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Procº nº 787-A/2001.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Notificado do Acórdão nº 83/2003, lavrado nos presentes autos de traslado, veio o Licº A apresentar «reclamação» em relação ao mesmo, concluindo assim a peça processual consubstanciadora dessa «reclamação»:-
“I - Salvo melhor entendimento, a presente reclamação deve ser admitida
1. O reclamante considera que o douto acórdão n.º 83/2003 notificado por nota de
17 de Fevereiro de 2003 foi tirado em processo conduzido em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e das garantias de imparcialidade.
2. No entender do reclamante, nada no texto dos artigos 84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional e do artigo 720.º do Código de Processo Civil permite concluir que a actividade jurisdicional levada a cabo após a adopção ria providência neles prevista não esteja sujeita ao principio do contraditório e às exigências do principio de imparcialidade.
3. Salvo o devido respeito, o reclamante entende que a actividade jurisdicional conducente ao douto acórdão n.º 83/2003 não satisfaz as exigências decorrentes do respeito do direito de defesa e das garantias de imparcialidade.
4. No entender do reclamante, nenhuma disposição legal exige o prévio pagamento das custas contadas, mas contestadas, para que se conheça da matéria exposta em reclamações nos termos dos artigos 202.º, 668.º e 669.º do Código de Processo Civil.
5. O reclamante considera que a doutrina segundo a qual ‘tal exigência de pagamento prévio de custas traduziria, afinal, em termos substanciais, a inovatória criação de um pressuposto, senão de admissibilidade, ao menos. . . da apreciação dos recursos de fiscalização concreta’ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 271/98, de 9 de Março de 1998, in BMJ n.º 475 - Abril - 1998, pp. 157, 162) é aplicável, por maioria de razão, às reclamações tendentes a arguir nulidades de processo ou de acórdãos.
6. Nestas condições, tendo em conta o disposto nos artigos 202.º e 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, esta reclamação deve ser admitida.
II- O reclamante considera que o douto acórdão n.º 83/2003 contém elementos que permitem pensar que ele foi tirado em completo desconhecimento do direito do interessado a um processo equitativo
7. No entender do reclamante, o processo que conduziu ao douto acórdão n.º
83/2003 é incompatível com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. a) Após leitura do douto acórdão n.º 385/2002, conclui-se que ela não contém qualquer ordem no sentido de que o interessado seja notificado para pagamento das custas entretanto contadas, antes de esse douto aresto se poder considerar notificado ao interessado. b) Também não foi notificado ao interessado qualquer despacho do Excelentíssimo Conselheiro Relator nesse sentido. c) Segundo o disposto no artigo 677.º do Código de Processo Civil, e a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional, o trânsito em julgado de uma decisão acontece ‘com a notificação e a sua não impugnação’ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/01 de 28 de Março de 2001, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º volume, 2001 (Janeiro a Abril), pp. 565, 569). d) ‘O princípio da legalidade processual exige, pelo menos, que os poderes discricionários se não sobreponham aos critérios normativos’ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 934/96, de 10 de Julho de 1996, in BMJ n.º 459- Outubro - 1996, pp. 81, 90). e) O artigo 161.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe:
‘Dos actos da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente’. f) Segundo o artigo 39.º, n.º 1, alínea j), da Lei do Tribunal Constitucional,
‘compete ao Presidente do Tribunal Constitucional superintender ... na secretaria e nos serviços de apoio’. g) Estando a Secretaria do Tribunal Constitucional funcionalmente dependente do Presidente deste, não contendo o douto acórdão n.º 385/2002 qualquer ordem no sentido de que ele começasse a ser executado antes de ter sido notificado ao interessado e não tendo o interessado tomado conhecimento de qualquer despacho do Excelentíssimo Conselheiro Relator nesse sentido, o interessado não descortinou qualquer outra possibilidade de reagir ao acto da secretaria em causa que não através da via aberta pela combinação das disposições legais antes reproduzidas. h) No caso concreto, no entender do reclamante, nada impedia que a reclamação do acto da secretaria tivesse sido decidida por despacho, em lugar de ter sido decidida por acórdão. i ) Na medida em que o processo seguido para chegar ao douto acórdão n.º 83/2003 privou o interessado da oportunidade de tomar posição sobre as questões de facto e de direito suscitadas pela reiteração do posicionamento expresso no douto acórdão n.º 256/2000, tirado nos autos de traslado n.º 737-A/98 (em que figura como recorrente o ora arguente) ele constitui uma violação do princípio constitucional da proibição da indefesa. j) O facto de o douto acórdão n.º 256/2000 ter sido tirado nos autos de traslado n.º 737-A/98, em que figura como recorrente o ora arguente não permite concluir que se esteja em presença de um ‘caso de manifesta desnecessidade’ do cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
8. O reclamante considera que o douto acórdão n.º 83/2003 não foi tirado no respeito das exigências de imparcialidade. a) No ponto 3 do douto acórdão n.º 83/2003, lê-se, no que respeita à reclamação do douto acórdão n.º 385/2002:
‘Pelo que tange às ora arguidas nulidades e, retomando-se a fundamentação extractada em primeiro lugar na transcrição acima efectuada, da mesma só curará o Tribunal após se mostrarem pagas as custas contadas’. b) No ponto 1 do douto acórdão nº 83/2003, lê-se:
‘Por intermédio do Acórdão deste Tribunal n. º 385/2002, foi determinado que o processamento do incidente de arguição de nulidade do Acórdão n.. 272/2002- o qual indeferiu o pedido da reforma quanto à condenação em custas imposta pelos Acórdãos números 46/2002 e 166/2002’. c) A segunda parte do n.º 2 do artigo 720.º do Código de Processo Civil prevê expressamente a possibilidade de modificação da decisão. d) No entanto, segundo o posicionamento expresso no douto acórdão 256/2000, tirado nos autos de traslado n.º 937-A/98, reiterado no douto acórdão n. º
83/2003, ‘as condenações em custas são ... definitivas’. e) A sanação das irregularidades invocadas pela reclamação apresentada na sequência do douto acórdão n.º 385/2002 são susceptíveis de conduzir à conclusão de que, no caso dos autos, não se verifica a situação prevista nos artigos 84.º, n.º 8, e 720.º do Código de Processo Civil e de que o processado nestes autos de recurso de constitucional idade deve ser anulado. f) Assim, antes de ter sido apreciada a matéria exposta na reclamação pela qual se arguiram nulidades ao douto acórdão n.o 385/2002, o meio de reacção utilizado pelo interessado foi já completamente esterilizado, já que, segundo o posicionamento reiterado, ‘as condenações em custas são .. . definitivas’. g) O reclamante julga útil alegar que, no domínio da aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem-se entendido que também a parcialidade subjectiva, expressa em actos anteriores à decisão, tais como ‘a denúncia, pelo juiz, da decisão que vai tomar, antes do momento adequado para a proferir’ é inadmissível [acórdão do Tribunal Constitucional n.º 517/00, de 29 de Novembro de 2000, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º volume, 2000 (Setembro a Dezembro), pp. 481, 494 a 495]. h) Com efeito, o Tribunal Constitucional, ao reiterar que ‘as condenações em custas são definitivas’, quando as reclamações, para cuja apreciação se exige o pagamento prévio dessas custas, tendem a contestar a legalidade dessas condenações, está já a antecipar a decisão sobre as nulidades arguidas, comprometendo-se com ela e criando um clima de suspeição quanto à sua imparcialidade no momento do julgamento”.
Se bem se entende o arrazoado do ora reclamante, o mesmo, com a
«reclamação» cujas «conclusões» acima se reproduzem, tem em vista obter a anulação do Acórdão nº 83/2003, pois que, na sua óptica, não só a decisão no mesmo ínsita foi alcançada sem que, previamente, fosse ele ouvido, nos termos do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil, o que consubstanciaria uma nulidade repercutível naquele aresto, como também, por um lado, teria havido erro manifesto ou completo desconhecimento do direito ou na determinação do direito aplicável por banda daquela decisão e, por outro, que o mencionado acórdão não teria de ser proferido, já que a reclamação do acto da secretaria haveria de ser decidida por despacho, para além de ter criado um clima de suspeição quanto à imparcialidade no momento do julgamento (momento esse que, ao que tudo indica, seria o da tomada de decisão quanto à arguição de nulidade assacada ao Acórdão nº 385/2002).
O Tribunal considera, porém, que nenhum dos fundamentos carreados à «reclamação» em espécie merece atendimento.
Na verdade, para alcançar a decisão que tomou, na sequência do decidido no Acórdão nº 385/2002, no sentido de só curar das nulidades arguidas quanto a esta última peça processual, de todo em todo que não era necessário ouvir o ora reclamante.
E não o era, justamente em face do que se comanda nos artigos
720º do Código de Processo Civil e 84º, nº 8, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Poderá o reclamante não concordar com a «leitura» que o Tribunal faz, como fez, dessas disposições. Mas isso não significa minimamente que tenha havido qualquer erro (e muito menos manifesto) ou completo desconhecimento do direito aplicável.
O que o reclamante não pode pretender é que a sua interpretação dos indicados preceitos seja a única curial e tenha de ser seguida pelo Tribunal Constitucional.
De outra banda, o acórdão reclamado suportou-se fundamentadamente (e, na perspectiva deste Tribunal, com razões perfeitamente válidas) ao decidir que a questão da reclamação do acto da secretaria dever ser decidida por acórdão e não por mero despacho, pois que no mesmo se disse que se tratava de um acto praticado no âmbito dos presentes autos.
Por último, não tem cabimento esgrimir-se com o argumento de que, ao se mencionar no reclamado acórdão que, tirado o traslado, essa decisão transita de imediato e que, assim a condenação em custas é definitiva, isso significaria estar a emitir-se um juízo prévio sobre eventuais reclamações quanto à condenação em custas.
Na verdade, aquela menção unicamente tem por escopo vincar que o prosseguimento dos autos de traslado só se operará uma vez pagas as custas. Efectuado tal pagamento, o órgão de administração de justiça debruçar-se-á, então, sobre as indicadas eventuais reclamações, podendo então, num tal circunstancialismo, vir até a concluir que a condenação em custas não era devida, caso, ao reapreciar a questão sobre a qual incidiu a reclamação, verifique que, de um ponto de vista jurídico, decidira erradamente ao ditar aquela condenação.
Não há, desta arte, qualquer emissão prévia de um juízo quanto à improcedência das eventuais reclamações e, consequentemente, não se pode asseverar que aquela afirmação, constante do acórdão reclamado, represente um juízo parcial quanto a uma futura apreciação.
Termos em que se indefere a «reclamação», condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 1 de Abril de 2003 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa