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Processo n.º 18/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
l. A deduziu, nos termos do n.° 4 do artigo 76.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.°
13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Dezembro de 2002, que não admitiu o recurso por ele interposto através do requerimento de fls. 473, do seguinte teor:
'(...) notificado do acórdão que negou a reforma do acórdão anteriormente proferido por esse Supremo Tribunal de Justiça, abrangendo ainda o acórdão reformado para o qual remete e de que faz parte integrante, e com ele se não conformando, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, a subir imediatamente nos autos, com efeito suspensivo – artigos 277.º da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, alínea b), e 75.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das normas constantes das alíneas a), b) e c) do artigo
1691.º, n.º 2, do artigo 1682.º e ainda a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º, todos do Código Civil, na interpretação que delas foi efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
São as seguintes as normas e princípios constitucionais violados:
a) o princípio da confiança ínsito ao Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição;
b) o n.º 2 do artigo 36.º da Constituição.'
Fundamentou a reclamação nos seguintes termos:
'1 – O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça proferido em 4 de Abril de 2002, completado pelo acórdão proferido em 30 de Outubro de 2002, que visava a reforma daquele.
2 – O recurso interposto, tal como se colhe do requerimento de interposição, visa a apreciação da inconstitucionalidade: das alíneas a), b) e c) do artigo 1691.°, n.° 2, do artigo 1682.° e da alínea f) do n.° 1 do artigo
755.°, todos do Código Civil, na interpretação deles feita pelo STJ, que, no entender do ora reclamante, violam as normas e princípios constitucionais consagrados no artigo 2.° da Constituição e o n.° 2 do artigo 36.° da Constituição.
3 – Tal recurso não foi admitido, sem que o despacho reclamado, todavia, expressasse, de forma concretizada, os fundamentos da não admissão, remetendo, de forma genérica, para o que consta de fls. 455 a 465, ou seja, para o que consta do acórdão de 30 de Outubro de 2002, sendo difícil, para não dizer quase impossível, aferir dos fundamentos da não admissão.
4 – Todavia, com boa vontade, é possível pensar que a fundamentação da não admissibilidade do recurso se poderá encontrar nos n.°s 4 e 5.1 do acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2002, para que remete o despacho de indeferimento do recurso.
5 – Com efeito, no n.° 4 do citado acórdão, refere o STJ que não deu qualquer interpretação às normas legais sobre o direito de retenção e as responsabilidades da Rosalina, invocadas pelo recorrente, ora reclamante.
E, no n.° 5 do mesmo acórdão, o STJ mais referiu que, nas instâncias e no Supremo não foi levantada pelo recorrente, no lugar próprio, qualquer questão de inconstitucionalidade, observando ainda que as normas jurídicas em causa não chegaram a ser aplicadas por não resultarem provados factos nelas subsumíveis.
6 – Sucede, porém, que, salvo o devido respeito, tal fundamentação não pode colher, como se irá demonstrar.
7 – Para o reclamante, o que está em causa é a forma como o Supremo interpretou e aplicou a lei aos factos provados, que, no entender daquele, acarretaria a inconstitucionalidade de tais normas legais aplicadas, não podendo antes, razoavelmente, contar com tal interpretação, pelo que há uma razão excepcional a justificar que só já em via de reforma do acórdão do Supremo de 4 de Abril de 2002, tenha sido suscitada a questão da inconstitucionalidade, como adiante melhor se explicitará.
8 – Antes de mais, importa ter presente a matéria de facto provada, quer nas instâncias, quer no Supremo, já que, nesse campo, não houve qualquer alteração. Assim, tem-se como provada a seguinte matéria de facto, relatada no acórdão proferido em 4 de Abril de 2002:
a) em 11 de Julho de 1983, o autor e o réu A subscreveram declaração que designaram de compra e venda, pela qual este declarou vender e o autor comprar-lhe duas lojas, do prédio urbano sito na Rua ..., pelo preço de 4 900
000$00, através do documento de fls. 8;
b) o autor entregou ao réu A o total do preço acordado e referido em a), e o autor passou a ocupar aquele espaço, desde então, com a entrega das chaves;
c) à data da assinatura daquele documento, o réu A era casado com a ré B, em regime de comunhão geral de bens;
d) casamento que foi dissolvido por sentença datada de 4 de Outubro de 1990, não havendo declaração de culpa;
e) na sequência do divórcio, correu termos autos de inventário para partilha de bens comuns, no qual foi adjudicado à ré a fracção autónoma designada pela letra B, do prédio urbano, sito na Rua ...;
f) o autor, desde então, permitiu que no local a Sociedade C, de que
é sócio gerente, o utilize como armazém de mercadorias, ali recebendo clientes e mercadorias (resposta ao quesito 3.º);
[ não existem alíneas g) e h)]
i) tendo a ré acolhido favorável e publicamente a celebração do negócio em causa (resposta ao quesito 6.º);
j) já separada de facto do réu, a ré enviou da África do Sul, onde se encontrava, uma procuração para uma filha a representar na escritura de venda das lojas (resposta ao quesito 7.º);
l) tal escritura não foi realizada, por insuficiência de poderes da dita procuração (resposta ao quesito 8.º);
m) a ré trabalhava, ao tempo da declaração em questão, na loja com entrada pelo n.° 157-B (resposta ao quesito 9.º);
[ não existe alínea n)]
o) a ré B aproveitou do dinheiro entregue pelo autor ao réu (resposta ao quesito 10.º);
p) à data da adjudicação (20 de Julho de 1994) do prédio à ré, as lojas referidas em a) valiam 20 000 000$00 (resposta ao quesito 11.º);
q) as duas lojas referidas em a) correspondem a 2/3 da fracção B)
(resposta ao quesito 12.º);
todas as três lojas possuem autonomia, estando separadas, e com entradas independentes (resposta ao quesito 13.º).
8 – Deverá ter-se ainda em conta, por não ter sofrido impugnação, a fundamentação da resposta dada ao quesito 7.°, pela 1.ª Instância, do seguinte teor: «No que se refere ao ponto 7, ponderamos ainda a situação económica testemunhada pelo irmão do réu, anterior à escritura de compra e venda relativa ao andar onde os réus então residiam, que faz concluir pela inexistência de fundos familiares para o exercício daquela preferência e das lojas, se não fosse a anterior promessa de venda feita pelo réu ao autor, de quem recebeu o acordado preço».
9 – Aplicando o direito à matéria de facto referida, o STJ no acórdão de 4 de Abril de 2002, decidiu o seguinte, com interesse para o recurso de inconstitucionalidade:
– A promessa de venda das lojas, bem comum dos réus, A e B, feita apenas por aquele é válida e eficaz.
– Todavia, no tocante à obrigação de indemnizar o autor, pelo incumprimento da promessa, o STJ decidiu que, como o A não obteve o consentimento «expresso e formal» da sua então mulher e ré B, só ele responde pela indemnização devida ao autor, ora reclamante.
– E decidiu ainda o Supremo que, como só o A recebeu o preço de 4900 contos do promitente comprador, só aquele responde e não também a sua então mulher, ainda que esta tenha aproveitado de algum desse dinheiro.
– Mais decidiu o STJ que, quanto ao peticionado direito de retenção sobre as lojas, para garantir o pagamento da indemnização devida ao autor pela promessa incumprida, não houve «tradição jurídica da coisa», apesar da entrega das lojas ao promitente comprador, porque o marido não tinha, por si só, legitimidade para conferir a posse ao autor, de modo a que essa posse pudesse acarretar as consequências dos artigos 442.°, n.° 2, e 755.°, alínea f), do Código Civil, ou seja, o direito de retenção sobre a coisa objecto da promessa.
10 – Ora, é óbvio que, quando o Supremo Tribunal de Justiça refere que o A não obteve o consentimento expresso e formal da então mulher B e por isso esta não pode ser responsabilizada pela indemnização devida ao promitente comprador, está implicitamente a interpretar o disposto no artigo 1691.°, alínea a), do Código Civil no sentido de que o consentimento previsto nesse normativo deve ser expresso e formal, interpretação essa que, no entender do reclamante, é inconstitucional.
Pois, uma coisa é o consentimento para a venda exigido pelo artigo
1682.°-A, n.° 1, alínea a), do Código Civil, que não está em causa, já que o autor peticiona a indemnização pelo incumprimento, outra é a responsabilização de ambos os cônjuges pela indemnização, já que a mulher também concordou com o negócio, como resulta dos factos provados nas alíneas i) e j).
11 – Logo, o Supremo aplicou a alínea a) do artigo 1691.° do Código Civil, embora sem a referir expressamente, com um sentido que a torna inconstitucional.
12 – Também o STJ, ao decidir que só o A responde pela indemnização devida ao promitente comprador, por ter recebido o preço de 4900 contos, e que, tal como resulta da resposta ao quesito 7.°, a situação económica do casal à data do contrato promessa fizesse concluir pela ausência de fundos familiares para o exercício de direito de preferência na compra das lojas pelos réus ao seu então senhorio, se não fora o sinal recebido do autor, ainda que a ré, então sua mulher, tenha partilhado desse dinheiro, estava a aplicar, implicitamente, o disposto nas alíneas b) e c) do n.° l do artigo 1691.° do Código Civil, num sentido que, quanto ao reclamante, é inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito no Estado de Direito, consagrado no artigo 2.° da Constituição, em termos a explicitar no recurso, caso venha a ser admitido, como se espera.
13 – E, ao decidir que só teria havido tradição jurídica das lojas, pressuposto do direito de retenção, no caso de a B, então mulher do promitente vendedor, ter dado o seu consentimento expresso e formal para venda, carecendo por isso o marido de legitimidade para conferir a posse jurídica, tendo o STJ expressamente referido que tal situação não era susceptível de desencadear os efeitos previstos no n.° 2 do artigo 442.° e no artigo 755.°, alínea f), do Código Civil, estava, no entender do reclamante, a interpretar tais normativos de forma que os mesmos seriam inconstitucionais.
14 – Fica, portanto, demonstrado que o Supremo, de forma expressa no último caso referido e de forma implícita nos casos referidos no n.° 12, aplicou normas da lei substantiva num sentido que as torna inconstitucionais.
15 – Não tem portanto sentido, salvo o devido respeito, dizer-se no despacho reclamado que, por falta de factos provados, não se chegou a aplicar as normas citadas. A realidade é bem outra, o Supremo aos factos provados e só esses importa considerar, aplicou o direito, numa interpretação que o reclamante considera inconstitucional, juízo que pretende colocar à consideração desse Tribunal, a quem cabe, em última instância, essa apreciação.
16 – Igualmente não tem fundamento o argumento de que a invocação da inconstitucionalidade não foi oportuna.
17 – Com efeito, as instâncias decidiram de forma diferente do Supremo Tribunal de Justiça, não tendo aplicado os normativos em causa com o sentido que aquele lhes deu.
18 – Por isso, o ora reclamante referiu, o que não foi percebido, que não podia alegar a inconstitucionalidade das normas antes, uma vez que só no Supremo lhes foi dada a interpretação considerada inconstitucional.
19 – E tal interpretação dada pelo Supremo é tão inesperada quão insólita, não podendo o ora reclamante razoavelmente contar com ela para a rebater por antecipação.
20 – E é jurisprudência assente desse Tribunal Constitucional que, no que tange aos recursos com base na alínea b) do artigo 70.º da LTC, constituem excepção a tal regra os casos excepcionais e anómalos em que o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa imprevista ou inesperada.
21 – De qualquer forma, tendo o ora reclamante pedido a reforma do acórdão proferido pelo Supremo, incluiu nela a apreciação da inconstitucionalidade, o que não foi feito, com o argumento, quanto ao reclamante insubsistente, de que não tinha havido aplicação das normas – o que não é exacto – e de que já não era altura para suscitar tal questão – o que não colhe, como se demonstrou.
22 – Logo, a invocada inconstitucionalidade foi tempestiva, tendo o Supremo Tribunal de Justiça até decidido que o problema da inconstitucionalidade nem se colocava por falta de factos provados para aplicação das normas consideradas inconstitucionais, embora sem fundamento, como se demonstrou.'
Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, com um triplo fundamento: (i) 'em primeiro lugar – não curou o reclamante de enunciar, em termos claros e inteligíveis, quais as concretas e específicas interpretações ou dimensões normativas que pretendia questionar, limitando-se, face ao teor do seu requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta, a pretender que este Tribunal vá sindicar da constitucionalidade de vários preceitos legais «na interpretação que deles foi efectuada pelo STJ»; é evidente que tal afirmação não permite delimitar minimamente o objecto do recurso de modo a determinar quais são as concretas questões de inconstitucionalidade de normas que a este Tribunal cabe apreciar'; (ii) 'em segundo lugar, não se mostra suscitada, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade de «normas», sendo evidente e inquestionável que um artificioso e obviamente inadmissível pedido de reforma de pretensos «lapsos», ostensivamente inexistente, não é instrumento processual adequado para levantar, pela primeira vez, questões de inconstitucionalidade; carece, por outro lado, de fundamento sério pretender que a composição do litígio, alcançada pelo Supremo, traduz prolação de uma «decisão surpresa», com que o recorrente não pudesse razoavelmente contar'; e (iii) 'finalmente – e como cabalmente se demonstra no douto acórdão de fls. 455 e seguintes –, não constituiu ratio decidendi do acórdão proferido a interpretação e aplicação das normas ou interpretações delineadas pelo recorrente no requerimento de fls. 430, assentando tal decisão na especificidade da matéria de facto alegada e considerada provada pelas instâncias'.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LCT – que foi o interposto pelo ora reclamante – depende da suscitação 'durante o processo' da inconstitucionalidade da(s) norma(s) aplicada(s) pela decisão recorrida e cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, esclarecendo o n.º 2 do artigo 72.º da mesma Lei que tal recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve
'lapso manifesto' do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Expostos estes critérios, fácil é demonstrar a improcedência da presente reclamação.
3. Como se assinala no parecer do Ministério Público, quando o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional de determinada 'interpretação normativa' que terá sido assumida na decisão recorrida, é fundamental que especifique e concretize – primeiro, perante o próprio tribunal recorrido e, depois, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – em que consistiu tal
'interpretação normativa', sob pena de se tornar intoleravelmente fluido o próprio objecto do recurso de constitucionalidade. Ora, o reclamante não satisfez nenhum desses ónus.
Depois, e decisivamente, as pretensas questões de inconstitucionalidade de interpretações normativas não foram suscitadas, de forma processualmente adequada, perante o tribunal recorrido, em termos de este ficar obrigado a delas conhecer.
O ora reclamante nunca suscitou qualquer questão de constitucionalidade ao longo dos autos, até à prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Abril de 2002, designadamente nas alegações dos recursos de apelação e de revista. E continuou a não a suscitar no requerimento de arguição de nulidades desse acórdão (cf. fls. 400 a 406), indeferido pelo acórdão de 23 de Maio de 2002. Só depois de notificado deste último acórdão, é que, no requerimento de reforma do primeiro acórdão, deduzido com invocação do artigo 669.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, é que, pela primeira vez nos autos, suscitou a questão da inconstitucionalidade de pretensas interpretações dadas ao disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo
1691.º e na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º, ambos do Código Civil. Registe-se, aliás, que nesse requerimento nenhuma referência é feita a eventual interpretação inconstitucional da norma do n.º 2 do artigo 1682.º do mesmo Código, questão a que só alude, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Ora, como se assinalou, nem o pedido de reforma do acórdão nem, muito menos, o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade constituem formas processualmente adequadas de suscitar questões de constitucionalidade normativa.
Só assim não seria se o reclamante não tivesse tido oportunidade processual de suscitar tais questões antes de proferido o acórdão final ou se neste viesse a ser adoptada uma solução de todo inesperada. Nenhuma destas condições se verifica: as aludidas questões podiam (e deviam) ter sido suscitadas nas alegações do recurso de revista e as posições assumidas pelo acórdão recorrido não podem ser consideradas soluções inesperadas. Na verdade, quer a irresponsabilidade da ré (ex-)mulher por não lhe ser imputável a responsabilidade pelo incumprimento do contrato promessa, quer a inexistência de tradição jurídica, pressuposto do direito de retenção, por falta de consentimento expresso e formal da ré, já haviam sido afirmadas expressamente no acórdão da Relação (cf. fls. 313 a 315), não constituindo, assim, 'decisões surpresa' a sua reiteração no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Tanto basta, sem necessidade de considerações complementares, para se concluir pela insubsistência da presente reclamação.
4. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 ( quinze ) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Março de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Luís Nunes de Almeida