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Processo n.º 317/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., Ld.ª, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Novembro de 2010 e do despacho do Vice-Presidente daquele Tribunal de 30 de Março de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 354/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Para o que agora releva, tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. Resulta do requerimento de interposição de recurso que o recorrente pretende recorrer do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Novembro de 2010 e do despacho do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2011. Sucede, porém, que a primeira decisão ainda não é definitiva, uma vez que o recorrente também recorreu para este Tribunal da decisão que indeferiu reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto daquele acórdão. Tal obsta ao conhecimento do objecto do recurso interposto do acórdão de 23 de Novembro de 2010 (artigo 70º, nº 2, da LTC), justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, nº 1, da LTC).
Além do mais, ao Tribunal Constitucional cabe apreciar a inconstitucionalidade de normas e não de decisões judiciais (artigos 280º, nº 1, da Constituição e 70º, nº 1, da LTC)».
3. Desta parte da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes argumentos:
«2. (…) salvo melhor opinião e com todo o devido respeito, entende o Recorrente que tal decisão se mostra indevidamente ajuizada, na medida em que, decide, desde logo, não ser possível tomar conhecimento do recurso interposto do Acórdão de 23 de Novembro de 2010, nos termos do preceituado no art. 70º, n.º 2 da L.T.C., porquanto «(…) a primeira decisão [seja, o dito Acórdão de 23 de Novembro] ainda não é definitiva, uma vez que o recorrente também recorreu para este Tribunal da decisão que indeferiu reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto daquele Acórdão. (…)».
3. Na verdade, e com todo o devido e merecido respeito pelo aí vertido, não se compreende a alusão ao preceituado no art. 70º, n.º 2 da L.T.C., na medida em que, no modesto entendimento do ora Reclamante, de nada releva o facto de o aludido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Novembro de 2010 ainda não se revestir como uma decisão definitiva,
4. Pois que, e nos termos do preceituado no art. 70º, n.º 2 da L.T.C., não releva, aquando dos recursos previstos na als. b) e f) do n.º 1 daquele normativo, um qualquer trânsito em julgado de uma qualquer decisão para se poder, ou não, suscitar questão de inconstitucionalidade junto deste Egrégio Tribunal,
5. Antes sim, apenas se “exige” não ser a decisão em apreço susceptível de um qualquer recurso ordinário, tal qual, aliás, sucede no caso presente, facto até manifesto no indeferimento do recurso interposto de tal decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
6. Pelo que, está modestamente em crer o ora Reclamante que nos presentes autos se labora em manifesto lapso, “exigindo-se”, para a tomada de conhecimento do Recurso interposto para este Egrégio Tribunal um transito em julgado que, claramente, não vem contemplado na lei como um qualquer requisito prévio para se poder recorrer ou não perante este Tribunal,
7. Sendo, aliás, manifesto que, se assim sucedesse, e uma tal decisão houvesse já transitado em julgado, se coarctariam na pessoa do ora Reclamante todas e quaisquer possibilidades de poder recorrer perante este Egrégio Tribunal, apenas lhe sendo possível a interposição dos denominados “recursos extraordinários”.
8. Devendo, por isso, e nessa medida, ser o recurso interposto objecto de conhecimento, não se justificando, por forma alguma, a prolação de uma decisão como aquela de que ora se reclama.
9. Assim não tendo acontecido, vê o ora Reclamante a sua posição processual prejudicada, coarctando-lhe a possibilidade de ser apreciada a questão de inconstitucionalidade suscitada, sendo essa uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, pois que estará em causa a própria interpretação e aplicação da lei que aquele Tribunal da Relação de Évora fez aquando da prolação daquele seu Acórdão de 23 de Novembro de 2010, o qual se entende ferido de inconstitucionalidade».
4. Notificados os recorridos, o Ministério Público vem dizer o seguinte:
«1º
A douta Decisão Sumária nº 354/2011 não conheceu: i) do objecto do recurso interposto do Acórdão da Relação de Évora de 23 de Novembro de 2010; ii) do objecto do recurso interposto da decisão que, no Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação do despacho que, naquela Relação, não tinha admitido o recurso.
2º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente não impugna a segunda parte da Decisão Sumária relacionada com inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), e 432º, nº 1, alínea f), do CPP, sendo certo que não vem invocada uma questão de inconstitucionalidade normativa.
3.º
Quanto à primeira parte da Decisão Sumária, nela não se conheceu do objecto do recurso com base numa dupla fundamentação:
- a decisão recorrida não era definitiva;
- não vinha invocada uma questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
4.º
Na reclamação da Decisão Sumária, o recorrente apenas impugna o primeiro dos fundamentos, pelo que, independentemente do que fosse dito quanto a ele, sempre a decisão se manteria com base no segundo, cuja validade e correcção nos parece evidente.
5.º
Quanto ao primeiro dos fundamentos sempre se dirá, no entanto, que nos parece claro que, tendo o recorrente recorrido do Acórdão da Relação, posteriormente reclamado do despacho que não lho admitiu e recorrido para o Tribunal Constitucional deste último - o recurso referido na segunda parte da Decisão Sumária (vd. nº 1) - falta o requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, segundo o qual só é admissível a interposição do recurso quando se encontrem esgotados os recursos ordinários possíveis (artigo 70.º, n.º 2, da LTC)
6.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Novembro de 2010, com fundamento na não definitividade desta decisão (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), uma vez que o recorrente também interpôs recurso de constitucionalidade da decisão que indeferiu reclamação do despacho de não admissão de recurso interposto daquele acórdão.
Para contrariar a decisão reclamada, o recorrente argumenta que o n.º 2 do artigo 70.º da LTC não exige que, tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) ou f) do seu n.º 1, a decisão recorrida tenha previamente transitado em julgado, mas apenas que já não seja susceptível de recurso ordinário. Ora, foi precisamente este o entendimento que esteve subjacente à decisão reclamada, considerando-se que a decisão recorrida não é definitiva quando a mesma ainda seja susceptível de vir a ser modificada dentro da ordem dos tribunais judiciais, no âmbito das formas ordinárias de impugnação. O que se verifica no caso em apreço. Com efeito, ao reclamar do despacho de não admissão de recurso ordinário daquele acórdão do Tribunal da Relação de Évora e ao recorrer posteriormente para este Tribunal da decisão que indeferiu a reclamação, o recorrente obstou a que a decisão recorrida se tenha tornado definitiva.
Esta actuação processual do recorrente contradiz, manifestamente, o argumento de que a decisão recorrida não era susceptível de um qualquer recurso ordinário, tal como veio a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Com a interposição do recurso de constitucionalidade desta decisão, foi o próprio recorrente quem manteve “em aberto” a discussão sobre a admissibilidade de recurso ordinário do Acórdão da Relação de Évora e, consequentemente, obstou a que esta decisão se revestisse da definitividade necessária à interposição do recurso de constitucionalidade.
Reitere-se, por último, que ao Tribunal Constitucional cabe apreciar a inconstitucionalidade de normas e não de decisões judiciais (artigos 280.º, n.º 1, da Constituição e 70.º, n.º 1, da LTC), o que não é compatível com o pedido de apreciação da inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, na medida em que o mesmo não dá, por qualquer forma, cumprimento integral ao disposto nos artigos 205.º, n.º 1, da Constituição e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Importa, pois, confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Outubro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.