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Processo n.º 159/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, em que é recorrente o Ministério Público, e recorrida A., Lda., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele tribunal que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, das normas constantes do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, e do artigo 74.º, n.ºs 5 e 6, do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (na redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), quando interpretadas no sentido de «contemplar a responsabilização dos proprietários ou responsáveis legais da exploração dos postos de abastecimento pelo pagamento da diferença do imposto devido pelas quantidades vendidas e não registadas como venda de gasóleo agrícola, e o imposto fixado pela venda de gasóleo regular ou normal».
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«1. A norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do Imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito, é organicamente inconstitucional. (Acórdão nº 176/2010)
2. Consequencialmente, as normas dos nºs 5 e 6 do artigo 74º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, na versão anterior às alterações introduzidas pela artigo 69º da Lei nº 63-A/2006, de 31 de Dezembro, enquanto estabelecem que aqueles proprietários ou representante legais estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias, quando vendam gasóleo colorido e marcado a quem não seja titular do cartão de microcircuito, são também inconstitucionais.
3. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.»
3. A recorrida não contra-alegou.
4. Notificado o recorrente Ministério Público sobre a eventualidade de delimitação do objecto do recurso à norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, pelas razões indicadas no despacho de fls. 86, este veio manifestar concordância com a delimitação do objecto do recurso nos termos avançados no citado despacho.
II - Fundamentação
5. Importa em primeiro lugar delimitar o objecto do recurso.
A decisão recorrida recusou a aplicação das normas constantes do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, e do artigo 74.º, n.ºs 5 e 6, do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (Código dos IEC, na redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), quando interpretadas no sentido de «contemplar a responsabilização dos proprietários ou responsáveis legais da exploração dos postos de abastecimento pelo pagamento da diferença do imposto devido pelas quantidades vendidas e não registadas como venda de gasóleo agrícola, e o imposto fixado pela venda de gasóleo regular ou normal».
Contudo, apenas a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, estabelece uma tal responsabilização. Na verdade, a norma do artigo 74.º, n.º 5, do Código dos IEC (naquela redacção) vem prever coisa diferente, pois estabelece que a venda, a aquisição ou o consumo de gasóleo colorido e marcado por quem não seja titular do cartão de microcircuito estão sujeitas às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e em legislação especial. E o n.º 6 do mesmo preceito limita-se a esclarecer o que são “motores fixos” para efeitos de aplicação do regime do artigo 74.º
Embora a sentença recorrida tenha incluído expressamente as normas dos n.ºs 5 e 6 do artigo 74.º do Código dos IEC no juízo de inconstitucionalidade que formulou, é também certo que esse juízo visava uma certa interpretação normativa: aquela que responsabiliza os proprietários ou responsáveis legais da exploração dos postos de abastecimento pelo pagamento da diferença do imposto devido pelas quantidades vendidas e não registadas como venda de gasóleo agrícola, e o imposto fixado pela venda de gasóleo regular ou normal.
Ora, essa interpretação normativa – que respeita à responsabilização daquelas entidades pelo pagamento da diferença do imposto devido – não se confunde com a aplicação, às mesmas entidades, de sanções previstas no RGIT em virtude de infracção ao procedimento subjacente à utilização do cartão de micro-circuito.
As normas do artigo 74.º, n.ºs 5 e 6 do Código dos IEC respeitam exclusivamente a esta última situação – a da aplicação das sanções previstas no RGIT – pelo que são insusceptíveis de poder considerar-se incluídas na interpretação normativa que foi expressamente recusada aplicar pela decisão recorrida.
É certo que os elementos constantes dos autos parecem indicar que a questão subjacente era precisamente a da aplicação de tais sanções, nos termos do citado artigo 74.º, n.ºs 5 e 6, do Código dos IEC, e não a responsabilização prevista no § 7.º da Portaria n.º 234/97.
Mas não foi isso que entendeu o tribunal recorrido. E nesse parte – em que a decisão recorrida se pronunciou pela aplicabilidade ao caso do citado § 7.º e, consequentemente, recusou a aplicação de uma dada interpretação normativa desta norma – a decisão recorrida não pode ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, que não tem competência para sindicar a bondade do juízo aplicativo no plano do direito infraconstitucional.
Assim, forçoso é concluir que a referência ao artigo 74.º, n.ºs 5 e 6, do Código dos IEC, constitui um lapso da sentença recorrida, uma vez que tais normas são insusceptíveis de sustentar a interpretação que a decisão reputou inconstitucional.
O objecto do presente recurso terá, por isso, que restringir-se à apreciação da constitucionalidade da norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril.
6. A norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento pelo pagamento da diferença de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) nos casos em que efectuem abastecimentos sem darem cumprimento às disposições que obrigam à utilização dos cartões de microcircuito em todos os abastecimentos.
Pelo Acórdão n.º 176/2010, votado por maioria no Plenário, o Tribunal Constitucional julgou «organicamente inconstitucional a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do Imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito; julga organicamente inconstitucional a norma do artigo 3.º, n.º 2, alínea e), do Código dos Impostos Especiais de Consumo (Código dos IEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo artigo 69.º da Lei n.º 53- A/2006, de 29 de Dezembro, ao artigo 74.º deste Código) quando interpretada no sentido de contemplar previsão normativa idêntica à acima referida.»
O presente caso não coloca qualquer questão nova que deva ser apreciada, pelo que se reitera aqui a jurisprudência fixada neste aresto, para cuja fundamentação se remete.
III - Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
Julgar organicamente inconstitucional, pelos fundamentos vertidos no Acórdão n.º 176/2010, a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do Imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito;
Consequentemente, negar provimento ao recurso na parte respeitante à recusa de aplicação da norma identificada em a).
Lisboa, 29 de Setembro de 2011. – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.