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Processo n.º 570/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado do Acórdão n.º 281/2011, proferido a fls. 984 e seguintes, o recorrente A. requereu que lhe fosse enviada a acta do julgamento; o relator pediu esclarecimentos sobre o fundamento do pedido e acabou por indeferir tal pretensão por despacho do seguinte teor:
O recorrente pede, em suma, que «lhe seja enviada a acta do julgamento para que a notificação do Acórdão fique completa». Convidado a identificar o fundamento jurídico desta sua pretensão, o requerente esclareceu que, «entre outros», tal fundamento reside no artigo 29º da LTC e no artigo 122º e seguintes do Código de Processo Civil. Mas é bem evidente que tais preceitos nada dispõem quanto a notificações das decisões proferidas pelos tribunais; para esse efeito rege o artigo 259º do Código de Processo Civil que, sob a epígrafe «Notificação de decisões judiciais», dispõe: «Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se ou entregar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos.» No exacto cumprimento deste preceito, a Secção remeteu oportunamente ao requerente fotocópia legível da decisão e dos seus fundamentos, razão pela qual se deve concluir que a notificação ficou perfeita quando foi recebida pelo seu destinatário.
Nestes termos, devendo concluir-se que o pedido não tem suporte legal, vai o mesmo indeferido.
2. Inconformado, o requerente reclama deste despacho para a conferência, nos seguintes termos:
A., Juiz Conselheiro Jubilado do STA, Recorrente nos autos em epígrafe, notificado do Despacho de V.ª Ex.ª de 7-7-2011, vem respeitosamente Expor e Requerer o seguinte:
1) O Recorrente foi oportunamente notificado do douto acórdão de 7-6-2011 proferido no processo em epígrafe, que declarou totalmente improcedente o seu recurso para este Tribunal.
2) Na questão essencial viu com pesar ter sido considerado não ofender a equidade o julgamento do seu recurso pelo Plenário do STA, e portanto conter-se ele no âmbito da constitucionalidade, apesar de, nesse julgamento, dos sete Juízes intervenientes quatro deles (a maioria do colectivo) terem constituído o Tribunal decisor do acórdão do Pleno de que se levara recurso para esse Plenário.
3) E conclui também o Recorrente que, para V.ªs Exas, dada a identidade que existe da regulamentação legal, se na Relação ou no Supremo de Justiça, no julgamento de um recurso, o colectivo for constituído por um ou mais juízes, ou mesmo todos, que no tribunal inferior intervieram na decisão recorrida, esse tribunal ad quem continua a ser considerado equitativo, isento e imparcial, em si mesmo e no seu aspecto e confiança para o exterior.
4) Como razões para assim decidir, o referido acórdão do TC, nos seus nºs. 4.6. e 4.7., aponta para outros acórdãos onde se terá reconhecido ser permitida e aceitável a intervenção do mesmo juiz ou juízes em sucessivas situações de decisão.
5) Vemos, porém, que ai se trata de casos de anulação ou declaração de nulidade de julgamento, de reclamação para a conferência e de indeferimento de recurso, todos eles a terem lugar no mesmo processo e na mesma instância.
6) Só que, nessas situações, como é claro, não é definitivamente posto em crise o direito das partes em verem superiormente apreciado no recurso para um tribunal ad quem o julgamento onde essas decisões sejam envolvidas, ao passo que aqui está em risco o direito do Recorrente a ver o seu recurso ser julgado por outro tribunal independente e imparcial, quer intrinsecamente, quer no seu aspecto exterior.
7) Alias, no próprio douto acórdão do TC aludido, a págs. 22, 24 e 25, 1.ª parte, se vê explicitamente acautelado que aí se trata de situações substancialmente diferentes da prevista no art.º 122.º-1-e) do CPC.
8) E, como nota, convém obtemperar (o douto acórdão poderia permitir entendimento diferente) que, no recurso por oposição de julgados, só o acórdão fundamento é que está transitado e é inalterável: o acórdão recorrido mantém-se em trânsito, sujeito a eventual alteração conforme a decisão que sobrevier, e, assim, por esta afectável.
9) No seu ponto 4.8. o douto Acórdão exibe um argumento, esse sim, a priori parecendo adequado ao assunto realmente sub judice; o de que, no recurso por oposição de julgados se decide questão distinta da do fundo da causa apreciada pelo tribunal recorrido. E daí que os juízes que intervieram neste não estariam naquele inquinados por um pré-juízo da anterior decisão.
10) Só que este argumento, aliás exiguamente exposto e sem qualquer remissão para outra anterior decisão ou normativos legais, merece pelo menos três considerações invalidantes.
11) Primeiro, o recurso por oposição de julgados pode provir de decisões sobre questões meramente formais dos acórdãos em conflito, que não de questões de fundo.
12) Depois, no recurso por oposição de acórdãos, o tribunal aprecia e serve-se da decisão recorrida e seus fundamentos, como aliás sucedeu no caso em apreço, em que se julgou muito acertado, com transcrição dos próprios termos, o que foi decidido pelo Pleno.
13) Por fim, e fundamentalmente, o que está em causa para o desiderato constitucional não é a forma ou a matéria que se decide, mas sim a ligação dos juízes com a decisão, mesmo quando se trata puramente do seu relacionamento com outros intervenientes na lide.
14) Muito especialmente é o interesse, subjectivo ou objectivo, que o julgador tenha, possa ter ou pareça poder ter no sentido da decisão, pois aí é que reside a isenção e imparcialidade, real ou apenas aparente, do tribunal para o julgamento em processo equitativo.
15) Ora, parece indesmentível que os quatro Juízes que intervieram no recurso no Plenário, aí sendo maioria, e já tinham intervindo no Pleno na decisão sob recurso, se mostram objectiva e aparentemente interessados no sentido em que o julgamento foi feito pelo Plenário.
16) Com efeito, este julgamento do Plenário manteve inalterada a decisão do Pleno sob recurso. Ora, ao menos para o exterior, não poderia deixar de ser esse o desejo e interesse decisor dos quatro Juízes (a sua maioria) que intervieram
17) Assim, não terá havido processo equitativo e caberia ter-se o TC pronunciado pela procedência do juízo de inconstitucionalidade.
18) O que vem de ser dito é para se compreender o sentimento do Recorrente de poder haver alguma animosidade contra si ou complacência para com o julgamento sob recurso. Essa a primeira razão por que o Recorrente pretende saber quem foram os Exmos. Juízes que proferiram o douto Acórdão aludido de 7-6-2011.
19) E como os nomes desses Juízes não são decifráveis das rubricas (pelo menos da sua maior parte) que subscreveram esse aresto, por isso se requereu que a notificação fosse completada com o envio da acta da sessão, que necessariamente os identifica.
20) Trata-se de um complemento da notificação porque sem essa identificação está-se a coarctar ao Recorrente o seu direito de reclamar ou impugar o acórdão por razões atinentes aos Exmºs. Juízes que o assinaram, como poderá ser o seu relacionamento com as partes, com outrem ou entre si, a sua possível eventual intervenção anterior nesta causa no STA, ou outro motivo que da acta possa resultar.
21) Tal é do interesse do Direito e da Justiça, que com isso só podem sair reforçados. Daí que não entenda o Recorrente porque há-de opor-se resistência a esse envio, pois deve ter sido lavrada a acta, como é obrigatório, não se vislumbrando motivos para que os Exmos. Juízes intervenientes receiem que seja cognoscível a sua identidade.
22) O Exmo Relator, no entanto, no seu douto Despacho de 7-7-2011, recusou o envio da acta apoiando-se no conteúdo do art.º 259.º do CPC que dispõe:
“Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se ou entregar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos”.– E por entender que isso foi feito e, portanto, nada mais havia a fazer, considerou a notificação completa e indeferiu o pedido.
23) Discorda o Recorrente, salvo o devido respeito, que muito é. O preceito impõe o que deve ser necessariamente enviado ou entregue. Mas não impede que outros elementos acompanhem a decisão, concomitante ou posteriormente. Ora, em Direito o que não é proibido é permitido. E como não foi indicada nem existe norma, nem nesse preceito se contém, que proíba o envio da acta solicitada, devia ela ter sido enviada, pois a tal não obsta o dito art.º 259.º do CPC.
24) Aliás, in casu, impunha-se e impõe-se tal envio, depois de solicitado pelo Recorrente, pelo seguinte motivo: o art. 259º do CPC impõe que a cópia enviada ao notificando seja legível quanto à decisão e seus fundamentos,
25) e uma decisão legível só é se o forem todos os seus elementos, inclusive as assinaturas dos ilustres decisores.
Além disso,
26) tal normativo terá necessariamente que ser conjugado com o art.º 157.º do PC, o qual se nos afigura não ter sido cumprido, que estatui que, em qualquer decisão judicial, é obrigatória a assinatura ou assinaturas de quem decidiu.
27) Essas assinaturas fazem parte do Acórdão, pois, sem elas, este não está completo e nem tem existência jurídica.
28) Nas palavras do Acórdão nº 040457 do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Fevereiro de 1990, “1 – A inexistência jurídica da sentença, figura jurídica que a doutrina admite ao lado das nulidades da sentença, é um vício radical que se verifica apenas quando a sentença falta um dos seus elementos essenciais: ser o acto emitido a favor ou contra pessoas fictícias ou imaginárias; não provir de pessoa investida do poder jurisdicional; não conter a sentença uma verdadeira decisão ou conter uma decisão incapaz de produzir qualquer efeito jurídico.” (in http://stj.vlex.pt/vid/..22603905)
29) E complementam as palavras do Acórdão nº 00984/03 de Tribunal Central Administrativo Sul de 18 de Janeiro de 2005 que, “VI).- Mas se os actos inexistentes não carecem de ser anulados, há que declarar a sua inexistência e, porque a inexistência constitui uma invalidade mais grave que as nulidades principais, deve aplicar-se-lhe, pelo menos, o regime destas. VII). Assim, o tribunal poderá delas conhecer oficiosamente e a todo o tempo, pelo menos até ao trânsito em julgado da sentença (cfr. arts. 202.º, 204.º, n.º 2, e 206.º, n.º 1, do CPC).” (in http://tca.vlex.pt/vid/-22837381).
30) Por isso, quando o n.º 1 do art. 157.º do CPC prevê que “as decisões judiciais serão datadas e assinadas pelo juiz ou relator, que devem rubricar ainda as folhas não manuscritas” e que “os acórdãos serão também assinados pelos outros juízes que hajam intervindo”, é mister que, onde a lei exige a “assinatura” (e não a mera rubrica, ambos conceitos que a lei prevê e distingue), ela seja legível ao ponto de identificar o seu autor.
31) Sem a identidade do(s) decisor(es) ser cognoscível, de que outro modo pode o notificando apurar as situações de eventualmente não provir de pessoa investida do poder jurisdicional-
32) No douto Acórdão de 7-6-2011, pelo menos três das suas assinaturas são ilegíveis (se é mesmo que como assinaturas se podem considerar, que não como meras rubricas).
33) Por conseguinte, a decisão notificada não é totalmente legível, como tinha de ser para perfeição da notificação, por imposição do n.º 1 do art. 157.º do C.PC e também do referido art.º 259.º do CPC.
34) Daí que, para a notificação ser completada, se torna necessário o envio da acta como o Recorrente requereu.
35) Mas não só pelas razões antecedentes se impõe o envio da acta.
36) Não pode ao Recorrente retirar-se ou restringir-se o seu direito de reclamar ou arguir irregularidades, vícios ou nulidades, ocorridos não só no teor do acto decisório stricto sensu, como nos trâmites da sua elaboração final Entre esses, v.g, os respeitantes à constituição do tribunal, seu funcionamento e decurso da sessão.
37) Tais fundamentos foram já explicitados anteriormente e as normas de onde tal resulta o Recorrente indicou e indica, desnecessariamente até, porquanto jura novit curia; da mihi facta, dabo tibi jus (cfr. art.º 664º do CPC).
38) Assim, como tais eventuais anomalias envolvem e se reflectem na decisão notificada, é justo, adequado e legal que a acta seja fornecida, pelo menos quando qualquer das partes o solicite, só após isso podendo dar-se por completada a notificação.
39) A acta deve, portanto, ser enviada ao Recorrente, e não recusada como foi, mormente para dele ser conhecida a identidade dos Julgadores intervenientes no Acórdão, não só mas também para os efeitos previstos no Artigo 29.º da Lei Orgânica do TC, que, em matéria de Impedimentos e suspeições, dispõe que 1 - É aplicável aos juízes do Tribunal Constitucional o regime de impedimentos e suspeições dos juízes dos tribunais judiciais.”, i.e., do art. 122.º e ss do CPC quanto às garantias de imparcialidade dos Juízes intervenientes (conforme se disse no nosso Requerimento anterior).
Termos em que, na conformidade dos antecedentes arts. 18.º e ss, vem o Recorrente reclamar do douto despacho de V. Ex.ª de 7-7-2011, requerendo que:
I) Revendo a situação, V.ª Ex.ª se digne reformar o referido Despacho e ordenar o envio da acta da sessão em que foi proferido o douto acórdão de 6- 7-2011 para complemento da notificação deste último, assim colmatando também a ilegibilidade das assinaturas que contém de modo a que possa ser cognoscível a identidade dos Venerandos Juízes intervenientes no Acórdão; ou
II) Caso assim não entenda, se digne submeter à Conferência o requerido, ao abrigo do n.º 2 do art. 78º-B da Lei Orgânica do TC.
3. O Presidente do Supremo Tribunal Administrativo não apresentou resposta, cumprindo agora decidir.
4. O requerente pretende obter certidão de um documento do processo, no caso, da acta da sessão de julgamento, «para que a notificação do Acórdão fique completa».
Neste pedido descortinam-se duas pretensões interligadas, embora formuladas em planos distintos: a primeira é expressa e relativa à entrega do documento. A outra, implícita, inclui o argumento de que a notificação estaria imperfeita até à entrega do documento ao interessado, e reporta-se ao prazo para arguir reclamações contra o aresto, que só se iniciaria com aquela entrega.
A questão a decidir é relativa a esta dupla e inextrincável pretensão.
Ora, sendo certo que nada obstaria a que ao requerente fosse entregue certidão da acta, se tal tivesse sido verdadeiramente pedido, resta saber se a perfeição da notificação do acórdão exige que o Tribunal entregue tal documento ao interessado.
É manifesto que a questão deve ser decidida com apelo às regras que disciplinam a notificação das decisões judiciais.
E a verdade é que, tal como afirma o despacho em reclamação, nesta matéria rege o artigo 259º do Código de Processo Civil que, sob a epígrafe «Notificação de decisões judiciais», dispõe: «Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se ou entregar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos.» Apurando-se que a Secção remeteu ao requerente cópia legível da decisão e dos seus fundamentos, deve concluir-se que a notificação ficou perfeita quando tal documento foi recebido pelo seu destinatário.
Cumpre, para além do que fica dito, qualificar como manifestamente improcedentes os argumentos invocados quanto à necessidade de a notificação incluir o nome dos juízes que subscrevem as decisões a notificar, por ser bem claro que tal requisito não consta do já referido preceito do Código de Processo Civil.
É, assim, de concluir que o pedido não tem suporte legal, tal como afirmou o despacho.
5. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando o despacho que negou procedência à pretensão do reclamante.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.