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Processo n.º 366/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., Lda., e B., Lda., vieram interpor vários recursos de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
Foi proferida Decisão Sumária de não conhecimento, relativamente a todos os recursos de constitucionalidade interpostos pela recorrente B., Lda., e ainda relativamente a algumas das questões suscitadas nos recursos interpostos pela recorrente A., Lda.
Tal decisão sumária foi confirmada por Acórdão, proferido em conferência, a 14 de Julho de 2011.
Apenas foi determinado o prosseguimento dos autos e consequente produção de alegações, no tocante a duas questões de constitucionalidade relativas aos recursos interpostos pela recorrente A., Lda.
Por acórdão, a que foi atribuído o n.º 461/2011, datado de 11 de Outubro de 2011, foram julgados improcedentes os recursos referentes às duas questões de constitucionalidade aludidas.
2. Notificada de tal acórdão e, simultaneamente, das alegações dos recorridos Ministério Público e Autoridade da Concorrência, veio a recorrente A., Lda., arguir a “nulidade do processado (…) a partir do momento precedente à adopção do predito acórdão, por omissão de notificação das contra-alegações de recurso do Ministério Público”.
B., Lda., a quem foi enviada cópia do acórdão n.º 461/2011, para conhecimento, veio, por sua vez, arguir o vício decorrente da omissão de notificação das contra-alegações do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência, alegando que não teve possibilidade de se pronunciar sobre tais peças processuais, pelo que não foi cumprido o princípio do contraditório.
Por despacho da relatora, proferido nos termos do artigo 78.º-B, n.º 1, da LTC, foi indeferida a pretensão da requerente B., Lda., relativamente à notificação das alegações da Autoridade da Concorrência e Ministério Público, com fundamento na ilegitimidade da mesma para exercer qualquer reacção processual relativamente ao processado subsequente ao trânsito do acórdão que decidiu, definitivamente, da inadmissibilidade dos recursos por si interpostos.
3. Por acórdão com o n.º 527/2011, foi decidido julgar improcedente a arguição do vício de nulidade invocado pela recorrente A., Lda.
Inconformada, vem agora a mesma recorrente apresentar novo requerimento, arguindo os seguintes vícios:
I) nulidade do processado, por ausência de notificação do requerimento apresentado por B., Lda.;
II) nulidade do processado, a partir do momento precedente à adopção do acórdão n.º 527/2011, por omissão de notificação das observações escritas do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência;
III) nulidade do acórdão n.º 527/2011 por violação do princípio do contraditório (“questão autónoma face àquela que foi invocada na arguição de nulidade do acórdão n.º 461/2011”).
Alega a recorrente A., Lda., que o requerimento apresentado pela B., Lda., deveria ter-lhe sido notificado, ao abrigo do princípio do processo justo equitativo e da transparência processual, da mesma forma que foi notificado aos recorridos Autoridade de Concorrência e Ministério Público.
Acrescenta a recorrente que a ausência de notificação do aludido requerimento impede que a mesma possa controlar se foi suscitada “qualquer questão nova que possa ter interesse para a avaliação da sua alegada responsabilidade.”
Configura a recorrente tal vício como nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.
No tocante ao ponto II), refere a recorrente que a omissão de notificação das peças processuais apresentadas pelos recorridos Ministério Público e Autoridade da Concorrência, em resposta à arguição de nulidade suscitada pela recorrente, em momento prévio à prolação do acórdão que decidiu de tal incidente, corresponde a violação do direito a um processo justo e equitativo e ainda a incumprimento do princípio do contraditório. Em abono da sua posição, refere a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sintetizando o seu sentido, quanto à interpretação do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na asserção de que “cabe aos requerentes decidir se determinadas observações merecem comentários da sua parte. Incumbindo ao Tribunal Constitucional facultar ao interessado, antes de adoptar a sua decisão, a possibilidade de responder a tais observações escritas. À luz do que se expõe, o Tribunal Europeu tem entendido que não é necessário determinar se e em que medida tais observações escritas tiveram impacto na decisão do Tribunal Constitucional.”
Conclui, pelo exposto, que não tendo sido conferida à requerente a possibilidade de se pronunciar sobre a posição do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência, antes da prolação da decisão, foi violado o direito a um processo justo e equitativo bem como o princípio do contraditório, o que gera a nulidade do processado, nomeadamente do acórdão n.º 527/2011.
Relativamente ao ponto III), a recorrente, depois de manifestar a sua discordância em relação ao entendimento plasmado no acórdão n.º 527/2011, retoma a tese da nulidade decorrente da circunstância de não ter tido possibilidade de se pronunciar sobre as alegações do Ministério Público, antes da prolação do acórdão n.º 461/2011, defendendo que a falta de comunicação prévia de tal peça processual constitui uma violação do direito a um processo justo e equitativo e ainda do princípio do contraditório.
4. O Ministério Público, respondendo à arguição de nulidades, refere que, não tendo a recorrente legitimidade para intervir no recurso interposto pela outra recorrente, evidentemente não tinha que ser notificada do requerimento, nem das respostas.
Quanto à questão referente à violação do princípio do contraditório, a mesma já foi apreciada no Acórdão n.º 527/2011, que se pronuncia relativamente ao alcance de tal princípio, em situação semelhante.
Desta forma, conclui o Ministério Público que a pretensão da recorrente, quanto às três questões que suscita, é manifestamente infundada.
A Autoridade da Concorrência também veio apresentar a sua resposta, considerando que as questões colocadas no requerimento apresentado pela A., Lda., já foram amplamente debatidas e decididas no Acórdão n.º 527/2011, pelo que mais nada cumpre acrescentar quanto às alegadas violações do princípio do contraditório e de um processo justo e equitativo.
Assim, conclui a Autoridade da Concorrência que o requerimento em apreciação consubstancia uma manobra manifestamente dilatória, limitando-se a requerente a fazer um uso abusivo dos instrumentos processuais e do direito de requerer/responder, pelo que a sua pretensão deve ser indeferida.
5. B., Lda., entretanto, veio arguir a nulidade do despacho da relatora, referido em 2., tendo sobre esse requerimento incidido acórdão, proferido em conferência, datado de 25 de Novembro de 2011, que considerou a apresentação de tal peça processual demonstrativa da intenção da requerente de “obstar à baixa do processo, justificando-se, por isso, a utilização da faculdade prevista nos artigos 84.º, n.º 8, da LTC, e 720.º, do Código de Processo Civil.”
Nestes termos, decidiu que o processo deveria prosseguir os seus regulares termos no tribunal recorrido, “sem ficar à espera da decisão que venha a incidir sobre o referido requerimento, o qual será proferido em traslado após o pagamento das custas” da responsabilidade da requerente.
II – Fundamentos
6. O requerimento apresentado pela recorrente A., Lda., corresponde à segunda peça de arguição de nulidade subsequente ao acórdão final, que julgou improcedentes as questões de constitucionalidade colocadas pela requerente.
Como resulta do relatório apresentado supra, tal requerimento baseia-se na reposição da mesma questão de direito que foi discutida no âmbito da primeira arguição de nulidade – e já foi tratada com profundidade no último acórdão proferido, com o n.º 527/2011 – que se reconduz a saber se o direito a um processo justo e equitativo comporta um entendimento do princípio do contraditório tão amplo que implica que todas as peças processuais que dão entrada em Juízo sejam notificadas à requerente, antes da prolação de qualquer decisão.
Verifica-se, por outro lado, como igualmente ressalta do relatório mencionado, que o requerimento a que a autora aponta a falta de notificação foi apresentado por um terceiro, sem legitimidade para intervir no presente recurso.
Assim, constata-se que a requerente apenas pretende obstar ao trânsito em julgado do acórdão n.º 461/2011, datado de 11 de Outubro de 2011, que julgou improcedentes as questões de constitucionalidade por si apresentadas.
Nestes termos, justifica-se a utilização da faculdade prevista nos artigos 84.º, n.º 8, da LTC, e 720.º do Código de Processo Civil, determinando-se a imediata remessa do processo ao tribunal recorrido, para prosseguimento dos seus regulares termos, sem aguardar a decisão que venha a incidir sobre o presente requerimento, a qual será proferida no traslado, após o pagamento das custas da responsabilidade da requerente A., Lda.
Mais se consigna que, para todos os efeitos, se considera transitado em julgado o acórdão de 11 de Outubro de 2011, a que foi atribuído o n.º 461/2011.
III – Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, determina-se:
a) após extracção de traslado dos presentes autos e contado o processo, remetam-se os autos ao tribunal recorrido, a fim de prosseguirem os seus termos;
b) só seja dado seguimento no traslado ao incidente de arguição de nulidades já deduzido e de outros requerimentos que a Recorrente venha a apresentar, depois de pagas as custas da sua responsabilidade.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.