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Processo nº 16/03
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, instaurados ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A, sendo recorrido o Ministério Público, foi proferida, em 12 de Fevereiro último, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, do seguinte teor:
'1. - A, identificado nos autos, foi condenado, por acórdão do Círculo Judicial de Viseu, de 23 de Abril de 2001 (fls. 131 e segs.), como autor de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido nos termos do nº 1 do artigo 172º do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspendendo-se-lhe a execução por um período de quatro anos, condicionada ao pagamento, no prazo de 15 dias, da importância de 500.000$00 (quinhentos mil escudos) ao Jardim de Infância ..... Do assim decidido recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 5 de Junho de 2002 (fls. 277 e segs.), negou provimento ao recurso, confirmando-se, no todo, a aresto recorrido. Novamente inconformado, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por requerimento que, por despacho do Desembargador relator, de 30 de Setembro seguinte (fls. 345), não foi admitido, atento o disposto nos artigos
172º, nº 1, do Código Penal, e 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal. Tendo reclamado, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 26 de Novembro último, indeferiu a reclamação. Notificado, veio o mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, posto que, como refere, o acórdão da Relação e as subsequentes decisões de indeferimento do recurso 'violaram o disposto nos artigos 12º, 13º, 18º, 26º, nºs. 1, 2 e 3, 27º, nº 1, 202º, nº 2 e 204º, todos da Constituição da República Portuguesa, como violaram também, por incorrecta interpretação e aplicação (o que determina a sua ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão), o disposto nos artigos 172º, nº 1, do Código Penal, no artigo 1º, nº 1, da Lei nº 29/99, de
12 de Maio, nos artigos 400º, nº 1, alíneas f) e c) e 432º, ambos do Código de Processo Penal'.
2. - Entende-se ser de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo
78º-A da Lei nº 28/82, por não ser admissível conhecer do objecto do recurso.
3. - Antes de mais, importa averiguar da recorribilidade de tais decisões, atento o disposto no nº4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Assim, é manifesto que o despacho do Desembargador-relator na Relação, de 30 de Setembro de 2002, que não admitiu o recurso para o STJ, não é uma decisão recorrível, porque era passível de reclamação para o Presidente do STJ, como sucedeu no caso concreto. Decisão recorrível é, pois, o despacho, de 9 de Outubro de 2002, que decidiu a reclamação. No que diz respeito ao acórdão da Relação que conheceu do fundo da causa, este só será uma decisão recorrível para o Tribunal Constitucional no caso de transitar em julgado a decisão da reclamação, seja pelo não conhecimento do recurso de constitucionalidade, seja por se considerar não inconstitucional a norma em causa, pois, assim, o acórdão da Relação já não é susceptível de recurso ordinário. Mas, independentemente desta problemática, não é de conhecer do recurso.
4. - Quanto ao recurso interposto do despacho de 29 de Novembro de 2002, que decidiu a reclamação. Entendeu-se neste despacho que o acórdão da Relação era insusceptível de recurso, por força do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, afastando-se a aplicação da alínea c) a contrario do mesmo preceito e implicitamente do artigo 432º, alínea b), do mesmo código. Ora, das normas indicadas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, só estas foram efectivamente aplicadas nesta decisão, pelo que só relativamente a elas o recurso seria admissível, tendo em conta que o recurso se funda na alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. Porém, o recorrente, no requerimento da reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não suscitou a inconstitucionalidade de tais preceitos. As questões de constitucionalidade que ali enumera (ponto VI do requerimento) são relativas ao fundo da causa e não às normas processuais atinentes à admissibilidade do recurso. Assim, é manifesto que não se pode tomar conhecimento do recuso relativamente às normas do artigo 400º, nº1, alíneas c) e f), e 432º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal.
5. - No que se reporta ao recurso interposto do acórdão da Relação e às normas do artigo 172º, nº1, do Código Penal, e do artigo 1º, nº1, da Lei n.º 29/99, de
12 de Maio. O acórdão da Relação, de 5 de Junho de 2002, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão da 1ª instância. No recurso interposto do acórdão condenatório da 1ª instância o recorrente pugna pela sua absolvição por 'falta evidente de prova', concluindo que «Não o absolvendo o Tribunal 'a quo' violou o disposto no artigo 172º, nº1 do C.Penal»
(conclusão 11ª), apelando ainda ao princípio in dubio pro reo. Quanto à norma referente à lei da amnistia, limitou-se a invocar que sempre '... haveria de beneficiar da amnistia prevista no artº 1º, nº1, da Lei n.º 29/99, de
12 de Maio, o que o tribunal não contemplou, violando obviamente aquele dispositivo legal' (cfr. conclusão 13º). Ou seja, o recorrente não suscitou durante o processo as questões de constitucionalidade relativas a estas normas a tempo de o tribunal recorrido (a Relação) sobre elas poder e dever pronunciar-se. E, não interessa para o caso que o recorrente tenha invocado tais questões no recurso que interpôs para o STJ, porque a decisão da Relação era irrecorrível e, por isso, as questões ali invocadas já não poderiam ser apreciadas pelo tribunal de recurso. Mas, ainda que assim não fosse, não seria de conhecer do recurso porquanto, o que o recorrente discute é a prova em que assentou a condenação e imputa os vícios de inconstitucionalidade à própria decisão, em si mesma considerada (cfr. conclusão 11ª das alegações de recurso para o STJ), o que não pode ser objecto do recurso de constitucionalidade.
6. - Pelo exposto e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
2. - Notificado, vem o arguido reclamar para a conferência, invocando, para o efeito, o nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil (e não, como devia ter invocado, o nº 3 daquele artigo 78º-A).
Mediante a peça processual apresentada, o arguido manifesta a sua inconformidade com o decidido, 'que o prejudica claramente nos seus mais elementares direitos como cidadão'. E, convocando o preceituado no artigo 4º do Código de Processo Penal, entende inexistirem razões formais ou de princípio que impeçam que, no seu caso, se observe o disposto no artigo 700º do Código de Processo Civil.
Ouvido, o Ministério Público entende tratar-se de reclamação manifestamente improcedente.
3. - Nada alega o reclamante, na verdade, que, de algum modo contrarie ou ponha em causa a fundamentação da decisão sumária – que assim, com ela se concordando na sua essencialidade, se confirma.
Nestes termos, indefere-se a reclamação apresentada, confirmando-se a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 19 de Março de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida