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Processo n.º 430/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, o ora requerente, A., veio interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, do despacho, proferido pelo referido Tribunal da Relação, que não admitiu o recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
O Tribunal da Relação não admitiu o recurso de constitucionalidade, considerando-o legalmente inadmissível, face ao disposto nos artigos 70.º e 76.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (doravante, LTC).
Desta decisão, datada de 12 de Outubro de 2010, o recorrente veio reclamar para o Tribunal Constitucional.
O Ministério Público, neste Tribunal, defendeu o indeferimento da reclamação, referindo que “um dos requisitos de que depende a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, consiste em a decisão recorrida já não ser susceptível de impugnação ordinária, ou seja, sobre o recorrente recai o ónus da prévia exaustão dos recursos ordinários, sendo equiparados a esses recursos as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão de recursos (artigo 70.º, n.º 3, da LTC).
Ora, no caso dos autos, da decisão recorrida que, na Relação, não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cabia reclamação para o Senhor Presidente daquele Supremo Tribunal (artigo 405.º, n.º 1, do CPP).”
Concluiu, nesta consonância, que, não tendo o recorrente accionado a reclamação referida, não cumpriu o requisito da prévia exaustão dos recursos ordinários, circunstância obstativa da admissibilidade do recurso.
O recorrente foi notificado do parecer do Ministério Público, nada tendo vindo dizer.
2. Foi proferido acórdão, datado de 6 de Julho de 2011, julgando improcedente a reclamação deduzida, com os seguintes fundamentos:
“(…) Não obstante o recorrente não identificar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em que fundamenta a interposição do recurso, face ao teor do respectivo requerimento e da decisão recorrida, apenas se poderá equacionar que a sua pretensão será, abstractamente, enquadrável no âmbito da alínea b) do referido normativo, pelo que será nesta perspectiva que faremos a análise dos pressupostos de admissibilidade.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objecto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos, pois, se tais requisitos se encontram preenchidos in casu ou se, pelo contrário, procedem os argumentos da não admissão do recurso, sustentados pelo Ministério Público.
Começando por analisar o específico pressuposto de admissibilidade, relativo à prévia exaustão dos recursos ordinários, diremos que o mesmo apenas se encontra preenchido quando a decisão recorrida já não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência, entendendo-se que se encontram esgotados todos os recursos ordinários, para este efeito, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual (n.º 4 do artigo 70.º da LTC).
A jurisprudência constitucional tem entendido que, no conceito legal de “recurso ordinário”, se incluem todos os normais meios impugnatórios admitidos pelo ordenamento jurídico processual em questão e que não pressuponham o trânsito em julgado da decisão recorrida. Assim, são considerados abrangidos por este conceito mesmo os meios impugnatórios não configuráveis, tecnicamente, como recursos, nomeadamente a reclamação, para o presidente do tribunal superior, de despacho de rejeição ou retenção do recurso proferido pelo tribunal a quo (cfr. Acórdão deste Tribunal Constitucional, com o n.º 571/06, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
A consagração do requisito de admissibilidade em análise corresponde à adopção do princípio da exaustão das instâncias, que visa restringir o acesso ao Tribunal Constitucional, limitando-o apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, o que redundará no resultado de o objecto de recurso de constitucionalidade ser circunscrito à decisão definitiva, à última pronúncia dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo.
Ora, no presente caso, o recorrente, inconformado com o despacho de indeferimento do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, poderia ainda ter reclamado dessa decisão para o Presidente do aludido Supremo Tribunal, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal. Porém, não o fez, incumprindo, desta forma, o ónus de exaustão dos meios impugnatórios ordinários, previsto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC.
Face às considerações expendidas, conclui-se pela inadmissibilidade do recurso e consequente improcedência da presente reclamação.”
3. Notificado de tal acórdão, veio o recorrente apresentar requerimento, onde refere pretender “reclamar para a conferência nos termos do art.º 78-B nº 2 da LTC de modo a que tal despacho seja esclarecido e reformado”.
Para fundamentar o seu requerimento, refere que, face ao acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009, de 18 de Fevereiro, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentado pelo arguido, aqui recorrente, não era admissível, tendo o Tribunal da Relação de Évora decidido bem, não o admitindo.
Assim, conclui que não tem sentido defender – como fez este Tribunal, no acórdão proferido – que ainda era possível ao recorrente reclamar de tal não admissão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, desde logo porque tal reacção processual não configura um recurso e, por outro lado, porque o Presidente do STJ não poderia contrariar o aludido acórdão uniformizador.
Pelo exposto, pugna pela procedência da “reclamação” apresentada e consequente admissão do recurso interposto.
4. O Ministério Público, em resposta ao requerimento apresentado, refere que o mesmo é processualmente inadmissível, dado que o poder jurisdicional do Tribunal Constitucional se esgotou com a prolação do acórdão, ex vi artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável em virtude da remissão do artigo 69.º da LTC.
Assim, a pretensão de “reclamar para a conferência”, ao abrigo do artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC, só poderá considera-se fruto de lapso, uma vez que tal faculdade apenas está prevista como reacção a Decisão Sumária do Relator, neste caso inexistente.
Acresce que o requerimento em apreciação não configura qualquer pedido feito ao abrigo do artigo 666.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, conclui o Ministério Público que o requerimento em apreciação deve ser rejeitado.
II – Fundamentos
5. O requerente começa por referir pretender reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC.
Porém, a reclamação, a que se reporta tal normativo, tem como alvo as decisões dos relatores, sendo que, no presente caso, a decisão posta em causa pelo requerente corresponde a um acórdão, proferido pela conferência, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, da LTC.
Assim, só poderá entender-se a referência do requerente como lapso, tal como bem menciona o Ministério Público.
Refere ainda o requerente que pretende esclarecimento e reforma da decisão proferida.
O pedido de esclarecimento ou aclaração justifica-se quando a decisão é obscura – impedindo a inteligibilidade do pensamento nela expresso – ou ambígua – admitindo mais do que um sentido – o que não sucede in casu, sendo certo que o requerente não especifica qualquer excerto do acórdão, que, comportando alguma incompreensibilidade ou incongruência, torne inteligível o seu pedido.
Na verdade, a alegação constante do seu requerimento corresponde, substancialmente, a uma manifestação de discordância relativamente ao entendimento plasmado no acórdão.
Tal discordância não configura fundamento idóneo para um pedido de reforma, não se enquadrando em qualquer das situações contempladas na previsão normativa do n.º 2 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC.
Nestes termos, sendo a fundamentação aduzida, no acórdão de 6 de Julho de 2011, clara e não padecendo de qualquer vício que justifique a sua reforma, é manifesta a falta de razão do requerimento agora em apreciação.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o requerimento de esclarecimento e reforma do acórdão, datado de 6 de Julho de 2011.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.