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Processo n.º 403/11
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Novembro de 2009, que negou provimento a recurso de sentença que julgara intempestiva a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação adicional de IRC respeitante ao ano de 2001 efectuada pela Administração Fiscal.
2. Pode interpor-se recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, das decisões dos demais tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. O recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Ora, nas alegações de recurso interposto da sentença de 1ª instância para o Tribunal Central Administrativo (fls. 204 a 221), não se suscita qualquer questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, para que tal ónus se considere cumprido não basta afirmar que a sentença que então se impugnava violou determinado preceito constitucional. Tendo o recurso, no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade “natureza normativa”, no sentido de que só pode ter por objecto a verificação da conformidade à Constituição relativamente a normas jurídicas e não sancionar a directa violação da Constituição, ainda que de direitos fundamentais se trate, por outras decisões do poder público (judicial ou administrativo), uma questão de constitucionalidade só se considera colocada de modo adequado quando, com fundamentação suficientemente perceptível e autonomizada, por forma a poder dizer-se que incorrerá em nulidade se sobre tal questão se não pronunciar, o tribunal que profere a decisão recorrida é chamado a recusar aplicação a determinada norma ou interpretação normativa no exercício dos poderes que lhe confere o artigo 204.º da Constituição.
Ora, nas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo a recorrente sustentou que a sentença que então atacava tinha violado várias disposições legais e constitucionais, mas nunca pôs em crise a constitucionalidade de quaisquer normas de direito ordinário de que essa decisão tenha resultado, designadamente aquelas que agora pretende deferir ao Tribunal Constitucional.
Assim, independentemente de outras razões, o recurso não pode prosseguir por não terem sido previamente suscitadas, podendo e devendo sê-lo, as questões de constitucionalidade que se querem ver apreciadas pelo Tribunal.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar a recorrente nas custas, com 7 unidades de conta de taxa de justiça.”
2. A recorrente reclama nos seguintes termos:
“[…]
Com efeito, para além de ter suscitado, devida e oportunamente, questões de inconstitucionalidade normativa, sempre se terá de reconhecer que à Recorrente era impossível suscitar a inconstitucionalidade de determinada interpretação de uma norma, antes de tal interpretação ser adoptada, afirmada e plasmada em decisão judicial.
Na verdade, só com a prolação do acórdão pelo TCA Sul – em que foi efectuada interpretação de uma norma, materialmente inconstitucional é que a recorrente pode reagir à mesma.
O que fez mediante a interposição de recurso para esse Tribunal Constitucional.
E fê-lo na sequência da arguição de inconstitucionalidade normativa, resultante de interpretação desconforme com os princípios e regras constitucionais, tendo, suscitado, expressamente, nos artºs 55º e 74º das alegações de recurso, interposto para o TCA Sul, a inconstitucionalidade das aludidas interpretações e aplicações de normas.
Aliás, a questão da inconstitucionalidade já havia sido suscitada pela Recorrente em sede de Petição Inicial da Impugnação Judicial deduzida contra actos de liquidação tributária manifestamente ilegais – cfr. nomeadamente artºs 54º e 55º da Impugnação Judicial.
Nesta conformidade, salvo o devido respeito, o Mmº Juiz Conselheiro Relator incorre em erro ao referir na sua douta decisão sumária, que “nas alegações de recurso interposto da 1ª instância para o Tribunal Central Administrativo (fls. 204 a 221), não se suscita qualquer questão de constitucionalidade normativa”.
Finalmente, dever-se-á notar que sendo esse Douto Tribunal Constitucional o garante último da legalidade e da efectiva conformidade das normas e das decisões judiciais com a Constituição, não poderá (não deverá) satisfazer-se com preciosismos formais que impeçam o efectivo conhecimento de ilegalidades e de inconstitucionalidades, aliás, in casu, absolutamente evidentes.
3. Contrariamente ao que a recorrente pretende, não pode considerar-se suscitada qualquer questão de constitucionalidade versando sobre normas jurídicas em termos de o acórdão recorrido dever sobre ela pronunciar-se. Com efeito, nos pontos da alegação de recurso para o Tribunal Central Administrativo em que a própria recorrente refere ter dado cumprimento ao ónus de suscitar a questão de constitucionalidade o que se diz é o seguinte:
“(…)
55. Termos em que assim se demonstra a violação dos princípios da justiça, da boa-fé, de protecção da confiança da tipicidade do procedimento administrativo, da legalidade, da igualdade e os direitos de participação no procedimento administrativo, de audição, de resposta, de ser ouvido, e bem assim o art.º 268.º da CRP, os quais, no seu conjunto, tornam nulas as formalidades praticadas e bem assim nulo e de nenhum efeito o acto de liquidação de IRC de 2001.
…
74 – Das quais emergem factos verdadeiramente novos – os vários actos e formalidades novas que, por isso, tornam tempestivo o acto de impugnação judicial e evidenciam a manifesta nulidade substantiva desse procedimento, por ofensa de direitos fundamentais objecto de tutela constitucional, que assim se requer, com todas as legais consequências.
(,,,).”
Nestes pontos da alegação – e não há outros com melhor préstimo – a recorrente não pôs em causa a conformidade de uma norma determinada à Constituição, mas o desrespeito de princípios constitucionais por parte da Administração e do tribunal de 1ªinstância ao julgar caducado o direito de impugnar a liquidação por não considerar que os vícios denunciados são geradores de nulidade do acto impugnado.
Por outro lado, não se depara um daqueles tipos de situações excepcionais ou anómalas em que a jurisprudência do tribunal vem considerando não exigível a suscitação prévia da questão de constitucionalidade. Na verdade, a questão que o acórdão recorrido decidiu foi a questão de intempestividade da liquidação e fê-lo por aplicação das mesmas normas que já haviam estado na base da decisão de 1ª instância, que confirmou.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas custas, com 20 UCs. de taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Julho de 2011. – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.