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Processo n.º 418/11
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 10 de Janeiro de 2011, A. interpôs, na Relação do Porto, recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido naquele tribunal em 2 de Dezembro de 2009, requerendo nos seguintes termos:
«[...] não se conformando com a douta decisão desse tribunal que confirmou a decisão de primeira instância, e esgotados todos os recursos ordinários (neles se integrando os que legalmente se lhe equiparam), vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos que se seguem:
I Da questão prévia: o momento do recurso
1. O recorrente/arguido interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instancia, para o Supremo Tribunal de Justiça (doravante, brevitatis causa, STJ).
2. Tal recurso acabaria por não ser admitido, tendo o recorrente/arguido reclamado dessa decisão para o Presidente do STJ.
3. Não tendo obtido deferimento dessa reclamação, e não se conformando com a inadmissibilidade do recurso para o STJ – que entendeu e entende ser inconstitucional – o recorrente/arguido recorreu dessa decisão para o Tribunal Constitucional
(doravante, brevitatis causa, TC).
4. Aproveitando, outrossim, para colocar ao TC todas as questões de inconstitucionalidade suscitadas no presente processo.
5. Porem, entendeu o TC conhecer apenas e “nesta fase” as questões de constitucionalidade atinentes a saber se ao caso caberia ou não recurso ordinário.
6. E deixou o seu entendimento com elevada clareza quando afirma, a páginas 11 da sua decisão final: “(...) Com efeito, é bem certo que qualquer questão levantada sobre a irrecorribilidade da decisão retira, automaticamente, a certeza quanto a «não admitir recurso ordinário», requisito que é essencial admissibilidade do recurso. E a verdade é que, materializando-se tais questões em distintos arestos, só é licito ao Tribunal conhecer da matéria tratada no despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de justiça, que é a decisão efectivamente recorrida, e não ser, sequer, possível – nesta fase – interpor recurso de inconstitucionalidade de outra decisão antes de se mostrar definitivamente decidida a questão de saber se dela ainda caberia recurso ordinário.”
7. Decidindo ainda o TC, no Acórdão n.º 492/2010, notificado ao recorrente/arguido por comunicação postal expedida a 13 de Dezembro de 2010, no conhecer das questões relacionadas com a (ir)recorribilidade tratadas na decisão do Vice-Presidente do STJ, e marcando essa decisão o momento em que se torna definitiva a não admissão de recurso ordinário, ou seja, o momento que marca o esgotamento dos recursos ordinários (cfr. números 2, 3 e 4 do artigo 70º e números 1 e 2 do artigo 75º, todos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro – Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional –, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 143/85, de 26 de Novembro, nº 85/89, de 07 de Setembro, n.º 88/95, de 01 de Setembro, e, em último lugar, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
II Do objecto do recurso
8. O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante, brevitatis causa, CRP), do artigo 6º, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, ambos, da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 143/85, de 26 de Novembro, n.º 85/89, de 07 de Setembro, n.º 88/95, de 01 de Setembro, e, em último lugar, pela Lei n.º 13-A198, de 26 de Fevereiro.
9. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do conjunto normativo dos artigos 55º, n.º 2, 249º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 357º, n.º 2, e 356, n.º 7, todos, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que os órgãos de policia criminal podem depor na audiência de julgamento sobre declarações incriminatórias que ouviram de um arguido que recusou depor na audiência quando as declarações foram prestadas antes de ele ter sido constituído como arguido e mesmo antes de ter sido instaurado inquérito, tal como foi feita quer pelo tribunal de primeira instância, quer pelo Tribunal da Relação do Porto.
Porque tal conjunto normativo, na interpretação que lhe foi dada, viola o princípio constitucional da imediação, directamente resultante do princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP), e, outrossim, o princípio nemo tenetur se ipsum accusare (proibição da auto-incriminação), do qual decorre o direito constitucional ao silêncio, que constitui o cerne das garantias de defesa consagradas pelo artigo 32º, n.º 1, da CRP,
10. Pretende-se, ainda, ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, tal como foi feita pelo Tribunal da Relação do Porto, no sentido de que a atenuação especial da pena esta afastada quando o arguido faz uso do seu direito ao silêncio na audiência de julgamento,
Por violação do direito constitucional ao silêncio, incluído nas garantias da defesa previstas no artigo 32º, n.º 1, da CRP.
11. Dando cumprimento ao imperativo legal do artigo 75º-A, nº 2, in fine, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), as questões de inconstitucionalidade que ora se pretendem ver apreciadas foram suscitadas nos autos, mais concretamente na motivação e conclusões do recurso para o Tribunal da Relação do Porto, e na motivação e conclusões do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e, outrossim, na reclamação para o Exmo. Sr. Presidente do mesmo Supremo Tribunal.
12. O presente recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 78º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional).
Termos em que se requer a V.Exa que se digne admitir o presente recurso e feito o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.»
2. Por despacho proferido em 25 de Março de 2011 o Relator decidiu:
Face às vicissitudes que ocorreram nos presentes autos a partir do momento em que foi proferido, neste Tribunal da Relação em 02.12.2009, o acórdão de fls. importa clarificar a tramitação processual que se lhe seguiu:
1. em 08.01.2010 o arguido B. interpôs recurso do acórdão desta Relação para o Supremo Tribunal de Justiça;
2. em 11.01.2010 o arguido A. interpôs igualmente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;
3. em 17.03.2010 foi proferido despacho que não admitiu os recursos referidos em 1. e 2.;
4. em 12.04.2010 veio cada um dos arguidos reclamar do despacho referido em 3. para o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
5. em 15.07.2010 o Sr. Vice-Presidente do STJ indeferiu a reclamação apresentada pelo arguido B.;
6. em 20.07.2010 o Sr. Vice-Presidente do STJ indeferiu a reclamação apresentada pelo arguido A.;
7. em 02.08.2010 o arguido A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do despacho referido em 6.;
8. em 13.09.2010 o arguido B. recorreu para o Tribunal Constitucional do despacho proferido pelo Sr. Vice-Presidente do STJ, recurso esse que não foi admitido por despacho proferido em 12.11.2010;
9. em 08.11.2010, por decisão sumária proferida pelo Sr. Conselheiro relator do Tribunal Constitucional foi decidido não conhecer do objecto do recurso interposto pelo arguido A., aludido em 7.;
10. em 26.11.2010 o arguido A. reclamou para a conferência do Tribunal Constitucional da decisão sumária referida em 9.;
11. por acórdão proferido em conferência no dia 08.12.2010, foi decidido não conhecer do objecto do recurso interposto pelo arguido A. e referido em 7.;
12. em 30.11.2010 o arguido B. reclamou para o Sr. Presidente do Tribunal Constitucional do despacho do Sr. Vice-Presidente do STJ que não admitiu o seu recurso;
13. em 03.02.2011 foi proferido acórdão pelo Tribunal Constitucional que decidiu indeferir a reclamação aludida em 12.;
Vêm agora os arguidos A. e B. interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 02 de Dezembro de 2009 (requerimentos apresentados em 10.01.2011 e 21.02.2011, respectivamente).
Ora, desde já adiantamos que, em nossa opinião, os recursos interpostos são inadmissíveis.
Com efeito, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender, de modo reiterado e uniforme, que constituem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso da alínea b) do nº 1 do artº 70.º da LTC: a existência de um objecto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70º, nº 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º nº 1 alínea b) da CRP; artigo 72.º nº 2 da LTC).
Ora, de uma breve leitura das alegações de recurso do arguido B., [quer do recurso interposto da ia instância para este Relação, quer ainda do requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional], desde logo se constata que não foi dado cumprimento aos requisitos supra enunciados. Na verdade, o recorrente não suscita (em nenhum dos referidos articulados) qualquer questão de constitucionalidade, com dimensão normativa, de forma adequada, limitando-se a alegar que nos pontos 3 e 11 das conclusões de recurso (v. fls. 651 vº e 652 vº) que a decisão da ia instância violou o princípio constitucional previsto no art. 32º nºs 1 e 5 da CRP, alegação que reproduz no requerimento de fls. 1486.
Como se pode ter no Ac. do Tribunal Constitucional nº 489/20042 “se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem -se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infra- constitucional que se tem por violado com essa decisão”.
O recorrente B. assaca o vício de violação de normas constitucionais ao acórdão proferido pela ia instância e ao acórdão proferido por este Tribunal da Relação, na sua dimensão de acto de julgamento ou de ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto, não autonomizando, de forma clara e explícita, um qualquer critério normativo, passível de constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade, esquecendo completamente que o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões jurisdicionais, na medida em que o nosso ordenamento jurídico não compreende a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
Compulsando as motivações de recurso do acórdão da 1ª instância apresentadas pelo recorrente A. – uma vez que (como vimos) se impunha que a questão de inconstitucionalidade normativa tivesse sido suscitada no recurso para este Tribunal da Relação –, verifica-se que este recorrente também não cumpre o requisito atrás assinalado, limitando-se a impugnar a matéria de facto e, apenas nos pontos 1 e XLIV das conclusões de recurso, alega que a decisão recorrida violou os princípios constitucionais in dubio pro reo e do direito constitucional do arguido ao silêncio.
Contudo, em momento algum do seu recurso para este Tribunal da Relação, o recorrente apresenta qualquer questão de constitucionalidade normativa, sendo certo que a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional prevista na al. b) do n.º 1 do art. 70º da LTC depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Só no recurso que agora apresentou para o Tribunal Constitucional é que o recorrente veio suscitar verdadeiramente uma questão de inconstitucionalidade normativa. Porém, como decidiu o Ac. do TC nº 194/2009 de 28.04.2009 “não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações”.
Acresce que os recursos agora interpostos por ambos os arguidos para o Tribunal Constitucional são manifestamente extemporâneos.
De acordo com o disposto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC, “os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem das decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”, acrescentando o n.º 3 desse preceito que “são equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência”.
Segundo o artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias, estabelecendo-se no n.º 2 desta disposição legal que “interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso”.
Este prazo de interposição de recurso conta-se nos termos previstos no C.P.C. (artigo 69.º da LTC), tendo o seu início, em regra, na data da notificação da decisão recorrida (artigo 685.º, n.º 1, do C.P.C.).
Com efeito, a “definitividade” a que respeita o nº 2 do artº 75º da LTC, não corresponde a “trânsito em julgado”, reportando-se apenas à ordem judiciária em questão, não envolvendo a dedução de reclamação ou recurso para o Tribunal Constitucional. Assim, se em situações como a dos autos, um interessado pretender suscitar questões de constitucionalidade, quer quanto às aplicações normativas feitas na última decisão sobre o mérito, quer quanto às normas que tornam inadmissível o recurso ordinário interposto, não pode começar por interpor recurso de constitucionalidade desta segunda decisão – e só depois de transitar em julgado o acórdão do Tribunal Constitucional que haja considerado improcedente tal recurso, vir interpor o recurso de fiscalização concreta quanto à sentença de mérito.
Tendo os recursos em apreço (interpostos em 10.01.2011 e 21.02.2011) para fiscalização concreta de constitucionalidade, sido interpostos do acórdão desta Relação quando já se mostrava transitada em julgado a decisão do Tribunal Constitucional (proferida em reclamação), que confirmou o despacho do Sr. Vice-Presidente do STJ que havia considerado insusceptível de recurso ordinário o dito acórdão desta Relação, é manifesta a extemporaneidade dos referidos recursos.
As decisões que, com carácter definitivo, consideraram irrecorrível o acórdão proferido por esta Relação, foram proferidas pelo Sr. Vice-Presidente do STJ em 15.07.2010 (quanto à reclamação do arguido B.) e em 20.07.2010 (quanto à reclamação do arguido A.), tendo sido notificadas a cada um dos reclamantes em 19.07.2010 e em 21.07.2010, respectivamente (v. fls. 1863 e 1408).
A partir do terceiro dia posterior ao registo postal, iniciou-se o termo inicial de dez dias para que cada um dos arguidos interpusesse recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida por esta Relação em 02.12.2009.
Conclui-se assim que os recursos apresentados em 21.02.2011 e 10.01.2011 são manifestamente extemporâneos.
Pelo exposto, por manifestamente infundados e por extemporâneos, não se admitem os recursos interpostos pelos arguidos B. e A. a fls. 1486 e 1126, respectivamente – artºs. 70º n.º 1 al. b), 75º e 76º nºs 1 e 2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
3. É este último despacho que constitui o objecto da reclamação que o recorrente dirige directamente ao Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 4 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), e que consta dos autos a fls. 26/50, na qual, em suma, requer:
Nestes termos, e nos melhores de direito que V.Exas doutamente suprirão, requer-se que, em face da indevida preterição do direito ao recurso de constitucionalidade, se dignem julgar procedente a presente reclamação e, em conformidade com tal decisão, se dignem ordenar a ulterior tramitação processual, em ordem a admitir-se e conhecer-se o objecto do recurso de constitucionalidade interposto pelo reclamante/recorrente A., única forma que se vislumbra de se cumprir o imperativo de Justiça!
4. O representante do Ministério Público neste Tribunal respondeu à reclamação nos seguintes termos:
1. A., em 10 de Janeiro de 2011, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação do Porto que confirmou a decisão proferida em primeira instância, que o havia condenado na pena de seis anos de prisão, pela prática, como autor, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
2. O arguido, segundo o requerimento da interposição do recurso (fls. 1226 a 1230) pretende ver apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:
– “Do conjunto normativo dos artigos 55.º, n.º 2, 249.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 357.º, n.º 2 e 356.º, n.º 7, todos do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que os órgãos de polícia criminal podem depor na audiência de julgamento sobre declarações incriminatórias que ouviram de um arguido que recusou depor na audiência quando as declarações foram prestadas antes de ele ter sido constituído como arguido e mesmo antes de ter sido instaurado inquérito, tal como foi feita quer pelo tribunal de primeira instância, quer pelo Tribunal da Relação do Porto”.
– “Da interpretação do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tal como foi feita pelo Tribunal da Relação do Porto, no sentido de que a atenuação especial da pena está afastada quando o arguido faz uso do seu direito ao silêncio na audiência de julgamento. Por violação do direito constitucional ao silêncio, incluído nas garantias da defesa previstas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP”.
3. Sendo a decisão recorrida o Acórdão da Relação do Porto que negou provimento ao recurso, o momento processual adequado para suscitar as questões de inconstitucionalidade era a motivação daquele recurso para a Relação.
4. Tudo o que o recorrente tenha dito posteriormente sobre a matéria em diversas peças processuais, designadamente na motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e na reclamação para o Senhor Presidente daquele Supremo Tribunal, da decisão que, na Relação não lho admitiu, não tem qualquer relevância, porque como o recurso, a final, não foi admitido, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou nem podia ter sequer aplicado as normas em causa.
5. Ora, vendo minuciosamente aquela peça processual, quer no texto, quer nas conclusões, verifica-se que a questão do depoimento dos agentes policiais e da sua validade no contexto da prova produzida, foi amplamente tratada.
6. Contudo, ali, nunca se enuncia uma questão de inconstitucionalidade da natureza normativa, que pudesse constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade, o que a transcrição de partes da motivação na reclamação agora apresentada, apenas confirma.
7.Também a Relação do Porto aprecia de forma exaustiva e muito bem fundamentada tal questão, não o fazendo, todavia, - porque tal não lhe tinha sido solicitado – do ponto de vista da inconstitucionalidade de normas ou interpretações, ainda que, e bem, se vão citando, a propósito, princípios constitucionais.
8. O reclamante afirma que suscitou as questões previamente, aí se incluindo, naturalmente, a segunda.
9. Ora, na motivação do recurso para a Relação, não se vislumbra essa suscitação, ou sequer qualquer referência ao artigo 31º do Decreto-Lei nº 15/93, sendo certo que, se o fez nas outras peças processuais por ele referidas (como parece ter ocorrido), tal é irrelevante pelas razões que já anteriormente adiantámos (vd. nº 4).
10. Falta, pois, quanto às duas questões, o requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo de alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que consiste em a questão de constitucionalidade ser prévia e adequadamente suscitada.
11. Por outro lado, ainda no que diz respeito à segunda questão, se a interpretação acolhida pela Relação fosse considerada imprevisível ou surpreendente de modo a libertar o recorrente do cumprimento do ónus de suscitação prévia, então a este incumbia invocar e demonstrar essa imprevisibilidade ou surpresa.
12. Não o fez – bem pelo contrário afirmou ter suscitado –, nem no requerimento de interposição do recurso, nem sequer na reclamação do despacho que não admitiu o recurso para este Tribunal.
13. Poderíamos ainda acrescentar que, tendo a Relação considerado que não atribuía relevo à colaboração com as autoridades por parte do arguido, porque desconhecia qual tinha sido a sua motivação, uma vez que não tinha dado qualquer explicação para esse comportamento, a dimensão normativa aplicada não corresponde à enunciada no requerimento de interposição do recurso.
14. Assim, não se verificando os pressupostos da admissibilidade do recurso, atrás referidos, deve a reclamação ser indeferida, não se vendo utilidade em apreciar se o recurso foi, ou não, atempadamente interposto.
5. Cumpre decidir, com o âmbito previsto no n.º 4 do artigo 77º da LTC.
Materialmente, o despacho que indeferiu o requerimento de interposição do recurso sustenta-se num único argumento: o recorrente, ora reclamante, limitou o âmbito do recurso que apresentara perante a Relação à impugnação da matéria de facto, acusando a decisão recorrida de haver violado princípios constitucionais, sem fazer uma acusação directa de inconstitucionalidade normativa. Não tendo havido a necessária suscitação de questões de inconstitucionalidade, o recurso não poderia ser admitido, conforme determina o n.º 2 do artigo 72º da citada LTC.
O reclamante contesta este julgamento, afirmando que suscitou perante a Relação do Porto as questões que pretende ver tratadas no seu recurso. Invoca que suscitou esta matéria, designadamente nas seguintes,
Conclusões I a IV, XLIV. XLVII a L do mesmo recurso:
1. “O ora recorrente considera que os factos que foram dados como provados sob os números 2, 3 e 4 foram não só incorrectamente julgados, mas, mais grave ainda, foram-no em clara violação da lei das garantias sacramentais de defesa do arguido/recorrente, bem como em clamorosa violação de um dos princípios atinentes a toda o produção de prova, ou seja, do princípio in dubio pro reo.
II. Da lei, por violação expresso dos nºs 1 e 7 do artigo 356º, bem como do artigo 129º, n.º 1, todos, do CPP.
III. Das garantias de defesa, por violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 61 e 343º, nº 1, in fine, do CPP; e
IV. Do princípio in dubio pro reo, dado que o Tribunal a quo, ao invés do que impõe tal princípio, perante a persistência de uma dúvida mais do que razoável, após a produção da prova, decidiu contra o arguido e não, como deveria ter feito, a favor do arguido/recorrente.
(...)
XLIV. Por outro lado, às limitações do regime do depoimento indirecto decorrentes do princípio constitucional da imediação, acrescem, no caso de depoimento de ouvir dizer a arguido, as limitações decorrentes do direito constitucional do arguido ao silêncio, consagrado entre as garantias de defesa plasmadas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
(...)
XLVII. Ao nível da violação das garantias de defesa, e na mais estrito observância de um direito constitucional e de uma das suas garantias de defesa, o arguido A. Só optou por não prestar declarações na audiência de discussão e julgamento.
XLVIII. Trata-se do exercício do direito fundamental ao silêncio (protegido quer na Constituição da República Portuguesa, quer na Convenção Europeia dos Direitos do Homem), materializado na alínea d) do n.º 1 do artigo 61.º e no artigo 343.º, n.º 1, in fine, do CPP,
XLIX. Que jamais poderia ter resultado em desfavorecimento do arguido A., de quem se quereriam explicações que, por um lado, ele não poderia dar por desconhecimento, e por outro competiriam em exclusivo aos órgãos de investigação e aos titulares da acção penal.
L. Ainda sem prescindir, o Tribunal a quo, ao invés do que impõe o principio in dubio pro reo, perante o persistência de uma dúvida mais do que razoável, após a produção da prova, decidiu contra o arguido e não, como deveria ter feito, a favor do arguido/recorrente.”
Ora bem: devendo a suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa consistir na acusação dirigida a uma concreta norma jurídica que não poderá ser aplicada por ofender a Constituição, certo é que da transcrita alegação nada resulta que possa ser entendido como a suscitação de uma tal questão – apta a abrir a via do recurso de inconstitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – relativa à pretendida inconstitucionalidade,
– «do conjunto normativo dos artigos 55º, n.º 2, 249º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 357º, n.º 2, e 356, n.º 7, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que os órgãos de policia criminal podem depor na audiência de julgamento sobre declarações incriminatórias que ouviram de um arguido que recusou depor na audiência quando as declarações foram prestadas antes de ele ter sido constituído como arguido e mesmo antes de ter sido instaurado inquérito, tal como foi feita quer pelo tribunal de primeira instância, quer pelo Tribunal da Relação do Porto»,
e, bem assim,
– «da interpretação do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, tal como foi feita pelo Tribunal da Relação do Porto, no sentido de que a atenuação especial da pena esta afastada quando o arguido faz uso do seu direito ao silêncio na audiência de julgamento»,
que são as normas que o reclamante elege como objecto do seu recurso.
Deve, por isso, concluir-se – como no despacho reclamado – que o recorrente não suscitou as questões perante o tribunal recorrido e que, portanto, o recurso não reúne este requisito que é essencial ao seu conhecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
6. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não admissão da interposição do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Junho de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.