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Processo nº 756/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vindos do Supremo Tribunal Administrativo, interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sendo recorrentes A, B, e C, e recorrido o Secretário de Estado das Obras Públicas, foi proferida, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, decisão sumária, em 20 de Janeiro último, na qual se decidiu não tomar conhecimento do recurso, nos termos e fundamentos que se passam a reproduzir:
'1. - A, B, e C identificadas nos autos, requereram no Tribunal Central Administrativo, juntamente com a interposição do recurso contencioso, a suspensão da eficácia do despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas n.º
21-I/SEOP/2001, de 29 de Maio de 2001, que decidiu que, 'para efeitos de instrução do processo de aplicação das penalidades contratuais (cláusula 78) deverá o processo ser remetido ao Instituto de Estradas de Portugal para a apreciação e elaboração da respectiva proposta'. O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 29 de Novembro de 2001, declarou-se incompetente em razão da matéria para decidir o pedido de suspensão, tendo as requerentes requerido a remessa do processo ao Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 4º, nº1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho).
2. - Por acórdão de 24 de Janeiro de 2002, o Supremo Tribunal Administrativo indeferiu o pedido de suspensão de eficácia considerando que não se verificava o requisito da alínea a) do nº1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, por que 'os descritos prejuízos invocados, além de serem aleatórios ou eventuais, não podem ser considerados como consequência directa, típica e necessária da execução do despacho cuja suspensão foi requerida, não se verificando, deste modo, a aludida relação de causalidade adequada [aferida nos termos do artigo 563º do Código Civil] entre a execução do acto e os alegados prejuízos'. Inconformados, interpuseram as recorrentes recurso para o Pleno, com fundamento em oposição de julgados ocorrida entre o acórdão proferido nestes autos e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Março de 1995, prolatado no processo n.º 36.820-A, da 1ª secção, 2ª subsecção, que, no seu entendimento, estão em contradição no que respeita à questão da verificação do requisito da alínea a) do nº1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Por acórdão do Pleno da 1ª Secção de 3 de Outubro de 2002, o Supremo Tribunal Administrativo julgou como não verificada a alegada oposição de julgados, dando por findo o recurso.
3. - Inconformadas com este aresto vieram as recorrentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade das normas das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que entendem violar os princípios da tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 20º, 268º e 266º, nº2, da Constituição.
4. - Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso – n.º3 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 – entende-se não se poder conhecer do objecto do recurso, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do n.º1 do artigo 78º-A do mesmo diploma.
5. - Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida, que como tal se assuma como seu suporte fundamentante. No exercício deste controlo normativo escapa à competência cogniscitiva do Tribunal Constitucional - de acordo com o nosso ordenamento jurídico - qualquer forma de fiscalização sempre que a questão de constitucionalidade seja dirigida
à decisão judicial, em si mesma considerada. Assim, competindo ao recorrente o ónus de suscitação, deverá este cumpri-lo, referenciando-o normativamente, desse modo pondo em causa, por alegada violação de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico utilizado na decisão ao aplicar a norma jurídica questionada. E, nesta medida, quando, nomeadamente, se discuta uma dimensão interpretativa, deverá fazê-lo não só atempadamente mas de forma clara e perceptível, em termos de o Tribunal recorrido saber que tem essa questão para resolver e não subsistam dúvidas quanto ao sentido da mesma - até porque, frequentemente, não se revela tarefa fácil traçar com nitidez a linha de demarcação entre a interpretação discutida e a decisão qua tale, cuja reapreciação não pode, nesta sede, ser reaberta.
6. - No caso dos autos, o acórdão recorrido – o acórdão do Pleno de 3 de Outubro de 2002 – que julgou como não verificada a alegada oposição de julgados, dando por findo o recurso, fundamentou-se no seguinte:
«Nos termos do art.º 24° al. b) do ETAF96 (DL 129/84, de 27 de Abril, na redacção do DL 229/96, de 29.11) compete à Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em Pleno, conhecer dos recursos de acórdãos da Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção ou do respectivo Pleno. Ou seja, para que haja oposição de julgados, conforme tem sido repetidamente afirmado pela Jurisprudência deste Tribunal Pleno, é necessário que as soluções opostas perfilhadas decorram de situações de facto idênticas, não se verificando oposição de julgados quando as soluções de direito diferentes, a que num e noutro caso se chegou, assentaram em circunstâncias ou situações factuais divergentes.
'As duas identidades (questão de direito e questão de facto) interagem de tal forma, que só poderá falar-se da mesma questão fundamental de direito ou do mesmo fundamento de direito se as situações de facto sobre que se apoiavam as soluções jurídicas, apresentarem elementos que as identifiquem como questões que deveriam merecer tratamento jurídico igual' ( cfr . Ac. de 21.02.95, rec. 32
950, in AD 368/369, citado pelo Mº Pº) Como se diz no Ac. do Pleno de 15.10.99, rec. 42436, não haverá oposição de julgados se as soluções divergentes tiverem sido determinadas, não pela diversa interpretação dada às normas jurídicas, mas pela diversidade das situações de facto sobre que recaíram. No caso em apreço não se verifica similitude essencial nas situações e nas circunstâncias de facto em que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento basearam as respectivas decisões Com efeito, como se vê dos acórdãos em confronto, e vem referido no parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, a situação de facto sobre que foram proferidas as respectivas decisões é manifestamente diversa, sendo que no acórdão fundamento se tratava da suspensão de despacho de membro do Governo que exonerava o requerente do cargo de professor efectivo de uma escola secundária um professor e, no acórdão recorrido, estava em causa a suspensão de despacho que, na sequência de inquérito a acidente ocorrido em obras a que procediam as requerentes, no âmbito dos respectivos contratos de empreitada, decidiu que,
'para efeitos de instrução do processo de aplicação das penalidades contratuais
(cláusula 78) deverá o processo ser remetido ao Instituto das Estradas para apreciação e elaboração da respectiva proposta'. Trata-se de situações de facto diversas em que é obviamente diversa a razão de decidir sobre a natureza de prováveis prejuízos que da execução de tais despachos possa resultar. Por outro lado, no plano da aplicação do direito, verifica-se que não há qualquer divergência porquanto, relativamente à natureza dos danos aptos a constituírem prejuízos de difícil reparação, para preenchimento do requisito do art.º 76°, n° 1 a) da LPTA, ambos os acórdãos expendem idêntica doutrina só sendo divergente a solução de direito por serem divergentes as conclusões a que ambos chegaram sobre a relevância dos prejuízos. Com efeito no acórdão recorrido indefere-se o pedido de suspensão com base no seguinte entendimento: 'Conclui-se, assim, que os descritos prejuízos para além de serem aleatórios ou eventuais, não podem, pois, ser considerados como consequência directa, típica e necessária da execução do despacho cuja suspensão vem requerida, não se verificando, deste modo, a aludida relação de causalidade adequada ente a execução do acto e os alegados prejuízos'. O que está perfeitamente de acordo com a pronúncia do acórdão fundamento no qual se diz que, 'nesta medida a aceitação da mesma teoria na suspensão de eficácia dos actos administrativos impõe que se atenda aos prejuízos que, não deixando de ser eventuais, são consequência normal típica - e logo provável - da execução do acto. Por outra via, são irrelevantes os prejuízos eventuais que não decorram normal e tipicamente de tal execução - a sua verificação prenuncia-se como meramente hipotética ou conjectural '. Como alega, aliás, o próprio recorrente, o que se diz no acórdão fundamento, à semelhança do que se afirma no recorrido, é que os prejuízos relevantes para efeitos do disposto no art.º 76°, n° 1 al. a) da LPTA são os que, segundo aquele juízo, se podem considerar consequência normal e típica da imediata execução do acto administrativo' Verifica-se portanto, que as situações de facto subjacentes às decisões judiciais em confronto são diversas, não havendo oposição nas soluções de direito que, assentando em pressupostos diversos ainda que perfilhando a mesma doutrina, são, consequentemente também diversas. Isto é, as soluções divergentes a que nos acórdãos em confronto se chegou foram determinadas, não pela diversa interpretação dada às normas jurídicas, mas pela diversidade dos pressupostos de facto em que assentaram. Por tudo o exposto, não se verificando a alegada oposição de julgados, acordam em julgar findo o recurso.»
7. - Ora, resulta manifesto que a decisão recorrida não fez aplicação da norma da alínea b) do nº1 do artigo 76º da LPTA, que nem sequer constituía objecto do recurso, como também não aplicou a norma da alínea a) do mesmo preceito. Na verdade, a decisão recorrida apenas apreciou da verificação dos pressupostos que fundamentam a oposição de julgados, tendo concluído que não ocorriam em concreto, uma vez que 'as soluções divergentes a que nos acórdãos em confronto se chegou foram determinadas, não pela diversa interpretação dada às normas jurídicas, mas pela diversidade dos pressupostos de facto em que assentaram', e não dirimiu a oposição de julgados, fixando a interpretação que julgasse ser adequada. Nessa medida, não tendo o acórdão recorrido expressado o seu entendimento sobre qual das orientações/interpretações deveria prevalecer, não dirimiu o conflito e não fez verdadeira aplicação da norma em causa. Além do mais, os recorrentes não invocaram nas alegações de recurso para o Pleno qualquer questão de constitucionalidade, de modo a permitir que, em caso de aplicação da norma, o Supremo Tribunal Administrativo tivesse oportunidade de se pronunciar sobre tal questão, o que bastaria para não se conhecer do recurso.
8. - Mesmo que se entendesse que houve lapso das recorrentes na identificação da decisão recorrida e que pretendiam interpor recurso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Janeiro de 2002, também não se poderia tomar conhecimento do mesmo porque este aresto não aplicou a norma da alínea b) do nº1 artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - pois concluiu pela inverificação do requisito da alínea a), julgando desnecessária a apreciação dos restantes requisitos do procedimento em causa, que são cumulativos -, e as recorrentes não suscitaram a questão de constitucionalidade durante o processo, no que respeita à norma da alínea a) do mesmo preceito normativo, pois, a questão de constitucionalidade suscitada no artigo 59º do requerimento inicial de suspensão de eficácia, que as recorrentes mencionam no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, reporta-se à alínea b) do nº1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e não à alínea a).
9. - Deste modo, não tendo a decisão recorrida feito aplicação como sua ratio decidendi das normas cuja apreciação se pretende e porque as questões de constitucionalidade não foram adequadamente suscitadas durante o processo, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
10. - Assim, dado o sumariamente exposto, decide-se, nos termos do nº1 do artigo
78º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do recurso. Custas a cargo das recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta para cada uma.
2. - Notificados, reclamaram os recorrentes para a conferência, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pedindo que, atendendo-se ao reclamado, consequentemente se venha a conhecer do objecto do recurso.
O recorrido nada veio dizer aos autos.
3. - As reclamantes alegam que, não obstante terem
'formalmente recorrido' do acórdão do Pleno, de 3 de Outubro de 2002, o certo é que, na verdade, tinham por objectivo recorrer do acórdão da Secção, de 24 de Janeiro do mesmo ano, dado que foi aí que se apreciou a suscitada questão de constitucionalidade, nada obstando a que, agora, o Tribunal Constitucional tome conhecimento do seu pedido de recurso, sendo indiferente que o Pleno tenha, ou não, aplicado as normas impugnadas ou sobre elas se tenha, de qualquer modo, pronunciado.
No entanto, o requerimento de interposição de recurso é o acto processual idóneo para a fixação do objecto deste, colhendo-se linearmente da sua leitura (fls. 478) que o objecto do recurso foi delimitado ao acórdão do Pleno.
Assim, mostra-se inequívoca a identificação da decisão de que se pretendeu reagir, que, reconhecidamente, não aplicou as normas impugnadas nem sobre elas tomou posição, como era natural, visto estar em causa hipotética oposição de acórdãos.
De qualquer modo, mesmo que se concedesse ser pertinente a objecção feita, sempre haveria que sustentar não se ter quedado no plano meramente formal a decisão sumária, a qual, nos termos e pelas razões constantes do seu nº 8, condensados no nº 9 – acima transcritos -, considerou não ser possível conhecer do objecto do recurso.
É este entendimento que, na sua essencialidade se perfilha, conducente à confirmação da decisão proferida.
4. - Em face do exposto, decide-se confirmar a decisão reclamada e indefere-se a presente reclamação.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta por cada reclamante. Lisboa, 19 de Março de 2003- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida