da parte restante do preceito.
As alterações sofridas – mormente na norma em causa – não são apenas procedimentais ou organizacionais mas são também substancialmente diferentes, na medida em que respeitam ao estatuto do pessoal nelas referido. Pode, com efeito, dizer-se que normas como a do artigo 35º - e bem assim as dos artigos 33º, 36º e 38º - foram substantiva e inovadoramente alteradas no processo ratificativo e importa acrescentar que são parametrizáveis na legislação do trabalho, enquanto dispõem sobre a transição para a carreira de inspecção superior, a integração de docentes e o preenchimento de lugares no quadro previsto no artigo 21º do diploma.
Não obstante, e como já se observou, não consta do diploma de alteração legislativa a audição que a participação de trabalhadores constitucionalmente exige.
3. - A participação das comissões de trabalhadores e organizações sindicais no procedimento de elaboração de legislação do trabalho não significa, obviamente, que estas devam participar em tarefa própria da competência dos órgãos legislativos, tão só que exista o dever de as consultar para se pronunciarem, querendo, através de sugestões, críticas, pareceres e propostas, o que subentende uma eventual intervenção antes da definitiva aprovação dos diplomas legais (assim, entre outros, os acórdãos nºs. 22/86 e
450/93, publicados nos Acórdãos citados, 7-I, 21 e 25, 269, respectivamente).
Os trabalhadores não são, por conseguinte, colocados perante uma modelação já completa e fechada – situação que enfraqueceria notoriamente a amplitude da liberdade da discussão inerente às soluções propostas –, de tal modo que se lhes vede a audição face a uma orientação praticamente consolidada. Com efeito, a intervenção constitucionalmente prevista radica numa teleologia participativa susceptível de 'influenciar os juízos políticos' e a 'decisão jurídica' do legislador, sob pena de se defraudar esse objectivo e se reduzir drasticamente o respectivo conteúdo garantístico (cfr., a este propósito, entre outros, os acórdãos 64/91 e 368/02, já citados, bem como António Barbosa de Melo, 'Discussão Pública pelas Organizações de Trabalhadores das Leis de Autorização Legislativa', in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXI, nº 3/4, 1989, págs. 529 e segs.).
Ou seja, seguindo esta leitura, o Tribunal entende justificar-se uma nova audição relativamente a futuro diploma, não obstante já ter ocorrido um procedimento consultivo em sede de trabalhos preparatórios de lei autorizante, que, em si, contém os parâmetros normativos fundamentais fixadores dos limites do diploma autorizado, designadamente quando este último
(caso da situação apreciada no acórdão nº 64/91), não se limita à reprodução fiel da matéria constante da lei de autorização. A concepção de um eventual excesso na exigência da dupla audição será afastada na medida em que se surpreende a emergência de um procedimento legislativo autónomo.
No concreto caso, diferentemente, a Assembleia da República lançou mão do mecanismo formal da posterior apreciação de um diploma legislativo emanado do Governo pela via expedita da 'ratificação com emendas' como meio idóneo e célere de impor o seu indirizzo político, o que, no entanto, e na medida em que a iniciativa se afasta significativamente, seja no plano adjectivo, seja no substantivo, não dispensa a observância da prévia audição, sob pena de, com esse procedimento, se acolher uma lógica de confirmação parlamentar com a singularidade de esvaziamento do conteúdo do direito constitucional de participação que, assim, se ofenderia.
Se é certo que a Lei nº 18/96 se distancia relevantemente naqueles dois planos do Decreto-Lei nº 271/95 nem por isso o
órgão que a editou estava dispensado de, na medida de tal distanciamento, fazer tábua rasa do imperativo da audição prévia.
Mas, sendo assim, a norma aplicada e objecto do presente recurso carece de constitucionalidade formal, atento o disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea d), e 56º, nº 1, alínea a), da Constituição, segundo o texto ao tempo vigente, decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, com correspondência em idênticos preceitos do texto actual.
IV
Em face do exposto, decide-se:
a) julgar inconstitucional a norma do artigo 35º do Decreto-Lei nº 271/95, de 23 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo único da Lei nº 18/96, de 20 de Junho, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea d), e 56º, nº 1, alínea a), da Constituição da República (texto aprovado pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro);
b) consequentemente, negar provimento ao recurso. Lisboa, 28 de Março de 2003 Alberto Tavares Costa Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida