Imprimir acórdão
Processo n.º 607/11
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) do despacho de 23 de Maio de 2011 (fls. 419, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Fevereiro de 2011, que manteve a sua condenação em pena de prisão pela prática de crimes de furto.
2. O reclamante alegou que:
“(…)
3. Inconformado, interpôs recurso daquele aresto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo n70.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pugnando para que o mais Alto Tribunal se pronunciasse sobre a não correcta aplicação do princípio constitucional in dúbio pró reo e da escolha das penas, julgando-se materialmente inconstitucional a interpretação dada àquela norma, espelhada na decisão recorrida.
(…)
5. Em cumprimento do convite formulado, o Reclamante procedeu à indicação das normas constitucionais que considerava violadas – 18.º e 32.º, n.º 2, da C.R.P., face à recusa da aplicação dos artigos 71.º e 40.º, ambos do C.P.
(…)
9. Ao concluir pela inexistência do objecto normativo, o Tribunal da Relação, cerceou o direito de o arguido ver apreciada pelo Mais Alto Tribunal a questão suscitada quanto à recusa de aplicação das normas concretamente apontadas.”
3. O Ministério Público respondeu nos termos seguintes:
“1. A Relação de Lisboa, por Acórdão de 23 de Fevereiro de 2011, negou provimento ao recurso interposto por A., da decisão que, em 1.ª instância, o condenara na pena única de 9 meses de prisão.
2. Desse acórdão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional mas, como o requerimento não cumpria os requisitos exigidos pelo artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da LTC, foi aquele notificado nos termos do n.º 5 do mesmo preceito.
3. Respondendo ao convite, o recorrente diz que suscitou a questão de inconstitucionalidade nos pontos 17 e 19 das conclusões da motivação do recurso interposto para a Relação e que considera violados os artigos 32.º e 18.º, n.º 2 da Constituição, “face à recusa da aplicação, pela decisão recorrida, dos artigos 71.º e 40.º, ambos do Código Penal”.
4. Segundo a transcrição das conclusões, feita no acórdão recorrido, vemos que nos pontos 17 e 19, não vem suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
5. Aliás, nesses pontos das conclusões, nem sequer é referida qualquer norma de direito ordinário.
6. Por outro lado, no mesmo requerimento, como se vê pela parte já anteriormente transcrita (n.º 3), não se identifica a norma aplicada e cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, antes se invocando que a inconstitucionalidade reside na não aplicação de determinados preceitos do Código Penal, os artigos 71.º e 40.º.
7. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
4. Para decisão da reclamação, importa considerar as seguintes ocorrências processuais:
a) O Tribunal Criminal de Lisboa (2ª Vara) condenou o ora reclamante na pena única de nove meses de prisão, pela prática de dois crimes de furto;
b) O arguido interpôs recurso da sentença condenatória, tendo sustentado:
“(…)
17. Decorre do nº 2 do artº 32º da nossa Constituição da República, o princípio in dúbio pró reo, é um princípio geral do direito processual, sendo a expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido.
18. A testemunha ao não identificar o arguido, deixou dúvidas se terá sido o mesmo a praticar tal ilícito penal.
19. As restrições de Direitos Fundamentais carecem de justificação, não podendo legitimar-se senão pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não podendo ultrapassar a medida necessária para o efeito, v.g. art. 18º nº 2 da C.R.P.
20. Antes da determinação da medida concreta da pena haverá que proceder à escolha da pena seguindo o critério definido no art 71º do Código Penal.
21. É o próprio Tribunal que recusa a aplicação do art 40º do Código Penal.
22. Ou seja, o Tribunal Ad Quo devia dar preferência à pena não privativa da liberdade.
23. Face ao tipo de crime, furto, onde a medida da pena é aplicável pena de prisão até 3 (três) anos ou multa,
24. A pena aplicada ao arguido A., parece-nos muito elevada. Aliás, se fosse aplicada uma pena suspensa, e face às suas condições económico-financeiras, provavelmente a pena seria equiparada a uma pena de prisão.
(…).”
c) O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de Fevereiro de 2011 negou provimento ao recurso, considerando, além do mais que nada havia a censurar à pena fixada, tendo presentes os critérios do artigo 71.º do Código Penal (CP), e que com a suspensão da pena não se realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
d) O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, mediante o seguinte requerimento:
“(…) estando em tempo e tendo legitimidade, vem, muito respeitosamente, por não se conformar com o douto Acórdão, interpor recurso do mesmo, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70º nº 1, al. a) e b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, pelo que junta as suas respectivas Motivações.”
e) Respondendo a convite para completar o requerimento de interposição do recurso, o reclamante respondeu na forma seguinte:
“A., nos autos acima indicados, devidamente notificado do teor do douto despacho de fls., vem, mui respeitosamente, trazer ao conhecimento de V. Exa. que havia suscitado a questão da inconstitucionalidade no recurso interposto para esse Venerando Tribunal – pontos 17 e 19 das conclusões – cm 15 de Setembro de 2010, e por força do Acórdão proferido pela 2ª Vara Criminal de Lisboa em sede do supra mencionado processo n.º 138/09.9S7LSB.
Nos termos do recurso então apresentado, entendeu o recorrente que a pena imposta pelo tribunal a quo denuncia uma nítida violação do princípios in dubi pro reo e da escolha da penas, pelo que a este respeito, desde logo se advogou que as normas constitucionais que se consideravam violadas são as vertidas no n.º 2 do artigo 32.º e n.º 2 do artigo 18° da Constituição da República Portuguesa, face à recusa da aplicação, pela decisão recorrida, dos artigos 71.º e 40.º, ambos do Código Penal.”
g) Foi seguidamente proferido o despacho reclamado, do seguinte teor:
“Recursos interpostos pelos arguidos/recorrentes para o Tribunal Constitucional (fls. 329-331 e 348-349):
Como referimos no despacho/convite de fls. 351, ambos os recorrentes afirmam recorrer ao abrigo das als. a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Lei do Tribunal Constitucional - Lei n.º 28/82, de 15-11, alterada por último pela Lei n.º 13-A/98, de 26-02).
Reconhecendo-se nesse despacho que os recorrentes através dos recursos interpostos consideram ter sido violado o princípio in dubio pro reo, fez-se aí notar que nenhum deles procedeu à indicação da peça processual em que a alegada inconstitucionalidade, ou ilegalidade, tenha sido [anteriormente] suscitada. Como se fez notar, ainda, que também no procederam à indicação da norma, ou normas, cuja aplicação tenha sido recusada pela decisão recorrida, com fundamento em inconstitucionalidade (al. a), do n.º 1, do referido artigo 70.º).
Na sequência do dito despacho/convite, veio o recorrente A., depois de “esclarecer” que já havia suscitado a questão da inconstitucionalidade no recurso interposto para esta Relação, dizer (fls. 354-355/356-357):
“Nos termos do recurso então apresentado, entendeu o recorrente que a pena imposta pelo tribunal a quo denuncia uma nítida violação do princípio in dubio pro reo e da escolha das penas, pelo que a este respeito, desde logo se advogou que as normas constitucionais que se consideram violadas são as vertidas no n.º 2 do artigo 32.º e n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, face à recusa da aplicação, pela decisão recorrida, dos artigos 71.º e 40.º, ambos do Código Penal.”.
Por sua vez, o recorrente B., depois de “esclarecer” que a violação do princípio in dubio pro reo foi por ele suscitada rio recurso interposto da sentença para esta Relação, sendo pois essa a peça processual onde foi suscitada a inconstitucionalidade, veio dizer (fls. 359/360):
“A norma cuja aplicação foi efectivamente recusada é a prevista no art. 32.º, n.º 2 da CRP, que estabelece o princípio de presunção de inocência do arguido. De facto, no confronto entre a prova produzida em julgamento e o princípio constitucional previsto no art. 32.º, n.º 2 da CRP, outra não poderia ter sido a decisão que não julgar inocente o arguido, ora recorrente.
Houve pois uma incorrecta interpretação e aplicação do princípio in dubio pro reo previsto no art. 32.º, n.º 2 da CP, sendo pois essa a inconstitucionalidade invocada no recurso em apreço.”.
Ora, entre o mais que se poderia dizer, é manifesto que nem a sentença da 1.ª instância nem o acórdão desta Relação recusaram a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade (al. a) do mencionado artigo 70.º), nomeadamente no recusaram a aplicação dos normativos (artigos 71.º e 40.º, ambos do Código Penal) indicados pelo recorrente A..
E, como vezes sem conta tem sido dito pelo Tribunal Constitucional, um dos pressupostos do recurso previsto na al. b) do mesmo preceito, uma vez que não está consagrado no nosso direito um recurso de amparo ou de queixa constitucional contra actos judiciais, consiste na previsão de que o mesmo tenha sempre por objecto normas, incidindo necessariamente sobre a apreciação da (in) constitucionalidade ou da ilegalidade de normas identificadas e especificadas, em termos oportunos e processualmente adequados, pelo recorrente.
Tal pressuposto, pela inexistência desse objecto normativo, não se verifica no caso.
Acresce, a tudo isto, que não cumpre ao Tribunal Constitucional apreciar o juízo que levou a decisão recorrida a considerar que não houve inobservância ou violação do princípio in dubio pro reo.
Consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 1 e n.º 2 (1.º e última partes), da LTC, indefiro os recursos interpostos.”
5. A reclamação é manifestamente improcedente, merecendo inteira confirmação o despacho reclamado.
Com efeito, o acórdão recorrido não recusou aplicação a quaisquer normas de direito ordinário com fundamento em inconstitucionalidade, designadamente aos artigos 40.º e 71º do Código Penal. Pelo contrario, fez deles aplicação na escolha e na determinação da medida da pena, embora com efeito ou sentido diferente daquele que o recorrente pugnava. Não pode, consequentemente, o recurso ser admitido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
E é igualmente certo que o recorrente não suscitou no recurso para a Relação qualquer questão de inconstitucionalidade de normas jurídicas. Limitou-se a censurar a sentença de primeira instância por dar preferência à pena de prisão. A violação de normas e princípios constitucionais que a este propósito refere reporta-se à decisão judicial, não à desconformidade de quaisquer normas com a Constituição. Assim, mesmo que se considere que a reclamação não abandona o fundamento da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, também não pode admitir-se o recurso por essa via.
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 28 de Setembro de 2011. – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.