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Proc. n.º 827/02 Acórdão nº 181/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 1451 e seguintes, não se tomou conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A, pelos seguintes fundamentos:
'[...]
7. Constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - aquele que foi interposto pelo recorrente (supra, 6.) - a aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. Percorrendo a decisão recorrida (supra, 5.), verifica-se que nela apenas foi apreciada a questão de saber se a 3ª Vara Criminal de Lisboa havia julgado e condenado o recorrente pelos mesmos factos por que tinha sido anteriormente absolvido. E, tendo-se concluído em sentido negativo, julgou-se manifestamente improcedente o recurso e decidiu-se rejeitá-lo, ao abrigo do artigo 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Em suma, na decisão recorrida não se faz qualquer referência às normas dos artigos 400º, n.º 1, alínea f), e 426º do Código de Processo Penal (só na decisão da reclamação se menciona aquela primeira norma: supra, 3.) e apenas se aplicou a norma do artigo 420º, n.º 1, do mesmo Código. Não tendo sido aplicadas na decisão recorrida as normas cuja conformidade constitucional se pretende que este Tribunal aprecie, não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, por falta de preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
8. De todo o modo, ainda que por mera hipótese se admitisse que tal pressuposto se mostrava preenchido, também não poderia conhecer-se do objecto do presente recurso por um outro fundamento. Na verdade, o recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, não se mostrando preenchido, portanto, um outro pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Perante o tribunal recorrido o recorrente apenas suscitou a questão da inconstitucionalidade dos acórdãos da 3ª Vara Criminal de Lisboa e do Tribunal da Relação de Lisboa, não a de qualquer norma aplicada por essa Vara Criminal ou pela Relação de Lisboa (supra, 2.). Em suma, no processo apenas foi suscitada uma questão de inconstitucionalidade de decisões e não de normas (questão essa para cuja apreciação o Tribunal Constitucional não possui, aliás, poder jurisdicional, conforme resulta das várias alíneas do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), pelo que nunca se mostraria cumprido o ónus a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Não pode, assim, conhecer-se do objecto do presente recurso, por óbvia falta de preenchimento dos seus pressupostos processuais.
[...].'
2. Notificado da referida decisão sumária (supra, 1.), A dela veio reclamar para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 1472 e seguintes). Disse, em síntese, o seguinte:
a) O artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece o direito de qualquer pessoa a que a sua causa seja examinada equitativamente; b) O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem densificou, numa decisão de 21 de Fevereiro de 1975, o conceito de processo equitativo; c) Impõe-se relembrar a forma como decorreu o processo dos autos; d) A Constituição da República Portuguesa contém normas sobre a competência do Tribunal Constitucional, o conceito de inconstitucionalidade e os efeitos da inconstitucionalidade, pronunciando-se dois eruditos constitucionalistas também sobre o assunto; e) A decisão sumária reclamada reduziu a uma análise meramente formal os fundamentos do recurso, pois que 'a decisão apega-se aos artigos 400º n.º 1 f) e
426º do Código de Processo Penal por parte do reclamante e por parte do tribunal, sob o manto do n.º 1 do art. 420º do mesmo Código. Na verdade, o art.
400º n.º 1 f) do CPP tem que ver com o disposto nos n.º s 3 e 4 do art. 412º do mesmo diploma'; f) Um Assento do Supremo Tribunal de Justiça considerou que a transcrição incumbia ao tribunal, quando o recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto, em conformidade com os n.º s 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal; g) Existe um acórdão do Tribunal Constitucional, julgando inconstitucionais as normas dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, do Código de processo Penal, interpretadas no sentido de a falta das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido; h) Este acórdão evidencia que a relatora 'deveria mandar cumprir os pressupostos que considerou em falta, já que a inconstitucionalidade, por aplicação das normas processuais em causa nestes autos, resulta justamente da impossibilidade de o ora reclamante lograr sequer recorrer'; i) A Constituição 'é o breviário que disciplina o sistema social e jurídico português num regime democrático'.
3. A recorrida B respondeu à reclamação nos seguintes termos (fls. 1477):
'[...]
1. O presente recurso para o Tribunal Constitucional é, mais uma, mera manobra dilatória e a presente reclamação não foge à regra.
2. Não há qualquer indício de que tenha ocorrido um julgamento desleal ou que não oferecesse todas as garantias de um processo justo e equitativo. Bem pelo contrário!
3. As sucessivas instâncias procederam, isso sim, a um exame efectivo, e cuidado, dos meios, argumentos e elementos de prova oferecidos pelas partes, não tendo ocorrido qualquer facto que tivesse consubstanciado dificuldade ou, muito menos, impossibilidade de recorrer. Termos em que a reclamação deverá improceder.'
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, na sua resposta de fls. 1478 veio, por sua vez, dizer o que segue:
'[...]
1 - A presente reclamação é manifestamente infundada, em nada logrando abalar o arrazoado do reclamante os fundamentos da decisão reclamada: a evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2 - Termos em que deverá naturalmente ser julgada improcedente'.
Cumpre apreciar.
II
4. Na decisão sumária reclamada (supra, 1.) considerou-se que não estavam preenchidos dois dos pressupostos processuais do recurso interposto para este Tribunal por A. São eles (cfr. artigos 70º, n.º 1, alínea b) e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional): a aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie; a invocação pelo recorrente, durante o processo, da questão da inconstitucionalidade dessa norma.
A presente reclamação só poderia, portanto, ser deferida, se o reclamante demonstrasse que, contrariamente ao que se julgara na decisão sumária, esses dois pressupostos processuais estavam preenchidos.
É óbvio, todavia, que tal demonstração não foi feita.
Na verdade, os quatro primeiros argumentos vertidos na reclamação (supra,
3., a) a d)) não apresentam qualquer conexão com a fundamentação da decisão sumária, pelo que em nada relevam para a decisão da presente reclamação.
O quinto argumento (supra, 3., e)) não se encontra minimamente fundamentado: dito de outro modo, o reclamante não explica por que motivo a decisão recorrida efectivamente aplicou as normas cuja conformidade constitucional pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. Falta-lhe, além disso, demonstrar também que o outro pressuposto do recurso está preenchido.
O sexto e o sétimo argumentos (supra, 3., f) e g)) novamente não apresentam qualquer conexão com a fundamentação da decisão sumária, não se alcançando portanto a razão pela qual, com base neles, o reclamante pretende que tal decisão seja revogada.
O oitavo argumento (supra, 3., h)) é manifestamente infundado. É óbvio que de um acórdão do Tribunal Constitucional que julga inconstitucional uma norma não pode retirar-se a possibilidade de apreciação dessa mesma norma, num outro recurso em que os pressupostos processuais não estejam preenchidos (como é o caso do presente recurso). Por outro lado, e como muito bem se compreende, não podia a relatora mandar cumprir os pressupostos processuais em falta, como pretende o reclamante: tal implicaria que a relatora proferisse um despacho ordenando ao tribunal recorrido que aplicasse a norma cuja apreciação o recorrente pretende (isto é, ordenando a esse tribunal que aplicasse uma norma que, sob o ponto de vista do próprio recorrente, é inconstitucional) e, bem assim, ordenando ao recorrente que suscitasse a questão da inconstitucionalidade da norma durante o processo (sendo certo que, estando já os autos no Tribunal Constitucional, tal ordem seria de cumprimento materialmente impossível). Portanto, e em suma, a pretensão do reclamante implicaria que fosse proferido um despacho que não tem cobertura legal.
O nono argumento (supra, 3., i)) é, também, perfeitamente inconsequente para a decisão da presente reclamação.
Não existindo qualquer motivo para alterar a decisão sumária reclamada, improcede a pretensão do reclamante.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária reclamada de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 2 de Abril de 2003 Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Luís Nunes de Almeida
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