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Processo n.º 169/10
1. ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. No Tribunal Judicial de Pombal foi proferida sentença, em 2 de Dezembro de 2009, a condenar o arguido A., como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de seis meses de prisão; e como autor de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por referência ao artigo 138º, n.º 2, do Código da Estrada, na pena de nove meses de prisão; feito o cúmulo jurídico de tais penas, o arguido foi condenado na pena única de dez meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa à taxa diária de cinco euro; e, ainda, na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dezoito meses.
2. Desta sentença recorreu o representante do Ministério Público, nos seguintes termos:
O Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 280.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 70.º, n.º 1, al. g), e 75º-A, n.º 1, ambos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 143/85, de 26 de Novembro; n.º 85/89, de 7 de Setembro; n.º 88/95, de ide Setembro e n.º13-A/98, de 26 de Fevereiro), vem interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, da sentença proferida a fls. 66/77.
Nos termos do preceituado no artigo 72.º, nºs. 1, al. a), e 3, o Ministério Público tem legitimidade para a interposição do presente recurso.
O recurso sobe nestes autos, imediatamente e com efeito suspensivo, para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, al. g), 71.º, n.º 1, e 78.º, n.º 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e dos artigos 407.º, n.º 2, al. a), e 408.º, n.º 1, al. a), ambos do Código do Processo Penal.
Venerando Tribunal Constitucional:
O Ministério Público vem, nos termos do preceituado no artigo 280.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 70.º, n.º 1, al. g), 71.º, n.º l, 72.º, nºs. 1, al. a), e 3, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.º 1, e 78.º, n.º 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional da sentença proferida no dia 2 de Dezembro de 2009 e constante de fls. 66 a 77, que condenou o arguido A., pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, e pela prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, nos. 1 e 2, do Código Penal, por referência ao artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na pena de nove meses de prisão, e em cúmulo na pena única de dez meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
Aquela decisão é recorrível, nos termos do disposto do artigo 70.º, n.º 1, al. g) do supra citado diploma legal, uma vez que o Tribunal Constitucional, por acórdão n.º 187/2009, publicado no D.R., Série I, n.º 115, de 17 de Junho de 2009, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que submete ao regime do crime de desobediência qualificada quem conduzir veículos automóveis estando proibido de o fazer por força da aplicação da pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal, constante de sentença criminal transitada em julgado, por violação do preceituado no artigo 165.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa.
Com o presente recurso pretende-se que, atenta a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, seja ordenada a remessa dos autos ao Tribunal a quo, para que este reformule a decisão proferida em conformidade com o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2009, nos termos do preceituado no artigo 80.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
3. Recebido o recurso, alegou o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, concluindo:
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1. O Acórdão n.º 187/2009 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que submetia ao regime de desobediência qualificada, quem conduzisse veículo automóvel, estando proibido de o fazer por força da aplicação da pena acessória prevista no artigo 69.º, constante da sentença criminal transitada em julgado.
2. Tendo sido precisamente nessa dimensão que a norma foi aplicada na decisão recorrida, terá de aplicar-se a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante daquele aresto.
3. Em consequência, deve conceder-se provimento ao recurso.
O recorrido não alegou.
4. Cumpre decidir.
Apura-se que o tribunal recorrido aplicou na sobredita sentença condenatória, em 2 de Dezembro de 2009, a norma constante do artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que submete ao regime do crime de desobediência qualificada quem conduzir veículos automóveis estando proibido de o fazer por força da aplicação da pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal, constante de sentença criminal transitada em julgado. Na verdade, pondera-se na sentença, o seguinte:
«Dos factos provados, resulta estarem verificados os elementos objectivo e subjectivo do crime de desobediência qualificada. Na verdade, houve uma ordem de uma autoridade competente, neste caso, uma sentença do tribunal, para que o arguido cumprisse seis meses de inibição de conduzir. Estamos, pois, perante uma decisão judicial que foi regularmente notificada ao arguido, conforme resulta dos factos provados. Todavia, no dia 26.10.2009, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros identificado nos factos provados, desobedecendo a uma ordem legítima emanada de autoridade competente. Por último, provou-se que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que estava proibido de conduzir veículos com motor, tendo conhecimento de que a sua conduta era proibida e criminalmente censurável. Deste modo, verifica-se que o arguido praticou [...] um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, nºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 138º, nº 2, do Código da Estrada.»
Todavia, aquela norma fora objecto de uma anterior declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, efectuada pelo Acórdão n.º 187/2009, publicado no DR, Série I, de 17 de Junho de 2009. Nos termos do artigo 282º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. Em suma, a norma havia já sido erradicada da ordem jurídica quando foi aplicada na aludida sentença. Não pode, por isso, manter-se tal decisão, nessa parte.
5. Assim, e sem necessidade de outras considerações, o Tribunal decide revogar a sentença recorrida para que seja reformada de acordo com o presente julgamento.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.