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Processo n.º 151/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A deduziu, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 2003, que não admitiu, por intempestivo, o recurso por ela interposto dos acórdãos desse Supremo Tribunal, de 7 de Outubro de 2002 e de 18 de Dezembro de 2002, que, respectivamente, indeferiram pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 22 de Março de 2002, que determinara a suspensão da convenção entre a reclamante e o Ministério da Saúde para a realização de análises clínicas, e pedido de reforma do anterior acórdão.
O despacho reclamado é do seguinte teor:
'O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional de fls. 243 foi apresentado depois de expirado o prazo legal de interposição de 10 dias.
Efectivamente, a notificação considera-se efectuada em 23 de Dezembro e o seu terminus foi em 2 de Janeiro de 2003, terminando a possibilidade de apresentação com multa em 7 de Janeiro de 2003.
Os prazos no presente processo de suspensão de eficácia correm em férias, por se tratar de processo urgente – artigos 6.º e 76.º a 79.º da LPTA.
Assim, por intempestivo, não se admite o recurso.'
A reclamação apresentada desenvolve a seguinte argumentação:
'1. Em 23 de Dezembro de 2002, a ora requerente foi notificada do aliás douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Dezembro de 2002. Não se conformando com a referida decisão, por requerimento apresentado em 8 de Janeiro de 2003, a ora requerente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 76.°, n.º 1, alínea b), da LPTA (vide fls. 243 dos autos). O douto despacho reclamado julgou intempestivo o requerimento apresentado a fls.
243 dos autos, pois «os prazos no presente processo de suspensão de eficácia correm em férias, por se tratar de processo urgente – artigos 6.° e 76.° a 79.° da LPTA» (vide fls. 245 dos autos).
Salvo o devido respeito – e é muito –, não podemos concordar com este entendimento.
2. O artigo 43.° da LTC, na versão actualmente em vigor, estatui, sob a epígrafe «Férias», o seguinte:
«1. Aplica-se ao Tribunal Constitucional o regime geral sobre férias judiciais relativamente aos processos de fiscalização abstracta não preventiva da constitucionalidade e legalidade de normas jurídicas e aos recursos de decisões judiciais.
2. Relativamente aos restantes processos não há férias judiciais.
3. Nos recursos interpostos de decisões judiciais proferidas em matéria penal em que algum dos interessados esteja detido ou preso ainda sem condenação definitiva, os prazos processuais previstos na lei ocorrem em férias judiciais, salvo o disposto no número seguinte.
4. Suspendem-se durante o mês de Agosto os prazos destinados à apresentação de alegações ou respostas pelos interessados detidos ou presos, sem prejuízo, porém, da possibilidade de o relator determinar o contrário ou de o interessado praticar o acto durante esse período.
5. Podem ainda correr em férias judiciais, por determinação do relator a requerimento de qualquer dos interessados no recurso, os prazos processuais previstos na lei, quando se trate de recurso de constitucionalidade interposto de decisão proferida em processo qualificado como urgente pela respectiva lei processual.»
Ora, no caso sub judice, não foi apresentado nem deferido qualquer requerimento no sentido de o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Venerando Supremo Tribunal Administrativo correr em férias (vide artigo 43.°, n.º 5, da LTC).
3. Além disso, nos termos do artigo 69.° da LTC, à tramitação do recurso para o Tribunal Constitucional apenas são «subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação», não sendo assim aplicáveis as normas dos artigos 6.° e 76.° a 79.° da LPTA, que qualificam o presente processo como urgente.
Na verdade, conforme se decidiu em situação absolutamente idêntica à presente, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 35/92, de 28 de Janeiro de 1992:
«A intempestividade do recurso resultaria do facto de o recorrente não ter apresentado o requerimento dentro do prazo legal do recurso – que é de 8 dias –, contando tal prazo como se o processo não tivesse carácter urgente – como, de facto, tem –, correndo a contagem dos prazos em férias.
O reclamante entende que, sendo embora o processo urgente, todavia o presente recurso de constitucionalidade não tem esse carácter, uma vez que as normas que o regem são as próprias do processo constitucional e, subsidiariamente, por força do artigo 69.° da LTC, as normas do recurso de apelação do processo civil comum.
A questão que vem suscitada nos presentes autos é a de saber como se deve contar o prazo de 8 dias do recurso de constitucionalidade quando esta questão surge em processos que na jurisdição de origem têm natureza de urgente, como é o caso.
O presente processo – que é um processo de intimação do Presidente da Câmara de Lisboa para passar uma certidão – tem, com efeito, na respectiva jurisdição, a natureza de urgente e os respectivos prazos correm nas férias, constituindo essa natureza uma garantia dos administrados com vista à rápida obtenção dos elementos indispensáveis a fazer valer direitos perante a Administração – tal como se refere no parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo.
Questão semelhante à que vem suscitada nos presentes autos, foi já resolvida pelo Tribunal no Acórdão n.° 38/88 (in Diário da República, II Série, de 7 de Maio de 1988), em recurso de constitucionalidade surgido em processo de expropriação.
Ali se escreveu:
'A questão encontra uma resposta inequívoca na lei. Com efeito, dispõe o artigo 69.° da Lei n.º 28/82, que «à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação».
Ora, nos termos da lei processual civil, o prazo para a interposição dos recurso é de 8 dias, contados da notificação da decisão (artigo 685.°, n.°
1, do CPC). Este prazo suspende-se, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e dias feriados (artigo 144.°, n.° 3, do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 381-A/85, de 28 de Setembro).
Daqui deriva, sem margem para dúvidas, a conclusão de que o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade, sendo de 8 dias, se suspendeu durante as férias judiciais, os sábados, os domingos e os dias feriados.'
Aplicando esta jurisprudência ao caso em apreço, verifica-se que o acórdão recorrido foi notificado ao recorrente em 14 de Dezembro de 1990, por carta registada, tendo o recurso sido interposto em 8 de Janeiro de 1991.
Assim sendo, tem de considerar-se o recurso como tempestivamente interposto, pois, sendo o prazo de 8 dias e interrompendo-se durante as férias e feriados, o prazo apenas se esgotava no dia 9 de Janeiro de 1991 (de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro de 1991, férias do Natal e os dias 5 e 6 de Janeiro foram sábado e domingo).
Nestes termos, este fundamento da recusa de admissibilidade do recurso tem de improceder.» (vide Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 21.°, 1992, págs. 742-743).
4. Em face do exposto, cremos ser manifesto que o recurso interposto pela ora requerente a fls. 243 dos autos é claramente tempestivo, pois o respectivo prazo suspendeu-se em férias judiciais (vide artigos 43.° e 69.° da LTC e artigos 691.° e seguintes do CPC).'
Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
'Afigura-se que o preceituado no artigo 43.º da Lei n.º 28/82 apenas
é aplicável à tramitação dos recursos de fiscalização concreta nas fases procedimentais (maxime na de alegações) que decorrem perante este Tribunal Constitucional, não abrangendo, deste modo, a interposição e admissão dos recursos, tramitadas perante o Tribunal a quo.
Ora, a aplicação subsidiária (ex vi disposto no artigo 69.º da Lei n.º 28/82) do processo civil aos recursos de constitucionalidade vai determinar a aplicabilidade do preceituado no artigo 144.º do CPC, cujo n.º 1 prescreve que o prazo processual é contínuo, «suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais», salvo se «se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes». Ou seja: na versão actualmente vigente do processo civil
(emergente da reforma de 1995/1996), é excluída a suspensão dos prazos processuais em férias nos casos em que eles ocorram em processos legalmente qualificados como urgentes.
Ora, sendo inquestionável que o procedimento em que se inseriu a interposição do recurso de fiscalização concreta é considerado pela lei como urgente, consideramos que a aplicação da regra constante do n.º 1 do artigo
144.º do CPC conduz a que se não suspenda no decurso das férias judiciais o prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Deste modo – e como se decidiu no despacho reclamado –, é efectivamente intempestivo tal recurso.'
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Sendo incontroverso que a notificação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Dezembro de 2002, se efectivou em 23 desse mês, contando-se a partir desta data o prazo de 10 dias para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional quer desse acórdão, quer do acórdão de
7 de Outubro de 2002, cujo pedido de reforma aquele indeferira, esse prazo, a não se suspender nas férias judiciais de Natal (que decorrem de 22 de Dezembro de 3 de Janeiro – artigo 12.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro [ Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais] e artigo 43.º, n.º 1, da LTC), como se entendeu no despacho ora reclamado, terminou em 2 de Janeiro de
2003 (5.ª-feira), podendo ainda o acto em causa ser praticado, com multa, no terceiro dia útil posterior, ou seja, em 7 de Janeiro de 2003 (3.ª-feira), pelo que a apresentação do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, em 8 de Janeiro de 2003, foi intempestiva.
Só assim não seria se – como sustenta a reclamante –, aquele prazo se suspendesse nas férias judiciais, apesar de o recurso de constitucionalidade ser interposto num processo (de suspensão de eficácia de acto administrativo contenciosamente impugnado) qualificado de urgente pela respectiva lei processual (artigo 6.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho).
A reclamante invoca, em primeira linha, o disposto no artigo 43.º, n.º 5, da LTC, argumentando que, no caso, não ocorreu qualquer determinação do relator no sentido de os prazos processuais decorrerem em férias. Porém, como se salienta no parecer do Ministério Público, esse preceito respeita exclusivamente à tramitação dos recursos de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional e o relator aí mencionado é o relator do Tribunal Constitucional, sendo tal regra inaplicável à tramitação das fases de interposição e de admissão do recurso de constitucionalidade que decorre perante os restantes tribunais.
A solução do caso está, como a própria reclamante acaba por afirmar, na determinação das regras processuais civis pertinentes, aplicáveis subsidiariamente por força do disposto no artigo 69.º da LTC. Ora, do artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção actualmente vigente (dada pela reforma de 1995/1996), resulta que a excepção à regra da continuidade dos prazos, consistente na sua suspensão durante as férias judiciais, não opera se se tratar de acto a praticar em processo que a lei (lei que não é apenas a lei processual civil, como parece sustentar a reclamante, mas sim a lei processual respeitante ao litígio em causa) considere urgente, como é o presente caso. É da lei processual civil, para que remete o artigo 69.º da LTC, que resulta a não suspensão do prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional em processo considerado urgente pela respectiva lei processual, como ocorre com o processo de suspensão de eficácia de acto administrativo contenciosamente impugnado.
Ao invocar o Acórdão n.º 35/92 deste Tribunal Constitucional, a reclamante não atendeu a que era diversa a redacção do artigo
144.º do Código de Processo Civil ao tempo vigente (a dada pelo Decreto-Lei n.º
381-A/85, de 28 de Setembro), que não previa que a suspensão dos prazos processuais durante as férias judiciais não ocorreria se se tratasse de processo urgente.
Vigorando agora regra de sentido oposto – não suspensão dos prazos processuais durante as férias judiciais se respeitarem a actos a praticar em processos legalmente qualificados de urgentes –, a solução a adoptar também tem de ser diversa da acolhida nesse Acórdão n.º 35/92.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze ) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Março de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Luís Nunes de Almeida